Abordagens metodológicas de treinamento para o desenvolvimento da inteligência de jogo do jogador de futebol Abordajes metodológicos del entrenamiento para el desarrollo de la inteligencia de juego del jugador de fútbol |
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*Acadêmico do Curso de Bacharelado em Educação Física do Grupo Uniasselvi/Fameblu **Professor. Mestre em Educação Física Docente do Grupo Uniasselvi/Fameblu (Brasil) |
Renan Mendes* Rafael Besen* Marcel Henrique Kodama Pertille Ramos** |
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Resumo Uma metodologia de treinamento que se baseie na integração das dimensões do jogo através da utilização de jogos reduzidos com a finalidade de preparar o jogador para o jogo e desenvolver sua inteligência de jogo, estes aspectos compreendem o tema central do presente trabalho. Antes de abordar tal metodologia, foi feita uma caracterização dos jogos desportivos coletivos para dar sustentação à proposta de um método de treinamento integral. Em seguida, foi abordado o método de treinamento identificado como treinamento fragmentado, que se baseia na divisão das dimensões do jogo (técnico, tático, físico e psicológico) e a forma como é estruturada a preparação do jogador. Foram apontadas as falhas deste tipo de metodologia com base em diversos autores. Em seguida, tratamos do treinamento integral propriamente dito, abordamos o porquê ele é eficiente na preparação do jogador. Sendo os jogos reduzidos a base estrutural deste método, verificamos a importância do desenvolvimento da inteligência do jogador de forma contextualizada e o quanto o treinamento através de situações de jogo, ou jogos reduzidos, são importantes para este desenvolvimento. Por fim, abordamos a importância da construção de um modelo de jogo da equipe, que é tido como o elemento causal de todo o processo de treinamento. Unitermos: Especificidade. Inteligência de jogo. Jogos reduzidos. Modelo de jogo. Treinamento fragmentado. Treinamento integral.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 189, Febrero de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
Os construtos que sustentaram o desenvolvimento da ciência ao longo do tempo levaram a investigação científica a usar lentes de um pensamento analítico que tratou de enxergar os fenômenos de forma reduzida e isolada (SILVA, 2008, apud LEITÃO, 2009).
Segundo Leitão (2009), a busca pelo entendimento de um determinado fenômeno pela ciência, consistiu em dividi-lo em partes (fragmentos), que cada vez menores, buscavam ser compreendidos, com a idéia de que entendendo as partes, chegava-se ao entendimento do que se imagina ser o todo (reducionismo). “Assim, chega-se à inteligência cega. A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os seus objetos do seu meio ambiente” (MORIN, 2011, p. 12).
Referente a preparação tradicional no futebol, baseada pelo fisicismo ou tecnicismo, o treino físico melhora as capacidades físicas exigidas no jogo, o treino técnico analítico melhora os fundamentos técnicos e o treino tático melhora o sistema de jogo, a tomada de decisão dos jogadores, etc. Desta forma, os adeptos acabam por “dissecar” os treinos em variáveis e justificando o jogo como meio de melhorar determinada capacidade (BRAGA, 2012).
Muito se tem discutido em relação a este modelo de treinamento. Diversos autores, dentre eles, Garganta (1997), Balbino (2001), Leitão (2004, 2009), Filgueira e Greco (2008) e Leães e Xavier (2011), apontam como uma das principais deficiências do treinamento fragmentado o fato que de os exercícios propostos nesta metodologia serem descontextualizados do que é a realidade do jogo formal, contrariando um dos princípios do treinamento desportivo, o princípio da especificidade.
Em contrapartida, a teoria sistêmica, segundo Capra (1996) citado por Balbino (2001, p. 26) baseia-se na mudança da análise das partes para a compreensão do todo. Desta forma, a proposta é à de que os sistemas vivos são totalidades integradas, “cujas propriedades não podem ser reduzidas às de partes menores”. Portanto, a busca pelo conhecimento do todo, que até então se dava a partir da sua fragmentação e posterior entendimento das partes, passou a ser a partir da compreensão do todo através de suas inter-relações.
Um grande avanço no modelo do treinamento desportivo está relacionado à compreensão de que as manifestações físicas, técnicas, táticas e psicológicas no jogo estão integralmente ligadas (LEITÃO, 2010). Atualmente, há discussões acerca de uma metodologia de treinamento baseada no desenvolvimento das capacidades de jogo (física, técnica, tática e psicológica) nos jogadores de forma integral.
Essa metodologia é caracterizada pela integração dos componentes físicos, técnicos, táticos e psicológicos, por meio de jogos, em uma única sessão de treinamento (BARROS, 2008). Desta forma, é possível transferir o ambiente de jogo para o treino, possibilitando a manifestação das capacidades físicas, técnicas, táticas e psicológicas do jogador de forma indissociável e mobilizando a inteligência do jogador de forma contextualizada, respeitando assim o princípio da especificidade.
Já a “inteligência de jogo” é formada pelos processos cognitivos de percepção e de tomada de decisão (Sampaio, 2013), que segundo Leães e Xavier (2011) é exigência básica na prática do futebol. Portanto, é necessário desenvolver o jogador inteligente, capaz de agir e criar ações de forma variável frente às diferentes situações do jogo (FILGUEIRA; GRECO, 2008).
O objetivo do presente trabalho é compreender a relevância de um processo de treinamento que se baseia na integração das dimensões do jogo como forma de preparação do jogador e, principalmente, a importância deste método no desenvolvimento da inteligência de jogo do jogador de futebol.
2. Método
O presente estudo consiste em uma revisão de literatura, obtida por meio de pesquisa de artigos, monografias, dissertações, teses, revistas eletrônicas e livros relacionados ao jogo e ao treinamento em futebol.
3. Abordagens metodológicas: os jogos desportivos coletivos, a fragmentação e a integração das dimensões e a inteligência de jogo
Antes de explanar sobre o tema central do presente trabalho, uma caracterização dos Jogos Desportivos Coletivos (JDC) deverá ser explicitada para que sustente a corrente teórica que será abordada para esta metodologia de treino. Depois de estabelecido, são descritas algumas das deficiências do treinamento fragmentado, com base em diversos autores.
3.1. Os jogos desportivos coletivos
O futebol é uma modalidade desportiva registrada no quadro dos jogos desportivos coletivos (JDC) (GARGANTA, 1997). Segundo Leitão (2004, p. 27) O jogo é “um sistema complexo num ambiente (contexto) também complexo”, sendo assim, aspectos como a imprevisibilidade, a aleatoriedade e a variabilidade de comportamentos e ações são bastante relevantes (COLLET et al., 2007).
De acordo com Pittera e Riva (1982), Matveiev (1986), Konzag (1991), Riera (1995a) e Reilly (1996), citados por Garganta (1997), as situações contextuais emergentes dos JDC precisam ser entendidas como unidades de ação que possuem uma natureza complexa, decorrente do número de variáveis em jogo e da imprevisibilidade e aleatoriedade das situações que se apresentam ao jogador e às equipes. São estes aspectos que conferem características únicas aos JDC, alicerçadas na inteligência e na capacidade de decisão (GARGANTA; OLIVEIRA, 1996), onde o problema primordial encontra-se no plano estratégico-tático, pois saber “o que fazer” condiciona o “como fazer” (GARGANTA, 2006).
A tomada de decisão nos JDC estará estritamente relacionada aos estímulos visuais, a partir destes estímulos se formará um pensamento tático posteriormente acompanhado por uma ação motora visando à solução do problema apresentado (BARROS, 2008). Portanto, no futebol, assim como em todos os esportes coletivos, as ações do jogo caracterizam-se pela necessidade de um comportamento tático, sendo a capacidade cognitiva o elemento de base para o desenvolvimento desse comportamento (FILGUEIRA; GRECO, 2008).
Com base nesta perspectiva, para entender as ações que ocorrem no jogo de futebol é necessário compreender que o jogo se desenvolve num contexto de imprevisibilidade e aleatoriedade, em função disso, toda situação circunstancial emerge carregada de um conteúdo incerto, isso resulta na necessidade de o jogador tomar decisões rápidas e certas durante todo o jogo, sendo que suas ações são norteadas pelo aspecto estratégico-tático.
3.2. O treinamento fragmentado
De acordo com Bangsbo (1993) e Miller (1995) citados por Añon (2013), o desempenho no futebol é caracterizado pela interação das dimensões técnica, física, tática e psicológica. Com a finalidade de entender e trabalhar o jogo, uma prática comum no ambiente do futebol atual é a fragmentação de suas dimensões: o técnico, a tática, a psicológica e a preparação física, e é com base nesta perspectiva que freqüentemente se busca o entendimento do jogo e a forma de se trabalhar o treino, explorando estas dimensões de forma desconexa em seus treinamentos e ainda descontextualizada frente ás exigências e ocorrências circunstanciais do jogo (SCAGLIA, 2008).
A periodização tradicional do treino tem como base de seu planejamento o desenvolvimento do aspecto biológico do jogador, ou seja, tal método de treinamento tem como principal objetivo a busca pelas adaptações fisiológicas, bioquímicas e morfológicas do atleta. Esta perspectiva pode ser interessante quando se trata de questões mais específicas, mas em relação às modalidades coletivas complexas, como é o futebol, só mostra uma visão fragmentada do processo de treinamento (FIGUEIREDO; de OLIVEIRA; BUSCARIOLLI, 2008).
Ainda, o aspecto técnico tem seu processo de treinamento baseado em uma metodologia que preconiza o domínio de habilidades técnicas e motoras, sem se preocupar com a aplicação dessas capacidades na resolução de situações-problema que surgem no jogo, situações essas que são imprevisíveis, e também não contribui para o entendimento do jogo por parte dos jogadores (FILGUEIRA; GRECO, 2008).
Tendo em vista a prática recorrente, percebe-se que a estrutura do treinamento em futebol tem baseado suas abordagens em exercícios direcionados para o treinamento da habilidade técnica através da reprodução de gestos fechados, mecanizados e fora do contexto de jogo. A capacidade física é treinada de forma cíclica, previsível, sem preocupação na aplicabilidade dessas na resolução dos problemas do jogo. Já para o desenvolvimento da organização tática da equipe, em muitos casos, essa é submetida a exercícios “ensaiados”, como se fosse possível pré-determinar os movimentos do adversário e as situações emergentes do jogo.
Com base numa visão fragmentada do treinamento, Garganta (2006) e Filgueira e Greco (2008) afirmam que a estrutura do treinamento se dá a partir do ensino e reprodução da técnica “modo de se fazer” desvinculada da tática “motivo de se fazer”. O treinamento técnico e tático nos Jogos Desportivos Coletivos (JDC), nesse caso no futebol, “tem se dado de maneira descaracterizada das situações reais do jogo sem considerar as interações entre técnica e tática e entre esta e os processos cognitivos subjacentes à mesma” (FILGUEIRA; GRECO, 2008, p.55). Segundo Garganta (2006), a verdadeira dimensão da técnica encontra-se na sua utilidade para servir a inteligência e a capacidade de decisão tática dos jogadores e das equipes.
Para Freire (2011) as capacidades de força, de velocidade, de agilidade, entre outras, assim como as habilidades de chutar, de cabecear, de passar, etc., só são eficientes quando tornadas lógicas, no sentido de integrarem, de forma equilibrada, os fatores motores, os intelectuais, os sociais, os morais e os emocionais. Portanto, segundo o mesmo autor, pode-se dizer que um jogador tem o conhecimento e domínio das habilidades (técnicas, táticas e cognitivas) apenas quando for capaz de utilizá-los em contexto de jogo.
De acordo com esta perspectiva, não são aconselháveis os treinos que preconizam a exercitação descontextualizada e analítica dos gestos técnicos (passe, chute, drible, etc.), pois a execução realizada desta forma assume características diferentes daquela que é exigida no contexto aleatório do jogo (GARGANTA, 2006).
Destarte, a fragmentação do treino em físico, técnico e tático, não contribui para desenvolver o “jogar” efetivo do atleta, ou seja, o jogador que é submetido a este tipo de treinamento não estará preparado para resolver as situações-problema que ele encontrará na partida, situações essas que são imprevisíveis, aleatórias, circunstanciais e que exigirão dele à manifestação de suas capacidades de modo integral.
3.3. O treinamento de modo integral
Segundo Marques (1983) e Lehnert (1986) citados por Leitão (2004, p. 18), “o processo de treinamento desportivo tem como objetivo fundamental o desenvolvimento de respostas às exigências desportivas em situações de treino e suas aplicações na competição”. Segundo Garganta (1997) e Leitão (2004), quando se quer jogar de determinada maneira, treina-se em função disso, com objetivo de alcançar a maneira desejada de jogar. Então se treina conforme se quer jogar. Isso sugere uma relação de interdependência e reciprocidade entre o treinamento e a competição. O fundamento desta relação é encontrado em um dos princípios do treinamento desportivo: o princípio da especificidade. De acordo com este princípio os aspectos a serem treinados devem ter relação direta com o jogo (estrutura do movimento, estrutura da carga, natureza das tarefas, etc.), em função de viabilizar a maior transferência possível das aquisições operadas no treino para o contexto específico de jogo (GARGANTA, 1997; LEITÃO, 2004).
De acordo com Venzon (1998) citado por Leães e Xavier (2011), a preparação atlética no futebol é representada pelo desenvolvimento das qualidades físicas, técnicas, táticas e psíquicas, sendo difícil identificar um elemento mais importante e representativo. Todos podem contribuir de forma decisiva para a vitória, tanto individualmente quanto coletivamente.
Sendo assim, o processo de treinamento de forma integral se baseia na integração de todas as dimensões que envolvem o jogo. Ou seja, o treinamento tático exige um treinamento técnico e uma estreita relação (inter-relacionarem-se) com o desenvolvimento adequado da capacidade cognitiva (FILGUEIRA; GRECO, 2008) e física. Desta forma, o processo de treinamento deve ocorrer por meio da transferência do contexto de jogo para o treino. Por isso que, segundo Garganta (2006), na construção de exercícios para jogar, as analogias treino/jogo desempenham um papel fundamental. “Portanto, o treinamento deve ter ligação direta com as situações imprevisíveis e variadas do jogo” (FILGUEIRA; GRECO, 2008, p. 56).
Com o conhecimento de que o jogo é imprevisível, trás implicações diretas no modelo utilizado para preparar os jogadores, a imprevisibilidade deve estar presente no treinamento, assim como é no jogo, a preparação do jogador deve sustentar um jogar que engloba as variáveis físicas, técnicas, táticas e emocionais de forma indissociável, ao mesmo tempo e o tempo todo, ou seja, deve proporcionar no processo de treinamento situações-problema que sustentem um jogar integral (LEITÃO, 2009).
Em meio a este contexto, a capacidade de tomada de decisão assume um papel fundamental, é a partir de uma decisão que o jogador irá operacionalizar sua intenção em forma de uma ação, essa ação é concretizada de forma tática, técnica, física e psicológica ao mesmo tempo e de forma indissociável. Dessa forma, o treino deve promover um ambiente de imprevisibilidade, assim como é o jogo, para que o jogador se prepare efetivamente para ele (o jogo).
Segundo Leitão (2009, p. 27), no jogo a mobilização das ações por parte dos jogadores e equipe é conseqüência dos problemas que emergem nele (no jogo). Essas situações emergentes exigem respostas rápidas e são elas que definem o sucesso ou o fracasso no jogo. Isso significa que os jogadores devem estar preparados para resolver esses problemas, o que implica na necessidade de os jogadores e equipes estarem preparados fisicamente, tecnicamente, taticamente e psicologicamente, de forma a considerar as inter-relações existentes entre essas, “de maneira que todas essas dimensões se expressem em uma coisa só”. Para Leitão (2009, p. 28) “Torna-se necessário abandonar o discurso de que ‘treino é treino e jogo é jogo’, para assumir o discurso ‘treino é jogo e jogo é treino’”.
Destarte, de acordo com o que foi dito, para que o treinamento seja suficiente na preparação do jogador, ele deve reproduzir situações semelhantes ao jogo. Sendo assim, a única maneira de reproduzir no treino a estrutura e as características essenciais do jogo é o próprio jogo.
3.3.1. Os jogos reduzidos
Como já foi dito, o JDC têm como característica determinante a imprevisibilidade e a aleatoriedade das situações emergentes, e isso reflete diretamente no fato de que duas situações iguais não ocorrem, portanto, não é possível prevê-las ou recriá-las com precisão no treinamento (GARGANTA, 2000, apud BALBINO, 2001; LEITÃO, 2004; GARGANTA, 2006). As diversas situações que ocorrem em nível de freqüência, ordem cronológica, ritmo, utilização de determinados movimentos em cada circunstância e a complexidade presente no jogo são impossíveis de serem previstas, dessa forma, os JDC oportunizam um ambiente que favorece a preparação do jogador de forma integral (físico, técnico, tático, emocional, cognitivo, etc.) (BALBINO, 2001; GARGANTA, 1994 apud 1997; 2006).
O treinamento em espaço reduzido é uma metodologia de treinamento que compreende a transferência de componentes do jogo (táticos, técnicos e psicológicos) (LEÃES; XAVIER, 2011) e são caracterizados, principalmente, pela dimensão do campo e número de jogadores menores que os oficiais (PASQUARELLI et al., 2010), número e posição das balisas e o número de bolas em jogo (GARGANTA, 2006). Nos treinamentos em forma de jogos reduzidos os jogadores serão estimulados de forma natural a viver a real situação que será apresentada nos jogos formais (FILGUEIRA; GRECO, 2008), ou seja, “essas atividades induzem a reprodução de momentos que simulam uma partida real, preparando o futebolista de forma integral” (LEÃES; XAVIER, 2011, p. 24).
Segundo o Leães e Xavier (2011), o conceito do treinamento em espaço reduzido considera o jogador como um ser cognoscitivo, sendo que seu desenvolvimento se dá através de uma relação integrada entre técnica e organização coletiva da equipe. Portanto, “valoriza-se a dimensão cognitiva como fator imprescindível para o rendimento satisfatório competitivo no jogo e sua própria compreensão” (CARRAVETTA, 2001, apud LEÃES; XAVIER, 2011, p. 24). Portanto, é uma proposta de treinamento que busca potencializar os principais determinantes do desempenho do jogador (LEÃES; XAVIER, 2011).
Portanto, o treinamento através de jogos reduzidos aparece como uma ferramenta que estimula o jogador a reproduzir no treinamento todos os aspectos técnicos, físicos e táticos, individuais ou coletivos, que acontecem no jogo, possibilitando a preparação para as múltiplas funções do jogo (LEÃES; XAVIER, 2011) e também contribui no desenvolvimento da inteligência do jogador.
3.3.2. O treino através de jogos e o desenvolvimento da inteligência de jogo
O desenvolvimento da inteligência do jogador é tão importante quanto seu desenvolvimento técnico, tático ou físico (LEÃES; XAVIER, 2011). De acordo com Piaget (1972, apud LEÃES; XAVIER, 2011) a definição de inteligência relaciona o indivíduo com o meio em que está inserido: a inteligência é uma adaptação. Ainda, segundo Sternberg (2000) citado por Greco (2006, p. 212), a inteligência: “È a capacidade de aprender a partir da experiência e adaptar-se ao ambiente circundante”.
A inteligência, entendida como a capacidade de adaptação a novas situações, ou seja, referente ao jogo, significa dizer que é a capacidade de elaborar respostas adequadas aos problemas colocados pelas diversas e aleatórias situações que ocorrem no jogo (GARGANTA, 1998, p. 12, apud BALBINO, 2001).
A capacidade de reconhecer rapidamente as situações de jogo, assimilar esse reconhecimento e transformá-lo em gesto motor por meio de gestos técnicos ou movimentos táticos está diretamente relacionada com o quoeficiente de inteligência do futebolista (LEÃES; XAVIER, 2011).
De acordo com Sampaio (2013), um jogador inteligente é aquele que entende os princípios de jogo e que geralmente encontra a melhor solução em cada momento de jogo. Nos JDC é importante que o jogador evidencie uma inteligência tática, que seja capaz de perceber no jogo as evoluções que nascem da complexidade das relações de oposição e deduzir as escolhas mais apropriadas às situações que se apresentam a todo instante no jogo (DELEPLACE, 1994, apud GARGANTA, 1997).
Portanto, a proficiência de um jogador de futebol depende da sua aptidão para selecionar os recursos motores mais adequados no sentido de responder à configuração do jogo em uma dada circunstância e sua capacidade de utilizá-las no momento de operacionalizar a ação (GARGANTA, 1997).
De acordo com Greco (1998) citado por Barros (2008), a aplicação correta do método integrado é a que melhor aperfeiçoa a percepção, antecipação e a tomada de decisão, que correspondem a três processos cognitivos fundamentais para se jogar bem. O conjunto destas capacidades compõe a chamada “inteligência de jogo” (GARGANTA, 2006; SAMPAIO, 2013). Segundo (Sampaio, 2013, s/ página – revista eletrônica): “[...] a inteligência de jogo é a qualidade de decisão, é a qualidade de percepção sobre o que está a acontecer no jogo e tomar a melhor decisão num certo momento”.
A inteligência de jogo é ainda um universo pouco explorado no futebol (LEITÃO, 2009). Segundo o mesmo autor, tomar decisões certas e agir de forma eficaz no jogo carrega relações técnicas, táticas, físicas e psicológicas em sua totalidade na essência do jogar. Ou seja, o jogador (que é técnico, tático, físico e psicológico ao mesmo tempo e o tempo todo) se relaciona com todos os elementos do jogo, tomando decisões a todo o momento enquanto joga (LEITÃO, 2009).
A capacidade de tomada de decisão, segundo Leães e Xavier (2011, p. 27), “é a seleção da forma correta de agir, sempre levando em consideração o contexto em que o jogador se encontra”. Para os mesmos autores a capacidade de tomada de decisão é uma exigência básica do futebol moderno. Para Wrzos (1984) e Tavares (1994), citados por Garganta (1997, p. 39): “Os melhores jogadores nos JDC distinguem-se dos outros, quer pela velocidade das decisões tomadas durante o confronto, quer pela justeza com que elas são tomadas”.
A capacidade de percepção do jogador consiste na seleção de um número de informações essenciais para poder orientar suas ações nas situações de jogo, informações essas que requerem um reconhecimento e relacionamento com o meio, isto é, o campo de jogo, facilitando desta forma um comportamento adequado à modalidade (FILGUEIRA; GRECO, 2008). De acordo com os mesmos autores, o jogador de futebol está sempre sendo submetido a muitas decisões nas diversas situações de ataque e defesa no jogo, sendo que as respostas para essas decisões serão justamente a percepção que o jogador tem sobre o ambiente (situação de jogo). Sendo assim, as atividades necessitam contemplar sempre o objetivo e ações de ataque e defesa e não padronizar as ações dos jogadores (LEÃES; XAVIER, 2011).
Portanto a capacidade de tomada de decisão é de fundamental importância para o futebolista. Entretanto, como a tomada de decisão e a ação são inseparáveis e especificamente acopladas, a exercitação deve ser específica (SAVELSBERGH; VAN DER KAMP, 2005, apud GARGANTA, 2006). Ou seja, estas capacidades só são desenvolvidas se forem estimuladas de forma contextualizada, ou seja, em ambiente de jogo. Para Garganta (2006), a construção de situações para apreender e exercitar passa pela elaboração de um modelo que represente o conteúdo do jogo.
Resumindo, o jogo é caracterizado pelas dimensões técnicas, táticas, físicas e psicológicas e é essencialmente imprevisível, onde as ações produzidas são ditadas pela tomada de decisão, sendo assim, a inteligência de jogo assume um papel primordial.
Portanto, para o bom desempenho do jogador no jogo, é necessário que o treinamento estimule-o por meio de situações de jogo. Para Greco (1998) citado por Barros (2008), parece claro que, para se jogar bem, o processo de treino deve conter em sua essência o jogo, pois só ele possibilitará ao jogador possíveis situações que possam ocorrer em competição e que se assemelham ao treinamento. Desta forma, se o jogador é praticante de um jogo coletivo, invariavelmente no treino ele deverá jogar e não treinar de forma fragmentada, isso nada mais é do que a aplicação de um dos princípios do treinamento, o princípio da especificidade.
Destarte, como já foi falado anteriormente ao caracterizar os JDC, as ações do jogador no jogo são norteadas pelo aspecto estratégico-tático. Desta forma, justifica-se a implantação de uma organização tática à equipe, de uma identidade de jogo, ou seja, de um modelo de jogo.
3.4. O modelo de jogo
As equipes de futebol desempenham como sistemas cujos constituintes organizam-se de acordo com uma lógica interna e particular, em função de princípios e prescrições, em um contexto de oposição e cooperação. No sentido em que suas partes estão ligadas de certa maneira e sob alguma regra, pode-se dizer que se trata de sistemas caracterizados pela sua forma particular de organização (GARGANTA, 1997).
Portanto, ao observar equipes e jogadores ao longo de vários jogos, é possível encontrar padrões de organização, que permitem tirar conclusões sobre o comportamento de jogo desses jogadores e equipes. Esse comportamento relaciona-se com as características do jogo construído e desenvolvido pela equipe, principalmente com o seu sistema organizacional. Esse comportamento e suas relações caracterizam o chamado “modelo de jogo” (GARGANTA, 1997; LEITÃO, 2009).
De acordo com Gréhaigne (1989, apud LEITÃO, 2004), a busca pelo entendimento do jogo de futebol passa pela utilização de modelos capazes de explicá-lo. O modelo é a representação do conteúdo e da lógica do jogo a partir da integração das dimensões e variáveis percebidas como essências do fenômeno (jogo).
Portanto, “o modelo de jogo representa a manifestação regular da forma que se quer jogar em diferentes momentos do jogo” (TAMARIT, 2007, apud LEITÃO, 2009, p. 109). O próprio autor diz que para isso, é necessário que se tenha claro os “comportamentos específicos” pretendidos a serem adquiridos pela equipe com o objetivo de operacionalizar um jogar pretendido, sendo que estes “comportamentos” devem ser trabalhados em treino. Segundo Bompa (2002, p. 43): “[...] um modelo deve incorporar somente os meios de treinamento de natureza idêntica aos que existem na competição” (p. 44). Mas é importante que se diga que isso não deve ser confundido com uma mecanização de gestos e ações (GARGANTA, 1997), a imprevisibilidade se faz presente na preparação dos jogadores e deve ser destacada no modelo de treino, pois senão o treino deixaria de ter sentido (LEITÃO, 2004; BALBINO, 2001).
As relações estabelecidas pelo jogador entre este modelo e as situações que ocorrem no jogo, orientam as suas decisões, condicionando a organização da percepção, a compreensão das informações e a resposta motora (GARGANTA, 1997).
Pode-se dizer então que o modelo de jogo tem relação com o modo como se pretende jogar, ou seja, como a equipe e jogadores irão se comportar em todos os momentos do jogo, com base em certas referências, que além das regras e objetivos do jogo, servem como elementos norteadores de suas ações.
Para Mourinho (2006) citado por Leitão (2009, p. 110): “o modelo de jogo é a direção que faz com que os jogadores possam, nos quatro momentos do jogo, ‘pensarem sob a mesma perspectiva’”. “Assim, estabelecer um modelo é representar, de modo abstrato, as ações que alguém está interessado em cumprir” (BOMPA, 2002, p. 44). Quando o técnico português menciona os quatro momentos do jogo, ele refere-se aos momentos ofensivos, defensivos, de transição ofensiva e de transição defensiva.
Portanto, a organização do processo de treino nos JDC deve partir necessariamente de um referencial: o modelo de jogo da equipe, que constitui o “elemento causal” de todos os comportamentos (TSCHINE, 1994, apud LEITÃO, 2004).
Destarte, de acordo com esta idéia, todo o processo de treinamento deve promover exercícios que sustentem um jogar integral e o caráter imprevisível do jogo, estimulando o desenvolvimento da inteligência de jogo do jogador, sendo que, todo este processo deve ser planejado e trabalhado no sentido de proporcionar a construção e o desenvolvimento contínuo de um modelo de jogo, ou seja, com a finalidade de instituir uma identidade de jogo para a equipe.
4. Considerações finais
De acordo com a literatura revisada, os jogos desportivos coletivos (JDC) têm como característica essencial a imprevisibilidade. De acordo com o princípio da especificidade, as situações trabalhadas em treino devem ter relação direta com o jogo, proporcionando uma transferência de aquisições. Portanto, o treino estruturado de modo integral contribui para isso, por meio de atividades baseadas em situações de jogo, assemelhando-se ao ambiente competitivo.
Devido à imprevisibilidade estar sempre presente no jogo de futebol, o jogador é submetido a circunstâncias únicas e que exigem respostas diferentes por parte dele. Sua resposta é dada de forma tática, técnica, física e psicológica, indissociavelmente e ao mesmo tempo. Sendo assim, o treinamento através de jogos se apresenta como uma ferramenta essencial na preparação do jogador, exigindo-o a de forma integral.
A capacidade do jogador de responder as situações do jogo é o que define a inteligência de jogo do jogador. A prática sistemática de exercícios através de jogos reduzidos contribuirá para o desenvolvimento da sua capacidade de tomar decisões durante o jogo e desenvolvendo sua inteligência.
Dentro desta abordagem, o modelo de jogo servirá como elemento norteador do processo de treinamento. A equipe será preparada com o intuito de construir uma maneira de jogar, uma identidade de jogo. Assim, o planejamento dos treinos é feito com o objetivo de desenvolver esse modelo, desta forma, as atividades por meio de jogos são fundamentais.
Destarte, o treinamento por meio da integração das dimensões do jogo através de jogos reduzidos pode contribuir para o desenvolvimento da inteligência de jogo do jogador, pois assim o jogador é submetido a circunstâncias únicas e que exigem respostas igualmente singulares, assim como acontece no jogo, desafiando o jogador de modo integral e respeitando o princípio da especificidade.
Referências
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