A inclusão das mulheres na Academia da Força Aérea: uma análise por meio da prática do atletismo La inclusión de las mujeres en la Academia de la Fuerza Aérea: un análisis por medio de la práctica del atletismo |
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*Docente da Academia da Força Aérea de Pirassununga SP **Docente do Departamento de Educação Física. Coordenadora do GEPPA, Grupo de Estudos Pedagógicos e Pesquisa em Atletismo Departamento de Educação Física, UNESP, Rio Claro. ***Docente da Academia da Força Aérea de Pirassununga SP (Brasil) |
Prof. Me. Sérgio Moisés Jucosky* Profa. Dra. Sara Quenzer Matthiesen** Prof. Esp. Alberto Virgilio Boero |
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Resumo Com o ingresso da mulher no Curso de Formação de Oficiais da Aeronáutica a partir de 1996, a Academia da Força Aérea de Pirassununga adotou uma série de medidas visando à adequação de suas instalações e procedimentos de forma a minimizar o impacto da presença do contingente feminino. Tendo como foco as aulas de atletismo realizadas no horário da Educação Física, esse trabalho tem como objetivo preencher a lacuna existente quanto à descrição do processo de inserção acadêmica e esportiva da mulher nos cursos da Academia da Força Aérea brasileira. Os depoimentos obtidos por meio de entrevista semi-estruturada mostram que, apesar de existirem muitos esforços para minimizar as diferenças entre homens e mulheres, elas ainda continuam a acontecer. As prováveis justificativas para a ocorrência desses fatos podem estar relacionadas às questões culturalmente estabelecidas na sociedade, ao modelo esportivo competitivo adotado pela instituição e ao curto espaço de tempo de adaptação de todos os envolvidos no processo. Unitermos: Inclusão. Mulheres. Academia da Força Aérea. Educação Física. atletismo.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 189, Febrero de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Criar e abrir novos espaços para a inserção da mulher na sociedade nunca foi uma tarefa fácil. Romper com os modelos culturais historicamente determinados, vencer preconceitos, modificar matrizes, superar paradigmas objetiva e subjetivamente estabelecidos, além de demandarem grande quantidade de tempo, precisam, ainda, ultrapassar as barreiras dos p Com o objetivo de formar oficiais para uma moderna força aeroespacial no contexto de um mundo dinâmico e globalizado, a Academia da Força Aérea Brasileira (AFA), deu início, recentemente, a um polêmico processo de transformação. Destacam-se três importantes ações na estrutura organizacional e administrativa, que aconteceram recentemente e, a partir de então, ocorreram modificações e ampliações no quadro da formação dos oficiais da instituição. São eles: a inclusão das mulheres (aviso N°006/GM3/024 do Ministério da Aeronáutica, de 1996) na primeira turma de Intendência; o acesso das mulheres ao quadro de piloto militar e a criação da Faculdade de Administração paralela aos cursos de Aviação, Intendência e Infantaria, iniciados em 2003.
Todas as mudanças ocorridas provocaram uma significativa alteração nas rotinas da instituição e dos profissionais que nela atuam. Como não poderia deixar de ser, o espaço da Educação Física, de fundamental importância na formação militar, também foi atingido por todo o processo.
Com o acesso das mulheres ao treinamento esportivo competitivo e ao treinamento físico militar, a área de Educação Física teve de passar e, ainda passa, por profundas transformações na sua estrutura, planejamento e organização.
Dessa maneira, o objetivo deste estudo, em função da inclusão das mulheres na Academia da Força Aérea, é o de verificar nesse espaço de convivência entre os sexos, as principais modificações ocorridas na prática do atletismo durante as aulas de Educação Física e como se efetuou o processo de inserção da mulher na prática esportiva da modalidade.
Oficiais militares: as mulheres rompem as últimas fronteiras
Em pleno século XXI, a igualdade de oportunidades e de direitos entre homens e mulheres ainda faz toda a diferença. Nas histórias das civilizações, as mulheres, mesmo participando das lutas e conquistas dos homens, sempre estiveram em posição de dependência em relação a eles. Em que pesem todos os avanços conquistados pelas mulheres no que se refere à ocupação de espaços e de oportunidades em busca da sua emancipação, elas ainda ocupam posições sociais de menor prestígio, com menores remunerações, revelando, assim, o predomínio do masculino na sociedade brasileira.
Costa e Bruschini (1992), afirmam que embora a mulher faça parte da chamada força de trabalho e tenha conquistado a partir da revolução industrial a sua emancipação, a igualdade de direitos ainda está bastante distante de ser atingida.Preconceitos para vencer as discriminações
No Brasil, as preocupações com a igualdade de oportunidades entre os sexos podem ser verificadas por meio das cartas constituintes. Elas mostram que o direito de igualdade entre homens e mulheres é consagrado desde o período do Império (1822 – 1899), isto é, a lei e sua aplicação procuram independente do sexo tratar a todos com igualdade de condições.
Na Constituição de 1988, as relações entre homens e mulheres passaram a ser um marco nas relações de gênero. Nela estão assegurados os direitos para uma sociedade mais igualitária e mais justa. A partir dela, ficou proibida qualquer forma de discriminação, seja em função de sexo, idade, condições físicas e mentais, assim como raça, origem social geográfica, opções políticas, filosóficas ou religiosas. O Art. 5º da Constituição de 1988 destaca que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Para Soares (1991): “a igualdade de oportunidades constitui-se a pedra de toque dos movimentos feministas e dificilmente poderá ser rebatida” (p. 5).
De acordo com Lohmann e Votre (2006), no Brasil a inclusão da mulher no final dos anos 1980, em todos os setores da sociedade, é resultado da articulação entre o processo de democratização e a expansão da busca de igualdade de oportunidades entre os sexos. Contudo, mesmo diante dos avanços constitucionais, pode-se afirmar que ainda existe em nossa sociedade uma cultura que estabelece regras e padrões diferenciados para os gêneros.
As conquistas das mulheres, apesar de lentas e difíceis, com o passar do tempo continuaram a avançar em praticamente todos os setores. Da promulgação da nova Carta Constituinte, em 1988, que prevê igualdade de oportunidades nas questões de gênero até o ingresso da primeira mulher na carreira de oficial militar das Forças Armadas foram necessários apenas oito anos. D’Araújo (2003) afirma que há uma estreita conexão entre o meio militar e a sociedade civil, o que determina a interferência recíproca dos fatos que neles acontecem, ou seja: As Forças Armadas não são instituições isoladas da sociedade e estão intrinsecamente conectadas ao processo social e ao projeto que cada sociedade estabelece para si (D’ARAÚJO, 2003, p.2).
O meio militar, considerado como um dos últimos redutos masculinos, lentamente foi abrindo espaço ao corpo feminino. Se por um lado, as mulheres adquiriram o direito de acesso ao meio militar, por outro, tiveram de se adaptar às regras que esse tipo de profissão exige, isto é:
“...a vida militar tem sido associada a risco, alta mobilidade geográfica, separação temporária da família, necessidade de praticar a violência, exposição a perigos, treinamentos intensivos, disciplina férrea, exercícios físicos pesados, solidez moral e obediência profissional acima de qualquer direito ou dever pessoal” (D’ARAÚJO, 2003, p. 3).
A análise histórica das funções desempenhadas por homens e mulheres na sociedade, revela que há um distanciamento entre o perfil militar e as características que identificam a condição da mulher. Enquanto a força física, a agressividade, a racionalidade e a autonomia, características masculinas, identificavam e aproximavam o homem com o meio militar, a mulher, por características ditas femininas (emotividade, fragilidade e bondade), situava-se bastante distante desse ambiente. Entretanto, mesmo diante dessas possibilidades, D’Araújo (2003) ressalta que a maior parte dos países ocidentais vem, nos últimos anos, aceitando as mulheres nas Forças Armadas.
No rastro dessas diferenciações, surgem diversas argumentações, sustentando pontos de vista muitas vezes tendenciosos, que não contemplam a crescente complexidade do mundo em que vivemos. Para Soares (1991), a questão do acesso ou exclusão da mulher em relação às funções de combate mesmo para aqueles que são favoráveis à participação da mulher nas Forças Armadas, ainda é um aspecto bastante polêmico.
Na AFA, a inclusão da mulher na condição de alunas/cadetes, coloca a categorização homens e mulheres em segundo plano. A prática, sem dúvida, traduz a noção de igualdade sustentada pelas democracias, promove a desconstrução do modelo de recrutamento exclusivamente masculino nas obrigações de defesa do Estado e contempla a mulher com a cidadania de corpo inteiro.
Takahashi (2002), ao realizar estudos sob a formação da identidade militar dos cadetes (homens e mulheres) na Academia da Força Aérea, realiza-o como um fenômeno psicossocial que emerge das relações sociais e das relações de gênero decorrentes da inserção da mulher. Segundo a autora, os dados encontrados na pesquisa, apontam para variadas comparações e diferenciações no processo de construção da identidade militar. De acordo com Takahashi (2002):
a questão de poder e da identidade vivenciadas pelos cadetes se concretizam através da hierarquia, disciplina, vigilância, obediência, conduta ético-moral e de todos os padrões de conduta e valores cultivados no interior da caserna (p. 251).
Ao incluir as mulheres no meio militar compreende-se que as características pessoais de homens e mulheres não são as responsáveis pelo desempenho técnico-profissional, tampouco servem de parâmetro para estabelecer competências absolutas ligadas ao gênero. As diferenças existentes justificam apenas limites relativos, já que não inviabilizam a reunião dos requisitos estabelecidos para ingresso e atuação nas carreiras da Força Aérea.
A adaptação das mulheres a um ambiente predominantemente masculino não foi fácil. A instituição, enquanto estrutura física, os cadetes/alunos enquanto companheiros, os oficiais e os professores enquanto instrutores/educadores e as novas alunas, “novatas”, fizeram com que todos tivessem de se preparar para uma situação, até então, inexistente nesse meio. A formação profissional militar teve, obrigatoriamente, de se ajustar à presença da mulher em atividades antes reservadas ao universo masculino.
Os trabalhos de Soares (1991), D’Araújo (2003) e Cuin (2004) indicam que o ingresso das mulheres nas Forças Armadas de diversos países, inclusive no Brasil, deflagrou uma série de problemas e dificuldades no processo de implantação, haja vista as características do sexo feminino, que suscitam controvérsias e abalos nos procedimentos de inclusão em atividades militares. Soares (1991) infere que:
a entrada da mulher numa instituição como as Forças Armadas apresenta desde logo a dificuldade inerente à inovação, implicando por isso a necessidade de vencer resistências e tabus (p. 4-5).
Uma grande parte dessas questões é afetada pela falta de conhecimento e por idéias preconceituosas, insustentáveis diante de uma sólida argumentação científica. Elas geralmente dizem respeito aos aspectos que envolvem o ciclo menstrual, a gravidez, a enxaqueca e outros fatores orgânicos, físicos e psicológicos.
A Educação Física feminina na AFA e o atletismo como prática esportiva
De acordo com a ICA 37-342/2010, a Academia da Força Aérea é uma instituição que procura transformar no período de 4 anos, jovens cadetes em oficiais da Força Aérea Brasileira. Por meio de um amplo e diversificado sistema de ensino, procura-se transmitir conhecimentos técnicos especializados, adequados às características da profissão e da evolução tecnológica na área. Espera-se que nas situações de emergência, típicos das atividades militares, a Força Aérea Brasileira, ao acionar os seus oficiais, os encontre totalmente preparados para enfrentar as dificuldades que possam ocorrer. Dessa maneira, a principal função da AFA é a de desenvolver, em cada cadete, as suas capacidades intelectuais, morais e físicas para que, ao ser requisitado, ele possa cumprir cada missão, utilizando adequadamente o máximo das suas potencialidades.
Na Academia da Força Aérea, a atividade física assume importância decisiva logo no processo seletivo. Assim como se exigem, nos exames vestibulares, conhecimentos em diferentes áreas, também se requerem dos candidatos condições físicas básicas que lhes permitam atuar em diferentes ações militares.
Para os militares, a prática sistematizada da atividade física pressupõe sua utilidade na manutenção da boa forma do combatente e na contribuição que a Educação Física pode dar para o aperfeiçoamento disciplinar das tropas. Atualmente, na AFA, um dos objetivos do Programa de Treinamento Militar é o de proporcionar ao cadete uma educação compatível com as exigências da sua carreira. Nesse contexto, a Educação Física ultrapassa os limites da formação e se transforma em uma prática permanente, considerada fundamental para o exercício da profissão.
Em virtude do ingresso da mulher, a Educação Física, componente curricular obrigatório do curso de formação de oficiais da Academia da Força Aérea, viu-se diante do desafio de absorver e tratar com igualdade de oportunidades que sempre estiveram fora do ambiente sem, contudo, deixar de atingir e manter um bom nível de condicionamento físico.
Na condição de alunos tanto os homens como as mulheres podem fazer parte de uma das 10 equipes esportivas da AFA (atletismo, basquete, esgrima, futebol, judô, natação, corrida com orientação, pentatlo militar, pólo aquático, tiro e voleibol). Contudo, é necessário que durante o estágio inicial de adaptação eles apresentem identificação com a modalidade, com o professor que nela atua e que tenham características pessoais relacionadas ao esporte (capacidades físicas, características biomecânicas ou motivacionais) que o habilitem a participar das sessões de treinamento. Os alunos não selecionados para compor as equipes de treinamento esportivo ainda podem fazer a escolha pela participação nos clubes esportivos (escalada, rúgbi, tênis, karatê), ou do treinamento Físico Profissional Militar.
Cada modalidade esportiva realizada na AFA apresenta características particulares relacionadas aos treinamentos e às competições. Especificamente com relação ao atletismo, participam dos treinamentos diários aproximadamente 120 cadetes (100 homens e 20 mulheres). Nessa modalidade, eles podem participar de acordo com os seus interesses e capacidades, de um conjunto de dezoito provas masculinas e cinco femininas. O quadro a seguir ilustra as possibilidades existentes para a prática do treinamento do atletismo na AFA.
Quadro N°1. Provas masculinas e femininas do atletismo praticadas na Academia da Força Aérea durante as aulas de Educação Física
É preciso destacar, neste momento, que um aluno recém admitido pode, durante o Estágio de Adaptação, ser selecionado por vários professores para participar de diferentes modalidades esportivas, mas caberá a ele, em função dos seus interesses, determinar a atividade física que deseja praticar.
No atletismo, o principal objetivo da equipe esportiva da Academia da Força Aérea é a participação na competição anual entre as três escolas de formação de oficiais (Marinha, Exército e Aeronáutica) denominada NAVAMAER ou Campeonato Brasileiro de Cadetes das Forças Armadas.
O protagonismo vivenciado pela AFA com relação à mulher nas três escolas de formação de oficiais militares, ao mesmo tempo em que a colocou em posição de destaque com relação às outras escolas militares, também apresentou os seus limites. Por ser, até hoje, a única escola a aceitar a mulher na carreira de oficial militar, a competição prevista entre as três escolas (NAVAMAER) ainda não se efetivou. A situação reflete-se diretamente na composição e na participação das mulheres nas equipes de treinamento da AFA. Como as competições do atletismo feminino da NAVAMAER só acontecem entre as próprias alunas da AFA, o interesse por parte dos professores em manter as mulheres nas equipes esportivas tende a acompanhar as diretrizes estabelecidas para a NAVAMAER. Com relação a esse tema, pode-se afirmar que o modelo esportivo competitivo da prática da atividade física adotado na AFA acaba por dificultar o acesso, a permanência e o próprio treinamento feminino, pois, faz falta ao modelo esportivo feminino, objetivos idênticos ao do masculino, ou seja, uma competição nos moldes da NAVAMER da equipe masculina.
Para as cadetes que conseguiram o acesso às equipes esportivas, as dificuldades não foram pequenas e toda a instituição teve de se adaptar às necessidades que foram surgindo. Não existiam para as mulheres os espaços adequados às suas necessidades. Os alojamentos tiveram de ser adaptados e melhorados; os vestiários femininos, reformulados; as equipes de treinamento e competição esportiva feminina foram aos poucos sendo criadas; os professores de Educação Física que, até o momento, só realizavam treinamentos com as equipes masculinas, tiveram de enfrentar o novo desafio; os materiais necessários à prática esportiva do atletismo feminino, que também não existiam (sapatilhas, pesos, dardos, discos), foram sendo gradativamente adquiridos e disponibilizados; os uniformes femininos foram, então, definidos e os padrões de conduta aos poucos foram sendo solucionados. Pode-se afirmar que desde a entrada da mulher na AFA até os dias de hoje, tudo vem sendo modificado ou adaptado com a intenção de dar uma condição melhor a todos, principalmente uma condição de equiparação de oportunidades das mulheres em relação aos homens.
De acordo com os trabalhos de Soares (1991), D’Araújo (2003) e Cuin (2004), no Brasil e em diversos países, a inclusão das mulheres nas Forças Armadas deflagrou uma série de problemas e dificuldades durante o processo de implantação.
Segundo Takahashi (2002), as primeiras mulheres a ingressar na carreira de oficial militar sofreram o impacto do pioneirismo; contudo, mesmo diante de todas as diferenças, no final do curso os cadetes (homens e mulheres) se identificam como profissionais militares, o que acaba por diluir as diferenças entre os sexos.
Desde o ingresso da mulher na AFA até hoje, a igualdade de procedimentos preconizada para todos os âmbitos da instituição ainda evidencia os traços de uma cultura masculina arraigada no domínio da Educação Física. Observa-se, claramente, que a paridade é apenas teórica, pois as moças não desfrutam das mesmas possibilidades e facilidades que os rapazes. As simples constatações relacionadas ao efetivo de cadetes (aproximadamente 50 mulheres e 600 homens); às estruturas destinadas à prática esportiva feminina e número de provas reservadas a esse público revelam que as mulheres ainda não atingiram o apregoado equilíbrio entre os sexos.
Com passar dos anos foram surgindo novas possibilidades de competição para as mulheres (Campeonato Interno, Jogos Regionais, Campeonato Sul-americano de cadetes e o torneio interno de atletismo feminino realizado durante a NAVAMAER). Esses fatos foram, aos poucos, contribuindo para o aumento da participação feminina nas equipes de treinamento esportivo de várias modalidades, inclusive o atletismo, mas o modelo existente ainda não é suficiente.
Atualmente, o que se observa na AFA com relação à integração da mulher na equipe de treinamento esportivo é a existência de um processo de integração gradual. À medida que elas interiorizam e ampliam a compreensão da instituição, desenvolvem também uma identificação que ajuda a enriquecer a prática da atividade física com novos valores e referências.
É imprescindível destacar, neste momento, o fato que, para o ano de 2014, com o ingresso da mulher nas escolas de formação de oficiais da Marinha (Escola Naval) provavelmente haverá, pela primeira vez, uma competição feminina entre as duas escolas de formação de oficiais. Caso esse fato seja concretizado, o status da mulher dentro das turmas de treinamento esportivo tende a se igualar ao dos homens.
Se por um lado, as mulheres estão conquistando mais espaços no meio militar, por outro, cabe agora a adaptação desse público às rotinas que o treinamento esportivo determinam.
De maneira geral, os profissionais da área de Educação Física da AFA esperavam que as alunas recém-admitidas na instituição, pudessem ter, em relação à Educação Física, uma condição mínima de domínio de conceitos e de aprendizagem que as aproximasse dos objetivos determinados para os alunos que concluíram o Ensino Médio. De acordo com o Currículo do Estado de São Paulo, os objetivos para o final desse ciclo são:
a compreensão dos jogos, do esporte, da ginástica, da luta e da atividade rítmica como fenômenos socioculturais, em sintonia com o nosso tempo e das vidas dos alunos, ampliando os conhecimentos no âmbito da cultura de movimento e a ampliação do se-movimentar no jogo, no esporte, na ginástica, na luta e na atividade rítmica, rumo à construção de uma autonomia crítica e autocrítica (2010, p.184).
A chegada das novas alunas da AFA revelou que poucas tiveram, na Educação Física, até o final do Ensino Médio, vivências de atividades físicas relacionadas ao atletismo. Não se esperava das novas alunas o comportamento típico dos esportistas que buscam a evolução da performance competitiva. No entanto, o que se observou foi que, além de elas desconhecerem as provas e as regras básicas da modalidade, ainda apresentam padrões de movimento imaturos, o que reforça as constatações de Ginciene (2012); Matthiesen, (2012a); Matthiesen (2012b); Santos (2012).
Dessa maneira, o trabalho inicial do atletismo para as novas alunas da AFA, está fundamentado nos processos básicos de ensino e aprendizagem. A preocupação dos professores não está situada na melhora da performance competitiva, em função do nível apresentado, mas, situa-se na transmissão de conhecimentos e habilidades básicas relacionadas à modalidade.
A prática da atividade física com o grupo feminino durante vários anos na AFA, demonstra que o desenvolvimento de atividades simples, tais como, a postura adequada durante a corrida, já faz com que as alunas apresentem significativas evoluções no desempenho pessoal e na condição física geral.
Tomando-se o exemplo do processo seletivo de velocistas para a prova dos 100 metros rasos, tem-se observado que, desde o ingresso na AFA da primeira turma feminina (1996), até hoje, nenhuma das cadetes que fez o teste em todo esse período obteve uma marca que a permitisse classificá-la como atletas das corridas de velocidade. Entretanto, independentemente do resultado atingido, a AFA necessita formar, com seus alunos, uma equipe feminina que represente a instituição nas competições de que participa e, dessa maneira, qualquer voluntária poderá fazer parte das aulas de treinamento.
Convém destacar, também, que a obtenção de um bom resultado nos testes realizados durante o estágio de adaptação, não garante a participação e nem a permanência da aluna na equipe de atletismo. De acordo com o exposto anteriormente, a escolha final da modalidade esportiva é determinada pelos interesses dos alunos e não pelos resultados que eles possam apresentar.
As dificuldades iniciais para formar uma equipe e iniciar os treinamentos já estavam sendo esperadas na rotina da Academia da Força Aérea, mas contava-se, também, com a boa vontade e a competência dos profissionais que lá trabalham que, intuindo, errando e aprendendo a fazer julgamentos, vêm adotando procedimentos e comportamentos alinhados com o objetivo de superar os desafios de lidar com o novo.
Em linhas gerais não se pode afirmar que, desde 1996, as condições ideais do treinamento esportivo para as mulheres foram alcançadas, mas deve-se destacar que esse mesmo fato também acontece com o grupo masculino, pois, apesar de os homens terem preenchido suas necessidades básicas, eles também estão distantes das condições consideradas ideais para o treinamento esportivo, principalmente, das condições relacionadas à continuidade do treinamento e do descanso.
Ainda hoje existem preconceitos com relação à presença da mulher no meio militar e, consequentemente, na Educação Física, embora, com o passar do tempo a avaliação das atitudes e capacidades das mulheres vêm se tornando mais equilibrada. Por outro lado, as respostas comportamentais de defesa, sobrevivência e preservação do grupo foram sendo paulatinamente atenuadas até atingirem uma postura de normalização e relaxamento. Contudo, mesmo diante dos avanços, é possível afirmar, com total segurança que, em nossa sociedade e, também, no meio militar, há uma cultura que diferencia e determina como mulheres e homens devem se comportar, pensar e atuar na família, na escola e no trabalho. Nesse contexto, a condição de igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres ainda está muito longe de ser atingida.
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