efdeportes.com

A inclusão de alunos da comunidade boliviana
nas aulas de Educação Física escolar no Brasil

La inclusión de alumnos de la comunidad boliviana en las clases de Educación Física escolar en Brasil

L'inclusione di allievi della Comunitá boliviana nelle lezioni di scuola Educazione Fisica scolastica in Brasile

 

Licenciado em Educação Física pela Universidade Nove de Julho

Especializando em Ética, Valores e Cidadania na escola pela USP. Professor

das redes municipais de ensino das cidades de Santo André e São Bernardo do Campo

Oriel de Oliveira e Silva

oriel-17@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Na cidade de São Paulo, os imigrantes bolivianos ocupam, incontestavelmente, o primeiro lugar nas estatísticas no que se refere ao número de estrangeiros residentes na capital paulista. Vivendo na maior cidade brasileira, sofrem com a escravidão, preconceito, discriminação e exclusão social. No contexto específico da escola, os alunos bolivianos sofrem com dificuldades no momento de fazer matrícula, com o preconceito e bullying praticados por alunos brasileiros, bem como com as dificuldades de aprendizagem devido ao fato de não dominarem a língua portuguesa. Nas aulas de Educação Física, isso não é diferente. Considerando que, com um entendimento limitado do conceito de educação inclusiva, os cursos de licenciatura em Educação Física, em suas disciplinas voltadas para o tema, têm como foco a discussão somente de questões relacionadas aos portadores de necessidades especiais e às estratégias para incluí-los nas aulas, e que, portanto, não refletem sobre os imigrantes, sujeitos que também devem ser considerados no processo de inclusão, este artigo pretendeu fazer algumas considerações a respeito dos alunos bolivianos que freqüentam as escolas paulistanas e de sua participação nas aulas de Educação Física.

          Unitermos: Educação Física escolar. Educação inclusiva. Imigração. Alunos bolivianos.

 

Resumen

          En la ciudad de Sao Paulo, los inmigrantes bolivianos ocupan, incontestablemente, el primer lugar en las estadísticas respecto al número de extranjeros que viven en la capital paulista. Viviendo en la mayor ciudad brasileña, sufren con la esclavitud, el prejuicio, la discriminación y exclusión social. En el contexto específico de la escuela, los alumnos bolivianos padecen las dificultades en el momento de matricularse, con prejuicios y bullying practicados por alumnos brasileños, como también con las dificultades de aprendizaje debido al hecho de no dominar la lengua portuguesa. En las clases de Educación Física no es diferente. Teniendo en cuenta que, con un entendimiento limitado del concepto de educación inclusiva, los cursos universitarios de Educación Física, en sus asignaturas que tratan el tema, tienen como foco la discusión solamente de cuestiones relacionadas con los discapacitados y las estrategias para incluirlos en las clases. Y, por ende, no reflexionan acerca de los inmigrantes, sujetos que también deben ser considerados en el proceso de inclusión. Este artículo intenta hacer algunas consideraciones acerca de los alumnos bolivianos presentes en las escuelas paulistanas y su participación en las clases de Educación Física.

          Palabras clave: Educación Física escolar. Educación inclusiva. Inmigración. Alumnos bolivianos.

 

Riassunto

          Nella città di São Paulo, gli immigranti boliviani occupano, incontestabilmente, al primo posto nelle statistiche sul numero di stranieri che vivono nella capitale dello stato di São Paulo. Abitando alla più grande città brasiliana, soffrono con la schiavitù, pregiudizio, discriminazione ed esclusione sociale. Nel contesto specifico della scuola, gli allievi boliviani hanno difficoltà al momento della registrazione, con pregiudizi ed il bullismo praticati da allievi brasiliani, nonchè con difficoltà di apprendimento dovuta alla mancata di conoscenza della língua portoghesa. Nelle lezioni di Educazione Fisica non è diverso. Considerando il fatto che, con un intendimento limitato del concetto di educazione inclusiva, i corsi universitari di Educazione Fisica, nelle sue discipline che sono fissate nello studio del tema, hanno come preoccupazione centrale la discussione soltanto di questioni in relazione con i disabili e le strategie per includerle nelle lezioni, e che, quindi, non riflettono sugli immigranti, persone che devono anche essere considerati nel processo d'inclusione, quest'articolo ha voluto fare alcune considerazioni sugli allievi boliviani presenti nelle scuole paulistanas e della sua partecipazione nelle lezioni di Educazione fisica.  

          Parole-chiavi: Educazione Fisica scolastica. Educazione inclusiva. Immigrazione. Allievi boliviani.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 188, Enero de 2014. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    Nas últimas três décadas, os discursos que defendem uma proposta de educação inclusiva se intensificaram em nível mundial. O mais significativo desses movimentos foi a Declaração de Salamanca, idealizada pelas Nações Unidas, em 1994. Grosso modo, os princípios propostos nesse documento preocupam-se fundamentalmente com pessoas portadoras de necessidades especiais.

    Nos cursos de licenciatura em Educação Física, as poucas disciplinas da grade curricular que direcionam suas discussões para a questão da inclusão, limitam-se a essa visão restrita de educação inclusiva. Geralmente, está previsto na estrutura dos cursos, o estudo de matérias como Educação Física Adaptada, ou – com menos freqüência - Esporte Adaptado. As ementas de tais disciplinas focam no estudo de aspectos relativos às diversas deficiências, bem como às estratégias para lidar com cada uma delas.

    No entanto, é sabido que o conceito de educação inclusiva é mais abrangente do que isso. Embora comumente as pessoas a associem somente à inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais, ela abarca também os indivíduos sem nenhuma condição especial, mas que também estão inseridos na escola e, portanto, precisam ser igualmente considerados. Nesse sentido, cabe perguntar: como incluir os alunos estrangeiros nas aulas de Educação Física? E mais especificamente os imigrantes bolivianos, tão presentes e (ao mesmo tempo) marginalizados nas escolas da capital paulista?

    Este artigo não se propõe a responder a essas questões, visto que, dada a complexidade que lhes é inerente, para fazê-lo, faz-se necessário primeiro realizar uma série de reflexões e discussões sobre o tema. Na realidade, a fim de contribuir para ampliação e aprofundamento das discussões sobre a inclusão de alunos estrangeiros nas aulas de Educação Física escolar, este artigo pretende fazer algumas considerações a respeito dos imigrantes bolivianos que freqüentam as escolas de São Paulo e da participação desses sujeitos nas aulas de Educação Física.

2.     Metodologia

    Para atingir tal objetivo, foi feita uma pesquisa bibliográfica, na qual artigos científicos que tratam da imigração boliviana em São Paulo - e nas escolas da cidade - foram lidos. Os principais autores estudados foram Magalhães (2010), Magalhães e Schilling (2012), Magalhães (2013), Rossi (2005) e Silva (2006), pesquisadores de grande notoriedade na literatura relativa ao tema. Especificamente no capítulo que tratou da participação dos bolivianos nas aulas de Educação Física, as considerações foram feitas com base no conhecimento empírico que obtive no período em que atuei com alunos estrangeiros.

3.     Por que em São Paulo há tantos bolivianos?

    Para chegar à resposta para tal pergunta, basta compreender a situação socioeconômica da Bolívia. A América do Sul historicamente esteve marginalizada do resto do mundo, ou seja, excluída do grupo de países que podem gozar dos bons índices de desenvolvimento social e econômico. Em outras palavras, o continente sul-americano sempre sofreu com a pobreza e exploração feita pelos países do hemisfério norte, especialmente os da Europa. Como se não bastasse terem nascido num dos continentes mais desfavorecidos do planeta, os cidadãos bolivianos ainda têm que lidar com a dura realidade de pertencerem a uma das nações mais pobres da América do Sul.

    O país presidido por Evo Morales é um dos mais pobres do mundo. De acordo com Rossi (2005), dois terços da população boliviana vivem em condições miseráveis. Além disso, os índices de desocupação são altíssimos. Muitos bolivianos que vivem nas regiões de campo, por não terem trabalho, migram para as cidades mais desenvolvidas da Bolívia, como La Paz, Oruro, Potosí e Cochabamba. Porém, Silva (2006) explica que, como percebem que até nas maiores cidades as condições são desfavorabilíssimas, resolvem ir para São Paulo, já que nessa cidade, o mercado da confecção oferece muitas oportunidades de emprego.

    Após serem seduzidos por empresários bolivianos, coreanos ou brasileiros - do ramo da costura - que prometem emprego, bom salário e melhores condições de vida, os bolivianos, crentes de que finalmente tudo vai dar certo, partem para a capital paulista, metrópole brasileira onde a maioria dos imigrantes bolivianos vive.

4.     Em quais condições eles vivem em São Paulo?

    Quando chegam a São Paulo, imediatamente se dão conta de que na realidade as coisas não são tão boas, como os empresários haviam prometido. Trabalhando (e muitas vezes também morando) sob condições insalubres em oficinas de costura, a maioria localizada na região central da cidade, geralmente de doze a catorze horas diárias, ganhando um salário miserável – em média 350 reais por mês - os bolivianos podem ser considerados escravos (ILLES ET AL 2008; SILVA, 2006).

    Como em sua maioria estão ilegalmente no Brasil, eles não sentem coragem nem de sair de casa, com medo de ser detido pela polícia federal, muito menos de denunciar esse crime cometido contra eles (VANINI, 2008).

    Igualmente complicado é o acesso aos serviços básicos de saúde e educação. Nos postos de saúde, os funcionários não querem atende-los porque eles não apresentam documentos. Nas escolas, ocorre o mesmo. As instituições escolares, desconhecendo que, independentemente do status legal dos bolivianos, eles têm direito a uma vaga, negam-se a efetivar a matrícula (ILLES, 2008; MAGALHÃES E SCHILLING, 2012; TAMBELLINI ET AL, 2009).

    Dentro da escola, especificamente, os bolivianos parecem não ter só problemas no momento da matrícula. Uma vez matriculados e freqüentando as aulas, sofrem com discriminação, preconceito e bullying, e ainda têm sérias dificuldades de aprendizagem por causa do pouco ou nenhum conhecimento da língua portuguesa (MAGALHÃES E SCHILLING, 2012; SILVA, 2012).

    A ausência de políticas públicas em educação elaboradas tendo como público-alvo os bolivianos compromete ainda mais a situação deles. É possível afirmar que dentro da escola, esses sujeitos não têm tido a oportunidade de gozar do direito humano à educação. O estudo de Magalhães (2010) corrobora essa afirmação.

    Enfim, as políticas públicas de educação inclusiva têm concentrado, nas últimas três décadas, suas ações na promoção da inclusão de portadores de necessidades especiais e, mais recentemente, dos afrodescendentes e dos indígenas. Porém, têm deixado a desejar no que tange às ações para promover a inclusão de imigrantes nas escolas. Assim, considerando que os movimentos migratórios em nível global se consolidaram, e que, portanto, o número de pessoas que vivem fora de seus países aumentou, é emergente articular ações para favorecer a inclusão dos imigrantes nas escolas. Só assim haverá de fato uma educação completamente inclusiva.

5.     Se na escola, assim como fora dela, as condições são adversas, como será então especificamente nas aulas de Educação Física?

5.1.     O problema do medo, da insegurança e da vergonha de se expor

    Como se sabe, pelo menos dentro da escola, os alunos bolivianos parecem tímidos, retraídos, com pouca confiança e baixa autoestima. Nas aulas de Educação Física, essas características se acentuam ainda mais. Como existe uma tendência de serem objeto de chacota dos alunos brasileiros, eles costumam não se envolver nas atividades propostas, porque geralmente estas atividades pedem que todos os participantes - sem sentirem vergonha - exponham-se corporalmente. É importante observar que quando falamos em exposição corporal, estamos nos referindo ao ato de os alunos realizarem movimentos diante de outras pessoas. Por exemplo: dançar, jogar uma partida de Voleibol, Futebol ou Tênis de Mesa, etc..

    Em várias ocasiões, foi possível perceber que os alunos bolivianos buscavam justificativas para não participar das aulas. Quando tomavam coragem para participar, pediam que não o fizessem junto com os alunos brasileiros. Geralmente, formavam grupos compostos só por bolivianos e não se relacionavam com os demais grupos da turma. Ou seja, ficavam isolados.

    Embora não aconteça no contexto escolar, algo parecido ocorre no Parque do Trote, localizado na zona norte de São Paulo. Em dias de domingo, em que o movimento é maior, é possível observar que os cidadãos bolivianos não se misturam com os brasileiros. Nesse parque, há três quadras de Futsal, uma ao lado da outra. Em uma delas jogam somente bolivianos e nas outras duas, só brasileiros. Raramente, é possível encontrar bolivianos e brasileiros jogando juntos. Nas poucas vezes em que presenciei essa cena, pude notar que havia um ou no máximo dois brasileiros jogando junto com vários bolivianos. Nunca encontrei um ou dois bolivianos jogando com vários brasileiros. Minha hipótese é de que isso acontece porque os bolivianos não sentem confiança para se envolver num grupo cheio de brasileiros, porque se sentem ameaçados. O mesmo não ocorre com os brasileiros, pois na posição de “donos da casa”, sentem mais segurança para se incluir com os estrangeiros.

    Por fim, essa relutância (causada pela vergonha, insegurança e pelo medo de se expor) em participar das atividades desenvolvidas no âmbito da Educação Física parece ser um primeiro obstáculo para a inclusão dos alunos bolivianos nas aulas dessa disciplina do currículo escolar.

5.2.     As diferenças lingüísticas como empecilho para a interação e comunicação com os brasileiros durante as aulas de Educação Física

    Conforme Magalhães (2013) coloca, as diferenças lingüísticas são um problema para os bolivianos dentro da escola. Como muitos não dominam ainda o português, encontram sérias dificuldades para compreender o que os professores falam. Além disso - o que parece mais grave - por não conseguirem se comunicar, eles não se relacionam com os alunos brasileiros. Dessa forma, pelos vários cantos da escola são formados grupos compostos somente por bolivianos.

    No contexto da Educação Física, isso não é diferente. Os alunos bolivianos geralmente se agrupam e ficam isolados dos brasileiros. Por temerem ser objeto de chacota – e também (embora nem tanto por isso) por não se sentirem preparados para estabelecer uma comunicação em português - preferem não se misturar com os brasileiros, ainda que isto lhes prive do direito de participar das atividades que estão sendo realizadas. Por isso, essa é outra adversidade que os alunos bolivianos encontram nas aulas de Educação Física.

    Essa dificuldade de relacionamento por causa das diferenças lingüísticas deve ser considerada como um possível entrave para que os alunos sejam incluídos. Em uma experiência que tive quando trabalhava numa escola localizada na região central de São Paulo, onde vivem pessoas de várias nacionalidades, dava aulas para alunos de diversos países: um da Angola, um da China e vários da própria Bolívia. O que podia perceber durante nossas aulas é que o aluno angolano se integrava facilmente com os brasileiros, ao passo que o aluno de nacionalidade chinesa e os alunos bolivianos dificilmente interagiam e se permitiam para uma aproximação. A hipótese que levantei imediatamente é que, como o angolano tinha o português como idioma nativo, ele sentia muito mais confiança para se envolver com os brasileiros, e, como essa não era a condição dos alunos bolivianos e do aluno chinês, eles preferiam não arriscar.

6.     Considerações finais

    Neste artigo, pretendeu-se fazer algumas considerações a respeito dos alunos bolivianos que freqüentam as escolas de São Paulo e sua participação nas aulas de Educação Física.

    Os principais pesquisadores que se dedicam ao tema da imigração boliviana em São Paulo apontaram que esses indivíduos encontram sérias dificuldades na capital paulista. Ilegais no Brasil, além de serem escravizados, vivem em condições miseráveis e têm dificuldades para acessar serviços básicos, como, por exemplo, saúde e educação.

    Especificamente no contexto da escola, as evidências mostram que os bolivianos sofrem preconceito, discriminação e bullying, cometidos pelos alunos brasileiros. Além disso, como muitos não dominam o português, acabam encontrando sérias dificuldades para compreender as explicações que são dadas nesse idioma pelos professores.

    No contexto específico da Educação Física, como praticamente não há estudos que abordam a questão dos alunos bolivianos nas aulas da disciplina, as considerações foram feitas com base empírica. O que podemos observar na prática profissional é que o professor encontra desafios a serem superados, principalmente no que tange à “perseguição” que os alunos bolivianos sofrem dos brasileiros. O não domínio do português é outro entrave importante a ser considerado, uma vez que parece comprometer a integração e a comunicação com os alunos brasileiros.

    O fato de praticamente não haver políticas públicas em educação com foco nos imigrantes bolivianos faz com que a situação desse público seja ainda mais delicada. Não existindo programas que se preocupam em lutar pela garantia dos direitos humanos fundamentais aos alunos bolivianos, estes sujeitos têm sido “invisíveis” e passado despercebidos dentro da escola.

    Hodiernamente, os movimentos migratórios estão consolidados e, portanto, o número de pessoas que vivem fora de seus países é gigantesco. Nesse sentido, é emergente compreender que, no processo de educação inclusiva, os imigrantes precisam ser considerados, da mesma forma como foram e são os portadores de necessidades especiais e, mais recentemente, têm sido os afrodescendentes e os indígenas.

    É fundamental, também, que os cursos de licenciatura, tanto os de Educação Física, quanto os das demais áreas do currículo escolar, disponibilizem um tempo-espaço maior para estudar a questão da imigração em interface com a educação inclusiva na atualidade.

    Para terminar, como não foi seu objetivo oferecer um manual de passo a passo sobre como promover a inclusão dos bolivianos, mas sim fazer algumas considerações a respeito desse público que marca presença maciça nas escolas paulistanas, este artigo se finaliza deixando em aberto a seguinte questão: como incluir alunos bolivianos nas aulas de Educação Física escolar?

Referências bibliográficas

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 188 | Buenos Aires, Enero de 2014
© 1997-2014 Derechos reservados