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Corpo, corporeidade e yoga: possibilidades de educar

Cuerpo, corporeidad y yoga: posibilidades de educar

 

Graduação em Licenciatura em Educação Física

pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Mestrado em estudos do lazer pela Faculdade de Educação Física

da Universidade Estadual de Campinas

Ms. Luiz Fabiano Seabra Ferreira

seabrafabiano@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Estas reflexões estão subsidiadas pelo paradigma quântico, holístico. Foi elaborada uma revisão de literatura visando compreender o corpo e a corporeidade, operando uma transmutação nas percepções sobre esses temas, incluindo educação, a partir dos fundamentos do yoga proposto por Patañjali. Para Eliade (1996) o yoga é uma das seis escolas da filosofia hindu, designa um amplo conjunto de práticas de meditação, posturas corporais, ética e metafísica, originalmente desenvolvidas paralelamente à quase totalidade das correntes filosóficas hinduístas, baseadas na convicção da união e interdependência entre espírito e corpo. O corpo é compreendido como morada, o templo no qual expressamos nossa humanidade, e, acima de tudo, é considerado uma manifestação divina, pois, a alma, o espírito está encarnado no físico. A corporeidade é a expressão da nossa existência, e as diversas práticas do yoga possibilitam a introspecção e o reconhecimento das estruturas que compõem o ser na totalidade, desenvolvendo autoconhecimento e educação holística.

          Unitermos: Corpo. Corporeidade. Yoga. Educação.

 

Abstract

          These reflections are subsidized by the holistic and quantum paradigm. A literature revision was elaborated having aimed at to understand the body and the corporeality, operating a transmutation in perceptions about these issues, including education, from the fundamentals of yoga proposed by Patañjali. For Eliade (1996) the yoga is one of the six schools of the Hindu philosophy, denotes a wide range of practices of meditation, body positions, ethics and metaphysics, originally developed in parallel with almost all the Hindu philosophical currents, based on the conviction of the union and interdependence between mind and body. The body is understood as dwelling, the temple in which we express our humanity, and, above all, is considered a divine manifestation, therefore, the soul, the spirit is incarnate in the physicist. The corporeality is the expression of our existence and diverse the practical ones of the yoga make possible the introspection and the recognition of the structures that compose the being in the totality, developing self-knowledge and holistic education.

          Keywords: Body. Corporeality. Yoga. Education.

 

Trabalho apresentado como painel no III Seminário de Epistemologia e Teorias da Educação – EPISTED - IV Colóquio de Epistemologia GTT do CBCE – Unicamp – 2008.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Percepções iniciais

Penso 99 vezes e nada concluo.

Deixo de pensar e eis que o Universo se me revela.

Albert Einstein

    Um paradigma pode ser compreendido como a forma, ou estrutura como construímos os pensamentos e definimos a inteligibilidade do real e do ser humano. Os paradigmas sofrem transformações e são substituídos por outros.

    O ponto de partida para estas reflexões se situa na percepção dual da realidade. A mentalidade humana manifesta o dualismo e se estrutura de forma fragmentada e compartimentalizada, reduzindo a racionalidade entre dois limites delimitados pelos opostos.

    Gutiérrez (2006) expõe que a própria lógica convencional elaboraria tipologias dicotômicas nas quais situa a emoção, ou, o irracional como adversário da racionalidade, produzindo limitações, minimizando as possibilidades de cooperação e integração entre essas potencialidades igualmente geradoras e criativas do cérebro humano. A cognição, nossa conexão com o mundo, então, estabelece-se sobre parâmetros que cerceiam uma substancial parte de nossas estruturas e respiradouros cognitivos naturais.

    Nesse contexto, a dialética se faz presente como um jogo entre opostos, além disso, a lógica aristotélica ainda predomina, tanto no senso comum, como no pensamente científico. Isto posto demonstra reducionismos de todos os tipos, pois esse tipo de inteligibilidade busca excluir as incertezas e as contradições. Aqui reivindicamos a dialógica (MORIN, 2000) e a lógica paraconsistente (COSTA, 1994) como fundamentos epistemológicos necessários, visando superar tais limitações, pois as contradições fazem parte de nossas estratégias mais íntimas na constituição das repostas e compreensões acerca do eterno jogo entre a ordem e a desordem, o caos e a harmonia manifestados pela nossa mente.

    O pensamento no senso comum está diretamente relacionado com os julgamentos de valor, enquanto isso os paradigmas científicos modernos enraizaram-se no determinismo, encarcerando o pensamento entre os estreitos limites estabelecidos pela filosofia positivista e o mecanicismo da física moderna, bem como por outras disciplinas “científicas” que sustentam e pretendem dominar todas as possibilidades de inteligibilidade.

    Os intelectuais apreendem a realidade a partir de uma percepção sensorial culminando num racionalismo imperativo, hierárquico e muitas vezes truculento, constituindo uma ordem social com pretensões de dominação e subserviência dos seres humanos dicotomizados em corpos e mentes. Nesse contexto, apesar de muitos discursos “positivos” prometerem a evolução intelectual e a liberdade como premissas fundamentais, o que vimos ao longo da história da humanidade mostra o contrário, uma espécie de escravidão dos homens em relação a sua própria racionalidade.

    Para as mentes limitadas e condicionadas pelo pensamento cientifico moderno, o ser ficou reduzido apenas ao que a percepção sensorial capta.

    Hoje a ciência já vislumbra possibilidades advindas de outros paradigmas, principalmente aqueles construídos a partir de uma perspectiva quântica, holística, integrativa, complementar. A física moderna, tanto quanto o pensamento positivista estão fadados a sofrer transformações, no entanto, isso ocorre lentamente e envolve a aventura de construir outras possibilidades para nos conhecermos e construirmos conhecimentos.

    Estas reflexões se situam numa perspectiva de transformação do pensamento e das ações, operando uma transmutação nas percepções sobre o corpo, a corporeidade e a educação a partir dos fundamentos do yoga. Isto se faz necessário devido às contribuições que o “pensamento oriental” vem realizando no interior da cultura ocidental, bem como a necessidade de explorarmos novos caminhos para compreender o humano e sua educação.

    Na atualidade a busca por compreensões que possibilitem uma educação holística se apresentam como um campo fértil para reflexões, visto que os modelos tradicionais, as pedagogias, e a própria ciência cada vez mais cedem espaços para novas possibilidades de atuações e compreensões, bem como novas teorias. Nesse contexto, aventurar-se rumo a essa construção do conhecimento envolve riscos e desafios que, num primeiro momento, podem parecer insuperáveis, mas que apresentam potencial para transcender as velhas dicotomias instauradas pelo pensamento fragmentado.

    O professor Martins (1992) expõe educação como poíeses, envolvendo e expressando as articulações entre o mundo subjetivo, a intencionalidade, a consciência, a existência no dia-a-dia, trazendo a tona, desvelando o que está oculto no ser, explorando suas potencialidades na construção da inteligibilidade do real a partir das descrições do mundo vida e do ser na sua totalidade indissolúvel.

    Acima de tudo educar é a arte de produzir, construir, elaborar o humano, expressando sua humanidade como característica peculiar de nossa espécie. Para isso acontecer necessitamos compreender nossa existência, atribuir um sentindo, um significado para o viver. Dessa forma, o yoga se mostra como um caminho, uma possibilidade de autoconhecimento, de produção de significados para a existência e as infinitas formas de manifestação do ser.

    Os objetivos destas reflexões residem em descrever, refletir e compreender o corpo e a corporeidade a partir do yoga, construindo uma possibilidade de educação holística, visando bem estar e qualidade de vida, entre outros. Para expressar e compreender o que é qualidade de vida devemos ter em mente a complexidade que constitui este tema, pois senão correremos o risco de reducionismos que limitam nossa compreensão. Para Nahas (2001, p. 5) qualidade de vida pode ser entendida como “a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e sócio-ambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano”.

    Para refletir sobre qualidade de vida (holística), educação e yoga, necessitamos transformar nossas percepções sobre a existência e os paradigmas dominantes. Kuhn (2000) expõe que só há superação de um velho paradigma quando este não consegue mais responder as questões formuladas, tornando necessários questionamentos por meio da filosofia da ciência. As crises no interior das ciências representam indicativos da necessidade de novos modelos, novas teorias que possibilitem responder as questões pendentes.

    Cabe ressaltar que a educação envolve diversas áreas do conhecimento, sendo que algumas delas também passam por reformulações paradigmáticas. Assim as transformações são necessárias para todos aqueles que vislumbram novas possibilidades para se fazer ciência, e também para educar o humano numa nova perspectiva.

Por um novo (velho) paradigma na educação

    Assistimos à emergência de uma ciência que não está mais limitada a situações simplificadoras, idealizadas, mas que nos coloca diante da complexidade do mundo real, de uma ciência que permite à criatividade humana viver como expressão singular de um traço fundamental de todos os níveis da natureza.

Ilya Prigogine

    Os escritos de Capra (2004) ressaltam que vêm acontecendo mudanças de paradigma desde meados do século passado no campo das ciências, ou seja, rupturas descontínuas e revolucionárias de concepções, idéias, valores, técnicas, que têm repercutido também no âmbito social gerando uma transformação cultural muito ampla.

    O paradigma que agora está retrocedendo dominou a nossa cultura por várias centenas de anos, durante as quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do mundo. Esse paradigma consiste em várias idéias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do universo como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão do corpo como uma máquina (...) E na verdade está ocorrendo, na atualidade, uma revisão radical dessas suposições. (CAPRA 2004, p. 24).

    Apoiamo-nos no que Crema (1989) chama de Paradigma Holístico (do grego Holos: totalidade), se caracterizando como inter e transdisciplinar.

    Adotamos também a Antropologia Complexa proposta por Roger (1999). Seus escritos enfatizam a necessidade de uma perspectiva que possibilite uma nova visão sobre o fenômeno humano. Nesse sentido, o autor expõe que a velha antropologia operava a partir de uma visão simplista, reducionista e dicotomizada sobre o humano. A antropologia complexa baseia-se no método proposto por Edgar Morin, no qual se delineia um novo caminho epistemológico, a partir de uma abordagem complexa sobre o fenômeno humano. A idéia de uma epistemologia da complexidade diz respeito a todos os níveis do real: físico, biológico, antropológico, sociopolítico. “As complexidades antropológica, sociológica, ética, política, histórica – pois estes são os níveis mais importantes em que o homem encontra o seu modo de estar no mundo – devem ser entendidas como diferentes faces de um mesmo fenômeno: o fenômeno humano” (ROGER op. cit., 89).

    O que se propõe aqui é um “pensamento criativo” que possa contribuir para a construção de novos caminhos para se fazer Ciência. Essa forma de pensar admite o movimento e a mutação no seu interior, não excluindo a possibilidade de construir uma compreensão a partir do que Morin (2000) chama de princípio dialógico. De acordo com Morin (op. cit.) o princípio dialógico é fundamental na elaboração de uma nova ciência, pois este princípio postula a necessidade de admitirmos a superação, e transcendência da lógica formal (Aristotélica), buscando incluir nas reflexões os antagonismos, as contradições, a complementaridade entre o indivíduo, a sociedade e a cultura, admitindo a complexidade do todo, e não admitindo os reducionismos simplistas.

    Nesse mesmo caminho, Gutiérrez (2006) faz uma crítica à lógica clássica, e a epistemologia, ressaltando que ao longo da história da Lógica, e da epistemologia, têm sido impostos dogmas e repressões múltiplas e redundantes em relação aos modos humanos de se autoconhecer, de perceber e compreender o mundo do qual se insere. Todas as culturas e matrizes cognitivas têm gerado precauções especializando-se em técnicas de blindagem discursiva que erradicam a autocontradição, ao mesmo tempo em que a evidenciam no outro.

    Aqui propomos uma escrita apoiada em Maffesoli (1988), que enfatiza a necessidade de uma escrita “sensual e criativa”, desenraizada de qualquer pretensão universalista, rompendo com o velho modelo mecanicista de compreender os fenômenos sociais. O autor aponta as idéias de George Simmel, propondo uma pesquisa estilística, enfocando a sensibilidade relativista.

    Nestas reflexões o que predomina é o diálogo entre áreas do conhecimento. Isto se faz necessário para transcender uma característica marcante instaurada na racionalidade moderna, que é o rompimento e a fragmentação dos saberes.

    Japiassu (1976, p. 75) propõe o método interdisciplinar, visando romper com a especialização abstrata, construída a partir da fragmentação dos saberes operada pela ciência moderna. No seu entendimento, esse método seria.

    [...] caracterizado como o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamente ditas, isto é, uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida.

    No âmbito educacional Fazenda (1994, p. 69-70), ressalta que o método interdisciplinar necessita de:

    Uma atitude especial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competências, incompetências, possibilidades e limites da própria disciplina e de seus agentes, no conhecimento e na valorização suficiente das demais disciplinas e dos que a sustentam. Nesse sentido, torna-se fundamental haver indivíduos capacitados para a escolha da melhor forma e sentido da participação e sobretudo no reconhecimento da provisoriedade das posições assumidas, no procedimento de questionar. Tal atitude conduzirá, evidentemente a criação das expectativas de prosseguimento e abertura de novos enfoques ou aportes. E, para finalizar a metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade científica, alicerça-se no diálogo e na colaboração, funda-se no desejo de inovar, de criar, de ir além, e suscita-se na arte de pesquisar, não objetivando apenas a valorização técnico-produtiva ou material, mas, sobretudo, possibilitando um acesso humano no qual desenvolve a capacidade criativa de transformar a concreta realidade mundana e histórica numa aquisição maior de educação no seu sentido lato, humanizante e libertador do próprio sentido do ser no mundo.

    Tanto no âmbito da Ciência, como na Educação, o método interdisciplinar, viria ao encontro das necessidades diagnosticadas a partir da identificação de uma crise na atual concepção limitada, e limitante dos paradigmas momentaneamente dominantes. Nas Ciências Humanas não é novidade tal crise, pois há muito tempo já foi identificada a necessidade de superar o positivismo lógico, ou qualquer outra forma reducionista, determinista e/ou mecanicista de compreensão, em razão de suas insuficiências e limitações epistemológicas. Estas condições também se referem à Educação (formal - escolar), pois tanto seus conteúdos como as pedagogias (metodologias de ensino) são derivados direta ou indiretamente das Ciências e seus modelos.

    De acordo com Japiassu (1996), vivemos um momento de crise da razão e do saber objetivo, enfatizando a necessidade de se construírem novas formas de compreender o homem, buscando romper com as fragmentações e dicotomias impostas pelo racionalismo científico.

    Em seus escritos, Morin (2000, p. 207) aponta uma crise na atual forma de se fazer Ciência, dizendo que é necessária uma reforma do atual sistema de pensamento. Nesse contexto, propõe um “pensamento complexo”, negando a cisão entre sujeito e objeto e a especialização abstrata, ou seja, que extrai um objeto de seu contexto e do seu conjunto, rejeitando os laços e as intercomunicações com seu meio e o insere num compartimento, que é aquele da disciplina cujas fronteiras destroem arbitrariamente a sistemicidade e a multidimensionalidade dos fenômenos.

    Ainda de acordo com Morin (2000, p. 136) a superação de tais obstáculos representa uma possibilidade de reforma do método, imprescindível para uma reforma do pensamento e do ensino. Nesse sentido, diz que uma tal empresa suscita uma formidável resistência: os espíritos foram formados para eliminar a ambigüidade, para se satisfazerem com verdades simples, para praticar a oposição maniqueísta de bem contra o mal, isso por todos os lados, aí subentendida a cúpula da Universidade.

    Nesse contexto, Maffesoli (1988, p. 42) ressalta que “um pensamento que saiba preservar a flexibilidade e mesmo a imperícia próprias de sua adolescência é, não raro, rico em saltos de qualidade e em fecundidade original”. Para o autor supracitado (2001, p. 118), é necessário enfatizar que “a distância entre sujeito e objeto, o observador e a coisa observada, essa distância ou ‘separação’, que é a própria base da modernidade, se encontra totalmente abolida”.

    As reflexões aqui elaboradas se constituem como uma possibilidade de acesso ao mundo da educação e da cultura, pois educação faz parte da cultura, e vice-versa, ou melhor, educação e cultura andam juntas, estão integradas e são complementares. Ao adentrar nesse universo de significados, inicia-se um processo de compreensão e recriação de seus elementos constituintes, espécie de hermenêutica. Nesse percurso, busca-se uma aproximação daquilo que Bourdieu (1989, p.189) chama de “ruptura epistemológica”. Segundo esse autor, faz-se necessário:

    pôr-em-suspenso as pré-construções vulgares e os princípios geralmente aplicados na realização dessas construções, implicam uma ruptura com os modos de pensamento, conceitos, métodos que têm a seu favor todas as aparências do senso comum, do bom senso vulgar e do bom senso científico tudo o que a atitude positivista dominante honra e reconhece.

    No presente estudo compartilha-se com Geertz (1989, p. 18-35), o conceito de cultura semiótica, pois se acredita que “o homem é um animal amarrado a teias de significado” por ele mesmo tecidas.

    Cabe ressaltar que os processos de globalização facilitaram a difusão das culturas orientais e a consequente miscigenação com as ocidentais e vice-versa. Nesse aspecto, ressaltamos as possibilidades de integrações e complementaridades advindas dessas interações. O resultado disso revela novas perspectivas culturais e educacionais, ampliando e transformando as compreensões acerca dos significados expressos nos diferentes contextos sociais.

    Podemos perceber a diversidade em relação às necessidades relacionadas à Educação. Nesse contexto, o velho paradigma cartesiano, fragmentado, mecanicista e comportamental vem cedendo espaço para novas formas de conceber a Educação. A cada dia surgem novos indícios dessa busca pela superação dos limites impostos por essas estruturas epistemológicas limitadas e limitantes. Os métodos interdisciplinares, holísticos, ganham espaços na educação formal (escolas) e em outras instâncias educacionais. Ressaltamos que Brasil (1997, p. 30), enfatiza a necessidade de utilizar os métodos inter e trans-disciplinares no ambiente escolar com o objetivo de superar as dicotomias instauradas pela racionalidade dominante, pois:

    A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de conhecimento produzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas.

    Se na escola se buscam novas possibilidades de compreender a educação e o ser humano, no senso comum isso também significa desafio. Ferreira et al. (2007) ressalta que o homem ainda é percebido de forma fragmentada, limitando as compreensões sobre corpo e corporeidade e consequentemente reduzindo as possibilidades de expressões. Isto demonstra a dificuldade em se superar as dicotomias instauradas por uma mentalidade fragmentaria e fragmentada. Podemos perceber que existem dimensões desse ser que são desprivilegiadas em função de uma visão mecanicista do corpo e do homem. Faz-se necessário uma reformulação dessa concepção que ainda predomina, tanto no senso comum, como no meio acadêmico e científico.

    Reivindicamos além de uma compreensão holística sobre educação, novas posturas frente aos questionamentos surgidos no ambiente escolar. Nesse contexto, propomos a abordagem holística desenvolvida por meio do yoga como possibilidade de superação desses obstáculos.

Yoga Sutras de Patanjali: fundamentos e algumas considerações iniciais sobre corpo e corporeidade

O ser humano não tem um corpo distinto de sua alma.

William Blake

    Na Índia podemos encontras diversas tradições, escolas e métodos de yoga. Por sua vez, no Brasil muitas vezes o yoga é difundido a partir de uma fragmentação do que no país de origem é considerado muito mais do que uma prática física ou os cuidados com o corpo.

    O yoga faz parte da cultura indiana desde tempos remotos e tem se perpetuado por meio das tradições orais e posteriormente pela escrita. Eliade (1996) diz que o yoga é uma das seis escolas da filosofia hindu, designa um amplo conjunto de práticas de meditação, posturas corporais, ética e metafísica, originalmente desenvolvidas paralelamente à quase totalidade das correntes filosóficas hinduístas, baseadas na convicção de que o espírito e o corpo são interdependentes unidos.

    Michael (1996) ressalta a dificuldade em se definir historicamente as origens do yoga devido a sua antiguidade. A sistematização mais antiga que se tem notícia foi elaborada por Patanjali – Yoga Sutras (aforismos do yoga) - provavelmente entre os séc. II a.c. e IV d.c. Ele não foi o criador do yoga, mas sim o primeiro a compilar os conhecimentos que eram transmitidos oralmente. Eliade (op.cit.) relata que Patanjali tem sido frequentemente chamado de fundador da yoga por causa deste trabalho; o yoga Sutras é um tratado sobre Raja yoga, baseado na escola Samkhya (filosofia). Zimmer (2000) destaca não só os conteúdos do yoga Sutras, mas também a forma concisa, sóbria e flexível que são expostos os conhecimentos nessa obra.

    Johnston (1912) descreve o tema central do yoga Sutras como a grande regeneração, o nascimento espiritual desdobrado a partir da dimensão física do homem. Relata que muitos de nós pensamos sobre nós mesmos como vivendo uma vida puramente física nestes corpos materiais. Na realidade, nós realmente encarnamos essa concepção materialista da vida. Por muito tempo nossa vida tem sido compreendida a partir da dimensão física e nesse contexto, nós submergimos e centramos nossa existência na natureza ou dimensão psíquico-física.

    Buscando superar tal compreensão, o yoga propõe o reconhecimento da nossa unidade fundamental, conexão das dimensões que a ciência moderna ocidental fragmentou, corpo, mente, emocional, espiritual, entre outros. Representa o Ser na sua totalidade, indissolúvel. É a união e a manifestação dessa unidade. A consciência individual absorvida na consciência cósmica, universal.

    Os comentadores do Yoga Sutras ressaltam o despertar de uma dimensão humana que extrapola o físico, corporal, sentimental, sensorial e mental. Nesse contexto, a harmonia e o equilíbrio se manifestam no humano criando a possibilidade de transcender toda e qualquer limitação imposta pelas instâncias (dimensões ou koshas - Os koshas (sânscrito) podem ser compreendidos como as coberturas, ou melhor, as estruturas que compõem o humano. Representam os cinco estratos no qual a alma se manifesta, eles coexistem e funcionam simultaneamente nos vários planos ou níveis de existência. São comparados às vezes às camadas de uma cebola, os koshas em ordem da sutileza crescente, são: annamaya kosha; pranamaya kosha; manomaya kosha; vijnanamaya kosha e anandamaya kosha. (MONIER-WILLIAMS, s/d.) que nos constituem. Isso tudo de acordo com a “ciência” do Raja yoga, a meditação.

    Segundo o Ramacháraca (1977, p.10) o Raja yoga, conhecido como o yoga da meditação:

    é um sistema de educação oculto por meio da concentração mental para o desenvolvimento das faculdades superiores do homem e seus poderes latentes. Este sistema parte do mundo interior, para estudar a natureza interior e por seu intermédio dominar os sentidos internos e externos.

    Este método de yoga defende a existência de um “eu real” interior que consiste na realidade distinta de seus instrumentos mentais. É o estado de consciência em que o conhecimento perfeito, quer dizer, o reconhecimento de que o ser está além do que pode ser definido, conceituado pelas palavras e pelos pensamentos, estado ou condição na qual a consciência conhecedora e criativa se torne predominante na mente, ao redor da qual se situam todos os pensamentos e ações, integrados, interdependentes, unidos.

    Para Ramacháraca (1977) o “eu real” está dentro de cada um, que, com a meditação faz despertar a mente deixando de lado as coisas meramente apêndices, afastando-se da matéria, inclusive o corpo físico, suas necessidades e desejos, e os problemas do cotidiano vão minimizando, menos incômodos.

    O “eu real” ou o “Ser” está além da mente ordinária, ou de qualquer outra dimensão humana. Por sua vez, não há identificação com os aspectos sensoriais, sentimentais ou mentais, pois não se reduz a nenhuma dessas dimensões. Aqui está o cerne do yoga, o reconhecimento de nossa existência (consciência) imanente e transcendente. Nesse contexto, o ser é independente de qualquer dimensão manifestada pela psique ou mente. Para atingir essa dimensão faz-se uso das técnicas do yoga.

    Swami Satyananda Saraswati (2004) declara que o yoga é a ciência do viver corretamente, harmoniosamente, integrando todos os aspectos que compõem o humano. Isto deve ocorrer de forma continua no cotidiano, na vida diária.

    Monier-Williams (s/d) ressalta que no sistema proposto por Patanjali yoga significa contemplação abstrata, concentração dos pensamentos, abstração mental, estabilidade da mente, meditação. Estes significados estão intimamente relacionados com as estruturas da mente, e suas manifestações propondo um método de yoga para atingirmos a plenitude, o equilíbrio, transcendendo as limitações impostas pelos condicionamentos, ou por alguma racionalidade dominante.

    Swami Satyananda Saraswati (2004) relata que para atingir esses objetivos são utilizadas técnicas para cuidar do corpo (asanas – posturas; pranayama – controle da respiração; shatkarma – limpeza e purificação do corpo; bandha – contrações, retenções; mudra – gestos, posturas e atitudes objetivando o fluir da energia vital), bem como a meditação, entre outros.

    A ciência do yoga, a meditação, está descrita no yoga Sutras de Patanjali. Por sua vez, Feuerstein (1989) descreve esse clássico texto sendo composto por 196 sutras – aforismos, divididos em quatro capítulos que tratam do método Ashtanga yoga. Os quatro capítulos são os seguintes:

  1. Samāadhi Pāada - trata da definição do samadhi, que é um estado meditativo da mente, e dos processos para alcançar esse estado. O Samadhi ultrapassa a dualidade sujeito/objeto. O autor descreve o yoga, e, em seguida, a natureza e os meios para atingir Samadhi. Aqui ele define o objetivo de seu método: yoga citta vrtti nirodha – Quando cessa a agitação da mente (produção de pensamentos, emoções e sensações transitórias) surge o estado real de yoga – estabilidade – unicidade.

  2. Sādhana Pāda - trata da prática que leva ao estado meditativo, e dos obstáculos que podem ser encontrados. Sadhana é a palavra sânscrita para "prática" ou "disciplina". Aqui o autor descreve duas formas de yoga: Kriya yoga (yoga da Ação) e Ashtanga yoga (as oito partes do yoga).

  3. Vibhūti Pāda - trata dos resultados obtidos com a prática da meditação profunda (samyama), que são conhecimentos e habilidades especiais. Vibhuti é a palavra sânscrita para "poder" ou "manifestação fenomenológica". Os poderes supranormais são adquiridos pela prática do yoga.

  4. Kaivalya Pāda (sobre o ser-nele-mesmo ou liberação) - trata do objetivo final do yoga proposto nos Sutras, que é o estado de equilíbrio mental, estabilidade e liberação, transcendência.

    O autor segue descrevendo o Ashtanga yoga - os oito passos do yoga:

  1. Yamas - harmonização do homem com o meio – relativo à percepção e controle dos comportamentos e ações. São divididas em cinco seções: a) Ahimsa – não violência, pacifismo; b) Satya – sabedoria, criatividade, autenticidade; c) Asteya – não roubar; d) Brahmacharya – ter o controle dos sentidos; e) Aparigraha – evitar o desejo de posse ou a obsessão.

  2. Niyamas - harmonização interna do homem com ele mesmo – autodisciplina. São divididas em cinco partes. São elas: a) Shauca – pureza (física, mental e espiritual); b) Santosha – contentamento; c) Tapas – autocontrole, determinação; d) Svadhyaya – dedicação aos estudos, autoconhecimento; e) Ishvara Pranidhana – entregua, devoção, consagração.

  3. Asanas - posturas objetivando o fortalecimento do corpo e a meditação.

  4. Pranayama - controle da respiração – harmonização da energia vital, prana.

  5. Pratyahara - abstração e interiorização dos cinco sentidos – percepção sensorial.

  6. Dharana - concentração da mente.

  7. Dhyana - meditação profunda, contemplativa.

  8. Samadhi – êxtase, despertar, estado em que se destruiu a ignorância de nossa verdadeira natureza (imanente e transcendente) – união – integração – totalidade.

    De acordo com Blay (1995), essas etapas são coexistentes e interdependes. No conjunto elas fornecem os elementos necessários para que o homem atinja a plenitude e a totalidade, desenvolvendo as diversas dimensões que compõem o humano.

    A educação holística proporcionada pelo yoga advém de uma compreensão ampla e complexa sobre o corpo e a corporeidade. Podemos dizer que os corpos possuem diversos significados e cada cultura determina o uso que se faz deles, instaurando uma simbologia, criando imagens, códigos de conduta, cuidados em relação à conservação e utilização dos mesmos. Nesse sentido, podemos perceber que os usos e sentidos são construídos historicamente e são determinados por diversas influências culturais e ambientais.

    Não é nosso objetivo realizar uma história sobre o corpo, nem sobre a corporeidade, mas evidenciar alguns determinantes que atuam na educação do corpo na atualidade, como essa educação ficou atrelada aos aspectos físicos, menosprezando outras dimensões, limitando e reduzindo as possibilidades de compreensões sobre o corpo, a corporeidade e a própria existência (qualidade de vida).

    Ferreira (et al. 2007) relata que em se tratando de qualidade de vida no âmbito da educação física há um predomínio relacionado aos aspectos motores do corpo (as pessoas praticam esportes, fazem ginásticas preocupadas em manter a saúde física, mas poucos exibem cuidados com a mente e a consciência), e muitas vezes desprezam-se outras dimensões, tais como; o imaginário, o afetivo, e até mesmo o cognitivo (intelectual-racional). Nesse sentido, percebemos que na atualidade há um desequilíbrio entre as diversas dimensões que compõem o humano. Há ênfase na fragmentação e predominam determinados aspectos em detrimentos de outros, trazendo graves consequências (por exemplo: manifestações de doenças psicossomáticas) para as pessoas.

    Cabe ressaltar que nossas reflexões estão amparadas no paradigma holístico, integrativo, complementar, enfatizando o ser humano na sua totalidade. Nesse contexto, os conhecimentos metafísicos do yoga nos possibilitam superar as fragmentações impostas pela racionalidade dominante e compreender o corpo e a corporeidade numa outra perspectiva.

    Nas tradições do yoga o corpo é compreendido como a morada, o templo no qual expressamos nossa humanidade, e acima de tudo é considerado como divino, pois o espírito, a alma está encarnada no físico. Nesse sentido, a corporeidade é a expressão da nossa existência, está inter-relacionada a diversas dimensões que compõe o humano (sensorial, afetivo, cognitivo, motor, entre outros) sendo irredutível a uma das partes, pois há uma integração e complementaridade entre dimensões físicas e metafísicas (sutis).

    Goswami (2005) ressalta que possuímos mais de um corpo (koshas), enfatizando a existência de um corpo físico, e outras constituições além do físico (corpos sutis). A interação entre esses corpos se daria num nível quântico, pois os corpos sutis não são passíveis de quantificação ou verificação como coisas no sentido da física moderna (newtoniana).

    Sri Swami Sivananda (1999) descreve as cinco dimensões (koshas) que compõem o humano:

  • Annamaya kosha – Constituído pelo corpo material, grosseiro, físico, a matéria densa, (feito de Anna – comida). Indispensável para a evolução do ser, ou o reconhecimento da natureza essencial, transcendental. Necessita de um funcionamento equilibrado, harmônico para poder manifestar suas potencialidades. É formado por cinco elementos: terra, fogo, ar, água e éter.

  • Pranamaya kosha – Composto por prana, a força ou energia vital que nos sustenta, movendo-se por todo o corpo. Coexiste no interior do corpo físico e o mantém por meio da respiração (inspiração e expiração) mantendo a vitalidade e a saúde. Está intimamente relacionado com o corpo astral (desejos), as sensações, emoções, o cognitivo (mental) e o motor. Se desintegra na morte juntamente com o corpo físico.

  • Manomaya kosha – É composto de vrittis, ou pensamentos (mana – substância mental). Pode ser compreendido como psicoemocional responsável pelo gerenciamento das emoções. Está no controle direto do prana, do corpo físico e sentidos. É como um supervisor em uma fábrica dando instruções, mas não deve ser o gerente da fábrica. Quando ele recebe instruções claras do nível mais profundo, funciona perfeitamente, no entanto, quando age por conta própria, criando e sendo guiado pelas ilusões,s se distancia do seu objetivo interferindo na harmonia do sistema como um todo.

  • Vijananamaya kosha – É a dimensão mental (antahkarana). Representa o conhecimento, a intuição, as possibilidades de criação da mente. Vijñanamaya Kosha é onde se opera o discernimento, a capacidade de se escolher e discriminar entre o que é real ou irreal (maya), superando a dualidade e as percepções fragmentadas. Representa a possibilidade de transcender a ignorância (avidya), sendo a instância superior nos processos mentais (vijnana – sabedoria).

  • Anandamaya kosha – É a mais sutil de todas (ananda – sem substância, espiritual). É a ponte, a conexão para o estado de unidade, integração. Representa a fundação de toda a vida. Sua essência é Parashakti (consciência pura) e Parashiva (absoluto). O kosha de Anandamaya não é uma camada no mesmo sentido que os quatro koshas exteriores. É o ponto central, a alma própria, um corpo da “luz”, suporte dos karmas, desta e de outras vidas passadas. O kosha de Anandamaya é aquele que evolui com todas as encarnações rumando para fusão com o absoluto, a consciência suprema.

    Podemos perceber a complexidade formada pelos koshas e suas múltiplas inter-relações. Como citado acima, nossa existência é regida por antahkarana ou a dimensão mental, que nos possibilita a inteligibilidade do real e de si mesmos.

    Swami Muktananda (1992) expõe que o complexo psíquico (Antahkarana) é formado por:

  • Manas são os pensamentos, questionamentos e dúvidas (aspectos inferiores da mente). Organiza os estímulos externos vindos através dos sentidos e da atividade da memória (Chitta - conteúdos do consciente e do inconsciente), Atua como produtora de Vrittis (pensamentos, movimentos mentais, mente racional) e as respostas psicomotoras (Vasanas) por meio dos Karma Indriyas (órgãos de ação). Manas faz um trabalho de execução, mas não se pode supor ser o responsável pelas decisões centrais. Quando tende a um funcionamento excessivo pode gerar estresse desorganizando as demais dimensões que compõe o aparato psíquico. No nível hierárquico deve estar sempre submetido à instância superior Buddhi.

  • Chitta pode ser considerada como um banco de memória armazenando as impressões, as imagens, as emoções (prazerosas ou desprazerosas) e outras experiências. Chitta pode causar dificuldades e limitações se o seu funcionamento não estiver coordenado com as outras dimensões, pois o aparato psíquico pode ser dominado pelas emoções, impressões, ou outras produções dessa instância.

  • Ahamkara - o ego. Trabalha em consonância com Manas na função de manter a identificação da consciência com o estado ilusório de separação – dualidade (maya). O ego e a mente (manas) mantém a consciência ilusoriamente identificada com sua personalidade (que poderíamos chamar aqui de autoimagem – persona - identidade).

  • Buddhi - envolve as escolhas, o discernimento, a diferenciação, e os julgamentos, determinando o curso das ações. Em um nível mais elevado de atuação, Buddhi é a mente testemunha (o observador das demais dimensões), representando o aspecto superior da mente. Como instância superior Buddhi deve realizar as escolhas, pois caso contrário, manas domina o aparato psíquico realizando as instruções dos padrões de hábitos (comportamentos) armazenados em Chitta, sendo que este está intimamente relacionado com ahamkara, o Ego.

    O corpo físico (annamaya kosha) é chamado de sthula sharira, “grosseiro”. A alma ou anandamaya kosha é chamado de karana sharira, “corpo causal”. Pranamaya, manomaya e vijnanamaya koshas juntos representam sukshma sharira, "corpo sutil".

    A partir das descrições acima podemos perceber a complexidade e diversidade entre as diversas interações ocorridas em nossos corpos. Nesse contexto, o yoga se mostra como técnica, ferramenta, pedagogia, produzindo conhecimentos propícios para desenvolver e educar holisticamente as diversas instâncias que compõem o humano.

Reflexões finais: respirar conscientemente é necessário

O caminho é longo e penoso. Só aqueles que possuem perseverança alcançam seus objetivos. Não se chega ao cume de uma montanha por caminhos retos.

Anônimo

    Jaspers (1973, p. 47) define como a essência do humano: “o homem não pode ser concebido como um ser imutável, encarnando reiteradamente aquelas formas de ser. Longe disso, a essência do homem é a mutação”. A partir desta afirmação pode-se perceber que o corpo e a corporeidade adquirem infinitas possibilidades de constituições e expressões, constituindo um grande desafio no que tange a educação. Nesse contexto, são necessárias constantes percepções e reflexões sobre as constituições do eu, o autoconhecimento. Aqui insiro a possibilidade de compreender o humano a partir do yoga.

    Educar o humano significa desenvolver suas potencialidades latentes, manifestando suas características em diferentes situações e contextos, explorando suas capacidades físicas, emocionais, sentimentais, mentais e espirituais de forma equilibrada, harmonizada, objetivando qualidade de vida.

    Ferreira et al. (2007, p. 130) ressaltam que:

    O cuidado de si (qualidade de vida) exige muito mais do simples movimentos ginásticos, práticas esportivas e alimentação adequada, entre outros. O ser humano é dotado de uma complexidade que se manifesta de diversas formas, exigindo cuidados que satisfaçam todas as dimensões (afetivo, emocional, racional, imaginário, motor e espiritual, entre outras) que compõem esta totalidade.

    Na perspectiva do yoga, os cuidados de si são fundamentais para se atingir o objetivo final – Samandhi. Identificar e reconhecer as dificuldades vivenciadas momentaneamente representam os primeiros passos rumo à superação dessas limitações. A meditação (Raja yoga) possibilita a introspecção, o reconhecimento das estruturas que compõem a mente, desenvolvendo o autoconhecimento e despertando um infinito potencial criativo. Nesse contexto, podemos ressaltar efetivamente a qualidade de vida em termos de saúde mental, pois o reconhecimento das limitações abre novas perspectivas para a superação de tais condições.

    Deutsch et al (2012) afirmam que de modo geral as práticas meditativas colaboram para um melhor convívio social. A partir de uma pesquisa realizada com praticantes de meditação, foi observado que os resultados de maneira geral apontaram no sentido positivo. Em se tratando de promoção de autocuidado também enfatizamos a meditação como um caminho, uma possibilidade educativa no qual os praticantes desenvolvem suas potencialidades latentes, incluindo expressões criativas, afetivas, cognitivas e motoras, entre outras, pois a prática constante da meditação pode proporcionar o reconhecimento das estruturas que formam a mente, portanto representa a possibilidade de realizar transformações nessas estruturas, alterando comportamentos inadequados ou nocivos ao bem estar e qualidade de vida, bem como em relação ao convívio com outros seres, buscando harmonizar as inter-relações vivenciadas cotidianamente.

    No yoga a mente e a respiração estão intimamente conectadas, pois nossos estados emocionais, os pensamentos, sentimentos, entre outros, afetam diretamente a qualidade e o ritmo de nossa respiração. Se realizarmos uma parada momentânea em nossas ações, e nos observarmos internamente (meditação) poderemos perceber tais conexões. A respiração é a fonte do viver, e voltar nossa atenção para esse simples ato pode nos proporcionar novas percepções sobre o corpo, a corporeidade, bem com nossa dimensão psíquico-mental. Ressaltamos a técnica do Pranayama como possibilidade de expandir nossas capacidades respiratórias e consequentemente influenciando as demais dimensões que compõem o ser humano.

    De acordo com pesquisas realizadas pela Sociedade Internacional de Meditação (2006) com praticantes de Meditação Transcendental durante a década de 70 nos Estados Unidos, foi possível observar a redução do metabolismo basal levando o corpo a experimentar repouso profundo. Verificou-se que as ondas cerebrais desses indivíduos, captadas pelo eletroencefalograma, e diante de um quadro comparativo com indivíduos não praticantes, apresentavam maior grau de ordenação espacial e maior coerência das mesmas durante períodos em que a meditação estava sendo experimentada. Isto sugere um funcionamento neurofisiológico de repouso profundo em alerta, otimizando o funcionamento cerebral, cognitivo e melhorando as habilidades mentais. Observou-se também que com a prática da meditação, a frequência cardíaca e pressão sanguínea diminuem, o fluxo sanguíneo é desviado para órgãos internos, principalmente para os que estão envolvidos na digestão; melhora a captação de oxigênio e, portanto diminui a freqüência respiratória, há diminuição da produção de transpiração; há um aumento da produção de secreções digestivas, melhorando os níveis de açúcar no sangue, redução da pressão sanguínea em pessoas com hipertensão, e menor incidência de doenças cardíacas. Há diminuição dos níveis de ansiedade, nervosismo e estresse havendo uma melhora da saúde em geral (qualidade de vida). Diminui-se o consumo de drogas prescritas ou não, cafeína, tabagismo, narcóticos, álcool, principalmente devido à redução de traços psicológicos negativos e aumento dos traços positivos.

    A partir dessas constatações podemos perceber a efetiva atuação do yoga na educação e qualidade de vida do humano. As técnicas do método Asthanga yoga revelam a possibilidade de superação, equilíbrio e harmonia das diversas dimensões que compõem o humano, no entanto, a nossa cultura e educação dificultam as práticas do yoga, pois muitos de nós vivemos uma vida acelerada, impondo imensos sacrifícios ao corpo, vivenciando situações de estresse excessivo, e outros tipos de pressões psicológicas que geram resultados negativos tanto na saúde como na existência como um todo. Relaxar representa um desafio constante, já meditar exige um esforço centrado em determinadas práticas citadas ao longo destas reflexões.

    Acima de tudo ressaltamos a necessidade de realização das práticas, pois só assim poderemos vivenciar e compreender as possibilidades de transformações do corpo e da corporeidade proporcionadas pelo yoga. Nesse contexto enfatizamos as práticas buscando superar as dicotomias instauradas por uma educação fragmentada e compartimentalizada.

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