efdeportes.com

O trato do conhecimento hip hop e a capoeira na Educação Física escolar

El abordaje del conocimiento hip hop y la capoeira en la Educación Física escolar

 

*Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Física

**Licenciada em Educação Física e Mestre em Educação

pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC

Professora do Curso de Educação Física

Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC

Criciúma, Santa Catarina

Jeanine Paris Miranda*

jeanine_futsal9@hotmail.com

Ana Lucia Cardoso**

anc@unesc.net

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo teve como objetivo compreender como tratar o conhecimento do hip-hop e a capoeira nas aulas de educação física a partir do principio da simultaneidade do conhecimento proposto pela perspectiva crítico superadora. Optamos por uma pesquisa bibliográfica em que foi abordada a contextualização histórica do hip hop e da capoeira, o processo da simultaneidade do conhecimento na pedagogia critico superadora e evidenciadas as possibilidades de tratar o principio da simultaneidade entre os conteúdos. Concluímos que o principio da simultaneidade compreende que os conteúdos não podem ser desconectados, nesse sentido destacamos que a capoeira e o hip hop podem ser tratados a partir deste princípio quando tratamos as semelhanças da capoeira e do hip hop desde sua historicidade na busca pela liberdade até seus rituais práticos.

          Unitermos: Cultura Hip hop. Capoeira. Critico Superadora. Simultaneidade.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    O interesse na temática desta pesquisa surgiu no decorrer dos estágios obrigatórios do curso licenciatura em educação física da UNESC realizados nas séries inicias e finais do ensino fundamental. Nesse período de estágio foi perceptível que o conhecimento dos alunos se limitava no conteúdo Esporte, exclusivamente os esportes hegemônicos. A participação dos alunos não era efetiva, pois muitos durante a aula de educação física utilizavam os celulares, faziam tarefas de outras matérias ou ficavam apenas conversando. A partir dessas observações foi conveniente optar por abordar um conhecimento que não tem sido ensinado na Educação Física. Durante o estágio nas séries iniciais foi utilizado o conteúdo da capoeira nas séries finais a dança de rua, enfatizando o estilo Breaking.

    A escolha do tema deste estudo deu-se a partir do grande aprendizado vivenciado, pois mesmo não tendo total domínio de ambos os conteúdos foi possível vencer os obstáculos e apresentar um conteúdo “novo” para os alunos.

    Neste estudo realizamos uma pesquisa bibliográfica em que buscamos os autores e a produção de conhecimento acerca do tema capoeira e a cultura hip-hop e o principio curricular no trato com o conhecimento da simultaneidade um dos elementos da critico superadora.

    Tendo como Problema: Como tratar o ensino do conteúdo hip-hop e a capoeira nas aulas de educação física a partir do principio da simultaneidade do conhecimento? Sendo o Objetivo Geral: Compreender como tratar o conhecimento do hip-hop e a capoeira nas aulas de educação física a partir do principio da simultaneidade do conhecimento propostos pela perspectiva crítico superadora. Sendo assim tenho como Objetivos Específicos: Apresentar a contextualização histórica e as origens da capoeira e do hip hop reconhecendo-os como um conteúdo escolar; Relacionar as semelhantes entre a capoeira e o hip hop apontando elementos da simultaneidade destes conhecimentos da Educação Física.

    Com esse artigo pretende-se buscar semelhanças e conseqüente simultaneidade desses conteúdos e fortalecendo o conhecimento de elementos da cultura corporal que tem sido invisível no âmbito da educação física escolar.

A proposta crítico superadora e o principio curricular da simultaneidade

    Através das lutas de interesses das classes é que vem às crises e é a partir dela surge às pedagogias. A pedagogia seria um método para se explicar a pratica social. É ela que vai entender e explicar a pratica social em um determinado tempo, juntamente com uma teoria e um método. (COLETIVO DE AUTORES 1992).

    Na área da Educação Física foi gestada na década de 1990 a proposta explicitada Critica Superadora que defende unicamente a classe trabalhista, buscando assim a superação da sociedade imposta (sociedade capitalista). Como forma de superação através da Educação Física ela propõe uma reflexão que se organiza em Diagnóstica Judicativa e Teleológica.

    Será diagnóstica porque vai ler os dados da realidade, vai observar para julgar o contexto, julgando eticamente de acordo com os interesses de classes. Assim definindo um objetivo, uma direção a ser transcender e poderá ser conservadora ou transformadora dos dados da realidade julgados e diagnosticados. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

    Para esta proposta o currículo passa a ser uma reflexão que o aluno tem diante da sociedade onde vive. O aluno tem uma realidade social, independentemente do que ele apresenta nessa realidade, é preciso o fazer pensar, refletir, explorar o que vive com o saber científico, fazendo com que o aluno amplie seu conhecimento. A escola tem como papel principal nesta aprendizagem a compreensão do conhecimento cientifico a fim de se apropriar dele para dar um novo sentido aos seus alunos,

    Assim a organização do conhecimento na escola se materializa através da dinâmica curricular sendo construída uma base que seria: o trato do conhecimento, a organização escolar e a normatização escolar. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

    No trato do conhecimento preocupam-se com a direção do conhecimento, quais seriam os critérios para selecionar, organizar e sistematizar os conteúdos de ensino. Os conteúdos de ensino para serem elencados devem apresentar uma relevância social, na qual através da prática social diagnosticada o conteúdo tenha um sentido e significado através da reflexão pedagógica, para que o aluno possa compreender a sociedade em que vive. Os conteúdos devem ser contemporâneos, que o conhecimento seja o mais atual. O mesmo deve ser adequado às possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno, ou seja, adequados a sua capacidade cognitiva e as suas possibilidades.

    No trato com o conhecimento o mesmo deve ser ensinado oportunizando o confronto dos saberes, saber popular e saber cientifico sendo confrontados, respeitado e ampliados. Demarcando como pensamento a forma espiralada ou espiralidade da incorporação das referencias do pensamento, que exista vários pontos de organização superando a linearidade. E olhando o conhecimento percebido como provisório. A provisoriedade do conhecimento, ou seja, entender que o conhecimento esta permanentemente sendo produzido/construído.

    E por fim o princípio da simultaneidade do conhecimento, pois enquanto os dados da realidade, a apresentação dos conteúdos deve ser simultâneos e coesos estabelecendo uma ligação e contextualização. Em relação ao principio da simultaneidade podemos exemplificar abordando o tema esporte. Descobrir que o futebol apesar de suas características, que o distinguem dos outros esportes, possui afinidades e conhecimentos compartilhados com as demais modalidades, é utilizar o princípio da simultaneidade dos conteúdos. Estudar o sistema esportivo sua organização, sua possibilidade de mercado, sua característica de entretenimento, enfim sua construção histórica e sua articulação com a sociedade contemporânea é compreender que os conhecimentos não podem estar fragmentados. Uma prática corporal uma determinada modalidade, tem sempre ligações com uma cultura de movimento mais ampla e profunda. (EUZÉBIO, CARDOSO, s/d). O futebol, o basquete, o voleibol ou qualquer outra modalidade participam de uma intricada rede de relações e interesses. Possuem fundamentos, estratégias e táticas similares. São, portanto “primos” e não estranhos que se cruzam em calçada lotada.

    Para definir qual o conhecimento que constitui a Educação Física o Coletivo de Autores (1992) propõe uma reflexão do processo histórico e cultural. O homem construiu sua própria história com suas ações, mas existiam ações que se tornaram muito importantes para a sociedade que seria o processo de evolução do homem na qual ele conseguiu andar em pé, além daquelas que fizeram parte de sua luta para sua sobrevivência. Este conhecimento se denomina de cultura corporal, por constar de que corporeidade se materializa como construção histórica que deve ser assim repassada aos alunos. A Educação física se define como uma pedagogia onde se aplica em uma instituição de ensino, na qual se ensina a cultura corporal. Seu conteúdo será relacionado com linguagem corporal assim sendo, jogos, dança, ginástica, esportes e outros. Estes conteúdos serão tratados aprofundando sua historicidade e questionando com a sociedade atual, sendo que desenvolvendo a corporeidade e seus significados.

    Denominamos Cultura Corporal o acervo de saberes, habilidades, valores e formas comunicativas que compõe o complexo cultural manifestado pelas práticas corporais, historicamente categorizados como: jogos, esportes, danças, ginástica, lutas, capoeira, malabares, mímica entre outros. Tal acervo se manifesta como objetivações culturais que manifestam a dinâmica da relação entre trabalho, linguagem e poder, apresentando significados e sentidos que o movimento corporal assume na produção social humana. O conjunto de saberes, habilidades, valores, conceitos e formas de comunicação que compõem a Cultura Corporal são permeados pelas múltiplas determinações que condicionam a vida dos indivíduos, tais como: os costumes e hábitos de uma região; a tradição histórico-cultural; a influência dos meios de comunicação; os condicionantes econômicos, políticos, sociais e culturais; os valores presentes na sociabilidade humana; etc. (SILVA; DUCKUR, s/d)

    A seguir abordaremos os conteúdos da capoeira do Hip hop que foram selecionados para aprofundarmos neste estudo

A Capoeira

    A história da capoeira está ligada a história dos negros do Brasil. Quando os europeus aqui chegaram necessitavam de mão-de-obra barata para a exploração de terras, escravizaram os indígenas que não suportaram os maus-tratos então precisaram buscar nova mão-de-obra escrava então trouxeram os negros da África.

    Segundo Areias (1983), em sua obra O que é Capoeira, fez constar que os negros eram tirados de seu hábitat, colocados nos porões dos navios e levados para os novos horizontes recém-descobertos pelas grandes potências da época.

    Já Oliveira (1989, p. 21), também conhecido por Mestre Bola Sete, em seu livro A Capoeira Angola na Bahia, esclarece que “Os primeiros escravos africanos a chegarem ao Brasil e os que vieram em maior número foram os negros bantos, eram naturais de Angola”.

    Quando chegavam aqui os negros eram separados para que um senhor não ficasse com negros que falassem a mesma língua, para evitar que armassem rebeliões.

    Os negros eram tratados pelos senhores como propriedades pelo valor que pagavam para ter o negro, os senhores sentiam-se no direito de exigir dos negros os mais duros trabalhos.

    Areias (1996, p.11) afirma que:

    Trabalhando num regime de sol a sol, comandados pelos chicotes dos feitores, eles derrubavam as matas, preparavam a terra, plantavam a cana e produziam, com o amargor do seu sofrimento, o açúcar, doce riqueza dos seus senhores.

    Segundo Mestre Pastinha (1988, p.28), em sua obra Capoeira Angola:

    Os negros africanos, no Brasil colônia, eram escravos e nessa condição tão desumana não lhes era permitido o uso de qualquer arma ou prática de meios de defesa pessoal que viessem a pôr em risco a segurança de seus senhores.

    Sobre a verdadeira história da capoeira muitas são as discordâncias entre pesquisadores, um dos motivos ver a ser que Ruy Barbosa quando ministro da fazenda, com o argumento de apagar a história negra da escravidão mandou que fosse queimada uma grande parte da documentação relativa a esse período.

    Para muitos autores a capoeira foi uma invenção do negro na África, onde existia como forma de dança ritualística, já aqui no Brasil a capoeira apareceu como forma de defesa pessoal dos escravos contra seus opressores do engenho.

    Para Barbieri (1993) a capoeira constitui-se em uma linguagem polissêmica, sendo o corpo vivido seu repertorio cultural e, ao mesmo tempo, “uma das principais armas contra o opressor, e como síntese, elemento chave no processo de (re) criação cultural”.

    Na visão de Pastinha (1988, p.26) “Não há dúvida de que a capoeira veio para o Brasil com os escravos africanos”.

    Para Marinho (1956) não existe duvidas de que a capoeira foi trazida para o Brasil pelos negros africanos bantos procedentes, principalmente de Angola.

    Reis (1997a, p.19) ressalta que “A capoeira é uma manifestação cultural brasileira nascida em circunstâncias de luta por liberdade, nos tempos da escravidão”.

    De acordo com Mello (1996, p.32)

    Essa pratica se dava de maneira clandestina, pois, uma vez que ela era utilizada como arma de luta, os senhores-de-engenho passaram a coibi-la veementemente, submetendo a terríveis torturas todos aqueles que a praticassem.

    Santos (1990, p.19) comenta que, “para assegurar a sobrevivência da capoeira naquela época, os capoeiristas, quando na presença dos senhores de engenho, praticavam-na em forma de brincadeira, quando, na verdade, estavam treinando”.

    O berimbau servia para dar ritmo, porém o mesmo também servia para avisar a chegada de um feitor, sendo assim, a hora de transformar a luta em dança. Com o passar dos tempos, os nossos colonizadores perceberam o poder fatal da capoeira, proibindo esta e rotulando-a de “arte negra”. (SANTOS, 1990, p.34).

    Os pesquisadores Santos e Barros (2001, p.1), salientam que “Em 1888 foi abolida a escravidão e muitos escravos foram largados nas ruas sem emprego e a capoeira foi um dos meios utilizados para a sobrevivência deles”.

    A capoeira trata-se de uma manifestação natural das camadas subalternas, dos negros, que durante muitos anos foi condenada e proibida pelo poder constituído.

    Na capoeira pode-se “ler” a história da repressão e emancipação do negro brasileiro, constituindo-se ela como um arquivo de memória, um resgate do passado oprimido e uma forma de promessa de libertação e emancipação. (TAVARES, 1984, p.153)

    Segundo Rego (1968), “o capoeira desde o seu aparecimento foi considerado um marginal, um delinqüente que a sociedade deveria vigiá-lo e as leis penais enquadrá-lo e puni-lo”.

    Reis (1993) acredita que o capoeirista ao utilizar golpes e movimentos de “pernas para o ar” esteja configurando um mundo também de “pernas para o ar”. Enuncia que se faz da capoeira um mundo invertido. O baixo corporal, numa estratégia legitima de contestação da ordem estabelecida. Complementa seu posicionamento afirmando que, “no entanto, ao inverter a ordem do mundo, a capoeira não se opõe inteiramente a ordem do mundo, a capoeira não se opõe a ordem dada, mas, ao contrario, joga no campo de possibilidades de luta traçado pelo adversário”.

    Em um jogo de capoeira retrata-se uma negociação entre os capoeiristas, que utilizam de surpresas maliciosamente aplicadas, sendo o poder criativo e a individualidade espontânea de cada um.

    (...) a vadiação como era conhecida também a capoeira, misturava-se a outras praticas cotidianas das classes populares, como as peladas de futebol. Não era exigida indumentária especial. O praticante entrava no jogo calçado e com roupa do dia-a-dia. Eles se reuniam, na maioria das vezes, em frente aos bares, mercados, praças, feiras e igrejas. Muitas vezes recolhiam dinheiro ‘passando o chapéu’ ou então com a boca durante o jogo, quando faziam preliminarmente complexos movimentos de agilidade e destreza como uma forma de recompensar a generosidade do público. Pode-se afirmar, diante desse procedimentos que as relações interpessoais na prática da capoeira eram necessariamente intensas e os capoeiristas mergulhavam de ‘corpo e alma’ naquela realidade. (FALCÃO, 1996, p.93).

    É a capoeira uma dança? Uma luta? O autor acha que o capoeirista Corisco (do Recife) definiu bem quando disse:

    A capoeira ultrapassa esses limites que tentamos impor a ela. Ela é um estilo de vida, um modo de ser, conviver, enfrentar o mundo. É mais que uma filosofia, é a própria vida do capoeirista. Na capoeira a gente pode expressar a dor, a alegria, a sensualidade, o ataque, a defesa, a saudade, o encontro. (FREIRE, 1991, p.152)

    Campos (1990) avalia e divide a capoeira, de acordo com a sua importância pedagógica: a capoeira luta, na sua origem natural como instrumento de defesa pessoal genuinamente brasileiro; a capoeira dança e arte, através da música, ritmo, canto, instrumento e expressão corporal; a capoeira folclore como preservação da cultura brasileira; a capoeira educação na formação integral no aluno; a capoeira lazer como pratica não formal através das “rodas” espontâneas, realizadas nas praças, etc.; e a capoeira filosofia de vida integrada a vida do praticante que assume como estilo de vida ativo.

O Hip-Hop

    Segundo Rose (1997) a década de 70 foi marcada pelo acirramento das condições do capitalismo, nesta mesma década, se dá o surgimento da Cultura Hip-Hop, no bairro do Bronx nos Estados Unidos, sendo que o movimento hip-hop está relacionado diretamente aos desdobramentos do capitalismo, como o preconceito racial, miséria e a desigualdade.

    O bairro Bronx onde ocorreu o surgimento do Hip-Hop era conhecido como sinônimo de violência e da ilegalidade. Com uma imagem de um lugar feio, sujo e arruinado tendo assim uma identidade de um local marginalizado, ocupado principalmente por negros, conforme descreve Rose (1997).

    Segundo Oliveira (2004), outro fator ocorrido paralelo ao surgimento do Movimento Hip Hop foi a Guerra do Vietnã, onde a maioria dos soldados recrutados para a guerra era de origem negra e latina. Para contestar essa situação os “dançarinos de rua” reproduziam movimentos que representassem os soldados mutilados da guerra, ou ainda faziam movimentos que representassem a hélice dos helicópteros utilizados na guerra, entre outras representações.

    O termo Hip-Hop em português significa “Saltar mexendo os quadris”

    O termo Hip-Hop foi criado pelo DJ África Bambaataa que teria se inspirado em dois movimentos cíclicos: um deles estava centrado na forma pela qual se transmitia a cultura dos guetos americanos; e a outra estava na forma de dança popular da época, a qual consistia em saltar (hop) movimentando os quadris (hip). (Juny KP, 2001)

    Nesse período o Bronx era marcado por atos de vandalismo e disputas entre gangues, Kevin Donavan (África Bambaataa), era um jovem já cansado dessas disputas, produtor de festas do bairro apaixonado por música aos poucos com sua “Black Parties” (Festas de Quarteirão), foi deixando as gangues esquecidas.

    Após este período de conflitos e disputas, os jovens começaram a trocar as disputas entre gangues por batalhas de dança. O que antes era violência, morte e sangue, tornou-se crew (grupo, equipe e turma), sendo que as crews mantiveram a postura de protesto das gangues, porém sem violência.

    África Bambaataa viajou para a África em busca de como viviam os negros lá, trazendo então esta cultura para a América, com idéias pacifistas de auto-afirmação e a valorização da juventude afro-descendente.

    Segundo Fonchi (2007), assim como nos Estados Unidos, no Brasil na década de 80 o break também foi a primeira vertente da cultura hip hop, é considerado o “pai” do break nacional Nelson Triunfo, os primeiros dançarinos de break no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), tinham como objetivo a diversão e a busca da auto-estima. No inicio os praticantes não eram bem vistos, chegando a sofrer preconceito e perseguição, esta situação começa a melhorar quando em 1983, Michael Jackson através de seus clipes expõem dançarinos de break, revelando assim o break dance como uma dança moderna, uma forma de arte “respeitável”.

    A Cultura Hip-Hop é um conjunto de quatro elementos: o DJ (Disc-Jockey), o MC (Mestre de Cerimônia), o Break e o Graffiti. Cada um desses elementos teve o seu surgimento isoladamente, porém aos poucos foram se encontrando e formando o Hip-Hop.

    O primeiro elemento é o DJ, foi através dele que veio toda a propagação da cultura. Ele é o responsável pela trilha sonora do Hip-Hop

    Conforme Juny KP (2001) o termo “DJ” foi inventado por Beat Junkies, onde o DJ além de tocar músicas, manipula toca-discos e cria novos sons. Expõe que Kool Herc foi quem introduziu o uso de dois toca-discos para a performance do DJ, podendo assim inovar com a repetição de trechos de músicas (chamados de breakbeat) de vinil.

    O segundo elemento o MC é caracterizado por utilizar uma trilha sonora, e sobre ela são criados rappers ritmos e poesias, que podem ser falados, recitados ou cantados, retratando letras polemicas, protestantes, fatos reais muitas vezes tristes, a realidade da periferia, a desigualdade social e o preconceito. Uma maneira que os jovens encontraram para fazer com a grande massa escutasse o dia-a-dia da favela.

    Rap (Rhythm and Poetry) é um estilo musical originado do canto falado da África Ocidental, adaptado a música jamaicana da década de 1950 e influenciado pela cultura negra dos guetos americanos no período pós-guerra. As letras das canções são denúncias da exclusão social e cultural, violência policial e discriminação racial; constituindo-se de longas descrições do dia-a-dia de jovens que vivem nas periferias de centros urbanos. (MAGRO, 2002, p.71)

    O Break é o terceiro elemento, nascido da necessidade de substituir as brigas no Bronx, ele veio como uma dança em forma de protesto. Ao som do DJ e a fala do MC, os B.Boys/B.Girls (como são chamados os dançarinos de break) formavam rodas e disputavam suas diferenças através de batalhas. Os jovens que participavam dessas batalhas protestavam contra a Guerra do Vietnã, este protesto acontecia por meio de movimentos da dança que imitavam os feridos e mutilados da guerra. Desta maneira a dança torna-se um grito de protesto contra a opressão e principalmente contra a guerra.

    Juny KP (2001) expõe que o Break apresenta influências das artes marciais (chinesas), das danças nativas da África e dos Estados Unidos e da Capoeira brasileira. Gradativamente acenderam outras “rotinas” no Break, como, por exemplo, o Top Rock, que é considerado a marca registrada, o cartão de visita do B.boy/B.girl; o Footwork é a base do B.boy; o Freeze que é o congelamento de um movimento por pelo menos dois segundos e, por fim tem os movimentos baseados na ginástica, ginástica olímpica influenciada pela vivência da rua. O Break chegou ao Brasil no final dos anos 70, tendo como pioneiro Nelson Triunfo, o Nelsão.

    O último elemento é o Graffiti considerado um estilo de desenho com traços livres de efeito visual, caracterizado pela diversidade de tonalidades e cores, é realizado em paredes, muros, roupas e telas. As pinturas geralmente tratam de um protesto contra as condições de vida precária na periferia.

    Segundo Rose (1997), tem como percursor o Grafiteiro Futura, que após ter perdido seu trabalho em uma gráfica, devido a informatização desta, passou a fazer o uso de spray como forma de divulgar sua arte, suas mensagens e sua assinatura (denominada tag, é a principal identidade entre os grafiteiros). Além disso, era uma forma de comunicação, já que os trens levavam as mensagens dos grafiteiros de um bairro a outro.

    A junção desses elementos acontecia em festas da comunidade onde o DJ mandava a trilha sonora, o MC transmitia recados nos microfones, os B.boys/B.girls dançavam o Break e os Graffiteiros produziam sua arte em murais e muros.

    Segundo Motta (2006), o hip hop é ilustrado por personagens sobreviventes de guerra. Uma guerra diária pela vida. Ele acolhe e tenta proteger os que já nascem condenados à morte. Personagens reais, cercados pela miséria, fome, desinformação, violência, crueldade, desemprego, drogas, descaso, desabrigo, armas de fogo, tráfico e desrespeito. Em meio a tantas armas que eles podem escolher no jogo real do “matar ou morrer”, o hip hop escolhe a maior de todas as armas: a cultura. Uma cultura marginal, mas que não é propriedade dos grandes, não é da elite nem da burguesia. É a cultura de quem foi capaz de criá-la e levá-la adiante. É a cultura das ruas, do povo.

    Através de expressões artísticas intensas, o povo da periferia encontrou no hip hop a vontade de viver, a motivação e a consciência de cidadania. O mínimo que o hip hop propõe com suas manifestações e expressões que mudam e desenvolvem-se a cada dia é um olhar livre de preconceitos. (MOTTA, 2006, p.10)

Quando o hip hop encontra a capoeira

    A partir do breve estudo acerca dos conteúdos capoeira e hip hop evidenciamos algumas possibilidade de tratar o principio da simultaneidade entre os conteúdos, desde sua historicidade e sua estruturação no campo da manifestação corporal.

    A partir do estudo teórico podemos ressaltar que o surgimento da capoeira e do hip hop tem ligação direta com os negros africanos, sendo que a capoeira chegou ao Brasil por meio dos escravos africanos, como forma de dança ritualística, e no Brasil ela foi introduzida como forma de defesa dos seus opressores. Com o surgimento do Break, África Bambaataa viajou para a África para conhecer como viviam os negros trazendo a cultura para a América. Desta forma podemos perceber tanto na capoeira como na cultura hip hop a presença da cultura dos negros africanos.

    Para outros pesquisadores, estudiosos da cultura afro-brasileira, africana e historiadores, a capoeira surgiu no Brasil por um processo de aculturação em prol da liberdade humana da raça negra escravizada pelos dominantes da época do Brasil colonial (SANTOS,1990, p. 19).

    Da mesma forma o hip hop

    No final dos anos 60 os DJs Kool Herc e Afrika Bambaataa trouxeram da Jamaica para o South Bronx, um bairro visto como favela onde viviam negros e hispânicos, uma técnica dos famosos sound-systems de Kingston, organizando festas nas praças (block parties) que promoviam a alegria e rejeitavam a violência. (ADÂO,2006, p.11)

    Estes dois movimentos culturais chegaram ao Brasil tendo logo no seu principio um preconceito por parte da sociedade em geral, principalmente pelo fato de quem praticava esses movimentos culturais serem negros, moradores de periferia, ocasionando assim agressões e perseguições.

    Oliveira (1989, p.22) ressalta que “Mesmo depois de abolida a escravidão, os capoeiristas continuaram a sofrer perseguições da policia e eram mal vistos pela sociedade”.

    O hip hop trilhou este mesmo caminho. Citado por MOTTA (2006), André du Rap explica que:

    Os policiais nos oprimiam. Diziam que a gente fazia muito barulho e achavam que era uma agressão, porque muita gente não conhecia o estilo. O break era desconhecido, a gente começava a bater nos tambores e os moleques vinham e começavam a dançar. Aquilo ali era uma agressão para aquelas pessoas que não conheciam a cultura. E os policiais falavam que era tudo maloqueiro, tudo bandido, tudo ladrão”.

    Com a chegada dessas culturas, encontramos também uma luta diária pela vida, com personagens reais cercados pela opressão, o preconceito, a fome, a miséria, a violência, a crueldade e o desabrigo. Personagens estes que buscam através dos movimentos culturais e da arte, a paz, o amor, a liberdade e uma igualdade de direitos perante a sociedade.

    Segundo Motta (2006, p.10), “o hip hop não foi inventado, ele nasceu naturalmente no gueto, recebeu a forma dos negros e excluídos e hoje auxilia o povo a encontrar uma identidade”. Esta cultura marginal traz de volta os sonhos daqueles que carregam o sofrimento como estilo de vida. Ela eleva a auto-estima daqueles que antes eram forjados de estorvo pela sociedade.

    Através de expressões artísticas intensas, o povo da periferia encontrou no hip hop a vontade de viver, a motivação e a consciência de cidadania. O mínimo que o hip hop propõe com suas manifestações e expressões que mudam e desenvolvem-se a cada dia é um olhar livre de preconceitos.

    Após todas estas questões históricas semelhantes entre a cultura hip hop e a capoeira, chegamos a seus rituais da realização pratica de ambas, em que encontramos na capoeira uma roda, com instrumentos, o canto, os capoeiristas e os seus fundamentos como a ginga, movimentos de ataque e defesa e acrobacias.

    Em uma roda de capoeira os jogadores ficam dispostos em um circulo, no qual haverá instrumentos como berimbau, pandeiro, agogô, atabaque e reco-reco que ditaram o ritmo do jogo, para acompanhar o toque dos instrumentos, encontramos também o canto/ladainha que irá transmitir através da letra uma história, um desabafo, uma provocação, um aviso. No meio dessa roda os capoeiristas ao som dos instrumentos e da música irão realizar movimentos como a ginga, esquivas, quedas de rins, rabo-de-arraia, aú, e assim por diante.

    O jogo da capoeira retrata uma “negociação” entre os jogadores. Utilizando-se de surpresas maliciosamente aplicadas, neste caso é o poder criativo e a individualidade espontânea de cada um. Esta capacidade parece estar acima de força física e tornam-se uma constância nos jogos de capoeira. Simula-se ataque e defesa, tornando-se luta ambígua. A ludicidade e a combatividade estão presentes, mas não se antagonizam (REIS, 2001, p. 87).

    Já em uma Cyfher (circulo onde é realizada uma batalha de Break), encontramos os B.boys termo utilizado para quem dança break, o DJ responsável pela música que se chama Break Beat e o MC (Mestre de Cerimônia), que introduz a partir do break beat sua rima trazendo letras de indignações, protestos, sofrimento, etc.

    Ao meio dessas Cyfhers são realizadas batalhas entre B.boys que serviam para disputas de diferença entre jovens através da dança e como forma de protesto. No break cada B.boy deve ter o domínio dos fundamentos da dança que são o Toprock que é um conjunto de movimentos realizados na posição em pé, semelhante à ginga na capoeira. O Footwork que é o trabalho com os pés, o sapateado no chão semelhante às negativas e roles realizados na capoeira. O Freeze que é o congelamento dos movimentos, semelhantes as quedas de rins da capoeira e por ultimo os power movies que são acrobacias, e manobras pirotécnicas encontrados também na capoeira.

    Segundo Motta (2006, p.67), há uma relação entre o break e a capoeira. Assim como o hip-hop a prática da capoeira exige que se aprenda a música, a arte e as origens. Uma vez que quando se apropria deste conhecimentos passa-se a entender melhor a cultura, passa a compreender a arte e sua similaridade com a cultura afro.

Considerações finais

    Mediante a análise do referencial teórico estudado, respeitando-se as limitações do estudo, conclui-se que a história da cultura hip hop e da capoeira esta intimamente ligada aos negros africanos.

    Um dos motivos que contribuem para dificultar o conhecimento e o estudo sobre a semelhança dos temas é a falta de material disponível sobre essas duas culturas, culturas essas que lutaram muito tempo pela liberdade e o preconceito.

    Este artigo teve como objetivo trabalhar o conteúdo da cultura hip hop e da capoeira na educação física escolar através do principio da simultaneidade dos conteúdos, buscando semelhanças entre ambos. Foi possível encontrar suas semelhanças históricas como a participação dos negros africanos em ambas as culturas, a luta pela liberdade, para o fim da opressão. Durante muito tempo essas culturas sofreram perseguições pela sociedade por julgá-los como marginais desocupados e baderneiros.

    Nessa busca pela simultaneidade foi possível também encontrar diversas semelhanças nos seus rituais práticos, como o desenvolvimento dentro de uma roda, a musicalidade, o canto, os movimentos e a criatividade.

    Concluímos que podemos perceber a possibilidade de ensiná-los na educação física escolar, não de forma isolada, mas de forma contextualizada e conectada.

Referências

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 190 | Buenos Aires, Marzo de 2014
© 1997-2014 Derechos reservados