Emancipação humana nas aulas de Educação Física para alunos do ensino médio La emancipación humana en clases
de Educación Física |
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Acadêmico do curso de Educação Física Licenciatura da UNESC (Criciúma, SC) (Brasil) |
Guilherme Neves |
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Resumo Esta pesquisa procurou identificar que tipo de educação poderia contribuir para a concretização de uma forma de sociedade que supere o sistema atual e que nesta pesquisa chamaremos de Emancipação Humana. Com isso, abordamos o sistema social vigente e qual modelo de educação esse sistema tem como fundamental para a reprodução do mesmo. Utilizaremos a Educação Física no Ensino Médio pautado em uma pedagogia crítica da educação para fazer a reflexão da Cultura Corporal com o objetivo de identificar quais formas seus conteúdos podem ser trabalhados em caráter transformador com alunos do Ensino Médio, sendo este um grau de escolarização que possui nível cognoscitivo elevado para travar debates mais elaborados a fim de fazer reflexões críticas acerca da Cultura Corporal. Unitermos: Emancipação humana. Aulas de Educação Física. Ensino médio.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 189, Febrero de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O presente trabalho trata de uma questão importante, porém pouco discutida, devido às distrações e obstáculos apresentados pela organização social que vivemos. Trata-se de um projeto de sociedade que supere o atual modelo, um projeto de uma sociedade emancipada com e a partir de indivíduos emancipados e que utiliza a educação – em que procuro aprofundar-me nessa pesquisa, principalmente na Educação Física - como uma das principais vias de concretização dessa sociedade, considerando-a elemento fundamental na formação do ser social. Entre os aspectos abordados pela educação, encontramos a reflexão da cultura corporal, que deveria se basear em uma perspectiva crítica da educação/educação física, pois discutir esse assunto requer a compreensão dos seus temas: esporte, lutas, ginástica, danças, jogos entre outras manifestações.
Abordaremos também e como ênfase dessa pesquisa, o ensino médio tratado em uma perspectiva crítica nas aulas de Educação Física a fim de buscar elementos que nos permitam refletir durante as aulas sobre a atual sociedade e de que forma seria possível ampliar as condições de superação da mesma com o trato pedagógico dentro da cultura corporal, visando contribuir para a efetiva emancipação humana.
Para melhor compreensão do que procuramos tratar, apresentaremos o trabalho com o seguinte problema: “Quais possibilidades de emancipação nas aulas de educação física em uma proposta Crítico-progressista no ensino médio?”. Procuramos verificar quais as possibilidades da educação física - em uma perspectiva progressista – de contribuir para a formação crítica do individuo na sociedade. Além disso, compreender as limitações nas aulas de educação física na objetivação do tema proposto. Na pesquisa bibliográfica desenvolvida, foi realizada a leitura de diversos artigos e livros que nos orientaram em relação do objetivo expresso no trabalho.
Na sistematização do assunto, optamos pelas seguintes questões norteadoras:
O que é emancipação humana?
Como a educação pode contribuir para a emancipação humana?
Como a teoria Crítico-Superadora da Educação Física pode contribuir para um projeto de emancipação humana?
De que forma a educação física no ensino médio pode esclarecer seus temas através da reflexão sobre a cultura corporal?
Como avaliar o ensino aprendizagem na Educação Física ao fim proposto?
Para dar, o que pode se chamar de “estrutura real do trabalho” realizaremos uma pesquisa bibliográfica, procurando explicar o problema a partir das referências teóricas publicadas em documentos.
Serão abordadas questões que nos deram a base essencial do tema proposto, suporte fundamental para complexidade do assunto. O projeto foi embasado na obra de Ivo Tonet “Educação, Cidadania e Emancipação Humana”. Na área da Educação Física, o trabalho foi baseado principalmente na obra do Coletivo de Autores “Metodologia do Ensino da Educação Física”; na obra do professor Elenor Kunz “Transformação Didático Pedagógica do Esporte” e pesquisas da professora Suraya Darido, explicitando o Ensino Médio.
Referencial teórico
Discutimos no primeiro capítulo o tipo de sociedade que vivemos fazendo relações diretas com a conseqüente forma histórica de educação. No sistema vigente, esta serve para configurar o status quo e formar cidadãos que se adéqüem a esse sistema. Também abordaremos o conceito de emancipação, a partir de Marx, que visa uma forma de sociedade que supere a atual, mostrando os interesses antagônicos entre as duas classes a partir da matriz ontológica do ser social, o trabalho.
No segundo capítulo mostramos que tipo de educação, acreditamos poder contribuir na objetivação dessa nova sociedade. Aprofundamo-nos na área da Educação Física, sendo esta o tema central desta pesquisa, mostrando como ela surgiu, porque foi necessária a sua existência para a sociedade atual e qual o modelo de Educação Física compreendemos ser mais adequado para contribuir com esse projeto emancipador.
No terceiro capítulo, falamos sobre o ensino médio - destaque também no tema proposto - e por fim, os critérios avaliativos dessa disciplina em caráter transformador.
A Educação na atualidade e Emancipação Humana
Falar sobre a educação não é possível se não entendermos de que tipo de educação se está tratando e a que classe social ela se direciona. Portanto de forma aligeirada falaremos sobre o sistema social que vivemos o sistema capitalista.
Por linhas gerais, o capitalismo é um sistema orientado para o lucro dos donos dos meios de produção, a burguesia. A relação social fundamental em uma sociedade capitalista é o assalariamento, a compra e venda da força de trabalho da classe trabalhadora, em que o proprietário disponibiliza os instrumentos de produção e o trabalhador os utiliza para produzir, vendendo a sua força de trabalho por um salário. O homem se torna “livre” para exercer suas decisões. Esse sistema cinde a sociedade, em proprietários dos meios de produção - a classe dominante - e os trabalhadores da classe proletária ou classe trabalhadora.
Karl Marx e muitos outros autores que seguem a corrente marxista dizem que o capitalismo surge/gera/aprofunda uma luta entre essas classes. A classe dominante está a todo o instante pensando em estratégias para conservar e expandir essa sociedade, negando à classe trabalhadora condições de reverter esse quadro. A classe operária luta por seus direitos na medida em que se percebe frágil frente a esse sistema, porém o capitalismo se consolidou de forma tão exploradora que os direitos dessa classe não interferem de modo algum em sua estrutura e um de seus objetivos é formar uma classe que se adapte a esse sistema sem contestá-lo.
Começaremos a explicitar a educação, sendo que esta se encontra inteiramente ligada à formação dos indivíduos e cabe agora identificar o seu papel nesse tipo de sociedade em que uma das partes é constituída de cidadãos de uma classe explorada e passiva. Iniciaremos com uma citação para nos orientar nas próximas discussões. Segundo Ivo Tonet (2005, p. 220):
A crescente complexificação do ser social e a divisão da sociedade em classes deram origem à necessidade de um setor separado do conjunto da sociedade. Este se ocuparia da organização e da direção desses processos de apropriação do patrimônio comum por parte dos indivíduos de modo a não permitir que o controle escapasse das mãos das classes dominantes. Isso implicaria na realização de uma triagem, que já tem suas bases na organização da produção. É esta organização de produção – de formas diferentes em modos de produção diferentes – que determina quem tem acesso a educação, em que condições (materiais e espirituais), quais os conteúdos, métodos, etc. Assim foi se constituindo o campo particular da educação.
No sistema capitalista, a estruturação da educação se faz por parte da classe regente da sociedade que determina os conteúdos, métodos, currículo e outras atividades que são importantes a serem transmitidas através da educação, porém apenas no sentido de que todo o ensinamento está configurado de modo que não desestruture essa ordem social e que tenha um caráter conservador.
A educação, na sua forma atual, paradoxalmente poderia contribuir para a construção autêntica do humano, pois a reprodução da complexidade dos processos produzidos pela humanidade torna indivíduos mais complexos, mais humanos, ou seja, é necessária a apropriação do conhecimento de grau mais elevado possível desse processo de produção humana. Quanto mais o indivíduo se apropria do conhecimento científico que é patrimônio da humanidade, mais humano ele se torna, ou seja, mais emancipado ele se torna. Porém, na ordem do capital isso não acontece e nem é desejável, quanto mais fragmentado for o conhecimento menos qualitativo e esclarecedor é o ensino para o individuo.
A pergunta então é: O que é um sujeito emancipado? Esta pergunta exige muitos cuidados, contudo, tentarei nos limites deste trabalho esclarecer o que é Emancipação Humana.
A emancipação humana nada mais é que outro nome dado para o comunismo. Contudo cabe afirmar que o termo comunismo não foi compreendido na sua forma verdadeira, sendo deformado por razões ideológicas e interesses de grupos no devir histórico. Muitos seguidores de Marx não compreenderam (ou quiseram compreender) a verdadeira essência do significado comunismo. Esta incompreensão foi desde os que consideravam o comunismo um horizonte inalcançável até os que o entendiam como resultado inevitável do processo histórico - como no período escravista, feudal e no atual. Para podermos obter algumas respostas sobre como seria essa emancipação não nos basta entender o ser social sem entender a sua matriz ontológica que é o trabalho, mas de caráter materialista, ou seja, entender o processo histórico a partir da sua natureza real, compreender a partir do trabalho, a sua natureza essencial. (TONET,2005)
Para Marx, uma sociedade emancipada seria o verdadeiro começo de uma História e que estamos vivenciando o fim de uma pré-história podemos dizer. Para ele, a pré-história vai dos primórdios até o fim das classes e a história real, verdadeira, seria desde a extinção das classes para a efetiva liberdade humana. Segundo Tonet, a história propriamente dita para Marx se apresenta:
... sob uma forma real, integral, e essencialmente ilimitada, ou seja, é uma forma de liberdade que expressa o homem como um ser integralmente livre. É nesse segundo período que Marx chama de comunismo, reino da liberdade, emancipação humana. (2005, p. 81).
O homem estaria em constante vínculo com a natureza, suprimindo o reino da necessidade e se colocando no reino da liberdade. A emancipação não pode ser efetivamente realizada se o homem não for integralmente livre, se suas forças físicas e espirituais continuarem a serem privadas e independentes em relação à natureza. Marx chama essa nova forma de sociabilidade, considerando o trabalho como ato fundante das relações sociais como trabalho associado. Segundo Tonet (2005) o trabalho associado para Marx significa
... sempre, uma forma determinada de relações que eles estabelecem entre si. Por isso mesmo ele tem a ver não apenas com o ato escrito do trabalho, mas com a totalidade das atividades humanas. Assim, o trabalho associado pode ser, inicialmente, definido como aquele tipo de relação que os homens estabelecem entre si na produção material e na qual eles põem em comum as suas forças e detêm do controle do processo na sua integralidade, ou seja, desde a produção, passando pela distribuição até o consumo. (2005, p. 133)
No trabalho associado os produtores teriam a total regência do processo de produção, distribuição e consumo de forma consciente e o objetivo seria a satisfação das necessidades de todos e não na reprodução do capital. Na forma de trabalho atual, o produto domina o homem, tornando um objeto estranho a ele, embora tenha sido produzido pelo próprio homem, o produto domina-o, aliena-o, fazendo com que a sua vida se torne dependente ao seu produto. (TONET, 2005)
Como podemos perceber nesse capítulo o trabalho em uma sociedade emancipada seria associado, ou seja, os trabalhadores teriam controle de todo o processo de produção, o produto por ele feito não teria um caráter hostil e de forças contrárias a ele, sua força de trabalho não seria privatizado, desapropriado do indivíduo. Em uma sociedade emancipada não existiria divisão de classe, sendo esta a diferença decisiva para uma efetiva liberdade humana, com sujeitos inteiramente livres, autônomos, participativos, críticos, cooperativos, criativos, ou seja, emancipados. Mais do que isso, um sujeito emancipado significa estar livre de estereótipos sociais.
Educação Emancipadora
Para podermos tentar esclarecer como seria um sujeito emancipado, citaremos Arroyo quando argumenta o papel da educação sendo a formação do verdadeiro significado de cidadania, diferente desse conceito atual equivocadamente interpretado e gerando toda a lógica do capital em torno da cidadania. Na educação, o que Arroyo quis dizer é que:
Só uma visão crítica do progresso capitalista e de suas formas sofisticadas de exploração e embrutecimento, nos permitirá equacionar devidamente os limites reais impostos por esse progresso à participação e à cidadania e nos mostrará a utopia pedagógica. (2005, p. 10)
O papel da educação nada mais seria que formar cidadãos, porém cidadãos críticos, capazes de modificar essa ordem social aparentemente estabelecida, que tenham consciência de seus direitos e deveres. Segundo Giroux, para que a educação se torne emancipatória deve:
começar com o pressuposto de que seu principal objetivo não é ajustar os alunos a sociedade existente; ao invés disso, sua finalidade primária deve ser estimular suas paixões, imaginação e intelecto, de forma com que eles sejam compelidos a desafiar as forças sociais, políticas e econômicas, que oprimem tão pesadamente suas vidas. Em outras palavras, os alunos devem ser educados para demonstrar coragem cívica, isto é, uma disposição para agir, como se de fato vivessem em uma sociedade democrática. (1986, p. 262)
Uma educação em um caráter emancipador é fundamental para atingirmos esse horizonte. Mas de que forma seria essa educação emancipadora? Não procuraremos aprofundar em assuntos metodológicos, mas iremos mostrar algumas possibilidades fundamentais dessa educação articulando com a Educação Física, disciplina específica no tema proposto.
É necessário antes de tudo, entender a educação pela sua natureza essencial para podermos compreender corretamente o porquê do seu surgimento e qual a sua função no processo de emancipação humana. Nesse processo não se trata apenas de entender e apossar daquilo que está pronto, mas sim, de entender aquilo que está pronto e modificá-lo, recriá-lo e renová-lo, ou seja, a apropriação ativa desse processo, mas de forma ontológica, entre subjetividade e objetividade, sendo que esta última é o momento determinante. O papel fundamental da atividade educativa é a apropriação dos valores, conhecimentos, habilidades, comportamentos e etc., que constituem todo o patrimônio da história da humanidade a fim da autoconstrução dos indivíduos como indivíduos genuinamente humanos. Porém é preciso estar esclarecido quanto a esse conjunto de relações, articulações e dependências expostas para o indivíduo no seu contexto social. Para Kunz (2006) o esclarecimento é fundamental para emancipar o ser humano e afirma “Maioridade ou emancipação devem ser colocados como tarefa fundamental da educação. Isso implica, principalmente, um processo de esclarecimento racional e se estabelece num processo comunicativo” (2006, p. 32).
Discutiremos agora, de forma superficial, a história da educação física para que possamos dar continuidade ao assunto.
No final do século XVIII e início do século XIX os exercícios físicos eram tratados como de extrema importância para a construção da sociedade capitalista. Esses exercícios físicos eram demonstrados através das lutas, danças, ginásticas e jogos. Naquela época quem praticava exercício físico era visto como pessoa saudável, robusta, disposta. Como em uma sociedade capitalista os homens vendem sua força de trabalho, naquela época isso era determinado nessa sociedade que acaba de nascer, a grande maioria dispunha da sua força de trabalho para construir riquezas para a classe privada. Os exercícios físicos então tinham um papel fundamental para a manutenção dessa nova sociedade, pois se tratava de uma espécie de “remédio” para os trabalhadores da época, pois em seus serviços pesados e muito explorados, os homens necessitavam de corpos mais fortes, resistentes, que torna os exercícios físicos sinônimo de saúde. (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
A partir disso, as práticas pedagógicas em Educação Física ganharam força e foram postas em ação, pois eram de interesse da classe dominante. Escolas de ginásticas foram implantadas nos currículos escolares, o que fez com que a Educação Física tivesse um papel importante para os indivíduos como para a sociedade.
Dessa maneira, a educação física ministrada na escola começou a ser vista como importante instrumento de aprimoramento físico dos indivíduos que, “fortalecidos” pelo exercício físico, que em si gera saúde, estariam mais aptos para construir com a grandeza da indústria nascente, dos exércitos, assim como a prosperidade da pátria (COLETIVO DE AUTORES, 1992,p.52).
A Educação Física adota “rituais”, em que é preciso fazer filas, fazer aquecimentos e responder em voz alta, não por acaso. Quando essa prática foi desenvolvida nas escolas, elas eram administradas por instrutores físicos do exército que tinham bases metodológicas rígidas de disciplina e da hierarquia. Como aponta o Coletivo de Autores (1992, p.53), “Constrói-se nesse sentido, um projeto de homem disciplinado, obediente, submisso, profundo respeitador da hierarquia social”. Aqui podemos compreender o papel da educação física no sistema atual e qual o conceito de cidadão que ela procura formar na sociedade.
A Educação Física só terá sentido se compreendermos essa prática com o intuito de transformá-la. Trata-se de uma prática pedagógica que dentro da escola será estudada como atividades expressivas corporais, ou seja, é o jogo, esporte, ginástica, dança e as lutas que definem a cultura corporal do movimento.
Na área da Educação Física, assim como em todas as áreas, o conhecimento no grau mais profundo e esclarecedor possível e articulado com os dados da realidade se torna um requisito fundamental para uma educação emancipadora. Na proposta crítico-emancipatória de Kunz (2006) citado anteriormente, o autor afirma que o esclarecimento é a base do processo de emancipação, de pensamento racional e para isso é necessário desenvolver um processo comunicativo durante as aulas. Kunz considera que o ser humano é constituinte de três grandes pilares, sendo eles o trabalho, a interação e a linguagem, três elementos fundamentais na formação do indivíduo social e partindo disso o processo educativo na educação física tem que considerar e modificar todo o conjunto de valores que estão constituintes nesses pilares, através do que ele chama de competência objetiva, social e comunicativa, havendo uma transformação didático-pedagógica. No Coletivo de Autores (1992) é o conhecimento histórico a partir do materialismo histórico e dialético de Marx que deve ser embasado nas aulas de educação física, disponibilizando ao aluno conhecimento de forma totalizante, esclarecedora, para que ele mesmo se perceba enquanto sujeito histórico e julgue com autonomia a forma de sociedade em que vive, para assim poder se emancipar. Então os autores, coletivamente pensaram em princípios curriculares no trato com o conhecimento que dessem conta desses esclarecimentos. O primeiro princípio curricular é o da relevância social, que faz o sujeito compreender o sentido e os significados dos conteúdos vinculados com a observação da sua realidade social concreta e os fatores sociais históricos a sua condição de classe social. Outro requisito para uma educação de qualidade ao fim proposto, é que o aluno deve compreender de forma mais ampla possível o processo real do mundo atual. Conhecer o que há de mais moderno no mundo atual, se trata da contemporaneidade do conteúdo, vale a pena frisar de novo: a compreensão de forma totalitária, não marcada pela centralidade do sujeito, mas sim subjetiva baseada na realidade objetiva. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)
Como afirma Tonet (2005, p. 233):
Isso porque não se trata só de construir um saber – o que já exige sempre um grande esforço – mas de fazer a crítica do saber produzido na perspectiva dominante, em suas variadas formas, e de construir um outro saber, com aquele caráter radicalmente crítico.
É de extrema importância ressaltar que para uma educação emancipadora os conteúdos têm de ser tratados de forma mais complexa possível articulando com os dados da realidade objetiva, porém, o educador tem que ter muito cuidado em tratar esses assuntos o que nos remete a outro principio curricular, que é o de adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas. Os conteúdos tem que garantir ao aluno uma compreensão adequada à sua capacidade cognitiva e à sua pratica social. Isso requer todo o cuidado do professor na seleção de conteúdos e métodos do que irá trabalhar com os alunos.
Outro princípio que contribui para a educação emancipadora é o da simultaneidade dos conteúdos, que suprime a forma de etapas nos quais os conteúdos normalmente são tratados. Esses conteúdos serão organizados e sistematizados de maneira simultânea, pois se forem tratados por etapa, o aluno terá uma visão fragmentada do saber. O saber dos conteúdos trabalhados de forma simultânea legitima a idéia de que o conhecimento não pode ser tratado como etapa, mas sim que “ele é construído do pensamento de forma espiralada e vai se ampliando.” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.33). Ou seja, a representação do real de forma espiralada vai se construindo paralelamente com as referencias ampliadas do pensamento.
Isso nos leva a outro principio que é a provisoriedade do conhecimento, partindo da idéia de que nada é definitivo e absoluto, tratar o conhecimento a partir do seu início mostrará para o aluno que, durante o processo histórico, ele se modifica e que como ele se manifesta hoje, uma vez se manifestava de outra forma, contribuindo para que o aluno se identifique como sujeito histórico.
Reflexão da Cultura Corporal no Ensino Médio
Tratar a Educação Física no ensino médio na atualidade é um desafio, pois muitas vezes os alunos são mais velhos e muitos se encontram inseridos no mercado de trabalho. É a partir disso que procuramos aprofundar esse assunto, pois devido as suas práticas sociais, a escolha errada dos conteúdos pode acarretar em uma série de complicações que muitas vezes podem ser irreversíveis no relacionamento entre professor e alunos. Segundo os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) o Ensino Médio deve proporcionar aos alunos conteúdos além dos esportes tradicionais. Sem eliminar, aprofundar os conhecimentos relacionados ao esporte, explorar outros conteúdos que fazem parte da cultura corporal, como: jogos, danças, lutas e expressões corporais; além de utilizar de metodologias diversificadas, vídeos, textos sobre assuntos atuais e discussões em grupo.
É fato que hoje a Educação Física para alunos do ensino médio se encontra ameaçada, pois se tratando de pessoas inseridas no mercado de trabalho, a realização de atividades físicas nas aulas, principalmente no período noturno, se torna desagradável pelo desgaste que estes são submetidos a sua jornada de trabalho, fazendo com que muitos peçam dispensa das aulas por esse motivo. Segundo a LDB (Lei de Diretrizes Básicas) a Educação Física tornou facultativa para alunos que estudassem no período noturno e trabalhassem 6 horas ou mais durante o dia, assim como tornou facultativa para alunos com mais de 30 anos de idade, que tivessem prestando serviços militares ou que não tivessem condições físicas para as atividades. Mais tarde, com a reformulação dessa lei, a disciplina tornou facultativa para todos os turnos escolares, desde que os alunos se enquadrem nesses requisitos para serem dispensados das aulas, além de mulheres com filhos.
Por esses motivos a Educação Física para alunos do ensino médio se torna o grande desafio do professor, pois é a partir dele que as aulas podem ser mais atrativas e motivadoras se os conteúdos forem bem selecionados explorando as mais diversas práticas da Cultura Corporal. Em uma perspectiva progressista, pode-se tornar uma proposta de extrema importância para os alunos, pelo fato de pertencerem à classe no qual essa proposta defende. É com esses alunos, que os conteúdos devem conter um aprofundamento da sistematização dos conhecimentos, ou seja, os alunos podem estabelecer relações com os objetos e refletir sobre eles, de forma que eles consigam perceber, compreender e explicar essas relações (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Segundo Correia (1996, p. 43):
É importante o adolescente ter a capacidade de analisar a realidade que está em sua volta, mostrando-se um individuo essencialmente participativo, equilibrado e diversificado na relação entre propostas práticas e teóricas.
É nesse estágio que os alunos devem ser instruídos a procurar o conhecimento de forma integral do processo histórico da sociedade e é papel da escola colocar à disposição dos alunos o acervo de conhecimentos enquanto patrimônio cultural da humanidade, o currículo, sua constituição cultural e sua trajetória executada na escola, a valorização das experiências vividas entre os alunos, professores e escola.
Com isso os adolescentes passam a ter possíveis entendimentos sobre a realidade, ou seja, o conhecimento, fazendo com que o aluno tenha uma experiência autônoma, que o faça exercitar uma reflexão crítica e de decisão própria no processo educativo, adquirindo condições para viver uma educação pela e para a cidadania. (CORREIA, 1996)
A Educação Física no ensino médio deve proporcionar aos alunos conhecimento sobre a cultura corporal de movimentos, que implica compreensão, reflexão, análise crítica, etc. O planejamento participativo pode ser muito eficaz quando trabalhado com o ensino médio, pois proporciona aos alunos a oportunidade de planejar juntamente com o professor as atividades que serão praticadas, causando grandes efeitos positivos para as aulas. Para Correa (1993) as principais vantagens são: os níveis de participação e motivação dos alunos nas atividades propostas; a valorização da disciplina pelos alunos; a repercussão da proposta perante outros grupos não engajados e menor despersonalização dos educandos, face ao caráter participativo da proposta.
É visto que existem muitas maneiras eficazes de trabalhar a Cultura Corporal com o ensino médio, de forma esclarecedora, crítica e que possibilita o aluno a compreender e intervir, através de reflexões, sua realidade social. O professor se tiver domínio dos conteúdos e motivado a querer transformar essa realidade, pode proporcionar aos alunos a pratica da cultura corporal relacionando com os dados da realidade desses alunos, fazendo-os se reconhecerem como sujeitos históricos e perceberem que essa sociedade precisa ser transformada e que através da Educação Física, sendo um meio bastante significativo, os alunos podem ampliar seus conhecimentos nas mais diversas práticas da Cultura Corporal.
Processos avaliativos da Educação Física
A avaliação no processo ensino-aprendizagem no Brasil referente à Educação Física ainda está muito longe de ser tratada em um caráter emancipador. Os critérios avaliativos vigentes no âmbito escolar se limitam a selecionar e classificar os mais aptos, fortes, ágeis, com nível técnico mais elevado, assumindo um papel de exclusão, que na maioria das vezes, faz com que os menos aptos se sintam subestimados e os levam a certos constrangimentos nos momentos avaliativos.
A seleção de alunos para competições e apresentações dentro da escola é um dos critérios de avaliação que está posto nas escolas. Os alunos que se destacam nas modalidades esportivas se tornam os mais aptos a tal modalidade, ganhando destaque entre os demais e excluindo a grande maioria, que muitas vezes não se interessam pelo rendimento esportivo. O professor atual avalia seus alunos pelo nível técnico, pela participação, sendo este um dos grandes motivos de exclusão de alguns alunos, pelo fato de que a escolha dos conteúdos a serem trabalhados atendem os gostos de apenas alguns, que na maioria das vezes são conteúdos de esportes hegemônicos, onde apenas um grupo de alunos mais fortes, ágeis, se destaca e os demais excluídos, ou seja, no momento da avaliação dos alunos, apenas os que se destacam serão privilegiados e os outros, que são praticamente obrigados a participar, não tem êxito nos critérios de avaliação do professor, por simplesmente não se interessar pelo conteúdo proposto, tornando um momento desestimulante e constrangedor a esses alunos.
A proposta de avaliação do processo ensino-aprendizagem que procuraremos tratar aqui é antagônico ao que referimos anteriormente. Uma avaliação emancipadora que abordaremos é vistas como sentidos, finalidades, conteúdos e formas para essa proposta. Segundo o Coletivo de Autores (1992) o sentido é articular o projeto político pedagógico com os interesses da classe trabalhadora, a fim de intervir criticamente e autonomamente na realidade. As finalidades são a organização, identificação, compreensão e explicação da realidade através do conhecimento cientifico e pelo materialismo histórico e dialético. O conteúdo é os temas da cultura corporal e serão selecionados de acordo com a realidade onde se encontram os alunos. A forma é a comunicativa, criativa e participativa dos alunos.
Alguns aspectos serão apresentados para um processo de avaliação emancipadora, como: temas que se articulam com a realidade objetiva dos alunos e o modelo de sociedade que queremos construir; aspectos de conhecimento, habilidades e atitudes levando em conta a totalidade do conhecimento, expressado nas atividades corporais; práticas avaliativas produtivo-criativas e reiterativas que imprimem a superação de problemas que surgem durante as práticas, através da criticidade e a criatividade dos alunos; aspecto coletivo, onde são tomadas decisões em grupos, onde os alunos possam expressar seus objetivos de ação e participar coletivamente dos processos avaliativos; dar tempo ao tempo na aprendizagem nos alunos, para que esta possa se efetivar, sempre os informando e orientando no processo ensino-aprendizagem; levar os alunos a uma compreensão crítica da realidade, rompendo com os estereótipos dessa sociedade, mostrando aos alunos que o patrimônio cultural que se expressa nos conhecimentos da cultura corporal se diferencia de acordo com as condições sociais dos alunos; romper com a idéia de que avaliar se resume em detectar talentos e alunos mais capazes, mas sim, destacar a ludicidade e a criatividade dos alunos; assumir um caráter qualitativo de avaliação, ou seja, fazer de uma simples nota, que muitas vezes desmotiva os alunos, a verificar se o aluno está se aproximando ou se distanciando do eixo curricular, perdendo a visão de que a nota pode servir de castigo aos alunos; disponibilizar momentos onde os alunos poderão criticar as normas, valores, regras e padrões postos por essa sociedade, onde poderão reinterpretar e redefinir esses momentos.
Conclusâo
O presente estudo buscou aprofundar-se essencialmente nas discussões da pedagogia histórico-crítica, tendo como fundamento o materialismo histórico dialético a fim de propor em última instancia a superação dessa realidade objetiva através de uma Educação Emancipadora. Através da educação não significa apenas reproduzir o que está colocado, mas sim superá-lo de forma crítica dentro da realidade escolar, transitando da cultura popular à cultura erudita. Isso significa compreender a realidade concreta através do mais elevado grau de conhecimento científico produzido pela história da humanidade, porém de forma crítica, expondo suas contradições e principalmente esclarecendo aos sujeitos que estão assimilando essas informações - a classe trabalhadora – a quem efetivamente interessa todos esses conhecimentos produzidos. Com isso, tratamos do sistema capitalista, um sistema de classes antagônicas, um sistema que defende a classe dominante e que está em constante consolidação nas lutas dessas classes, e que usou a educação ou se preferirmos alienou a educação como uma forma de reproduzir os seus próprios interesses. Daí o conceito de cidadão da sociedade capitalista, aquele que tem a apropriação do conhecimento de forma fragmentada, de modo que se aproprie apenas o que for necessário para a sua adaptação nessa sociedade. Vale lembrar que vimos que a matriz, o fundamento do ser social se dá a partir do trabalho e com isso todas as relações sociais foram se estabelecendo a partir da socialização dos homens com a natureza, segundo Saviani (2008, p.94) “o homem precisa adaptar a natureza a si, ajustando-a, segundo as suas necessidades”.
Tentamos identificar também neste presente estudo, como transformar a educação atual em uma educação que tenha um caráter emancipador, nesse caso a Educação Física, disciplina em foco do nosso debate. Foi necessário compreender como surgiu na atual sociedade para podermos compreender a quem ela efetivamente atende, a que classe realmente ela privilegia, assim, podermos pensar ela de modo transformador, ou seja, pensá-la de forma crítica, mas com objetivo de transformá-la, caminhando em direção à transformação dessa sociedade. Para isso consideramos que os princípios curriculares contribuiriam para a objetivação desse processo transformador nas aulas de Educação Física se tomados, lógico, de forma reflexiva toda a Cultura Corporal, tematizada pelos esportes, jogos, lutas, danças e a ginástica. Consideramos no presente trabalho também, a função da Educação Física, especificamente no Ensino Médio, em caráter transformador para a objetivação dessa nova forma de sociedade e de que forma trataremos os conteúdos da Cultura Corporal para esclarecer os educandos a fim de pensarmos uma forma que podemos contribuir para transformar a realidade. Foi explícito nesse estudo que os alunos do Ensino Médio possuem possibilidades sócio-cognoscitivas adequadas para travar esses debates, em que o salto qualitativo se mostra com mais clareza devido a uma linguagem mais elaborada mediada pelo educador e que também é no Ensino Médio que ocorrem muitas resistências, uma delas é o fato de ser um grau de escolarização facultativo, por se tratar de alunos que muitas vezes estão incluídos no mercado de trabalho, motivo que faz com que tenham licença das aulas de Educação Física, principalmente no período noturno. Consideramos também que os processos avaliativos da Educação Física em caráter emancipador são vistos como sentidos, finalidades, conteúdos e formas, em que unidos só terão sentido se for tratado visando à formação de sujeitos emancipados, o que está muito longe de ser na sua forma atual, onde a avaliação se caracteriza de forma excludente e até como uma espécie de monstruosidade para o aluno.
Podemos concluir então que para alcançarmos essa nova forma de sociedade, a emancipação humana, deverá começar por superar essa forma atual de educação, precisamos ter compromisso político de transformar essa realidade e formar alunos participativos, criativos, cooperativos, críticos dessa sociedade, esclarecendo-lhes quanto a essa realidade objetiva para enfim termos condições de superarmos essa forma de sociedade, e para isso, fica evidente que deverá ser uma educação fundamentada na pedagogia histórico-crítica. Tornar seres emancipados é tornar seres sociais efetivamente livres, autônomos em suas decisões, verdadeiros sujeitos históricos, livres do senso comum e apropriados de todo o conhecimento científico no mais alto nível produzido pela história da humanidade, pois o ser social é a síntese de toda a produção humana.
Referências
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. 12ª ed. São Paulo: Cortez, 1992.
DARIDO, Suraya Cristina; GALVÃO, Zenaide; FERREIRA, Lilian Aparecida; FIORIN, Giovanna. Educação física no ensino médio: reflexões e ações. Revista Motriz, São Paulo, V. 5, n. 2, p. 138-145, Dez de 1999.
KUNZ, Elenor. Esclarecimento e Emancipação - Pressupostos de uma Teoria Educacional crítica para a Educação Física. Revista Movimento, Porto Alegre. V. 5, n. 10, p. 35-39, 1999/1
KUNZ, Elenor. Transformação Didático-pedagógica do Esporte. 7ª Ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 10 ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2008
TONET, Ivo. Educação, Cidadania e Emancipação Humana. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, 256 p.
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