A oferta de espaços para o lazer e para a prática de esportes em Tremembé: uma reflexão sobre esporte, lazer e desenvolvimento urbano La oferta de espacios para la
recreación y para la práctica de deportes The provision of spaces for
leisure and for sports |
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Grupo de Pesquisas Interdisciplinares em Sociologia do Esporte Universidade de São Paulo (Brasil) |
Jéssica Maria dos Santos Marco Antonio Bettine de Almeida |
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Resumo Esta pesquisa traz evidências sobre a oferta de espaços de esporte e lazer no município de Tremembé, Estado de São Paulo. Em meio a tantas discussões acerca dos benefícios do lazer e do esporte, a pesquisa viu o papel importante de discutir a realidade das áreas de esporte e lazer relacionada com o planejamento urbano eficiente. Sob esse enfoque, há uma procura da pesquisa em evidenciar no município áreas que disponibilizam espaços de esporte e lazer gratuitos à população. E também, levantar em literatura, fontes que estabeleçam relação entre esporte, lazer e desenvolvimento urbano. Unitermos: Urbanização. Lazer. Políticas Públicas.
Abstract This research presents evidence of the venues of sport and leisure in the city of Tremembe, State of Sao Paulo. In the midst of so much discussion about the benefits of leisure and sport, research has seen important to discuss the reality of the areas of sport and leisure related efficient urban planning role. Under this approach, there is a demand for research evidence in the municipality areas that provide spaces for sport and free to the population base. And also stand in literature sources that establish the relationship between sport, leisure and urban development. Keywords: Urbanization. Leisure. Public Policy.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O município de Tremembé fica localizado no estado de São Paulo, Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Segundo informações fornecidas no site do município, a história da cidade está relacionada ao Brasil colônia, principalmente, aos portugueses que cada vez mais se embrenhavam pelo interior de nossas terras em busca de ouro. Dentre essas explorações, Brás Cubas foi indicado para chefiar uma expedição que partiu de Piratininga em direção ao Vale, no sentido de alcançar o Rio Paraíba. A cidade nasceu a partir das expedições de exploração no Vale do Paraíba, muitos desbravadores foram se fixando na região. Dentre os desbravadores estava Jacques Félix, fundador de Taubaté, que conseguiu reunir em suas terras (Tremembé) diversos povoados.
Assim, nasce a cidade que um dia foi um sítio. A cidade de Tremembé foi uma propriedade privada - um enorme sítio - localizada em Taubaté. Foi elevado a Município pela Lei Estadual n° 458, em 26 de novembro de 1896, desmembrando-se de Taubaté. Hoje Tremembé possui uma população estimada de 43.871 habitantes, segundo as estimativas 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE. A cidade vem se desenvolvendo ao longo de sua história. Ainda de acordo com o IBGE, em 2000 a população total do município era de 34.823, isso indica um crescimento anual em torno de 1%.
O Atlas de Desenvolvimento Humano- Atlas IDH (2010), mostra que a renda per capita passa de R$ 764,92 no ano de 2000 para R$ 959,88 em 2010. Porém, fica claro que os dados precisam de complementação. Em 2000 cerca de 11% da população estão abaixo da linha da pobreza, essas pessoas viviam com uma renda per capita menor que R$ 140,00, e 3% estão em casos de indigência, recebendo um valor inferior a R$ 70,00.
Os dados referentes ao Censo de 2010 mostram que, o município, entre 2000 a 2010, a proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 140,00 reduziu em 50,5%. Apesar da melhora significativa, a renda apropriada pelos 20% mais pobres e 20% mais ricos da população continua muito desigual. A participação dos 20% mais ricos chega a 58,0%, ou seja, 16 vezes superior à dos 20% mais pobres. Esses dados e números foram levantados para compreender que a renda de uma parte da população é baixa e dependente de políticas públicas, inclusive as políticas voltadas para o lazer e esporte.
A população que não tem condições de pagar por locais como, por exemplo, as escolinhas de futebol privadas (uma realidade na maioria das capitais das cidades brasileiras), devem ter o seu direito ao lazer e ao esporte proporcionado pela esfera pública, provendo o bem-estar e desenvolvimento humano. Portanto, vale a pena lembrar que as políticas públicas de lazer e esporte devem vir em conjunto com as políticas de desenvolvimento urbano, repensar os locais para prática do esporte e incentivar o lazer na cidade.
Discussão teórica
O desenvolvimento das cidades é muito importante para se pensar em que lugar a prática do lazer se encontra na sociedade. Segundo Almeida (2008, p. 23) “a urbanização é um dos elementos chave para compreender o lazer. O lazer tem um amplo desenvolvimento na urbanização, absorvendo elementos da cultura, das artes e das relações sociais”.
A prática do esporte também nos propicia um sentimento de "identificação" que também está ligado a nossa dinâmica cultural das cidades. Porém, a falta de áreas de lazer ou a falta de locais públicos para a prática do esporte também pode denunciar profundas mudanças culturais nas metrópoles.
As metrópoles sofrem com a falta de espaços livres, apenas os bairros com um plano diretor possuem áreas verdes. As grandes cidades foram pouco planejadas para o lazer e a gestão pública se manifestou timidamente no processo de urbanização verde. Nos últimos anos, o capital financeiro, os eixos empresariais e comerciais foram mais importantes no processo de urbanização do que o próprio esporte e o lazer para a população.
Segundo Carlos (2009), a atuação dos governos nas áreas urbanas das metrópoles, como a cidade de São Paulo, somente reafirma a postura do mercado de capitais, da especulação imobiliária, desprivilegiando a massa de população pobre e setores de preservação. “Do ponto de vista da ação do governo (por sua intervenção direta ou pelas das políticas urbanas), as verbas públicas são, preferencialmente, alocadas nos lugares capazes de viabilizar a reprodução do capital de modo a viabilizar/fortalecer o papel econômico da metrópole de São Paulo na rede mundial das cidades”. (Carlos, 2009, p. 313)
A cidade pensou sobre o seu planejamento e optou pelo acelerado processo de urbanização, que muitas vezes é chamado de "metropolização" (como foi em São Paulo), em detrimento do lazer. A cidade de São Paulo inicia, nos anos 30, o processo de retificação dos rios com o objetivo de incorporar as regiões de várzea à estrutura urbana. Segundo Magnani e Morgado (1996), esse processo de retificação dos rios, só conseguiu ser finalizado na década de 60, e gerou uma valorização dessas regiões e mudanças radicais no perfil habitacional de tais áreas.
As práticas esportivas e as atividades de lazer tiveram que mudar, pois, a cidade mudou. As áreas de várzea do Tietê transformaram-se em áreas residenciais, aquele local sempre foi conhecido por abrigar campos de futebol amador, chamados de campos de várzea (times de várzea). A história do futebol de várzea na cidade de São Paulo mudou drasticamente, como pode ser notado no depoimento abaixo extraído do livro: “Memória e Sociedade: lembranças de velhos” de Ecléa Bosi:
Comecei a jogar futebol com nove anos. Naquele tempo tinha mais de mil campos de várzea. Na Vila Maria, no Canindé, na Várzea do Glicério, cada um tinha mais ou menos cinqüenta campos de futebol. Penha, pode pôr cinqüenta campos. Barra Funda, Lapa, entre vinte e vinte e cinco campos. Ipiranga, junto com Vila Prudente, pode pôr uns cinqüenta campos. Vila Matilde, uns vinte. Agora tudo virou fábrica, prédios de apartamentos. O problema da várzea é o terreno. Quem tinha campo de sessenta por cento e vinte metros acabou vendendo pra fábrica. (Bosi, 1994, p.11)
Após a desenvolvimento urbano-industrial as fábricas e as residências ocupam cada vez mais os locais das práticas não sistematizada do esporte e do lazer nas grandes cidades, enfrentando um acelerado desenvolvimento urbano não planejado. Segundo Silva (2002), a qualidade ambiental e a qualidade de vida têm sido alteradas em função de problemas gerados pela falta de organização e planejamento que ocorre nas ocupações do meio urbano. Esses descompassos que ocorreram e ocorrem nos grandes centros urbanos estão aparentemente se reproduzindo nas pequenas cidades do interior.
Métodos de pesquisa
A pesquisa trata-se de uma observação. Observar, registrar e analisar a situação atual da cidade através de uma câmera digital para registros fotográficos, por imagens do Google Maps com o Street View, por banco de dados de diversas instituições locais e nacionais, entre as quais: a Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte de Tremembé e, em especial o setor de esporte; o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE; o Atlas de Desenvolvimento Humano do PNUD Brasil - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a literatura especializada, houve também conversas com a população local (não foi feita nenhuma entrevista estruturada, não houve procedimentos sistemáticos e também não foi utilizada nenhuma técnica de análise de conteúdo nas conversas).
Vale deixar claro que a pesquisa não tem a intenção de compor um mapa com a totalidade da situação do lazer e do esporte na cidade de Tremembé. Não foi o foco abranger as experiências do espaço rural. Foram observados os equipamentos e a estrutura da cidade relacionada ao esporte e à qualidade de vida apenas em situações do espaço urbano.
As experiências da pesquisa possuem a intenção de levantar as questões sobre a situação do lazer e do esporte na cidade de Tremembé e possibilitar reflexões sobre existência dos espaços públicos, sobre a atuação da gestão municipal e a criação de políticas públicas focalizadas para garantir o lazer e a prática do esporte.
Apresentação dos dados
Atualmente Tremembé concentra um número considerável de residências, nos últimos anos a cidade acompanhou a proliferação de condomínios horizontais (de acesso restrito), a maioria das ruas é calçada, há praças, porém, as praças concentram-se no centro, a maioria dos bairros não possui áreas específicas para a convivência social e lazer.
Um breve passeio pelas ruas já denuncia que o esporte mais praticado na cidade é o futebol. Muitos terrenos baldios viram campinhos de futebol improvisados (figura 1) ou pistas de terra para praticar bicicross (figura 2).
Apesar da coleta de lixo regular ser realizada pela prefeitura. Muitos resíduos sólidos são descartados em terrenos baldios e ficam bem ao lado ou no exato espaço onde as crianças brincam, o que pode trazer danos à saúde e à segurança das pessoas que utilizam o local.
Além das áreas improvisadas para o lazer das crianças, foram vistos locais planejados para o exato fim de interação social, lazer e pratica de esporte. Porém, esses espaços, como podem ser visto na figura 3, não apresentam estruturas apropriadas para tal uso.
Não há bancos suficientes, não foram vistas quaisquer fontes de água e bebedouros, também não possui nenhum banheiro público próximo do local e a iluminação está com as lâmpadas queimadas. Nessas condições, a área que foi planejada para oferecer lazer não se torna uma área convidativa à permanência.
Outro local que vale a pena citar é o Estádio Américo Teixeira Pombo do Clube Atlético de Tremembé. O Estádio fica está localizado em uma rua no centro da cidade (figura 4).
O estádio é utilizado para promover o futebol amador, vários times amadores se enfrentam nos gramados. O local possui banheiros, bebedouros e uma arquibancada de madeira, com três vestiários em sua parte inferior. Possui uma boa estrutura e normalmente o acesso é livre. É um local utilizado exclusivamente para a prática do futebol.
Discussão dos dados
Ao percorrer as ruas da cidade e ao capturar as imagens, conversar com as pessoas, a análise que se faz dos espaços urbanos e, principalmente, dos espaços dedicados ao lazer e ao esporte é meio pessimista. As cidades pequenas estão começando a ficar reféns dos interesses financeiros, os pouquíssimos locais públicos de lazer estão normalmente abandonados e a proliferação de locais privados e de acesso restrito é alarmante.
Entretanto, as pessoas que não podem pagar por seu lazer não deixam de se apropriar de algum local da cidade, mesmo que por improviso. Ao longo da pesquisa constatamos que uma parcela significativa dos usuários de locais improvisados para o lazer é constituída por crianças. As crianças não deixam de praticar atividades lúdicas na beiradinha das ruas, nos terrenos baldios, mesmo que esses locais sejam poucos seguros.
As áreas de brincar são poucas e as áreas para praticar esportes são ainda mais escassas. Poucos são os locais que disponibilizam áreas, como é o caso do Estádio Américo Teixeira Pombo do Clube Atlético de Tremembé. O Estádio realiza campeonatos amadores e atrai várias pessoas aos fins de semana e durante a semana grupinhos de crianças, adolescentes e idosos se revezam para utilizar o campo do Estádio, paga-se um preço bem barato para a utilização e o acesso para conferir os jogos é livre.
Os espaços de lazer e esporte administrados pela prefeitura estão atualmente numa situação de abandono. Existem duas quadras públicas em Tremembé, uma coberta e a outra não coberta (a não coberta é esta da figura 03), as duas estão se deteriorando com a falta de recurso e cortes financeiros que a Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte de Tremembé sofreu nesses últimos anos.
A esse respeito, ocorreu há alguns anos atrás uma iniciativa que apareceu como forma de compensar essa carência por lazer e esporte gratuito na cidade. As escolas municipais e estaduais foram abertas aos fins de semana para crianças e familiares, com uma proposta pedagógica, aliada a atividades culturais, esportivas e de lazer para estimular o gosto pela escola e para colaborar para a redução de evasão escolar. Porém, o projeto atualmente está parado por falta de colaboradores.
Considerações finais
Apesar de ser uma cidade pequena, a lógica do espaço metropolitano paulistano de valorizar locais que viabilizam a reprodução do capital está se reproduzindo em Tremembé. Ao ver a proliferação de condomínios e a super valorização de imóveis na cidade, fica claro que muitos dos espaços urbanos estão indo para o caminho da apropriação privada.
Os custos de implantação de locais e equipamentos apropriados para o lazer e o esporte e, a sua manutenção, são geralmente apontados como o principal entrave para a tomada de atitude. Os locais são deixados ao abandono por não conseguirem recursos financeiros para prosseguir com os projetos. Ainda existe o problema desses locais não gerarem lucro só despesas, assim, considerados um "peso" para a administração local.
Por isso a importância de estudos que demonstrem o direito e os anseios por lazer, e pelas áreas de lazer. Que as autoridades públicas vejam que políticas públicas de esporte e lazer são essenciais para almejar o desenho de uma cidade desejável. Que os espaços urbanos sejam adequados aos diferentes usuários, e que, não são somente usuários, são cidadãos dotados de direitos e um deles é o lazer.
Com base nas observações feitas na cidade, pode ser sugerido, que as associações de bairro se envolvam na elaboração de políticas públicas de esporte e lazer. As associações possuem uma função estratégica na renovação do processo de formulação de políticas públicas locais. Neste caso, a aplicação do princípio participativo das associações ligadas aos representantes públicos (vereadores, prefeitos e governadores) pode contribuir para que as decisões e a gestão em matéria de políticas públicas de esporte e lazer sejam mais eficazes e efetivas.
Referência bibliográfica
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Sites
- http://www.pnud.org.br/IDH/Atlas2013.aspx?indiceAccordion=1&li=li_Atlas2013 - http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm - http://www.tremembe.sp.gov.br/ - https://maps.google.com.br/
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