efdeportes.com

A crônica esportiva de Nelson Rodrigues e o árbitro de futebol

La crónica deportiva de Nelson Rodrigues y el árbitro de fútbol

 

*Professor de Educação Física da rede estadual e municipal. Doutorando

em Ciências da Educação pela Universidade Nacional de Córdoba (UNC), Argentina

Membro de dois grupos de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF):

Envelhecimento e Atividade Física e Educação Física e Formação Humana

**Professor Associado IV da Universidade Federal Fluminense (UFF). Vice diretor do Instituto

de Educação Física. Graduado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio

de Janeiro. Diploma de Estudos Aprofundados (Dea) Histoire Civilisations et Sociétés,

Université Rennes 2 Haute Bretagne. Mestrado em Educação Física pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro. Doutorado em Educação Física pela Universidade Gama Filho

Hugo Leonardo Prata*

hugo.prata@uol.com.br

Edmundo de Drummond Alves Junior**

edmundodrummond@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Apalavra crônica é muito antiga em nossa língua. Existe a hipótese que tenha surgido no século XIV. Do ponto de vista etimológico, está associada à Cronos, o tempo, um dos deuses da mitologia grega, aquele que devora o que gera. O sentido da palavra é: registro cronológico de fatos históricos. (Tufano, 2005) A palavra crônica deriva do Latim chronica, que significava no início da era cristã o relato de acontecimentos em ordem cronológica, a narração de histórias segundo a ordem em que se sucedem no tempo. Vários escritores brasileiros de prestígio escreveram crônicas: José de Alencar, Machado de Assis, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac entre outros. No entanto foram os irmãos Rodrigues que popularizaram a crônica esportiva. Nelson Rodrigues juntamente com seu irmão Mario Filho, exerceram um papel fundamental nos anos de 1950, alavancando a crônica esportiva no jornalismo brasileiro. A principal contribuição deles talvez tenha sido o fato de utilizarem suas respectivas colunas, seja em jornal ou revista para trazer informações aos espectadores esportivos de forma inovadora, apaixonada, dramatizando os acontecimentos futebolísticos como nunca antes visto (Castro, 1997). Dentro da grandiosidade criativa de Nelson existiam personagens, que não eram tão freqüentes, não tinham cadeira cativa nas crônicas como os demais. Referimo-nos aos cretinos fundamentais, aos idiotas da objetividade, e aos lorpas e pascácios. Nelson também tinha adoração pelos crápulas em geral, uma galeria onde explode em sua riqueza a “irisada, a multicolorida variedade do vigarista”, (Castro, 2007). Nesse grupo estavam os goleiros desonestos que facilitavam a vitória dos times adversários, os bandeirinhas artilheiros, que convertiam gol para a equipe vencedora, os canalhas, os juízes gatunos, ladrões, esses últimos objeto de exposição. Logo o juiz! Tão desprezado que nem o nome de juiz pode usar mais, já que o mesmo foi reivindicado pelos “verdadeiros juizes” os do direito; agora o nome correto é arbitro de futebol.

          Unitermos: Juiz de futebol. Crônica esportiva. Nelson Rodrigues.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 186, Noviembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    A crônica como conhecemos na atualidade no Brasil, teve origem nos folhetins franceses no século XIX (MOISÉS, 1982, p. 245). Começaram a aparecer nos rodapés dos jornais, eram textos de ficção desenvolvidos em capítulos, permitindo assim que o leitor acompanhasse a história diariamente, surgindo assim o folhetim romance. No entanto o folhetim que deu origem ao gênero crônica e que estava mais próximo do que conhecemos hoje foi o folhetim variedades, que tratava de diversos temas do cotidiano da época. Esses textos comentavam, de forma crítica, episódios que haviam ocorrido durante a semana. Tinham, portanto um sentido histórico, e serviam assim como outros textos do jornal, para informar o leitor. Com o passar do tempo, a crônica brasileira foi gradualmente distanciando-se daquela crônica com sentido documentário originada na França. Ela passou a ter um caráter mais literário, fazendo uso de linguagem mais leve e envolvendo poesia, lirismo e fantasia. Antonio Candido nos diz: “sobre vários aspectos poderíamos dizer que é um gênero brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui e a originalidade com que aqui se desenvolveu”.

    Apalavra crônica é muito antiga em nossa língua. Existe a hipótese que tenha surgido no século XIV. Do ponto de vista etimológico, está associada a Cronos, o tempo, um dos deuses da mitologia grega, aquele que devora o que gera. O sentido da palavra é: registro cronológico de fatos históricos. (Tufano, 2005) A palavra crônica deriva do Latim chronica, que significava no início da era cristã o relato de acontecimentos em ordem cronológica, a narração de histórias segundo a ordem em que se sucedem no tempo. Vários escritores brasileiros de prestígio escreveram crônicas: José de Alencar, Machado de Assis, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac entre outros.

    A crônica hoje em dia se enquadra como gênero literário de assunto livre, de registro de pequenos fatos do cotidiano sobre arte, cultura, política, esporte e os mais variados temas que na maioria das vezes não se estende por mais de uma edição de jornal. Por estar relacionada a temas considerados de menor importância e por ser um texto limitado espacialmente nas edições dos jornais, em artigos opinativos, a crônica é tida como um gênero menor, talvez, seja essa particularidade que permita ao cronista analisar as pequenas coisas que os grandes olhos não percebem (LUCENA, 2003, p. 162).

    Dentre os conceituados autores brasileiros que tiveram a temática do esporte tratados em suas crônicas, alguns tiveram maior destaque como: Mário de Andrade citado por (Lucena 2003), que faz um relato após assistir a um jogo de futebol entre Brasil e Argentina em 1939:Que coisa lindíssima, que bailado mirífico um jogo de futebol! Asiaticamente, cheguei até a desejar que os beija-flores sempre continuassem assim como estavam naquele campo, desorganizados mas brilhantismos, para que pudessem eternamente se repetir, pra gozo dos meus olhos, aqueles bugoanos contraste. Outro autor que se destacou escrevendo crônicas foi José Lins do Rego que captou a independência narrativa e o poder de aproximação com o leitor que a crônica possibilitava. Zelins, como carinhosamente era chamado por alguns amigos, tornou-se, nas páginas do Jornal dos Sports, onde escreveu cerca de 1.571crônicas, durante cerca de doze anos, um cronista apaixonado e vibrante (Coutinho, 1995).

    No entanto foram os irmãos Rodrigues que popularizaram a crônica esportiva. Nelson Rodrigues juntamente com seu irmão Mario Filho, exerceram um papel fundamental nos anos de 1950, alavancando a crônica esportiva no jornalismo brasileiro. A principal contribuição deles talvez tenha sido o fato de utilizarem suas respectivas colunas, seja em jornal ou revista para trazer informações aos espectadores esportivos de forma inovadora, apaixonada, dramatizando os acontecimentos futebolísticos como nunca antes visto. (Castro, 1997)

    Nas palavras do próprio autor fica evidenciado a contribuição do irmão (RODRIGUES, 1987) “Mario Filho inventou uma nova distância entre o futebol e o público. Graças a ele, o leitor tornou-se tão próximo, tão íntimo do fato. E, nas reportagens seguintes, iria enriquecer o vocabulário da crônica de uma gíria irresistível. E, então, o futebol invadiu o recinto sagrado da primeira página [...]. Tudo mudou, tudo: títulos, subtítulos, legendas, clichês [...]. O cronista esportivo começou a mudar até fisicamente. Por outro lado, seus ternos, gravatas e sapatos acompanharam a fulminante ascensão social e econômica. Sim, fomos profissionalizados por Mario Filho”.

    “Nelson Rodrigues foi um de nossos maiores literatos, cuja obra destinava espaço privilegiado ao futebol (não só nas crônicas, como também em suas peças de teatro)”. A produção de Nélson apontava um caminho para o país a partir da necessidade de construção de um modelo ideal de homem brasileiro. (Melo, 2006) O autor iniciou sua carreira jornalística aos treze anos de idade, em 1925, como repórter policial no jornal A Manhã, cujo dono era o seu pai. A partir desse momento não parou mais de trabalhar, dono de uma produção literária gigantesca e diversificada, foi autor de diversas peças de teatro como: A Mulher Sem Pecado, Vestido de Noiva, Álbum de família, Anjo negro entre outras, foi autor de vários livros como: Meu destino é pecar e Asfalto selvagem, escreveu também novelas para a TV, filmes para o cinema além de contos, crônicas e crônicas esportivas, esta ultima por grande parte da sua vida em vários jornais do Brasil. (Castro, 1997).

A crônica esportiva

    Um dos primeiros lugares que Nelson publicou suas crônicas esportivas foi no jornal Última Hora e posteriormente na revista Manchete Esportiva, no entanto (Castro, ano) nos diz que Foi entre os anos 1967 e 1977 que Nelson Rodrigues mais se dedicou às crônicas, as mesmas foram publicadas em três jornais (Jornal dos Sports, Correio da Manhã, O Globo).

    Para (Castro, 1997). Nelson Rodrigues atingiu grande popularidade com suas crônicas esportivas dentre outras, pela diferenciação dos demais autores ao trazer a ficção para os fatos do esporte. Contudo, além da ficcionalização, é possível perceber um estilo permeado pela dramatização da realidade.

    O discurso direto, as orações interrogativas, a forma de engrandecer ou diminuir exageradamente na sua linguagem, possibilita que contemplemos Nelson Rodrigues como um cronista capaz de ver o cotidiano de tudo aquilo que envolve o esporte mais especificamente o futebol sob varias óticas, uma delas sendo o drama. O orgulho, a vingança, a guerra como fator de supremacia, a vitória, a derrota; tudo isso é mesclado, buscando-se a força dramática da narração. A cosmovisão dramática de Nelson não é vaga, velada, sutil ou polissêmica. É, antes, clara, bem explicitada por construções de frases que prendem o leitor numa tensão pelo que está por vir, que despreza situações acessórias ou coadjuvantes. Nelson acercar-se para o que violenta, choca ou remexe nos sentimentos de amor e ódio do leitor, seja pelo patético, problemático, grandioso ou absurdo das coisas e pessoas do grande universo do futebol. (Ignatti, 2004)

    É possível observar textos em que o próprio Nelson afirmava ser necessário acrescentar carga dramática à realidade, pois a mesma nem sempre era tão interessante, era preciso retocar o fato para que o mesmo tivesse maior valor ao ser contado. Um exemplo disso é uma crônica de 1956 onde o autor diz que “o cronista deveria retocar o fato, transfigurá-lo, dramatizá-lo, dando a eles uma demissão nova e emocionante, deveria pentear ou desgrenhar o acontecimento, e de qualquer forma negar sua imagem autêntica”. Dessa maneira as crônicas de NR podem ser observadas como antagônicas ao padrão da época, onde predominava a lógica, direcionada ao materialismo e ao pensamento racional. (Ignatti, 2004)

    Outra característica central da crônica de Nelson Rodrigues é a utilização de metáforas com o intuito de modificar o sentido da palavra. Observa-se que a metáfora potencializa os sentidos, quebrando desta maneira linearidade do texto, criando novas apreensões visuais e sintáticas, através de imagens totalmente inusitadas e hiperbólicas.

    As metáforas rodrigueanas giravam entre o tradicional e o moderno, entre a hierarquia rígida e a carnavalização; seria exatamente a brasilidade que Nelson Rodrigues buscava. Como disse Carlos Vogt, “de repente, das esferas arquetípicas dos mitos eternos, caímos na realidade e despencamos no consagrado brasilian way of life, quer dizer, no popular jeitinho brasileiro” (VOGT, WALMAN, 1985, p. 44-45). Vieira (2004) fala dessa “carnavalização da linguagem” mencionada acima.

    Abolir hierarquias - tal como ocorre no carnaval - é o que Nelson Rodrigues parece fazer na literatura, na medida em que renuncia à unidade estilística e produz uma narrativa em que o sublime se funde com o vulgar. Utilizando-se de elementos do grotesco e do prosaico, Nelson transfere para o plano material tudo o que é considerado elevado. [...] Figuras míticas, lendárias, religiosas e históricas possuem um lugar especial nas crônicas futebolísticas de Nelson Rodrigues. Contudo, elas não se encontram num plano elevado ao modo da literatura clássica e medieval. Há, na verdade, um rebaixamento destas figuras, com o intuito primeiro de tornar o cotidiano grandioso. Não se trata de elevar o cotidiano a um plano superior de retórica, mas sim de rebaixar este plano superior até o cotidiano, o comum.

    O estilo Rodrigueano de escrever crônicas, passa pelos aspectos explicativos informais do seu texto, onde predomina o coloquial. Nelson exercita um estilo ágil e oralizado, onde descrições de cena, associações de imagens, figuras de linguagem e mesmo a ênfase das repetições permitem enxergar uma maneira sofisticada de perceber o futebol e de escrever crônicas, podendo ser expressa ainda de forma poética. Ele utiliza uma linguagem popular, apresentando um caráter funcional, através de exemplos vivenciados no cotidiano, de onde ele retira as imagens que darão suporte para os seus argumentos, Nelson Rodrigues procurava retratar os homens como seres sobre-humanos, heroicizando-os e apelando para o sobrenatural. Estes recursos representam a luta contra a coisificação do homem.

O juiz de futebol como personagem na crônica de Nelson Rodrigues

    Muitos foram os personagens nas crônicas de Nelson e vários foram os apelidos, os codinomes que o autor criou para referir se aos protagonistas de suas crônicas esportivas, entre eles estão: a realeza de Pelé, com certeza o apelido mais famoso, permanece até hoje, foi criado meses antes da Copa de 1958, (de maneira visionária) Didi, craque do Botafogo, aparecia em algumas crônicas esportivas de Nelson sob o codinome de príncipe etíope de rancho, em outras, como imperador Jones. Outros atletas, que não alcançariam a fama de Pelé e Didi, também ganharam a reverência do escritor. Denílson, jogador do Fluminense na segunda metade dos anos de 1960, era ora príncipe Zulu, ora rei Zulu. Amarildo era o possesso. Além dos personagens verdadeiros existiam os fabulares como o Gravatinha, o Sobrenatural de Almeida, o Profeta, o seu antípoda, a grã-fina das narinas de cadáver e o Ceguinho. (Souza, 2002)

    Dentro da grandiosidade criativa de Nelson existiam outros personagens, que não eram tão freqüentes, não tinham cadeira cativa nas crônicas como os demais. Referimo-nos aos cretinos fundamentais, aos idiotas da objetividade, e aos lorpas e pascácios. Nelson também tinha adoração pelos crápulas em geral, uma galeria onde explode em sua riqueza a “irisada, a multicolorida variedade do vigarista”, (Castro, 2007). Nesse grupo estavam os goleiros desonestos que facilitavam a vitória dos times adversários, os bandeirinhas artilheiros, que convertiam gol para a equipe vencedora, os canalhas, os juízes gatunos, ladrões, esses últimos objeto de exposição. Logo o juiz! Tão desprezado que nem o nome de juiz pode usar mais, já que o mesmo foi reivindicado pelos “verdadeiros juizes” os do direito; agora o nome correto é arbitro de futebol. Só o nome foi trocado, pois eles continuam sendo hostilizados xingados tratados como figuras secundárias.

    Foi no século XIX que as regras do futebol foram institucionalizadas, permanecendo com as mesmas características até os dias atuais, no entanto, nesse inicio a figura do juiz não existia, o senso comum dos jogadores conduzia as partidas, (como ainda hoje ocorre nas “peladas”) que tinham a ludicidade como ponto principal, em função das características dos jogos havia um maior entendimento entre os jogadores, e caso alguém gritasse que havia ocorrido uma falta todos paravam. Muitas vezes ocorriam reclamações, mas o jogo era interrompido, porque ninguém mais corria atrás da bola e o senso comum prevalecia. (Silva, 2002)

    Com o rolar dos anos, o senso comum já não garantia que as regras fossem cumpridas pelos atletas, Saldanha (1971), relata: antes do surgimento do árbitro de futebol, esse papel era desempenhado por uma comissão, que durante as partidas ficavam em um palanque. Esta comissão só se pronunciava ou interferia no jogo mediante a reclamação de uma das equipes.

    Quando os jogadores se sentiam lesados recorriam à comissão, todos os componentes da equipe se manifestavam e corriam até ela, exigindo providências, mas essas reclamações, algumas vezes eram exageradas, com isso, não era raro que o palanque fosse lançado ao chão com comissão e tudo, comenta Saldanha (1971).
Para evitar que todos os jogadores pudessem reclamar, isto é, ir até a comissão, foi instituído o “reclamador oficial” o mesmo deveria utilizar um boné. Ainda segundo Saldanha (1971), o curioso é que o boné deu origem ao que se passou a chamar de capitão da equipe, porque boné em inglês é cap, e quando uma equipe inglesa ia jogar em outro país e aparecia na escalação do time um dos jogadores designado como cap, todos pensaram que era abreviatura de capitão; com isso, foi instituída a figura do capitão nas equipes, o “reclamador oficial”. Em 1881 surge a figura do árbitro, diz (Antunes, 1999) citado por Silva, 2002. Este dirigia as partidas de futebol sem uma regra que estipulasse quais eram seus direitos e deveres. (Duarte, 1997) diz que em 1868, em uma das várias modificações que sofreu o futebol, apareceu o árbitro, mas ele não atuava dentro do campo de jogo. O árbitro só intervinha em uma jogada quando alguém de uma das equipes reclamava. Segundo Antunes (1999), em 1890, surge o árbitro por meio da regra, que regulamentava a sua função em campo. De acordo com esse autor, os primeiros árbitros (juízes) de futebol eram os senhores que utilizavam irrepreensíveis calças vincadas bem cortadas e jaquetas, que corriam por campos enlameados parando o jogo a gritos quando achava que teria sido cometida uma falta. Em 1891, de acordo com Antunes (1999) houve uma revisão completa do código, que dava agora ao árbitro dois assistentes, que ao contrário do árbitro, já surgem com suas funções determinadas.

    Com toda a sua genialidade e originalidade Nelson não poderia esquecer-se de incluir a figura do juiz em suas crônicas, seja como assunto central, como pano de fundo ou mesmo citado em algum momento o personagem aparece, como por exemplo, em uma das crônicas mais famosas do autor onde o juiz é o personagem principal, cujo titulo é o juiz ladrão:

    De vez em quando, eu esbarro num saudosista. É um sujeito esplêndido, que vive enfiado no passado. Direi mais: — vive feliz e realizado no passado como um peixinho num aquário de sala de visitas. E convenhamos que isto é bonito, é lindo. Outro dia, um deles atracou-se comigo no meio da rua; arrastou-me para o fundo de um café, e, lá, com o olho rútilo e o lábio trêmulo, pôs-se a falar de Marcos de Mendonça, o “Fitinha Roxa”; da “espanhola”; do assassinato de Pinheiro Machado e do campeonato que o Botafogo tirou em 1910. Mas, nos vinte minutos da conversa retrospectiva---. De mim para mim, compreendi essa nostalgia, louvei essa fidelidade ao passado. Amigos, eis uma verdade eterna: — o passado sempre tem razão. Por exemplo: — o futebol antigo. Era, a meu ver, um fenômeno vital muito mais rico, complexo e intrincado. Hoje, os jogadores, os juizes e os bandeirinhas se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Não encontramos, em ninguém, uma dessemelhança forte, crespa e taxativa. Não há um craque, um árbitro ou um bandeirinha que se imponha como um símbolo humano definitivo. Outrora havia o “juiz ladrão”. E hoje? Hoje, os juizes são de uma chata, monótona e alvar honestidade. Abra-hão Lincoln não seria mais íntegro do que Mário Vianna. — O profissionalismo torna inexeqüível o juiz ladrão. E é pena. Porque seu desaparecimento é um desfalque lírico, um desfalque dramático para os jogos modernos. Vejam vocês que coisa melancólica e deprimente: — um jogo de futebol tem 22 homens. Com o juiz e os bandeirinhas, 25. Acrescentem-se os gandulas e já teremos um total de 29. Vinte e nove homens e nem um único e escasso canalha, nem um único e escasso vigarista! Eis a verdade, que levaria um Balzac ao desespero e à úlcera: — as condições do futebol contemporâneo tornam impraticável a existência do canalha. Ou por outra: — o canalha pode existir, mas contido, frustrado, inédito, sem função e sem destino. Mas em 1918, 17 ou 16, os gatunos constituíam uma briosa fauna, uma luxuriante flora. Evidentemente, havia as exceções. Mas os salafrários podiam apitar as partidas e com que glorioso, com que genial descaro! Certa vez, foi até interessante: — existia um juiz que era um canalha em estado de pureza, de graça, de autenticidade. Um domingo, ele vai apitar um jogo decisivo. Que fazem os adversários? Tentam suborná-lo. Ora, o canalha é sempre um cordial, um ameno, um amorável. E o homem optou pela solução mais equânime: — levou bola dos dois lados. Justiça se lhe faça: — roubou da maneira mais desenfreada e imparcial os dois quadros. Ao soar o apito final, os 22 jogadores partiram para cima do ladrão. Mas o gângster já se antecipara, já estava pulando muros e galinheiros. Era uma figurinha elástica, acrobática e alada. Isto foi em 1917. O juiz gatuno está correndo até hoje. (Castro, 1997.)

    Em outras crônicas o juiz aparece como coadjuvante como em Rigoletto de lança-perfume e A cusparada metafísica.

    Ontem, assisti a uma cena que me pareceu, salvo engano, uma pequena, incisiva e inefável lição de vida. Eis o episódio: — estava eu na esquina de Carioca com Uruguaiana. Fecha o sinal. Os homens estacam para o surdo escoamento dos veículos. E, súbito, uma voz gaiata anuncia: — “Olha o rapa!”. O que houve, a seguir, foi um desses espasmos coletivos, que só o Tolstoi de Guerra e paz ousaria descrever. Vi a histeria dos outros e a minha própria. Todos se arremessaram: — senhoras honestíssimas, mestres do direito, psiquiatras, intelectuais, viúvas, mata-mosquitos.[...] Pois bem. Diante do paroxismo geral e do meu próprio, descobri o seguinte: — o nosso mais agudo, o nosso mais exasperado problema vital é o rapa. Não importa o sexo, a idade, o nível social e econômico de cada um. Do psicanalista nababesco ao pobre-diabo dostoievskiano, da senhora mais excelsa ao vigarista mais frenético — cada um de nós vive esperando que o rapa o lace, o recolha, na primeira esquina. Pode-se mesmo dizer que a chamada consciência humana é o medo do rapa.Eu disse que todos reagem assim, com esse pânico municipal. Em tempo, retifico. Todos, menos um: — o juiz de futebol. E, com efeito, o único ser que está não sei se acima, se abaixo do rapa, ou imune ao pânico que ele deflagra, é o árbitro de futebol. Ele resiste a tudo. Repito: — é o único ser inamovível, inexpugnável. Todos os domingos, 100, 150, 200 mil pessoas o chamam de ladrão. Seja ele um Abrahão Lincoln, um Robespierre, um Marat, uma Maria Quitéria. Não importa. Taxam-no de gatuno e de tudo o mais.[...] (Castro, 19..)

    Amigos, é óbvio que eu tenho que catar, entre os 22 elementos de Canto do Rio x Flamengo*, o meu personagem da semana. Digo “22 elementos” e já retifico: — 23. De fato, seria uma injustiça, e das mais crassas, não incluir o árbitro Alberto da Gama Malcher entre as figuras cogitáveis. Ele marcou dois pênaltis e, não satisfeito, determinou uma expulsão. E um juiz que faz tanto está, indubitavelmente, assumindo uma grave responsabilidade, perante Deus e perante os homens. Sim, ele poderia ser meu personagem, se eu não tivesse escolhido outro.[...] (Castro, 1997)

    Assim como a vida pessoal e profissional de Nelson Rodrigues causou polemica, não poderia ser diferente para os que estudam a sua obra (Castro, 1997) nos diz que: O referido escritor vinha escrevendo suas colunas de crônica esportiva desde o final de 1955 em Manchete Esportiva, revista semanal que criou junto com seus irmãos (Mário Filho, Augusto e Paulo Rodrigues). E antes disso, Nelson contribuiu apenas com textos esporádicos para o Jornal dos Sports e o jornal Última Hora, que começou a circular em junho de 1951. No entanto Marcos Francisco de Souza, em sua tese de doutorado ao qual faz referencias de investigações em busca de fontes primárias confirma apenas em parte as afirmações de Castro. No jornal Última Hora, Nelson é visto com crônicas esportivas a partir de 1955 em contribuições constantes. As colunas esportivas do Última Hora, inéditas em livro, se estendem de maio de 1955 até meados de julho de 1958. No Jornal dos Sports, só se identificam textos de Nelson Rodrigues em julho de 1958, quando ele inaugura sua colaboração como cronista para o diário de seu irmão. Algumas dessas contribuições, que se estenderam pelas décadas de 1960 e 1970, aparecem compiladas nas coletâneas Fla-Flu... e as multidões despertam (1987) e O Profeta tricolor – cem anos de Fluminense (2002c), mas o grosso permanece inédito em livro. Dos 163 textos publicados em Manchete Esportiva.(Aí está outro ponto de discórdia), pois Vogel (1998) em se trabalho Fábulas do gol: a crônica esportiva de Nelson Rodrigues nos diz que o autor publicou uma seqüência de 156 crônicas na mesma revista. (Souza, ano) ainda nos diz que 57 escritos aparecem nos livros de crônicas esportivas: À sombra das chuteiras imortais (Rodrigues, 1994) e A pátria em chuteiras (Rodrigues, 1996). Menos, portanto, que 1/3 do total de colunas perpetradas pelo escritor para este veículo. Dentro deste contexto de crônicas inéditas do autor, é possível que existam algumas que tenham o arbitro de futebol como personagem.

Bibliografia

  • ANTUNES, P. Regras de futebol. São Paulo: Cia Brasileira, 1999.

  • CASTRO, R. O Anjo Pornográfico. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1997.

  • COUTINHO, E. Z. Flamengo até morrer! Rio de Janeiro: [s.n.], 1995.

  • CRÔNICA. In: FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

  • DUARTE, O. Futebol: história e regras. São Paulo: Makron Books, 1997.

  • IGNATTI, S. A. A cosmovisão dramática nas crônicas de futebol de Nelson Rodrigues. In: Estudos Lingüísticos XXXIII. São Paulo, pp. 203-208, 2004.

  • LUCENA, R. A crônica como gênero que introduziu o esporte no Brasil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 25, n. 1, p. 159-171,set. 2003.

  • MELO, V.A. Garrincha x Pelé: futebol, cinema, literatura e a construção da identidade nacional. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, n.4, p.281-95, out./dez. 2006

  • MOISÉS, M. A criação literária: prosa. 10. ed.. São Paulo: Cultrix, 1982.

  • RODRIGUES, N. Mário Filho, o criador de multidões. In: MARON FILHO, O.; FERREIRA, R. (Orgs.). Fla-Flu... e as multidões despertaram. Rio de Janeiro, 1987.

  • RODRIGUES, N. À sombra das chuteiras imortais; crônicas de futebol. Companhia das Letras: São Paulo, 1994

  • SALDANHA, João. O futebol. Rio de Janeiro: Ed. Bloch S/A, 1971.

  • SILVA, A.I., RODRIGUEZ-AÑEZ, C.R., & FRÓMETA, E.R. (2002). O Árbitro de futebol - Uma Abordagem Histórico Crítica. Revista da Educação Física, 13(1), 39-45.

  • SOUZA, M.F.P. “O jornalista e cronista Nelson Rodrigues”. In: II Semana de Ciência da Literatura. UFRJ, 2002. Endereço na Internet: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/index_terceira_margem.htm.

  • TUFANO, D. Antologia da Crônica brasileira. De machado de Assis á Lourenço Diaféria, Editora Moderna S.P, 2005.

  • VIEIRA, B. C. Literatura futebolística e brasilidade: Uma leitura damattiana das crônicas de Nelson Rodrigues. http:www.enfoques.ifcs.ufrj.Br/marco04/pdfs/marco2004_02.pdf (Página na Internet, 2012)

  • VOGEL, D.I. “Fábulas do gol: a crônica esportiva de Nelson Rodrigues”. Tese de Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), s.d 1998.

  • VOGT, C; WALDMAN, B. Nelson Rodrigues. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 186 | Buenos Aires, Noviembre de 2013
© 1997-2013 Derechos reservados