Comunicação nas aulas de Educação Física: uma investigação preliminar da relação pedagógica entre professor e aluno La comunicación en las clases de Educación Física: una investigación preliminar de la relación pedagógica entre profesor y alumno |
|||
*Graduada em Educação Física, UFSJ **Prof. Doutorado DCEFS, UFSJ (Brasil) |
Carla Monteiro Souza* Diego de Sousa Mendes** |
|
|
Resumo: Tendo como enfoque a comunicação na Educação Física escolar, nosso propósito neste estudo foi entender como se consolida a comunicação entre professor e alunos durante a aula. Desta forma, optamos em analisar os diálogos nas aulas de Educação Física por um mês em duas escolas públicas de São João del-Rei, MG. Durante a coleta dos dados utilizamos o método FaMOC proposto por Faria Júnior (1987). Todas as aulas foram registradas em uma tabela e também foram filmadas para que posteriormente pudéssemos comparar os números encontrados. Ao discutirmos os dados verificamos que em uma escola o ensino foi trabalhado de forma mais crítica e o diálogo em muitas ocasiões era utilizado de uma forma pedagógica. No entanto, em outro contexto analisado, o ensino foi desenvolvido de forma mais tradicional e o diálogo muitas vezes fugia do tema de ensino e não apresentava fins educativos claros. Unitermos: Educação. Comunicação. Educação Física.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 189, Febrero de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
O presente estudo buscou se aproximar da temática da comunicação nas aulas de Educação Física. Para tal, tentamos compreender melhor o processo comunicativo, considerando que em uma aula é fundamental analisar as práticas cotidianas dos indivíduos e suas interações sociais, em especial as relações comunicativas entre professores e estudantes, foco deste estudo.
Sendo assim, partimos de um entendimento da Educação Física escolar compreendida como uma disciplina que tem como objetivos ensinar, contextualizar e problematizar as manifestações da cultura de movimento e que, para tal, precisa ter competência para desenvolver um diálogo significativo entre professor e aluno em suas aulas, de modo a garantir que seus propósitos sejam atendidos. É por meio dos processos comunicacionais que professor e aluno constroem e partilham significados para suas aulas, sendo a comunicação capaz de transformar o processo de ensino-aprendizagem.
Apesar da importância dos processos comunicativos no processo de ensino-aprendizagem, Kunz (2004) aponta que nas aulas de Educação Física, embora aparentemente haja muitas falas, ou expressões verbais dos envolvidos, são escassos os momentos de diálogo, mostrando, assim, que a falta do processo comunicacional traz prejuízos para uma formação mais crítica em Educação Física.
Partindo desses pressupostos, buscamos realizar um estudo que visa analisar a comunicação entre professor e aluno nas aulas de Educação Física, a partir do seguinte problema de pesquisa: Como acontece a comunicação entre professor e aluno nas aulas de Educação Física em duas escolas da cidade de São João del-Rei? Tendo como intuito entender a tríade Educação, Educação Física e Comunicação e a consequente interligação destas com uma formulação de aulas mais significativas.
Este estudo tem como objetivo analisar e entender quais os tipos de práticas comunicativas acontecem entre o professor e o aluno nas aulas de Educação Física nas turmas de oitavo ano de duas do ensino fundamental de duas escolas públicas, compreender como se consolida a comunicação entre professor e aluno no processo de ensino-aprendizagem, por meio da observação das práticas pedagógicas e constatar quais as interferências a comunicação realiza no processo de ensino-aprendizagem no contexto das aulas de Educação Física. Assim, este estudo apresenta uma relevância no que diz respeito à análise da prática docente como suporte para o processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para que a área avance.
Metodologia
Para a efetivação metodológica do presente estudo, foi realizado um período de observação em duas escolas públicas da cidade de São João del Rei, com professores que lecionam para turmas do 8° ano do ensino fundamental. O período de observação foi de um mês e totalizaram quatro aulas observadas em cada turma.
Além disso, foram registradas as falas dos professores por meio do protocolo FAMOC (Facilitação, Manutenção,Orientação e Controle) que foi criado para estudar “um aspecto do ensino da Educação Física: o comportamento oral do professor, seja em direção ao esforço coletivo, seja em direção ao esforço individual” (FARIA JÚNIOR, 1982). Este sistema pretende ser um instrumento de observação neutro, como ressalta o autor e não pretende identificar os bons ou maus professores. Seu objetivo é de coletar informações objetivas sobre os acontecimentos verificados em aula. Ressaltamos que este estudo é do tipo exploratório visando um melhor entendimento sobre a prática observada.
O instrumento é composto por unidades de fracionamento e unidades de análise ou codificação (que contém categorias e subcategorias de análise). Esse sistema de análise avalia as comunicações orientadas à "Animação" e à "Instrução" do ensino. As categorias utilizadas são: Facilitação (F1 á F5) e Manutenção (M1 á M6), classificadas no aspecto animação; e a Orientação (O1 á O7) e Controle (C1 e C2), classificadas no aspecto instrução.
Estas 4 categorias contém as seguintes subcategorias de análise:
Facilitação
F1 - A preocupação é promover a coesão e a cooperação;
F2 - O professor ajuda a estabelecer padrões de conduta, por meio de uma decisão tomada em comum com o professor e alunos.
F3 – O professor Impõe regras de conduta;
F4 - Ajuda a desenvolver procedimentos de trabalho.
F5 - O professor impõe procedimento de trabalho.
Manutenção
M1 – O professor mantém ou restabelece a moral da turma.
M2 - O professor tenta modificar condutas indesejáveis.
M3 – O professor tenta modificar a atividade.
M4 - O professor desenvolve os procedimentos de trabalho.
M5 – O professor realiza uma demonstração.
M6- O professor realiza um feedback sobre os procedimentos de trabalho.
Orientação
O1 - O professor propõe um problema de múltiplas soluções.
O2 - O professor impõe uma situação de forma inacabada.
O3 - O professor fornece a justificativa do trabalho proposto e informa sobre temas ligados a vida escolar.
O4 - O professor encoraja ou estimula a proposta de ensino.
O5 - O professor realiza uma constatação do processo de ensino.
O6 - O professor faz uma retificação do conteúdo.
O7- O professor faz uma transição durante o ensino do conteúdo.
Controle
C1- O professor faz uma pré-avaliação.
C2 - O professor faz uma avaliação.
É válido ressaltar que este sistema foi criado por volta de 1982, por isso algumas categoriais, descrições e sentidos que são descritos detalhadamente para classificar cada uma das categorias citadas precisaram ser adaptados por conta da época.
Todas as aulas foram filmadas para atribuir maior confiabilidade na constatação das categorias transcritas na tabela e para uma melhor descrição dos dados. Ao final da coleta de dados, foi realizada a transcrição das aulas filmadas/analisadas e a organização dos dados.
Descrição e análise dos dados
Escola 1
Nesta escola o conteúdo desenvolvido pela professora foi o xadrez e as aulas aconteceram na cantina, pois na quadra da escola não tinha espaço para todos os alunos sentarem e a acústica atrapalhava no momento de diálogo.
Em conversa com a professora ficou nítido que a escolha do conteúdo surgiu para oportunizar aos alunos uma vivência inédita nas aulas de Educação Física e melhoria na capacidade de raciocínio e atenção que o conteúdo escolhido proporciona aos praticantes. Percebemos que durante o desenvolvimento das aulas a turma avançou muito na capacidade de entendimento do conteúdo, na realização do mesmo e principalmente no diálogo entre os próprios e a professora. Mas, por conta do conteúdo desenvolvido ser uma novidade, os alunos sempre pediam pelas modalidades tradicionais da disciplina (futebol, vôlei, etc.).
Após o período de observação na escola e de registros das comunicações entre professor e alunos, encontramos os dados apresentados na tabela abaixo:
Gráfico 1. Escola 1
Constatamos que a categoria mais evidente nas aulas foi a M2 (28 vezes), que se refere à modificação de condutas indesejáveis durante atividades que estão em desenvolvimento, sendo aperfeiçoadas com atitudes/decisões conjuntas entre professor e aluno. Por meio desta categoria, compreendemos que o diálogo, na maioria das vezes, aconteceu para manter a ordem na turma e obter a atenção dos alunos, porém, os estudantes eram incentivados a participarem nas modificações das condutas, sendo ouvidos pela professora, legitimando a comunicação com um sentido pedagógico. Segue abaixo uma fala registrada durante a segunda aula observada, em que a professora apresenta uma preocupação com um aluno novo que entrou na turma e apresentava dificuldades em jogar o xadrez. Tal situação representa um exemplo da categoria em questão:
Alunos: Você já saiu João?
Professora: Não, ele saiu prejudicado e eu vou ter que mudar ele de chave. Pode ser?
Alunos: Pode. A gente vai ajudando ele e mostrando como que joga.
Destacamos que os nomes apresentados nas análises não coincidem com os nomes reais dos alunos.
Esta fala demonstra a consolidação de uma postura aberta à coparticipação do estudante nas decisões, onde o crescimento pedagógico acontece por uma decisão tomada entre ambas as partes. Como aponta Shor e Freire (2003, p.90) “se os estudantes se envolvem em um diálogo crítico, encaro isso como um ato de mobilização, porque decidiram tornar-se seres humanos que investigam sua própria realidade.” Concordamos com os autores e destacamos que nesta turma, a comunicação em muitas ocasiões interferia no momento de ensino positivamente para a construção do saber, tornando a troca de experiência mais significativa.
Outro dado muito presente foi a categoria M3 (17 vezes), onde “o professor tenta modificar condutas indesejáveis: a intenção pedagógica é obter mudanças de condutas julgadas indesejáveis, empregando processos coercitivos” (FARIA JUNIOR, 1987, p.142). Para melhor explicar esta categoria apresentamos uma fala da professora durante a metade do processo de ensino analisado:
A terceira categoria mais registrada durante a análise das aulas foi a M1 (13 vezes), que se fundamenta em manter ou restabelecer a moral da turma, a comunicação do professor visa estimular a turma a enfrentar a tensão, o medo, o abatimento ou a exaltação presente em aula. Esta categoria se manteve presente em muitas falas da professora, no exemplo apresentado abaixo a professora elogia a turma pela melhoria na participação e no desempenho do jogo, enfatizando ainda posteriores avanços que podem acontecer:
Melhorou a participação, na próxima aula eu converso com ele. Aqui, óh, melhorou a questão da concentração. Parabéns para quem já terminou o jogo. Então, aqui, oh, pode ser melhor? (Prof. A)
Notamos que ao dialogar com os alunos a professora dificilmente aumentava o tom de voz, o que pode ser considerado um grande estímulo para os alunos compreenderem que o diálogo acontece em uma turma, fundamentalmente, quando todos estão atentos. Mas, os estudantes apresentavam uma dificuldade em manter o silêncio e, principalmente, em se atentar ao que a professora estava falando. Concordamos quando Darido (2012, p.33) aponta que “o grande objetivo da linguagem é a interação, a comunicação com o outro” e verificamos, deste modo, que a turma não conseguia colocar em prática o que foi anteriormente combinado.
Concordamos com Almeida (2009, p.34) quando esta aponta que “a ação comunicativa para ser educativa, deve explorar nas ações de ensino-aprendizagem as reflexões críticas”.
A partir disto, ao fazer uma análise da fala da professora dirigida aos alunos e a postura destes, constatamos que o diálogo presente nas aulas se constituía de forma a estimular os alunos a refletirem sobre o ensino, sendo que, na maioria das vezes a professora levantava questões para que os mesmos pensassem sobre a prática na aula de uma forma mais atuante. Como retrata Freire (2003, p.45) “não há um diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro, um pensar crítico.” Na realidade observada constatamos que a professora transformava sua prática pedagógica em um momento de crescimento humano de sujeitos que necessitavam pensar sobre suas ações para que o ensino acontecesse de uma forma reflexiva.
A postura da professora descrita abaixo é apontada na categoria O4 (8 vezes) que se fundamenta no encorajamento ou na estimulação da proposta de ensino, onde a intenção pedagógica é motivar os alunos, de modo a melhorar o conteúdo ou a tornar a participação mais efetiva. A citação a seguir apresenta um exemplo de fala que consideramos nessa categoria:
Então, nas próximas aulas pra finalizar o xadrez vai ser na biblioteca, ai até chegar a final ai oh, presta atenção aqui, ai independente se eu perdi ou não eu vou acreditar no que esta acontecendo, então ai. O que, que eu quero nas próximas aulas? Que vocês tenham liberdade de escolher com quem vocês vão jogar, eu quero todo mundo jogando, quem já foi desclassificado vai escolher com quem vai jogar sabe por quê? Se eu ainda não sei jogar eu ainda tenho a semana que vem pra poder aprender ta? (Prof. A)
A categoria F3 (8 vezes), que se baseia na imposição de regras de conduta onde os alunos compreendam a atividade e diminuam os comportamentos perturbadores, antes das atividades se iniciarem, retrata bem a realidade encontrada na turma. Como destaca Santin (2013, p.18) “segundo as teorias da comunicação o ruído é algo que dificulta, desvirtua ou impede o processo de emissão/recepção. Em contrapartida, o desenvolvimento e a evolução dos seres vivos se dariam por um processo de ordem/desordem”. Desta forma, a imposição de ordem sobre os processos perturbadores e sobre o silêncio a todo o momento em aula, faz com que os alunos percam um significativo momento de evolução na aula de Educação Física. Na realidade analisada ficou nítido que, para os alunos amadurecerem uma proposta de avaliação significativa para o fechamento de um conteúdo, é primordial que durante todo o processo ocorra uma valorização metodológica dos mesmos.
Algo que chamou a atenção e já era uma inquietação antes da coleta de dados, foi o diálogo dos alunos sobre temas que fogem do conteúdo trabalhado em aula, em muitos momentos de observação a professora chamava atenção dos alunos e pedia a realização da atividade, mas, mesmo assim, muitos continuavam “batendo papo” e o jogo de xadrez não era concretizado. Como aponta Hildebrant e Laging (2005, p.54) “por diálogo de aula não se entende, apenas a interação verbal entre o professor e a turma toda, mas todos os diálogos, conscientemente iniciados entre professor e grupo, professor e turma e aluno e aluno”. Não descartamos a existência de um diálogo crítico e consistente para o crescimento da aula por parte dos alunos, mas a postura e o diálogo observados nos preocuparam, pois na realidade observada o conteúdo era instigante, mas os estudantes mesmo assim não se predispunham ao diálogo.
Escola 2
Nesta escola os conteúdos desenvolvidos foram a queimada, o ping-pong e o futebol. Em conversa com a professora entendemos que a escolha dos conteúdos aconteceu devido a turma já ter trabalhado outras modalidades anteriormente. O ping-pong foi incluído levando em consideração a impossibilidade de uso da quadra em dias chuvosos.
Percebemos que o diálogo entre professora e alunos acontecia muito abertamente, os alunos tinham muita liberdade de aproximação com a professora para realizar o diálogo, mas quase nunca o faziam para comentar/discutir sobre os conteúdos da aula.
Com a análise das aulas e os registros dos diálogos observados, encontramos os seguintes números que descrevem as principais situações de comunicação entre professora e alunos:
Gráfico 2. Escola 2
Os dados coletados apontam que a categoria mais presente diariamente foi a M3 (23 vezes) que é baseada na “modificação de condutas indesejáveis, sendo a intenção pedagógica obter mudanças de condutas julgadas indesejáveis, empregando processos coercitivos” (FARIA JUNIOR, 1987, p.142). Mudança que na maioria das vezes ficava apenas a cargo do professor na tentativa de modificar a atividade e como consequência os alunos não propunham mudanças na aula e não se observava uma melhoria no processo ensino-aprendizagem. Como relatado no diálogo abaixo:
Professora: Você já jogou? Então, a fila termina ai.
Alunos: Oh professora olha aqui.
Professora: Pode parar de mexer com ela. Não tem nada que colocar apelido em colega não, que coisa feia. Podem mudar de lugar agora.
A professora se mantinha aberta ao diálogo, sempre conversava com os alunos, tentando estimulá-los a participar ativamente das atividades. Como destaca Freire (2001, p.36), “as diferenças de opções que marcam os distintos discursos não devem afastar o diálogo dos sujeitos que pensam e sonham diversamente” deste modo, a professora oportunizava aos alunos os sonhos diversos o aprendizado aberto e o diálogo não induzido.
A categoria O7 (9 vezes) foi registrada em algumas aulas, demonstrando que o diálogo nas aulas de Educação Física muitas vezes foge do tema ensinado, deixando claro que a intenção pedagógica não está nítida na comunicação. Esta categoria é baseada na exteriorização da opinião pessoal do professor sobre temas não ligados a matéria. Torna-se válido aqui salientar a fala de Shor e Freire (2003, p.81) onde os autores destacam que “não podemos, não devemos, entender o diálogo como uma tática que usamos para fazer dos alunos nossos amigos. Isto faria do diálogo uma técnica para a manipulação, em vez de iluminação”. Concordamos com os autores e ainda apontamos que ao ter um diálogo fora de contexto, o professor faz com que seus alunos percam a oportunidade de aprender melhor e de se relacionarem de maneira mais intensa com o conteúdo.
A professora mantinha uma postura amigável na maioria das vezes e quando necessário conversava com os alunos de forma mais exaltada, esta postura foi detectada em algumas aulas e evidencia a presença da categoria O4 (6 vezes), que se baseia no encorajamento e na estimulação da proposta de ensino, sendo a intenção pedagógica motivar os alunos, de modo a melhorar o conteúdo ou a tornar a participação mais efetiva.
Referimo-nos a Santin (2009, p.348) quando este aponta que “se o diálogo, em parte, perdeu espaço na construção de conhecimentos, certamente, continua muito forte como valor pedagógico, que poderá ser retomado pela prática da reflexão”, pois acreditamos que em muitos momentos de aula observados a professora construía o conhecimento com os alunos de uma forma pouco comunicativa e mais diretiva, isto aparentemente não provocava reflexões nos alunos sobre a prática realizada que pudessem ser materializadas em atos de fala, assim, os estudantes não dialogavam sobre o ensino ao qual estavam submetidos nos espaços de aula.
Torna-se válido ressaltar que, alguns alunos desta turma se destacavam por conversarem demais e manterem uma atitude de pouco questionamento, estes a nosso ver eram os que mais necessitavam de atenção e um diálogo que o fizesse entender melhor a importância do processo comunicacional para a aula de Educação Física. Pois, como aponta Betti (1994) à linguagem deve auxiliar o aluno a compreender o seu sentir corporal, o seu relacionar-se com os outros e com as instituições sociais que o rodeia.
Em um dos dias de coleta de dados a turma estudada ficou de castigo sem ter aula de Educação Física por desobedecerem às ordens da direção. A turma inteira ficou sentada, quieta e estudando para a prova de Ciências que teriam no horário seguinte. Como aponta Freire (2003, p.51) “sem o diálogo não há comunicação, e sem comunicação não há uma verdadeira educação”. Entendemos, desta forma, que a punição em deixar uma turma por cinquenta minutos sem se comunicar por um instante fez com que os alunos fossem privados de ter uma maior consciência das implicações da punição, ficando a cargo da subjetividade de cada um a reflexão isolada sobre o fato.
A partir deste fato começamos a entender a importância que a comunicação representa para os alunos e o gosto em dialogar com o outro que estes apresentam. O desapontamento era nítido no rosto dos alunos, entendemos que era por estarem punidos de comentar sobre qualquer assunto e principalmente por serem impedidos de realizar a aula de Educação Física. Ao final da aula a professora realizou uma conversa bastante significativa, os alunos expuseram suas opiniões sobre a finalidade do castigo e o que achavam de serem punidos. Vários comentários interessantes surgiram, mas o principal foi: “A punição é sempre ficar quieto sem a aula de Educação Física” (Aluno 8°A). Esta fala ilustra a categoria O5 (5 vezes) onde ocorre uma constatação do processo de ensino, sendo a intenção pedagógica obter uma resposta sobre como está acontecendo o processo de ensino a curto ou a longo prazo, por meio da postura dos alunos.
Com as observações realizadas na escola 2, concordamos com Kunz (1999) quando este aponta que nas aulas de Educação Física fala-se muito, mas fala-se pouco sobre o tema estudado, sobre assuntos pertinentes a aula de Educação Física e principalmente sobre a importância do aprendizado. Como demonstrado nas falas o que mais se apresenta no diálogo dos alunos são assuntos ligados à contextos externos ao conteúdo estudado e sem relação com a aula e o ambiente escolar.
Considerações finais
Ao realizar a análise dos dados, constatamos que as categorias M3 e M2 foram encontradas diariamente em grande número, o que demonstra uma postura por parte das professoras de apreensão das mediações de condutas indesejáveis e de priorização na correção das atitudes que atrapalham no momento de ensino. Esta constatação aponta que a preocupação dos diálogos registrados em aula está pautada primordialmente na questão atitudinal do ensino evidenciando assim, lacunas nos diálogos sobre o saber-fazer (questões procedimentais) e nos saberes “sobre o saber-fazer” (dimensão conceitual).
A ausência na justificativa do trabalho proposto e a imposição de ordens para que os alunos estivessem sempre em silêncio foi um ponto que nos chamou a atenção ao observar a postura das professoras, pois por meio da justificativa acreditamos que os alunos entendem melhor o ensino que esta sendo transmitido a eles e a ordem para que haja sempre o silêncio pode muitas vezes inibir o diálogo e uma participação mais efetiva por parte do aluno.
Detectamos também a ausência do diálogo por parte das professoras sobre o conteúdo trabalhado nas aulas passadas, ou seja, nas aulas observadas às professoras davam início a uma nova parte do conteúdo e não retomavam o diálogo sobre os acontecimentos marcantes e o ensino ministrado na aula anterior, fazendo com que o conteúdo trabalhado anteriormente se perdesse. Este é um ponto que merece bastante a atenção na Educação Física, para que se construam aulas mais críticas e pensadas de uma forma mais humana é primordial que aconteça um diálogo entre professores e alunos sobre o desenvolvimento e evolução do conteúdo.
Os dados encontrados no estudo mostram que os professores precisam de muitos momentos da aula para tentar modificar condutas de alunos que atrapalham o desenvolvimento da turma, em muitas vezes esta tentativa acontece com um processo comunicacional coerente entre professor e aluno, onde as partes envolvidas compreendem tudo que se pede e propõe mudanças conjuntas. Já em outras ocasiões este é um momento de repreensão, onde aluno e professor se enfrentam verbalmente e não há grandes melhorias pedagógicas para as aulas.
Desta forma, em ambas as escolas, os alunos deixam evidente que o diálogo e a aproximação por parte deles acontecem para esclarecer dúvidas pertinentes ao tema ou por alguma insatisfação em relação à turma, mas não pudemos constatar uma dificuldade da parte desses em assumir uma tomada de atitude e um diálogo que acrescentasse ou até mesmo melhorasse a realização do ensino, ou apresentasse questionamentos mais críticos nas aulas. Isto indica que o processo comunicativo nas aulas de Educação Física precisa ser melhorado, seja no estímulo à participação dos alunos ou mesmo na capacidade de abertura das aulas ao diálogo sobre os conteúdos estudados por parte dos professores.
Referências
ALMEIDA, A. S. Habermas e a Educação Física: um diálogo para a possibilidade de ação pedagógica? São Cristovão: Editora da UFS, 2009.
BETTI, M. Valores e finalidades na Educação Física escolar: uma concepção sistêmica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 16, n. 1, p. 14-21, 1994.
DARIDO, S, C. Educação Física na escola: Conteúdos, suas dimensões e significados.Caderno de formação: Formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, v. 16, p. 51-75, 2012.
FARIA JÚNIOR, A. G. Prática de Ensino em Educação Física: Estágio Supervisionado. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
FARIA JÚNIOR, A. G. Análise de Ensino e Estágio Supervisionado de Educação Física. Biblioteca do Faria Júnior. s./d. Arquivo Pessoal.
FREIRE, P. Política e Educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 36. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
HILDEBRANDT, R; LAGING, R. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao livro Técnico, 2005.
KUNZ, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. 6. ed. Ijuí: Unijuí, 2004.
KUNZ, E. Esclarecimento e emancipação. Pressupostos de uma teoria educacional crítica para a educação física. Movimento, Porto Alegre: ESEF/UFRGS, v.5, n.10, p. 35-39, 1999/1.
SANTIN, S. Educação Física na escola: observações reflexivas. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA, 3., 2009, Lajeado. Anais... Lajeado: UNIVATES, 2009. p.346-354.
SANTIN, S. Reflexões sobre um possível perfil do profissional da Educação Física. Disponível em: http://labomidia.ufsc.br/Santin/ef/19_santin.pdf. Acesso em: 09/03/213.
SHOR, I; FREIRE; P. Medo e Ousadia: Cotidiano do Professor. 10 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
WOLL, T. R. A comunicação como elemento da prática pedagógica em Educação Física: Reflexões a partir da observação de professores-estagiários em diferentes níveis de ensino. 2008. 27 f. [trabalho de conclusão de curso]. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2008.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 18 · N° 189 | Buenos Aires,
Febrero de 2014 |