Educar, cuidar e assistir: o brincar na educação do corpo e a infância como foco de análise Educar, cuidar y asistir: el jugar en la educación del cuerpo y la infancia como foco de análisis |
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*Graduanda em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) Membro do grupo de pesquisa “Corpo e Governabilidade”. **Mestranda em Educação e Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) Membro do grupo de pesquisa LaboMídia e do grupo “Corpo e Governabilidade” (Brasil) |
Luana Alves dos Santos* Jessica Vitorino da Silva Terra Nova** |
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Resumo O tema proposto neste artigo está relacionado a questões que tocam o trato com o corpo infantil dentro do processo de ensino-aprendizagem e a importância do lúdico no âmbito da Educação Infantil. Busca-se, portanto, pautar reflexões sobre o “brincar” no processo de educação do corpo infantil a fim de propiciar discussões a cerca do trato dado pelas instituições de ensino às crianças de 0 a 6 anos no que diz respeito à educação do corpo. O presente trabalho objetivou identificar, durante a prática pedagógica, elementos possíveis de pautar diálogos e reflexões acerca da temática a partir de seis categorias. A pesquisa de caráter etnográfica foi realizada em uma escola de ensino de natureza privada de Aracaju/SE onde foram realizadas observações livres e coletados os dados, registrados em diários de campo. Durante esse processo pode se observar que as crianças em seu processo de alfabetização são privadas da liberdade de brincar em detrimento das atividades orientadas. Fica evidente a necessidade de se discutir como o corpo e o lúdico estão sendo negligenciados no processo de educação das crianças. Unitermos: O brincar. Infância. Educação do corpo.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
Aspectos relacionados à Educação infantil vêm sendo temática para inúmeros diálogos. Pesquisadores de todas as partes do mundo juntamente com as mais diversas instituições públicas e/ou privadas têm demonstrado uma preocupação significativa com o trato educativo que se volta para tais sujeitos. Temas que fazem referência à proteção da infância bem como à estrutura física dos espaços, os recursos didáticos e humanos que estão sendo utilizados para cuidar e assistir as crianças e etc. são alguns dos mais discutidos entre os profissionais que têm se dedicado a essa área.
Na sociedade, mais especificamente no espaço escolar, pode-se afirmar que o corpo está constantemente sob pleno domínio, controle e governo. O corpo é alvo fácil de manipular, treinar e controlar. A escola, nesse sentido, têm se tornado a principal instituição, dentre outras, para cumprir tais finalidades: vigiar, modelar, corrigir, inventar e construir os corpos de meninos e meninas. Sendo assim, discute-se que o movimento passa a ser a expressão central da criança, pois é através do corpo que elas vivem, brincam, desenvolvem, se expressam e conseqüentemente representam-se no mundo.
O presente trabalho foi proposto pela disciplina “Ensino da Educação Física na Educação Infantil” e realizado com acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe na tentativa de estreitar os estudos sobre o referido tema a partir de uma pesquisa etnográfica realizada em escolas de Educação Infantil de Aracaju/SE.
O tema proposto nesta pesquisa está relacionado a questões que tocam o trato com o corpo infantil dentro do processo de ensino-aprendizagem e a importância do lúdico dentro desse contexto. Busca-se, portanto, pautar reflexões sobre o “brincar” no processo de educação do corpo infantil (sujeito). A fim de propiciar discussões a cerca do trato dado pelas instituições de ensino às crianças de 0 a 6 anos no que diz respeito à educação do corpo, o presente trabalho objetivou identificar, durante a prática pedagógica, elementos possíveis de pautar diálogos e reflexões acerca da temática a partir de seis categorias selecionadas, são elas: 1. Corpo – Atividade orientada/currículo; 2. Corpo-currículo; 3.Corpo-higiene; 4. Corpo-alimentação; 5. Corpo-sono; 6. Corpo-brincadeira. Vale frisar que tais categorias foram estruturadas a partir das apresentadas por Richter e Vaz (2005) em uma pesquisa da mesma natureza teórica e que serviu de base para o desenvolvimento desta: “Corpos, saberes e infância: um inventário para estudos sobre a educação do corpo em ambientes educacionais de 0 a 6 anos”.
Pensando na qualidade formativa enquanto profissionais da educação, esse estudo auxiliou na compreensão do que toca a necessidade de transformação da educação infantil, da valorização das crianças que não são apenas corpos, mas sujeitos que necessitam brincar e se-movimentar para se desenvolver plenamente. Neste sentido, Kunz (2011), afirma que:
Todo ser humano tem uma inerente necessidade de se-movimentar. A criança sabe muito bem disto e busca incessantemente atender a esta necessidade básica e que realiza de melhor forma no brincar. O brincar é o ato mais espontâneo, livre e criativo e por isto é para ela uma realização plena para o desenvolvimento integral de seu ser. Deveria ser entendido pelos adultos como algo Sagrado para a criança. Impedir essa possibilidade é uma “Lebensentzug” (Zur Lippe), extração de vida sem morrer.
Sendo contraditório o modo pela qual se tem constituído as formas de desenvolvimento da educação das crianças tal artigo encontra-se organizado de forma que primeiramente apresenta-se o método de pesquisa sob o qual construímos o presente texto. Num segundo momento fazemos uma breve narrativa sobre a constituição da escola no papel de educar, cuidar e assistir o corpo na infância alavancando reflexões a cerca dos sentidos e significados do lúdico na infância e de como o trato com o corpo infantil interfere na sua liberdade de brincar e se-movimentar. No terceiro e último momento dialogamos a cerca das categorias de análise relacionando os dados observados no campo empírico com as bibliografias sugeridas no decorrer da disciplina como Cunha (2003), Kuhlmann (2003), Kunz (2011), Richter e Vaz (2004) e outros como Abramovich (1995), Edwards (1999), Faria (1999) e Pasek (2006).
2. Metodologia
Para o desenvolvimento dessa pesquisa, de cunho etnográfico, os alunos matriculados na disciplina “Educação Física na Educação Infantil” do curso de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe (UFS) foram orientados a procurar uma escola de Educação Infantil de 0 a 6 anos de idade para fazer intervenções e observar uma turma a partir das categorias selecionadas. Antes de se colocar a campo para atuação houve um preparo teórico-metodológico sobre como deveríamos nos comportar como pesquisador-observador dentro da escola e da sala de aula, bem como o estudo a partir de autores que discutem a infância e suas dimensões na perspectiva do trato com o corpo da criança.
O método utilizado para a coleta de dados foi à observação livre com anotações de natureza descritiva. Utilizamos Triviños (1992) como embasamento metodológico, na qual discute o pesquisador como observador e a observação livre. Os acadêmicos se responsabilizaram a realizar observações, no campo empírico, uma vez por semana, cumprindo os dias e horários, anteriormente, agendados e seguidos com rigor para não comprometer a legitimidade da pesquisa. Os dados coletados durante as observações foram registrados em diários de campo individuais. Essas anotações foram feitas imediatamente após cada observação.
A escola escolhida para as observações foi de natureza privada em um bairro de classe média que recebe crianças tanto da área local como de outros bairros localizada no município de Aracaju/SE. As observações foram feitas pelo turno da manhã sempre no horário de 7h30min às11h30min em 5 (cinco) dias diferentes da semana durante os meses de Junho e Julho de 2013 resultando uma carga total de 20 (vinte) horas. Em tal instituição havia apenas duas turmas de educação infantil: o berçário junto com o maternal e a outra, selecionada para pautar as observações, com 11 (onze) alunos de 3 a 4 anos e 2 (dois) alunos de 5 anos de idade. Tratava-se de apenas uma única professora para dar atenção a todos os alunos da turma e aplicar atividades diferenciadas entre alunos de 3 e 4 anos e alunos de 5 anos, por vezes essa tinha que se ausentar para dar aula para o ensino fundamental, nesse momento uma outra professora assumia a turma.
2.1. Aspectos arquitetônicos
A importância de descrever o espaço físico que constitui a escola se torna necessário na medida em que se torna possível avaliar os aspectos que possibilitam o desenvolvimento e a experimentação de uma série de atividades humanas, realizadas pelas próprias crianças no ambiente escolar.
A escola em questão localiza-se defronte a uma avenida onde transitam carros a todo instante. O portão é constituído por uma grade de ferro que fica trancado de cadeado na parte superior fora do alcance das crianças. Dividindo as salas da vista da rua há um portão de madeira. Logo à frente, tem-se o pátio, estreito, onde as crianças brincam e ficam um pouco limitadas para correr. A escola é toda coberta, sendo que a área livre é apenas onde fica a piscina.
A arquitetura da sala observada é constituída por cadeiras e mesas pequenas, adaptadas para o tamanho das crianças, posicionadas em círculo com no máximo cinco cadeiras. “No chão havia um tapete que elas sentavam para lanchar [...]. A porta de acesso ao banheiro é transparente e fica dentro da própria sala, no lado oposto da porta de entrada, tem a fechadura no nível que dá para as crianças abrirem sem a ajuda de algum adulto. O banheiro não há divisória de meninos e meninas, há dois vasos baixos, uma pia e dois chuveiros.” O banheiro é adaptado para o padrão corporal dessas crianças.
Na sala de vídeo “há mesas e cadeiras 4 (quatro) camas de casal encostadas na parede” em que os alunos só deitam para dormir no período da tarde. “Há uma televisão, aparelho de DVD, uma “sala de jogos”, onde não há jogos”. O lugar onde os alunos realizavam as aulas de Educação Física “é uma sala fechada sem janelas e tem apenas uma porta nos fundos... não é muito grande, é estreita... tem uma televisão suspensa, uma lâmpada e dois bonecos de carnaval enormes, o espaço também era utilizado para festas comemorativas”.
Na parte interna da escola não havia árvores, “uma estrutura um pouco fragilizada com alguns pisos quebrados e os quadros (louças) ainda são de giz”. No pátio, os alunos brincavam utilizando o mini-parquinho de plástico ou dentro das salas pela supervisão do(a) professor(a). A sala de vídeo também tinha brinquedos de plástico em péssimas condições na qual as crianças também brincavam.
3. A instituição escolar: educar, cuidar e assistir o corpo na infância
Historicamente falando, sabe-se que a escola foi pensada como agência de apoio a família num período de expansão industrial onde a sociedade inculcava um espírito norteador com intenção de modernizar a sociedade brasileira. Sabe-se que esse modelo de educação partia de um pressuposto de cunho político, com objetivos claros de tentar unificar os sujeitos e enquadrá-los em um único ideal de “homem novo” capaz de se adequar ao seu tempo, “dado que a principal meta da escola renovada era educar crianças e jovens da direção de um ideal de sociedade, era preciso adequar a esse ideal todos aqueles que construíssem obstáculo ao desenvolvimento social” (CUNHA, 2003, p. 459). Tais moldes, nesse dado contexto, atribuíram à família uma incapacidade, uma incompetência para educar as crianças, pois se fazia urgente inseri-las nos padrões de normalidade para que as mesmas pudessem contribuir para o progresso do país.
Sendo assim, a responsabilidade de educar as crianças e jovens que antes era da família passou a ser da escola. Segundo Kuhlmann (2003) os anos de escola serviriam para que a criança pudesse tomar posse de si mesmo, a defender-se dos inimigos se seu corpo e de seu espírito, a ser um “bom animal” pra que fosse depois considerado um bom cidadão. Todo esse processo, o ditame de normas para a sociedade educar esses indivíduos partia da concepção de criar cidadãos com ideais modernistas, higienistas e políticos consoantes aos “preceitos elaborados por médicos, legisladores, educadores, religiosos, homens ou mulheres” (CUNHA, 2003, p. 451).
As creches e os jardins-de-infância foram instituídos para as crianças menores, onde as mesmas receberiam os cuidados necessários quando na ausência das mães que necessitavam trabalhar. As creches, os jardins-de-infância e as escolas maternais apareceram em diversas cidades do país, cumprindo um papel de “moralização” da cultura infantil, na perspectiva de educar para o controle da vida social, além da prestação da assistência social ou de saúde, vinculados ao ideal de “Cuidar da infância da nossa pátria”.
Pensando, nos caminhos que essas instituições têm tomado no processo histórico, não é estranho quando atualmente ainda encontramos nas escolas de educação infantil uma prática pedagógica que fortemente ressalta as questões de ordem, moral, higiene, etc., ou seja, enfatiza a formação de um cidadão que cumpre as regras e as normas de sua pátria não dispensando a formação profissional e a “integração da pessoa ao mundo da comunicação escrita que domina o cenário cotidiano” (CUNHA, 2003, p. 449).
As maiorias das escolas, não muito diferentes desse ideal constituído historicamente, dão ênfase a uma “educação para o futuro”, cercando as crianças de regras e deveres a cumprir e acabam por privar o tempo de brincar. Para Charlot (2000) e Schneider & Bueno (2005) a infância é tempo/espaço em que a linguagem permanente do brincar e “se-movimentar” é mediada pelas cem linguagens da dimensão lúdica corporal tecendo uma rede de sentidos e significados no âmbito das aprendizagens.
Se a ludicidade é critério pedagógico e o corpo, como território das paixões e dos desejos, é controlado em nome da civilização, é preciso, para rivalizar com esse estado de coisas, organizar e planejar, mas também escutar as experiências corporais que propiciem a descoberta de novas portas de comunicação, tendo em vista a participação criativa das crianças – pelas quais somos responsáveis – no mundo. (RICHTER E VAZ, 2004, p. 85)
Sendo assim, é necessário que se perceba as contradições e as negações do corpo e do movimento constantemente elencadas no ambiente escolar como ato de privação do pleno desenvolvimento das inter-relações pautadas a partir do corpo na infância.
4. A educação do corpo na educação infantil: dialogando com os dados
As categorias elencadas para efetuar as análises e discussões em detrimento a educação do corpo foram pautadas a partir da observação dos espaços e tempos institucionais sobre a qual o corpo e os dispositivos pedagógicos ganharam proeminência. Neste sentido, propormos um diálogo que parte de algumas cenas recortadas de maneira a compor a discussão acerca da educação do corpo na infância fazendo pontes com o espaço-tempo do sono, da alimentação, do brincar, da higiene, etc como também as relações pautadas entre criança-adulto no cuidar, brincar e assistir.
4.1. Corpo – Atividade orientada/currículo
A organização da vida humana começa na infância, a todo o tempo a criança está sendo manipulada e vigiada por nós adultos. Impomos-lhes desde cedo o que essas devem saber e aprender, o que o certo ou errado. Devido à cobrança tanto da escola quanto dos pais para se produzir alunos/filhos altamente inteligentes o aprendizado da criança passa a ser algo mecanizado conforme os padrões e convenções sociais.
Segundo Richter e Vaz (2004):
A atividade orientada ocupa o tempo que resta entre os demais momentos da rotina e a orientação significa, sobretudo, regulação corporal. Nessa perspectiva ganham destaque os castigos e ameaças lançados sobre o corpo que acaba por se entregar aos ritmos impostos, aos espaços delimitados, aos movimentos sempre mais restritos e ajustados. (p. 90)
O mundo das crianças feito de “imaginação e experimentação”, não é simples para ela. As atividades que a criança vivencia, sente e compartilha reflete na curiosidade dessas. A criança ao fazer um desenho ou uma pintura, ao escolher uma cor, por exemplo, pode está expondo sentimentos, afetações e desejos não expressados corporalmente. Quando não se submetem ao desejo do adulto ou a convenção constituída para tal tipo de representação, essas são, por vezes, repreendidas por ameaças, como:
Jean pintou a figura ultrapassando a forma dada no desenho. Então a professora se irritou disse que estava todo errado que ele tinha que pintar dentro do espaço delimitado do desenho [...] ela pegou um lápis verde e mostrou onde era para pitar de verde. O aluno começou a pintar, e ela disse: “tá errado, eu disse para pintar de verde as folhas” (D.C, 2013, nº14, p.15).
Em outra passagem do diário de campo a professora briga com um dos alunos por não está desenhando como pede o livro e ela diz: “Se eles não fazem como está no livro, quem leva a bronca depois sou eu (D.C. 2013, nº14,p p.16)”; “não gosto muito de usar os livros didáticos porque tem muita coisa “besta” só faço mesmo porque depois os pais cobram”. Por isso, às vezes ela mesma consertava o desenho (D.C. 2013, nº14, p.16). Percebe-se que as professoras têm uma preocupação voltada para cumprir com o cronograma da escola e “esquece-se” de deixá-los livres para que possam desenvolver com mais prazer à arte do aprender.
4.2. Corpo – Higiene
Esta categoria segundo Richter e Vaz (2005, p.86) está relacionada aos aspectos de saúde e higiene, a prestação de cuidados com a constituição de sujeitos higiênicos, purificados e moralizados. Muito embora a preocupação com uma infância higienizada penetre profundamente nos meandros da rotina, permanece na penumbra todo um outro conjunto de relações sociais.
Nesse sentido, esses aspectos higiênicos são evidenciados no diário de campo na rotina dos alunos dentro da escola quando: “o aluno chega à escola ainda de pijama com a blusa toda melada [...] e depois que ele come a professora o deixar dormir todo sujo (D.C. 2013, nº14, p.4-5)”. A mulher que faz a limpeza dos serviços gerais “fala alto e com ignorância que o menino tinha sujado a mesa e o puxou pelo braço jogando-o do outro lado (D.C. 2013, nº14, p.5)”. Observou-se que sempre depois do lanche “os aluno não lavam as mãos e depois também não escovam os dentes (D.C. 2013, nº14, p.43)” e nem ao menos são orientados a irem ao banheiro lavar a boca que ficou suja. Só quando os alunos almoçam é que a professora faz as devidas orientações para que eles escovem os dentes e depois vão tomar o banho.
4.3. Corpo-Alimentação
Como acontecem todos os dias as crianças lancham no mesmo horário e sempre no mesmo lugar, sentadas no tapete da sala cada uma das crianças trazem o seu lanche de casa e elas não têm o hábito de compartilhar o lanche entre si. A professora também não concordava com a divisão do lanche, pois quando o aluno chega em casa doente os pais colocam a culpa na escola. Sendo que, a maioria dos alimentos que os alunos trazem de casa são industrializados como os achocolatados, biscoitos recheados, pipocas, cereais de chocolate [...] um ou outro traz frutas, mesmo assim nem sempre comem tudo (D.C. 2013, nº14, p.27)”.
A alimentação vai além de só comer e saciar a fome, nela as crianças dá sentido a novas brincadeiras, assim como mostra o comportamento de um dos alunos: “Gil pegou a garrafinha dele de refrigerante e ficou usando como alto-falante/microfone de polícia D.C. 2013, nº14, p.7)”. É interessante que se note quando as crianças fazem da comida alvo de brincadeiras, ela é consumida mais rápida e com mais sabor.
4.4. Corpo-Sono
Richter e Vaz (2005, p.87) discutem essa categoria de forma que “quando a competência em provocar o sono converte a possibilidade de repouso revigorante em um apagamento brusco de corpos, amortecendo-os, colocando-os em silêncio, adormecidos e ausentes”. O lugar onde fica as camas para a hora do sono é na sala de vídeo. A sala é muito clara e fica perto da saída da escola, escuta-se o barulho dos carros passando na avenida. Não se observou nenhuma possibilidade de se ter um sono sossegado, pois, o ambiente não tem porta que abafa o barulho que vem de fora e os alunos ficam entrando e saindo toda hora da sala sem que haja proibições de que no momento do sono não se pode entrar.
No cantinho do sono as professoras só colocam os alunos para dormir apenas depois do almoço. Pela manhã só dorme se algum aluno deitar na cama e dormir por si só como mostra essa passagem do diário de campo: “(...) do jeito que estava, todo sujo, deitou-se na cama e dormiu sem que a professora tivesse notado (D.C. 2013, nº14, p.5).”. Em outro fragmento, uma das idas para a sala de vídeo um aluno tentou dormir e a professora logo advertiu, mandou ele se levantar, disse que não era hora de dormir.
4.5. Corpo-brincadeira
As crianças tinham apenas uns vinte minutos de recreação, e quando ficam na sala sem fazer nada esperando a professora passar atividade os alunos começam a brincar, conversar um com os outros. Com isso, a professora da turma logo adverte como ocorre nessa passagem do diário de campo:
Jone estava brincando com um cavalinho de plástico, antes de começar a atividade. Quando a professora viu, mandou ele guardar e disse: “já vai começar logo cedo?” ( D.C. 2013, nº14, p.40)”. Luíde pegou um dos ursinhos de pelúcia que estava na sala e ficou jogando para cima e aparando, brincava de jogar mais alto, quando a professora viu ele fazendo isso mandou ele parar e ficar quieto. ( D.C. 2013, nº14, p.37)” .
Quaisquer movimentos que façam não ordenados são interrompidos com ameaças, broncas e reclamações. Na menção de Pasek (2006) entende-se que a crianças precisa de mais tempo para momentos de lazer e recreação.
Raissa e Fernanda começaram a brincar de cachorrinho sendo Raissa a dona do cachorrinho que era Fernanda. Quando a professora ver Fernanda no chão de quatro sendo arrastada por Raissa manda parar a brincadeira, pois disse que iria machucar o joelho da coleguinha. Então mandou elas irem brincar de mamãe e filhinha. ( D.C. 2013, nº14, p.29).
Fica evidente que nessa passagem, descritas acima, retirada do diário de campo que as crianças aprendem observando, imitando, reinventando, fazendo de objetos pessoais brinquedo/brincadeira e assumindo movimentos corporais (quando as crianças realizam os movimentos do seu corpo em relação a si mesmo ou com o outro). Permitir “com que as crianças surjam com suas próprias indagações e suas próprias soluções (Edwards, 2008, p.215)”.
5. Considerações finais
A creche/escola tem um papel fundamental na formação das crianças, lugar onde elas ficam boa parte do dia. Sabe-se que as análises que se referem a esses campos apresentam um “corpo-sujeito” ainda restrito, fragmentado com poucas possibilidades para se expressar e se comunicar com o mundo real que nos cerca. Pensando nos rumos que a educação tem tomado no decorrer do processo histórico, não é estranho quando atualmente ainda encontramos nas escolas de educação infantil uma prática pedagógica que fortemente ressalta as questões de ordem, moral, higiene, etc.
Neste estudo, observou-se também um descaso com a higiene das crianças em boa parte das atividades como também a negação do corpo em relação à hora do sono, sendo em alguns momentos eminentemente proibidos a criança. Fica evidente a necessidade de se discutir como o corpo e o lúdico estão sendo negligenciados no processo de educação das crianças. Essas estão sendo limitadas a inventar brincadeiras, que para o adulto significa perigo ou mau comportamento sendo que, o brincar, no imaginário da criança, constrói sua própria realidade. Tanto a escola quanto o adulto precisa entender que a criança deve ser considerada criança, e não fazer delas uma máquina de produção.
Contudo, sabemos que o tempo não foi suficiente para identificarmos ou analisarmos questões mais profundas, ademais, ter sido este trabalho realizado durante um período acadêmico restrito a disciplina “Educação Física na Educação Infantil”, do curso de Licenciatura em Educação Física sem interesses rebuscados acerca do tema. A importância de mencionarmos o fato é por entender a importância de estudar, observar e compreender as reais ocorrências que impedem o desenvolvimento da educação do corpo entre crianças da educação infantil.
Referências
ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997.
CHARLOT, B. Relação com o saber, Formação dos professores e Globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.
CUNHA, Marcus Vinícius. A escola contra a Família. In; LOPES, E.M.T. FILHO, L. M. F.; VEIGA, C. G. (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
DIÁRIO DE CAMPO. Educação Física na Educação Infantil. nº14, Aracaju, 2013.
EDWARDS, C. As cem linguagens da criança: A abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.
FARIA, A.L.G. de. A contribuição dos parque infantis de Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil. Educação e sociedade, ano XX, nº69, Dezembro, 1999.
KUHLMANN JUNIOR, M.. Educando a infância Brasileira. LOPES, E. M. T.; FILHO, L. M. F.; VEIGA, C. G. (Org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
KUNZ, E. Brincar e Se-movimentar: Fundamento para a compreensão do Mundo de Vida e Mundo de Movimento da criança. Injuí, Santa Catarina, 2011.
PASEK, K.H. Einstein teve tempo para brincar: como nossos filhos realmente aprendem e por que eles precisam brincar. Rio de Janeiro: Guarda Chuva, 2006.
RICHTER, A.C.; VAZ, A.F. Corpos, saberes e infância: um inventário para estudos sobre a educação do corpo em ambientes educacionais de 0 a 6 anos. Rev. Bras. Cienc. Esporte. Campinas, v. 26, n. 3, p. 79-93, maio 2005.
SCHNEIDER, O; BUENO, J.G. A relação dos alunos com os saberes compartilhados nas aulas de Educação Física. Movimento. Porto Alegre, v. 11, n. 1, jan/abr., 2005. p. 23-46.
TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1992.
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