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A identidade cultural no desenvolvimento da 

prática do rugby no Brasil: uma análise preliminar

La identidad cultural en el desarrollo de la práctica del rugby en Brasil: un análisis preliminar

Cultural identity in the development of rugby practice in Brazil: a preliminary analysis

 

*Mestrando do Programa de Mudança Social e Participação Política

**Professor da Universidade de São Paulo

(Brasil)

Diego Monteiro Gutierrez*

Marco Bettine de Almeida**

marcobettine@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O trabalho analisa a criação de uma identidade nacional alternativa e as suas transformações a partir da pratica do rugby no Brasil. O esporte, introduzido no Brasil em 1894, nunca alcançou a popularidade da sua modalidade irmã, o futebol, mas vem sendo praticado de forma ininterrupta por mais de 100 anos no país. A modalidade, que goza de grande popularidade em países como Argentina, Inglaterra, França e Japão, nunca irá se enraizar por completo sempre mantendo uma grande dependência dos fluxos migratórios e da interação com o exterior. O objetivo deste trabalho é apresentar uma historiografia preliminar do rugby no Brasil, os principais momentos da sua evolução e a relação com aspectos mais gerais do desenvolvimento da sociedade brasileira, com destaque para os ciclos de crescimento econômico, as identidades constituídas neste processo e a forma do rugby ser apropriado pelos ingleses e europeus que aportaram em terras tupiniquins.

          Unitermos: Rugby. Brasil. Identidade Nacional.

 

Abstract

          The work examines the creation of an alternative national identity and its transformations from rugby practice in Brazil. The sport was introduced in Brazil in 1894, never achieved the popularity of its sister sport, football, but has been practiced continuously for over 100 years in the country. The method, which enjoys great popularity in countries like Argentina, England, France and Japan, will never take root completely while maintaining a large dependence on migration and interaction with the outside. The objective of this paper is to present a preliminary historiography of rugby in Brazil, the key moments of their evolution and the relationship with more general aspects of the development of Brazilian society, especially the cycles of economic growth, the identities constituted in this process and how rugby be appropriate by the British and Europeans who landed in Brazilian lands.

          Keywords: Rugby. Brazil. National identity.

 

Financiamento NAP-LUDENS

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A identidade nacional é um elemento cultural fluído em constante transformação, assumindo os mais variados aspectos, nunca encontrando uma definição única e absoluta. Os fluxos migratórios são responsáveis por grandes transformações culturais e no modo como a nação vê a si mesma, já que a comunidade estrangeira acaba por introduzir novos elementos que se enraízam na cultura nacional, ao mesmo tempo em que busca se identificar com o país escolhido criando sua própria definição de nacionalidade.

    A prática do rugby está então sempre relacionada com a participação de estrangeiros, porém esses grupos, que escolheram o Brasil como residência fixa, estarão ao mesmo tempo construindo sua própria noção de identidade, que além dos diversos elementos próprios de cada comunidade, terá na pratica e na organização do rugby um fator fundamental. Essa nova identidade difere da criada a partir de outros elementos, de uma forma muito diferente, por exemplo, daquela relacionada ao futebol, mas não pode ser considerada menos legítima, construindo uma brasilidade à sua própria maneira.

    O estudo do esporte e das relações sociais que compõe sua prática foi, por muito tempo, relegado ao segundo plano das ciências sociais, que se preocupou muito mais em analisar questões ligadas à produção econômica e as relações políticas, enquanto via a atividade esportiva, e outras formas de lazer, como vulgares, relacionadas com problemas sociais de segunda grandeza (Grunenvaldt, Surdi, Kunz, 2011). A sociologia do esporte começou a ganhar legitimidade no campo das ciências sociais a partir do final dos anos 60, quando diversos pesquisadores passaram a estudar o assunto. Esse momento tem como marco inicial a fundação do International Committee for Sport Sociology (ICSS) que reuniu estudiosos de diversos países dispostos a discutir o assunto (Gastaldo, 2008).

    O sociólogo francês Pierre Bourdieu, apesar de não ter no esporte um dos elementos centrais da sua pesquisa, é responsável por diversas inovações fundamentais para essa área de estudo, sua sistematização e o aumento da sua importância. A teoria dos campos, formulada por Bourdieu, fornece diversos elementos importantes para o estudo da sociologia do esporte, principalmente porque ela considera que existem características universais que regulam o funcionamento dos campos e que podem ser aferidas a partir do estudo de um campo específico (Souza; Marchi Jr., 2010).

    Uma ciência como esta deve, para cumprir plenamente uma missão desta ordem, proceder a uma tripla historicização. Historicização do agente, para começar, pela desmontagem do sistema socialmente constituído de esquemas incorporados de julgamento e de ação (habitus) que comanda suas condutas e orienta suas estratégias. Historicização dos mundos sociais (campos) diversos nos quais os indivíduos socializados investem seus desejos e suas energias e renunciam neste curso sem fim ao reconhecimento que é a existência social (Wacquant, 2002).

    A análise do desenvolvimento do subcampo do rugby no Brasil se relaciona com diversos momentos importantes da constituição da sociedade Brasileira. O esporte não irá se enraizar completamente no país, como o futebol, e por isso seu crescimento ficará em grande parte relacionado com a maior ou menor afluência de estrangeiros no país. A sua prática representará para esses imigrantes o início da sua inserção na sociedade brasileira onde, aos poucos, eles irão desenvolver seu próprio espírito de nacionalidade, diferente daquele constituído pelo futebol, mas não menos legítimo, dando outra visão de como se constroem diferentes aspectos da identidade nacional. Essa nova dimensão irá se diferenciar das outras, pois será constituída a partir da relação criada pelos esportes violentos, que carregam uma série de características próprias inerentes a esse tipo de prática e que pode ser resumida pela descrição do boxe, feita pelo filósofo Deyan Deyanov, em entrevista ao pesquisador francês Löic Wacquant: “um conjunto de disposições particulares reunidas coletivamente por meio de uma pedagogia silenciosa que transforma a totalidade do ser lutador ao extraí-lo do reino profano e introduzi-lo em um universo sensual, moral e prático distinto, trata-se de um processo de sedução a fim de refazer a si mesmo e adquirir honra (masculina) pela submissão voluntária às regaras ascéticas de sua arte” (Wacquant, 2002)

Aspectos sociais, políticos e econômicos

    As primeiras décadas do século XX vão marcar o auge de uma expansão econômica sem precedentes e que dificilmente será repetida. Esse momento, que se inicia no final do século XIX termina com o início da primeira guerra, em 1914, é marcado pela expansão industrial, da infraestrutura e da tecnologia. Os grandes centros urbanos, nos Estados Unidos e na Europa, mantém um ritmo de crescimento espetacular. As novas tecnologias, movidas a carvão e a petróleo, vão mudar a paisagem dos países mais ricos. Nos centros urbanos a energia elétrica irá iluminar ruas e lares, o automóvel passará a ser um meio de transporte comum, os arranha-céus irão se destacar na paisagem. O aumento da malha ferroviária e a popularização do navio a vapor vão permitir o transporte de mercadorias e pessoas em escala e velocidade nunca antes vista. O crescimento econômico irá gerar uma demanda gigantesca por matérias primas, que será suprida pelos países não industrializados, Brasil entre eles, e pelas colônias (Hobsbawm, 2010).

    O Brasil se destaca nesse cenário como principal fornecedor de uma nova bebida, que se tornou febre na Europa, o café. A demanda por esse alimento, que começa a crescer na segunda metade do século XIX, vai transformar drasticamente o país. O centro econômico se deslocará para o interior dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, com a cidade de São Paulo se tornando o principal pólo econômico do país. O dinheiro trazido pelo café irá inserir o país na economia mundial e trará uma série de investimentos, principalmente para o estado de São Paulo. Os principais serão a criação das ferrovias, construídas para escoar o café do interior para o mar (Almeida, 2013), e a iluminação das cidades. O Brasil, para implementar esses dois grandes projetos, irá buscar apoio no seu mais tradicional aliado econômico e maior potência da época, a Inglaterra. Bancos ingleses se encarregarão de providenciar empréstimos para os governos enquanto empresas inglesas se encarregarão de realizar os projetos (Furtado, 1959).

    As empresas inglesas irão trazer também um grande número de funcionários, responsáveis pela administração e organização dos projetos. Isso levará à formação de comunidades britânicas nos principais centros comerciais do país (Santos, Rio de Janeiro e São Paulo). Esse grupo, mesmo sendo muito menor que outros, como japoneses e italianos, possuía uma grande influencia nas cidades, tanto pelo seu poderio econômico quanto pela relação com as elites brasileiras, que se preocupavam em emular as modas e costumes vindos da Europa. Esse cenário não era exclusivo do Brasil. A Inglaterra, nessa época, era o maior investidor mundial, atuando em quase todos os países. Com os investimentos ingleses vinham sempre um pequeno número de funcionários, criando assim comunidades inglesas ao redor do mundo. Esses grupos podiam variar em tamanho e influencia, indo de milhares de pessoas nos maiores aliados comerciais e colônias, como a Índia ou Austrália, até apenas algumas dezenas como em entrepostos mais isolados em algumas regiões da África.

    As comunidades inglesas ao redor do mundo sempre se esforçavam para manter o modo de vida britânico vivo. Isso se dava principalmente pela fundação de clubes ingleses onde a comunidade se reunia para festas, reuniões e práticas esportivas. O esporte foi sistematizado e popularizado na Inglaterra em paralelo com a revolução industrial e se tornou o principal passatempo das classes médias e altas inglesas. Os súditos britânicos, mandados para outros países, levavam junto às práticas esportivas que no início eram feitas apenas entre ingleses e, aos poucos, foram difundidas entre os nativos que adotaram os diversos esportes ingleses (Almeida, 2013). Foi por esse meio que os brasileiros entraram em contato com os mais diversos esportes. O primeiro a chegar ao país foi o críquete, a ele se seguiram o tênis, o futebol, o boxe e o rugby.

Material e métodos

    Uma vertente que discute a apropriação do jogo também parte de algumas discussões de Mauss (1980) sobre técnica corporal representativa de uma identidade cultural específica. Se, hoje, podemos falar em mimetismo no caso do jogo (FRANCO Jr. 2007), este ocorreu porque a população brasileira dominava determinadas técnicas do corpo que lhe permitiram se servir do jogo como instrumento de identidade. A técnica do corpo pode ser entendida como as maneiras pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo (DEL PRIORE e MELO, 2009). O jogo de rugby tornou possível a sublimação de vários elementos de nossa formação social e cultural. O cadinho destes elementos são uma das formas de ver a relação Jogo de Ingleses e Brasil (ALMEIDA; GUTIERREZ e MARQUES, 2013).

    Como a história do Rugby no Brasil necessita de pesquisas sistemáticas, adotamos para análise da identidade nacional, neste primeiro momento, os textos de pesquisadores que trabalharam com o futebol, por ter a mesma origem na High School e serem praticados por estrangeiros.

    Para análise dos dados utilizamos a Teoria dos Campos de Bourdieu e a teoria antropológica de identidade e técnica corporal. Na metodologia de Bourdieu identificamos cinco fases, a primeira, já assinalada, considera primordial o resgate histórico da produção de conhecimento na área do esporte, isto é, a taxonomia teórica do efeito da teoria. A ciência social deve englobar na teoria do mundo social uma teoria do efeito da teoria, que é o contribuir para impor uma maneira mais ou menos autorizada de ver o mundo social, contribuindo para fazer a realidade deste mundo. Os pesquisadores servem para a compreensão do campo e a percepção dos problemas, por isso da escolha de vários referenciais. Trata-se, assim, de compreender o campo por meio do olhar dos teóricos.

    A segunda fase é compreender o Campo, este conceito foi pensado por Bourdieu para dar conta da aplicabilidade do estruturalismo à sociedade francesa, que hoje é utilizado em vários estudos em diferentes sociedades. O Campo esportivo é um espaço estruturado onde há dominantes e dominados que disputam os capitais específicos em jogo e buscam conservar a estrutura, ou então transformá-la. Este campo desenvolve uma doxa e um nomus, ou seja, um senso comum que atribui lógica ao campo e um conjunto de leis invariantes que regulamentam as ações dos agentes.

    A terceira fase é analisar a relação do campo esportivo com o campo do poder; traçar um mapa da estrutura objetiva das relações ocupadas pelos agentes ou instituições que competem pela forma legítima de autoridade específica no campo; analisar os habitus dos agentes. O habitus se constitui de diferentes sistemas de disposição adquiridos em relação ao campo. Ele pode ser considerado um corpo socializado e estruturado, que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular, e que estrutura tanto a percepção desse mundo quanto a ação no mundo. Além disso, é um programa de percepção, classificação e organização da ação. Uma força que sustenta a ordem social, consciência coletiva, ação social e objeto da sociologia. O habitus é um princípio unificador e gerador de todas as práticas.

    A quarta fase constitui-se da análise dos capitais predominantes na relação entre agentes e estrutura do campo esportivo, que são: econômico, cultural e social. Neste sentido conseguimos relacionar a construção de um gosto de classe.

    A quinta e ultima fase desenvolve uma análise do campo esportivo como um espaço social de disputas pela definição legítima da prática esportiva e das funções legítimas das atividades esportivas. Essa luta busca novas formas de agir dentro do campo, resultando em novos habitus.

Pequena história do rugby no Brasil

    O rugby chegou ao Brasil no ano de 1894 (Mazzoni, 1950; Brentano, 2002). As primeiras bolas foram trazidas por Charles Miller, o mesmo que introduziu diversos esportes no país. Miller nasceu no Brasil, mas era filho de um dos funcionários da São Paulo Railway Company, empresa inglesa responsável pela implementação das ferrovias no estado. Cresceu em meio à comunidade britânica da cidade e estudou na Inglaterra, de onde trazia as ultimas novidade do mundo esportivo. O esporte não caiu nas graças da população como sua modalidade irmã, o futebol, e no início sua prática se viu restrita aos clubes ingleses, presentes nas cidades mais importantes e que mantinham vínculos comerciais mais fortes com o Reino Unido. Os primeiros locais a praticarem regularmente a modalidade foram o SPAC em São Paulo, o Rio Cricket no Rio de Janeiro e o Santos Athletic Club em Santos. Com o tempo, principalmente nos anos 20, o esporte se disseminará para os clubes de elite e classe média dessas cidades, que se preocupavam em emular os modos de vida dos ingleses. Ele vai encontrar uma grande aceitação, principalmente em São Paulo, nos clubes mais tradicionais como o Paulistano e o Pinheiros, e também entre estudantes universitários, como a Faculdade de Direito (que se filiaria posteriormente à Universidade de São Paulo) (Estado de S. Paulo 13/3/29, 17/8/25). O esporte seguiria crescendo de forma mais ou menos ininterrupta, apoiado principalmente na influência da comunidade inglesa, durante os anos 20 e 30, chegando, no Rio de Janeiro, a ser jogado na prévia de diversos jogos do campeonato carioca de futebol (Jornal do Brasil 14/4/1927).

    A difusão do rugby nesse primeiro momento se restringirá à pequena esfera dos imigrantes ingleses e da alta sociedade das cidades mais internacionalizadas. O esporte, ao contrário do futebol, não irá se difundir por outros grupos da sociedade, ficando restrito à comunidade britânica, que seguindo a tendência da época terá nos esportes a principal maneira de manter suas tradições vivas. Os maiores eventos, aqueles mais divulgados, envolverão quase sempre a confraternização com navios de guerra ingleses, que nas suas rondas paravam para confraternizar com a comunidade britânica local. O primeiro jogo oficial do Brasil se dará em 1910, contra a tripulação do cruzador Amethist, que virá a ser utilizado na primeira guerra, com uma grande cobertura da mídia e atraindo um público razoável. O mesmo navio já havia feito um evento semelhante um ano antes, mas utilizando o futebol, jogando contra o Botafogo e o Fluminense (Estado de São Paulo 23/07/1910, 25/71910).

    O advento da primeira guerra não irá altera de forma significativa a economia brasileira. O país continuará, mesmo após a guerra, com sua posição de provedor de matérias primas e receptor de investimentos, inalterada. A origem desses investimentos irá se transferir aos poucos da Inglaterra para os Estados Unidos, mas diversas empresas inglesas continuaram muito atuantes no cenário nacional. Outro fator importante é que parte dessa comunidade acabou por se enraizar no país, optando por não voltar à Inglaterra. A primeira grande guerra por sua menor duração e sem uma ameaça eminente de invasão da Bretanha, não irá mobilizar a comunidade inglesa como a segunda.

    O esporte sofrerá sua primeira grande ruptura em 1939, com o inicio da guerra. A colônia inglesa no Brasil, que incentivava a prática e de certa forma o organizava, praticamente desaparecerá do país. Os que estavam no país a negócios, empresas de café, comércio, bancos, iriam desaparecer completamente, já que toda a economia estava voltada para o esforço de guerra. Além disso, muitos ingleses, que haviam adotado o Brasil como morada definitiva, se alistaram no exército, movidos por um sentimento de dever para com seu país de origem, retornando ao Brasil apenas ao final da guerra. A guerra também significará o fim da importação dos equipamentos, já que eles não eram produzidos aqui, e o fim das vistas dos times europeus que vinham fazer tours pela América do Sul e invariavelmente paravam no Brasil. A conseqüência disso é que o rugby no país irá, praticamente, cessar entre 1939 e 1945. Algo que fica sem uma explicação é que este mesmo fenômeno, provavelmente ocorreu em países do Cone Sul como a Argentina, mas não teve conseqüências tão drásticas como no Brasil.

    A crise de 29 dará início a uma série de rupturas econômicas e políticas que transformarão o Brasil. A principal delas será o início da industrialização que seguirá, de forma mais ou menos ininterrupta, até o final dos anos 1980. Isso levará a transformações sociais profundas. As cidades crescerão em ritmo acelerado, assim como a população. São Paulo se tornara uma das maiores cidades do mundo. O país passará, em apenas algumas décadas, de um agroexportador para uma potência industrial.

    O fim da guerra na Europa trará de volta parte da comunidade inglesa que optou por fixar morada no Brasil. A normalização das relações comerciais internacionais trará também para o Brasil outros estrangeiros que adotarão a prática do rugby, principalmente franceses e argentinos. O período de 1945 até os anos 60 será o de retomada da prática do esporte, em escala menor da que praticada antes da guerra e mais restrito aos estrangeiros. O partir do início dos anos 60 o esporte passará por transformações importantes. A principal será a de nacionalização do esporte: se em 1950 a imensa maioria dos praticantes era de estrangeiros, a partir de 60 esse número passará a diminuir até que em 1986, auge da prática do esporte no país, mais de 75% dos praticantes era de brasileiros natos (Thau, 1988).

    O esporte crescerá de forma significativa durante os anos 60, 70 e 80. O número de clubes e praticantes crescerá ano a ano, será estabelecido um campeonato brasileiro e a população em geral passará a ter mais contato com o esporte. O crescimento econômico facilitará as viagens, tanto no âmbito nacional quanto internacional, propiciando um intercâmbio valioso de informações. O aumento da participação do Brasil no comércio internacional trará mais estrangeiros para o país. O esporte chegará às escolas, tendo sido estabelecidas no auge ligas mirim, infantil e juvenil (Acervo UBR). O crescimento da modalidade atrairá a atenção de clubes maiores, que passaram a incentivar o esporte. O grande destaque será a introdução do rugby no Palmeiras (Estado de S. Paulo 2/11/1980) e no São Paulo, importantes clubes de futebol, com o momento de maior destaque sendo uma partida de rugby jogada na prévia de uma partida do SPFC do campeonato brasileiro (Estado de S. Paulo 14/3/1984).

    O crescimento do esporte se dará também devido à institucionalização dos clubes e da prática, com a fundação da União Brasileira de Rugby em 1964 que passará a organizar o esporte no país, antes feita de maneira informal com base na discussão direta entre os clubes. Com isso o Brasil passará a jogar os torneios oficias do esporte (sul-americanos) e serão organizados dois campeonatos regionais, o paulista e o fluminense, e um nacional, o brasileiro. A entidade também irá organizar pela primeira vez um time juvenil e iniciará um programa de categorias de base, que aos poucos levará à introdução do rugby em algumas escolas. O crescimento da modalidade levará à sua filiação ao Conselho Nacional de Desportes (CND). Com isso a UBR mudará de nome, para Associação Brasileira de Rugby (ABR).

    O período de crescimento do esporte irá durar até 1986, quando uma série de acontecimentos, aliados a uma forte crise econômica, irá dar início a retração do esporte. O primeiro fator foi uma série de lesões graves que ocorreram no rugby escolar e que determinou o fim da prática do esporte nas instituições de ensino do país, ainda no início dos anos 80 (Martoni, 2013). Em 1986 haverá uma crise na ABR que dará início a uma disputa política que acabará por desorganizar o esporte. A esses fatores está aliada a grande crise dos anos 90, que fará extinguir patrocínios, tornará as viagens internacionais proibitivas e, de uma forma geral, diminuirá muito a disponibilidade da população de investir em lazer e na prática de modalidades lúdicas. O auge da crise se dará entre 1996 e 1998, quando o cenário do rugby brasileiro se viu reduzido a apenas meia dúzia de clubes, restritos à cidade de São Paulo (Martoni, 2013)

    O cenário começará a mudar a partir da virada do século e terá como influencia dois fatores fundamentais. A volta do crescimento econômico permite que a população possa gradualmente aumentar o tempo e o dinheiro investidos no lazer e na prática de modalidades lúdicas. O crescimento aumenta o poder de compra do brasileiro no exterior e permite um aumento do contato e do consumo no estrangeiro. A partir de 2000, com a melhora nas telecomunicações, os jogos internacionais de rugby passam a ser transmitidos regularmente, mesmo que restritos aos canais pagos. Isso reascende e aumenta a divulgação do esporte e coloca um número antes impensável de pessoas em contato com a modalidade. Além disso, a visão de estádios lotados e países em festa ajudam a quebrar diversos preconceitos relacionados com o esporte, principalmente com o fato de ser violento, que nunca puderam ser bem esclarecidos no Brasil. O momento que dará início à nova fase do esporte será a inclusão do rugby nas olimpíadas em 2009. A modalidade foi disputada como demonstração em Londres em 2012 e terá participação plena no Rio de janeiro em 2016. Com isso o esporte passou a gozar dos diversos privilégios e incentivos dedicados às modalidades olímpicas, além de ter aumentado o interesse do mercado no esporte. Esses fatores levaram ao crescimento sem precedentes do esporte, que hoje é praticado em 24 estados e no distrito federal (Portal do Rugby) e conta com mais de 300 times organizados. Com a inclusão do esporte nas olimpíadas, a ABR muda de nome novamente, para se adaptar a grafia utilizada pelas instituições filiadas ao COB, e passa a se chamar Confederação Brasileira de Rugby (CBRu).

Observações finais

    Este texto introdutório objetiva apontar as relações entre a evolução do rugby no Brasil e a construção da identidade nacional. Parte da premissa que esta identidade é complexa e multifacetada, ou ainda fluida e em constante transformação. Sua observação, a partir da modalidade esportiva rugby e sua interação com os diferentes momentos políticos, sociais e econômicos da história, permite avançar na sua compreensão e incorporar novos dados e perspectivas de análise.

    Para tanto o texto busca apresentar o referencial metodológico de Bourdieu e a sua aplicabilidade no contexto da pesquisa. Por fim, apresenta um rápido histórico da modalidade no Brasil apontando, de forma preliminar, as questões propostas e suas relações com a questão da construção da identidade nacional. O maior desenvolvimento de pesquisa deve enriquecer este debate e avançar na busca de novos apontamentos.

Referências bibliográficas

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