Reflexões sobre atuação de profissionais da saúde para o cuidado a pessoas com traumatismo raquimedular Reflexiones sobre la intervención de los profesionales de la salud para el cuidado de personas con traumatismo raquimedular Reflections on role of health professionals to care for people with spinal cord injury |
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*Fisioterapeuta, Mestre em Ciências da Saúde-Neurociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente da disciplina de Fisioterapia Neurológica I e II no Curso de Fisioterapia e da disciplina de Aprendizagem Motora no Curso de Educação Física, da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia na Universidade de Passo Fundo (UPF) **Neuropsicóloga, Mestre e Doutoranda em Ciências da Saúde-Neurociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Membro da equipe de Neuropsicologia do Hospital São Lucas-PUCRS |
Renata Busin do Amaral* Roberta de Figueiredo Gomes** (Brasil) |
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Resumo O objetivo deste artigo é refletir sobre a atuação dos profissionais da saúde, a importância da educação para o cuidado de indivíduos portadores de lesão medular traumática e as implicações da reabilitação funcional na percepção de qualidade de vida da pessoa e sua família. Foram obtidas referências através da revisão bibliográfica não sistemática sobre o tema abordado, utilizando-se de artigos especializados nos assuntos publicados em bancos de dados nacionais e internacionais (SCIELO, LILACS e PUBMED). Unitermos: Educação. Cuidados. Lesão medular traumática.
Abstract This article aims to reflect on the performance of health professionals, the importance of education for the care of individuals with traumatic spinal cord injury and the implications of functional rehabilitation in the perception of quality of life of people and their families. References were obtained through non-systematic literature review on the subject addressed, using specialized articles in the affairs of banks published in national and international data (SciELO, LILACS and PUBMED). Keywords: Education. Health care. Traumatic spinal cord injury.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 187, Diciembre de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O trauma integra as principais causas de morte em todos os continentes, sendo que na América do Sul o Brasil vem apresentando uma casuística preocupante no decorrer destas duas últimas décadas (SUPORTE, 1997). Atualmente reconhecido como doença, o trauma atingiu o adulto e a criança em todas as faixas etárias, sem distinção de raça ou condição socioeconômica (MELLO JORGE; GAWRYSZEWSKI; LATORRE, 1997).
As lesões medulares traumáticas são cada vez mais freqüentes devido, principalmente, ao aumento da violência urbana. Dentre as causas, o acidente de trânsito, quedas e a agressão por arma de fogo são as mais comuns. Os indivíduos acometidos, em sua maioria, são jovens, do sexo masculino, solteiros e residentes em áreas urbanas (REDE SARAH, 2007).
O prejuízo decorrente do trauma pode ser representado pelo indicador “Anos Potenciais de Vida Perdidos” (APVP), que se refere à perda de vidas produtivas. As principais conseqüências da lesão medular traumática são a piora da qualidade de vida, inclusive dos familiares e/ou responsáveis pelas vítimas, além dos custos econômicos e a sobrecarga da Previdência Social (IUNES, 1997).
A lesão medular causa perda parcial ou total da motricidade e sensibilidade, além de comprometimento vasomotor, intestinal, vesical e sexual. O indivíduo com trauma raquimedular (TRM) apresenta graves alterações físicas e psíquicas, sendo necessário investir na sua reabilitação (FURLAN; CALIRI, 2005). Assim, pela gravidade e irreversibilidade das seqüelas causadas, o indivíduo necessita de um programa de reabilitação longo e oneroso, que na maioria das vezes não leva à cura, mas à adaptação do indivíduo à sua nova condição (VALL; BRAGA; ALMEIDA, 2006).
Este processo de reabilitação, no entanto, vai para além da prevenção dos danos causados pela lesão e objetiva principalmente a melhora da qualidade de vida através da independência funcional, melhora da autoestima e inclusão social destas pessoas (GREVE, 1999).
Entretanto, muitos autores são unânimes em afirmar que o fracasso de muitos programas de reabilitação, se deve ao fato de que eles estão ancorados na percepção dos profissionais de saúde, com intervenções desconectadas das condições sociais de qualidade de vida e desta forma, havendo pouca investigação e valorização das reais necessidades do paciente, suas crenças e motivações (REIS; GLASHAN, 2001).
Com relação a isso, merece atenção especial os caminhos trilhados pelos doentes e suas famílias nos processos de saúde-doença-cuidados. Esses caminhos -os itinerários terapêuticos percorridos com vistas à solução dos problemas de saúde- em geral são pouco conhecidos ou relegados a segundo plano, não sendo tema prioritário durante a formação dos profissionais das áreas de saúde e estando pouco presente nas atividades dos técnicos e planejadores dos serviços de saúde (AUGÉ, 1986). O conhecimento dos cuidados empreendidos é fundamental para que possamos compreender melhor as respostas buscadas pelos clientes usuários do SUS. Em se tratando de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), por exemplo, é imprescindível uma abordagem mais complexa pelos profissionais de saúde em todos os níveis de acompanhamento dos processos individuais e coletivos (OLIVEIRA, 2008).
Considerando a importância de mudança nesta estruturação e as complicações que ocorrem geralmente, após a alta hospitalar, em ambiente domiciliar, é fundamental destacar a importância de medidas preventivas e assistenciais para a comunidade leiga e principalmente aos portadores de lesão medular, sendo a instrução ao autocuidado uma responsabilidade social de profissionais da saúde (LEITÃO et al., 2008).
Portanto este artigo tem como objetivo conscientizar a equipe de saúde que trata de pessoas portadoras de lesão medular traumática da importância de instruir o mais precocemente possível o portador de lesão medular e a sua família quanto a cuidados a fim de se evitar as complicações advindas das seqüelas da lesão medular que interferem na reabilitação funcional deste.
Lesão medular traumática
Na lesão medular traumática ocorre a transferência de energia cinética para a medula espinhal, o rompimento de axônios, a lesão das células nervosas e a ruptura de vasos sanguíneos que causam a lesão primária, ocorrendo assim hemorragia e necrose na substância cinzenta, estendendo-se posteriormente para a substância branca onde há a migração de células inflamatórias para o local da lesão e finalmente a formação de tecido cicatricial em uma a quatro semanas (DEFINO, 1999). Na lesão secundária ocorrem processos celulares e bioquímicos em cascata, a partir do primário, podendo resultar em alteração na freqüência cardíaca, pressão arterial, termo regulação, trombose, produção de radicais livres, edema, apoptose, entre outras alterações fisiológicas (SEKHON; FEHLINGS, 2001).
A lesão medular traumática apresenta-se como um grande problema de saúde pública, uma vez que a maioria dos indivíduos é jovem e, portanto, encontra-se no auge de sua produtividade, tanto profissional quanto pessoal (GASPAR et al., 2003). As lesões medulares podem ser divididas em lesões traumáticas e não traumáticas. Os traumas são de longe a causa mais freqüente de lesões, sendo em geral, causados por acidentes automobilísticos, lesões ocorridas nos esportes, por quedas, ou por ferimentos penetrantes (SCHMITZ, 2004; LUNDY-ECKMAN, 2000). As estatísticas do National Spinal Cord Injury Database (NSCID) indicam que os acidentes automobilísticos são a causa mais freqüente de lesão medular traumática (36,6%), seguidos por atos de violência (27,9%), quedas (21,4%), lesões com esportes recreativos (6,5%) e outros traumas (7,6%) (SCHMITZ, 2004). Ao encontro destas estatísticas, o estudo de Andrade e Gonçalves (2007), com 93 pacientes do Porto - Portugal concluiu que 87% eram do sexo masculino, e aponta como a causa mais freqüente de lesão os acidentes rodoviários (45,0%), seguido pelas quedas (44,0%). O nível da lesão neurológica foi torácica em 45,0% e cervical em 42,0% dos casos. Entretanto outro estudo apontou como etiologia mais freqüente da lesão medular traumática o fator queda (63/100) e que nestes 63 casos, identificou-se como causa específica queda de laje em 25 casos, seguida de 22 quedas de outras alturas, 18 casos por ferimento de armas de fogo, 14 casos de acidente motociclístico, 10 casos por acidente automobilístico, 3 casos por mergulho em águas rasas e 2 por queda de bicicleta. Relacionado a isso, os autores salientam que no Brasil é possível perceber que existe uma variação regional das causas (GONÇALVES et al., 2007). Quanto à incidência, a maioria das lesões medulares traumáticas ocorre na faixa etária dos 20-39 anos (45,0%), seguida pelas faixas etárias dos 40-59 anos (24,0%), 0-19 anos (20,0%) e as pessoas com mais de 60 anos apresentam a menor incidência (11,0%) (FORDE; MIDDLETON, 2000).
Os estudos epidemiológicos encontraram maior incidência de lesões no sexo masculino e idade média do indivíduo com lesão medular de 35,4 anos e 32,6 anos respectivamente (GASPAR et al., 2003; BRITO; BACHION; SOUZA, 2008).
Um estudo no Brasil encontrou uma média de idade de 24,9 anos em uma população de 220 lesados medulares (SPOSITO et al., 1986).
Tipo e nível da lesão medular
O nível e o grau da lesão medular determinam a gravidade das seqüelas e o grau de dependência funcional do lesado medular, se mais ou menos incapacitante, o comprometimento não apenas da locomoção e da capacidade para o autocuidado, mas também de diversas funções, podendo gerar desestruturação familiar e social na qual o lesado medular está inserido (BRITO; BACHION; SOUZA, 2008).
As lesões medulares são classificadas em categorias funcionais pelo estado neurológico do paciente, ou seja, em tetraplegia, referente à perda parcial ou completa das funções dos segmentos cervicais afetando os quatro membros e tronco, incluindo músculos respiratórios (SCHMITZ, 2004); e em paraplegia, perda parcial ou completa das funções dos segmentos torácicos, lombares ou sacrais da medula espinhal (BARROS FILHO, 1994). E, em lesões completas, ocorre a perda da função sensorial ou motora abaixo do nível da lesão, enquanto que em lesões incompletas, as chamadas síndromes, há a perda parcial da função motora e sensitiva abaixo do nível da lesão (LUNDY-ECKMAN, 2000).
De modo geral, é possível afirmar que quanto mais alta a lesão, maior será a dependência funcional, alterações sensitivas, autonômicas e metabólicas do organismo (LIANZA et al., 2001).
Manifestações clínicas
Imediatamente após a lesão espinhal, as funções medulares estão em depressão, havendo ausência de atividade reflexa, flacidez e perda de sensação que pode durar por horas a semanas, normalmente cedendo em 24 horas. Este período transitório é chamado de choque medular (SCHMITZ, 2004; FORDE; MIDDLETON, 2000).
A manutenção da temperatura corporal resulta de um equilíbrio entre a produção e a dissipação de calor (KOTTKE; STILLWELL; LEHMAN, 1986).
A interrupção das vias simpáticas impede a sudorese termorreguladora abaixo do nível da lesão, podendo assim ocorrer sudorese excessiva acima da lesão. Estas pessoas podem sofrer internação pelas temperaturas elevadas ou hipotermia quando expostas ao clima frio (LUNDY-ECKMAN, 2000).
A função respiratória varia consideravelmente, dependendo do nível da lesão. Em lesões medulares altas entre C1-C3, a inervação do nervo frênico e a respiração espontânea são significativamente comprometidas ou perdidas, sendo necessária a ventilação artificial ou estimulação do nervo frênico (SCHMITZ, 2004).
A espasticidade resulta da liberação dos arcos reflexos intactos do controle do sistema nervoso central e é caracterizado por hipertonicidade, reflexos de estiramento hiperativos e clônus. Há um aumento gradual da espasticidade durante os primeiros seis meses e normalmente atinge um platô um ano após a lesão. A espasticidade varia em grau de intensidade e aumenta por múltiplos fatores internos e externos. Pode ser benéfica quando auxilia nas atividades da vida diária (SCHMITZ, 2004).
Os efeitos da disfunção vesical após a lesão medular impõem complicações sérias que requerem tratamento contínuo e prolongado. Pacientes com lesão acima do cone medular desenvolvem bexiga espástica ou reflexa. Já em síndrome medulares de cone medular ou de cauda equina desenvolvem bexiga flácida ou não reflexa (SCHMITZ, 2004).
As infecções do trato urinário estão entre as complicações mais freqüentes dos portadores de lesão medular. Em um estudo, foi registrada a ocorrência de infecção do trato urinário em 55,0% dos participantes (ANDRADE; GONÇALVES, 2007).
Como ocorre com a bexiga, após a lesão acima do cone medular desenvolve-se um intestino neurogênico espástico ou reflexo e nas lesões de cone medular ou cauda equina desenvolve-se um intestino flácido ou não reflexo (SCHMITZ, 2004).
Em qualquer nível de lesão da medula espinhal ocorrem modificações na função sexual, estando a resposta sexual diretamente ligada ao nível e abrangência da lesão (SCHMITZ, 2004). A função sexual do homem consiste em ereção, a qual ocorre quando os corpos cavernosos são inundados por grande quantidade de sangue, formação de esperma e ejaculação (ATRICE et al., 2004).
A capacidade de ereção é maior em lesões de neurônio motor superior (NMS) através de uma ereção reflexogênica (ocorre em resposta a uma estimulação física externa dos genitais e períneo), porém a incidência de ejaculação neste nível de lesão é menor. Em lesões baixas, os homens ejaculam mais facilmente, porém possuem dificuldade na ereção. A fertilidade é reduzida devida atrofia dos testículos, inabilidade em ejacular e redução no número e qualidade dos espermatozoides (SCHMITZ, 2004).
Na mulher, com lesão de NMS o despertamento sexual (lubrificação, engurgitamento dos lábios e ereção do clitóris) ocorrerá por estimulação reflexogênica e será perdida a resposta psicogênica, enquanto que em lesão de neurônio motor inferior (NMI) as respostas serão obtidas por estimulação psicogênicas e as respostas reflexogênicas estarão perdidas. O ciclo menstrual é interrompido temporariamente e após este período, a fertilidade e a capacidade gestacional podem ocorrer sob supervisão médica (SCHMITZ, 2004; KOTTKE; STILLWELL; LEHMAN, 1986).
Complicações clínicas da lesão medular e qualidade de vida
As chances de sobrevida do indivíduo com TRM aumentaram com os avanços na área médica e com a prevenção de complicações (YARKONY; FORMAL; CAWLEY, 1997). Entretanto, não existindo uma terapêutica eficaz para reverter o quadro de TRM, o indivíduo deverá conviver com alterações no seu organismo, ficando sujeito a complicações freqüentes. A proposta de reabilitação após TRM tem o intuito de minimizar as complicações, e com isto diminuir as reinternações, aumentar a expectativa de vida após a lesão, facilitar a reinserção do paciente na sociedade e na profissão, enfim, melhorar a qualidade de vida do paciente. A reabilitação deve ser iniciada tão logo seja feito o diagnóstico ou suspeita de TRM, continuando no período de hospitalização, no ambulatório e no domicilio (GREVE, 1999).
O indivíduo, quando sofre uma lesão medular, passa por uma mudança brusca no seu estado de saúde e/ou integridade física (LOUREIRO; FARO; CHAVES, 1997). A perda da esperança e a perspectiva de que as deformidades sejam permanentes podem levar o indivíduo a atitudes dramáticas (BAMPI; GHILHEM; LIMA, 2008). Conseqüentemente, considera-se que as complicações causadas pela lesão medular podem interferir amplamente na qualidade de vida destes indivíduos. Alguns trabalhos sobre complicações clínicas em portadores de lesão medular descrevem que partir de um TRM a possibilidade do indivíduo desenvolver uma úlcera de pressão é exacerbada pela imobilidade, incontinência urinária, fecal, a perda de sensibilidade e elasticidade da pele, e 36,0% dos indivíduos portadores de lesão medular apresentaram como intercorrência clínica a úlcera de pressão (GASPAR et al., 2003; FARO, 1999). Outro estudo ao encontro deste quanto à intercorrência encontrada descreve também que 99,0% dos indivíduos que apresentam úlcera de pressão já possuíam esta complicação na admissão ao Serviço de Fisiatria (ANDRADE; GONÇALVES, 2007). Outra complicação comum desencadeada pela lesão é a hipotensão postural ou ortostática, caracterizada por uma queda extrema da pressão arterial ao assumir a posição ereta ou vertical, resultante da perda do controle da vasoconstrição simpática, combinada com a perda do efeito de bombeamento muscular sobre o retorno venoso (SCHMITZ, 2004; LUNDY-ECKMAN, 2000). Esta alteração pode ser desencadeada também por mudança brusca da posição deitada para sentada, principalmente em casos de lesão recente. Durante a hipotensão, sobretudo antes do treino para o ortostatismo, a capacidade de movimentação apresenta-se comprometida, com risco inclusive de quedas (BRITO; BACHION; SOUZA, 2008).
Os lesados medulares também tendem a serem acometidos pela trombose venosa profunda (TVP). O fator que mais contribui para o desenvolvimento da TVP após a lesão medular é a perda do mecanismo de bombeamento pela contração dos músculos inferiores, tornando o fluxo sanguíneo mais lento, predispondo à formação de trombo. Em um estudo, a incidência de TVP encontrada em uma amostra de 171 indivíduos foi de 1,6%, apesar de esta ser considerada a maior complicação na lesão medular aguda (GASPAR et al., 2003) A dor é uma conseqüência comum na lesão medular. Inicialmente ela é relacionada com a extensão do trauma sofrido, podendo também ser originada da compressão ou ruptura de raízes nervosas. O paciente pode sentir dor (disestesia) abaixo do nível da lesão ou acima deste nível, mais freqüentemente envolvendo a articulação do ombro (SCHMITZ, 2004).
A disreflexia autonômica, outra intercorrência bastante relatada, é a atividade excessiva do sistema nervoso simpático, produzida por estímulos nocivos abaixo da lesão. A disreflexia autonômica é muitas vezes provocada por estímulos desencadeantes como a distenção excessiva da bexiga ou do reto. Essa resposta é caracterizada por aumento abrupto da freqüência cardíaca, pressão arterial, ruborização cutânea, sudorese intensa, esvaziamento vesical e cefaléia pulsátil (SCHMITZ, 2004).
As alterações no metabolismo de cálcio após uma lesão medular levam ao surgimento de osteoporose abaixo do nível da lesão e conseqüentemente a ocorrência de fraturas patológicas. O desequilíbrio entre a reabsorção óssea e a deposição de estruturas novas, leva a perda de massa óssea e como resultado dessa reabsorção ocorre concentração de cálcio, criando predisposição para a formação de cálculo renal (GASPAR et al., 2003).
Reabilitação e qualidade de vida após lesão medular
A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que qualidade de vida é a percepção do individuo em relação a sua posição na vida, no contexto de cultura e do sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (DANTAS; SAWADA; MALERBO, 2003).
A proposta de reabilitação após TRM tem o intuito de minimizar as complicações, e com isto diminuir as reinternações, aumentar a expectativa de vida após a lesão, facilitar a reinserção do paciente na sociedade e na profissão, enfim, melhorar a qualidade de vida do paciente. A reabilitação deve ser iniciada tão logo seja feito o diagnóstico ou suspeita de TRM, continuando no período de hospitalização, no ambulatório e no domicílio (GREVE, 1999).
Contudo, muitos autores são unânimes em afirmar que o fracasso de muitos programas de reabilitação, se deve ao fato de que eles estão ancorados na percepção dos profissionais de saúde, com intervenções desconectadas das condições sociais de qualidade de vida e desta forma, havendo pouca investigação e valorização das reais necessidades do paciente, suas crenças e motivações (OLIVEIRA, 2008; REIS; GLASHAN, 2001).
Considerando a importância da avaliação da percepção de qualidade de vida de portadores de lesão medular alguns estudos foram realizados. Um destes estudos, realizado com 32 pacientes, obteve o resultado de que o menor índice de qualidade de vida foi no aspecto social. Os autores consideram este um dos mais importantes itens e relacionam o resultado ao contexto de qualidade de vida no quesito reinserção do portador de lesão medular na sociedade (FURLAN; CALIRI, 2005). Em contrapartida, outro estudo revelou a despreocupação dos portadores de lesão medular em se exporem em público por sentirem vergonha do seu corpo, até mesmo, percebem que são estigmatizados, mas não permitem que este fato interfira em suas vidas sociais (LOUREIRO; FARO; CHAVES, 1997).
De encontro a este achado, outros revelam que o aspecto físico e o meio ambiente foram os que apresentaram o pior escore de avaliação. Os entrevistados relatam possuir energia para realizar as atividades diárias e ter sono preservado, porém estão insatisfeitos com a capacidade de trabalho e mobilidade reduzida, além da falta de recursos financeiros, de oportunidades de recreação, lazer e de obtenção de novas informações e de habilidades, assim como o acesso aos meios de transporte. Com relação ao domínio social e psicológico, os quais tiveram uma avaliação superior, os entrevistados revelaram receber apoio familiar e dos amigos, mas relataram apresentar problemas com a vida sexual e ainda apóiam-se em crenças pessoais, espiritualidade e religião, aceitam sua aparência física mantendo autoestima e a capacidade de pensar, aprender e concentrar-se (BAMPI; GUILHEM; LIMA, 2008).
Para alguns autores, a diversidade de resultados nestes estudos se deve ao tempo de lesão medular dos indivíduos, ao contexto social e cultural em que vivem, além de considerarem a falta de controle do organismo, da própria vida e o sentimento de desamparo como fatores que aumentam a probabilidade de depressão, podendo causar diferentes percepções sobre sua qualidade de vida (MURTA; GUIMARÃES, 2007).
A importância da educação para o cuidado
As chances de sobrevida do paciente com TRM aumentaram com os avanços na área médica e com a prevenção de complicações (YARKONY; FORMAL; CAWLEY, 1997). Entretanto, não existindo uma terapêutica eficaz para reverter o quadro de TRM, o paciente deverá conviver com alterações no seu organismo, ficando sujeito a complicações freqüentes (GREVE, 1999).
Portanto, o paciente com TRM é uma pessoa com necessidades especiais que precisam ser focalizadas por toda a equipe, mesmo quando esta assistência é feita em hospitais gerais. Pelo comprometimento motor e sensorial e pela natureza súbita do agravo, os pacientes precisam receber informações sobre o problema que lhes permitam atingir um nível de autocuidado, tanto no hospital quanto no domicílio visando à obtenção da máxima independência. Logo que o paciente esteja estabilizado do choque medular, a educação e a programação do treinamento para, prevenção e tratamento de escaras, a reeducação vésico-intestinal, a manutenção da integralidade da pele, a prevenção de deformidades, as atividades específicas e complexas como a realização de posicionamentos e transferências adequados e a manutenção da capacidade respiratória entre outras, devem ser iniciadas, incluindo também orientação do cuidador familiar, com a participação dos membros da equipe de saúde como enfermeiro, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional, fisiatra dentre outros (GREVE, 1999; AZEVEDO; SANTOS, 2006).
Passada a fase de internação hospitalar da pessoa com TRM, cujas prioridades de atendimento pela equipe de saúde detêm-se no tratamento das conseqüências da lesão medular, da insuficiência respiratória, das alterações da sensibilidade tátil, da atonia muscular, da arreflexia tendinosa e cutânea, da vasodilatação paralítica, da anidrose, da arreflexia vesical, da disreflexia autonômica, da atonia intestinal, da disfunção erétil e ejaculatória e da amenorréia, que caracterizam a fase de choque medular – o grande investimento familiar é para o atendimento domiciliário desse paciente (AZEVEDO; SANTOS, 2006; FARO, 1998).
Todas as intercorrências clínicas da lesão medular podem ser controladas e mesmo evitadas, como no caso das escaras, a orientação sobre como evitar o atrito e a compressão de estruturas corporais provocadas pela imobilidade, ou seja, a orientação de se trocar de decúbito de 2 em 2 horas ou o treino e adaptações necessárias para que o próprio indivíduo seja capaz de efetuar esta troca de postura independente de auxílio de terceiro, seria de extrema importância. Não menos importantes são as orientações sobre como facilitar o retorno venoso, possíveis posturas para evitar deformidades, a melhor forma e o momento para que o indivíduo seja auxiliado para a ortostase, a higiene, a adaptação do ambiente domiciliar para facilitar a independência na locomoção em cadeira de rodas, o treino ou orientação sobre esvaziamento vesical e intestinal. Não obstante de importância são as orientações para visitas regulares ao médico, as formas para realizar transferências do indivíduo de um local para outro, as formas e maneiras que poderá realizar atividades de lazer ou recreação de que gosta, orientação quanto a riscos e medos com intuito de evitar o estigma de morte assim como as maneiras de se identificar precocemente ameaças a saúde e à integralidade do indivíduo com TRM (SCHMITZ, 2004).
Diante de todas estas orientações para o cuidado faz-se necessário compreender as representações sociais do cuidar para esses cuidadores que, certamente, fornecerá subsídios para a assistência de saúde mais adequada e efetiva, não só junto ao paciente, mas também junto ao cuidador, contribuindo para o sucesso da reabilitação e conseqüente melhoria da qualidade de vida dessa clientela (AZEVEDO; SANTOS, 2006).
Contudo, muitos autores são unânimes em afirmar que o fracasso de muitos programas de reabilitação, se deve ao fato de que eles estão ancorados na percepção dos profissionais de saúde, com intervenções desconectadas das condições sociais de qualidade de vida e desta forma, havendo pouca investigação e valorização das reais necessidades do paciente, suas crenças e motivações (OLIVEIRA, 2008; REIS; GLASHAN, 2001).
Há necessidade de novas pesquisas, principalmente visando à avaliação de intervenções e a sua adequação para diferentes grupos de pacientes, assim como pesquisas que identifiquem as facilidades e as barreiras presentes nas instituições para a assistência integral à pessoa com TRM (GREVE, 1999).
Conclusão
O TRM é um grave problema de saúde pública, ou seja, um problema médico, social e comunitário. A importância da inclusão social do indivíduo com TRM se faz relevante. Para isso é necessário a efetiva educação por parte dos profissionais da saúde, para os indivíduos portadores de lesão medular e sua família ou cuidador, sendo de extrema importância a clareza das informações. O repasse consistente das orientações possibilitará uma reorganização da vida não somente do portador da lesão medular, mas também dos integrantes da rede sócio familiar na qual ele se encontra, contribuindo, desta maneira, para a melhoria da qualidade de vida de todos os implicados.
No entanto, sobre a atuação de profissionais da saúde, vários autores e entidades médicas enfatizam a necessidade de uma reformulação do ensino médico centrada numa educação humanística, dialógica e voltada para as verdadeiras necessidades do País.
Frente às reflexões sobre o marcado processo de sofrimento do cuidar específico de indivíduos com TRM e algumas perspectivas para a sua superação, impõe-se a prioritária efetivação de preparo de profissionais e recursos materiais como forma de suporte técnico-institucional, preferencialmente vinculado a políticas públicas que visem o atendimento de tão complexas demandas do binômio cuidador-pessoa com deficiência, considerando-se todas as especificidades físicas, psíquicas, culturais e sociais aqui apresentadas.
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