Mídia e Educação Física: uma perspectiva transformadora Medios de comunicación y Educación Física: una perspectiva transformadora Media and Physical Education: a perspective transformative |
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*Estudante do Curso de Licenciatura em Educação Física do Claretiano, Centro Universitário **Centro Universitário Claretiano. Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (Brasil) |
Vanessa Amaral de Paula* Fábio Ricardo Mizuno Lemos** |
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Resumo O objetivo desta pesquisa foi apontar possibilidades de utilização da mídia como ferramenta de auxílio nas aulas de Educação Física Escolar no Ensino Médio, adotando uma perspectiva transformadora de Educação. Para isto, foram utilizadas como fonte de dados, letras de músicas da banda porto alegrense: Engenheiros do Hawaii e como metodologia de análise, a Análise de Conteúdo, da qual, emergiram duas categorias: “Reflexões sobre a realidade” e “Possibilidades de ir além”. A partir dessas categorias, foi possível perceber que as análises das músicas com os estudantes, podem proporcionar reflexões sobre o desenvolvimento de uma Educação Física Transformadora, propiciando a formação de uma consciência crítica. Unitermos: Educação Física. Transformação. Mídia. Ensino Médio.
Abstract The aim of this research was to show possibilities of using the media as a tool to aid in physical education classes in high school, using a perspective of transformative education. For this, were used as a data source, lyrics of the band from Porto Alegre, Brazil, Engenheiros do Hawaii and as method of analysis, the Content Analysis. As result, two categories emerged: “Reflections on reality” and “Possibilities of going beyond”. From these categories, it was possible perceive that the songs analysis with the students, can provide reflections about the development of a Physical Education Transformative, enabling the formation of a critical awareness. Keywords: Physical Education. Transformation. Media. High School.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 186, Noviembre de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Esse artigo teve como intenção, apontar considerações sobre o uso da mídia como ferramenta de auxílio nas aulas de Educação Física Escolar, a partir da utilização de letras de músicas da banda Engenheiros do Hawaii. Para indicar compreensões sobre o tema, o presente trabalho está estruturado em tópicos, sendo: “Breve Evolução Histórica da Educação Física Escolar no Brasil”, que descreve as transformações ocorridas na área da Educação Física no decorrer do tempo e os objetivos adequados a cada época; “Educação Física Atual e o Papel do Professor”, no qual é mostrado que a Educação Física, atualmente, tem como objetivo formar um cidadão crítico, reflexivo e autônomo e o professor deve ser um mediador, capaz de contribuir na formação dos estudantes; “Tendência Liberal x Tendência Progressista de Educação”, que pode ser associada com as tendências tecnicista/reprodutora e transformadora da Educação Física, fazendo relação respectivamente com o sentido acrítico e crítico da sociedade; “Educação Física e Ensino Médio”, que aponta os objetivos a serem alcançados nesse nível de ensino e que deve ter como base os documentos que os regem; “Mídia, Escola e Educação Física”, no qual é mostrado que a mídia pode ser uma ferramenta útil nas aulas, contribuindo no desenvolvimento do conteúdo, “despertando” o interesse dos estudantes e proporcionando reflexões e críticas.
Breve evolução histórica da Educação Física escolar no Brasil
A Educação Física surgiu no Brasil no século XIX sendo conhecida inicialmente como ginástica, tendo influência higienista/eugenista, propondo formar indivíduos fortes e saudáveis. No decorrer do tempo, sofreu várias influências, como militarista, na qual os professores eram instrutores do exército e tinham como objetivo formar indivíduos obedientes, disciplinados e prontos para defender a pátria; e esportivista-tecnicista, com o foco na formação de atletas e no rendimento, excluindo, consequentemente, os menos habilidosos. Estas influências, no entanto, estão presentes nas aulas de Educação Física, até os dias atuais (BENVEGNÚ JÚNIOR, 2011).
A partir de 1980, passou a fazer parte das Aulas de Educação Física, uma tendência transformadora. Como afirma Benvegnú Júnior (2011, p. 11), “[...] foi um período marcante para a Educação Física, pois apontou para uma profunda crise de identidade, onde ocorreram muitas mudanças importantes, como o surgimento dos movimentos ditos ‘renovadores’”. Iniciaram-se, então, vários questionamentos sobre as metodologias utilizadas nas aulas e, após muitas reformas na própria ideia de Educação Física, hoje ela se tornou um componente curricular preocupado com o ser humano integral.
Não são tão recentes assim, as mudanças ocorridas no conceito de Educação Física na escola e mesmo tendo passado três décadas, o comodismo e as dificuldades de mudança de pensamento dos professores dessa área, ainda, persistem.
Contudo, segundo Kunz (2004, p. 182), a Educação Física “[...] deve ser vista como uma práxis social com estreitas relações no Plano Sócio-político-cultural. Deve desenvolver e ampliar o mundo do movimento das crianças, respeitando-se o Contexto de Mundo Vivido das mesmas”.
Para Galvão (1995, p. 103):
Quando as atividades motoras são realizadas pelos alunos apenas segundo as ordens e definição do professor, segundo os planos por ele elaborados, sem a participação do aluno - não permitem que esse reflita sobre as atividades, que as questione; impossibilitando, assim, a formação de uma consciência crítica, capaz de transferir essa reflexão e questionamento das regras e do seu movimento corporal para a realidade social, a qual se encontra inserido, buscando transformá-la.
Educação Física atual e o papel do professor
Atualmente, a efetivação da Educação Física como um componente curricular educacional visa à reflexão do estudante sobre si e sobre a sociedade em que está inserido, ampliando a compreensão de sua e de outras culturas. Nesse sentido, o professor deve adequar o conteúdo a ser ministrado ao grupo social em que será trabalhado e, assim sendo, a Educação Física deve buscar “[...] construir uma prática pedagógica não mais centrada no exercitar-se, mas na aquisição de novos conhecimentos relacionados às manifestações da Cultura Corporal de Movimento” (FENSTERSEIFER; SILVA, 2011, p. 120).
Sobre o ensino dessa Educação Física, Peres (2001, p. 237) afirma que a preocupação não está:
[...] simplesmente com os corpos “esculturais”, mas principalmente tem como cerne a preocupação com os corpos “culturais”, corpos que ativamente participam da história da construção de uma nova sociedade, corpos também que pensam, sentem, questionam, produzem e sobretudo, criam.
Essa Cultura Corporal de Movimento é todo o conhecimento sobre o componente curricular Educação Física, isto é, vai além das práticas das atividades físicas e engloba a relação dos conhecimentos do corpo e sua cultura, contribuindo para o acesso a diferentes manifestações culturais, possibilitando estabelecer reflexões sobre as diversidades, favorecendo uma leitura crítica do mundo, valorizando a própria comunidade e as outras.
Para Galvão (1995, p. 102), “Pensar em Educação Física transformadora é valorizar a cultura corporal” e, segundo Soler (2003, p. 31) “[...] o estereótipo do professor treinador já não cabe mais, é hora de um novo educador, que seja mediador entre o conhecimento e a criança que aprende”.
Ser professor de Educação Física, então, não se resume a uma atividade tecnicista, pois o ensinamento vai além de métodos e técnicas ou copiar ou repetir movimentos. No decorrer das aulas, os professores até se defrontam com vários problemas, tais como, diferentes culturas, escolas precárias que sofrem com a falta de materiais e de espaço, marginalidade, desvalorização por parte da escola, estudantes desinteressados e muitos outros, mas esses fatores não devem se constituir em um empecilho para a realização de um efetivo trabalho com os estudantes, pois as dificuldades não podem ser justificadas com a falta de comprometimento (RODRIGUES, 1998).
O perfil do professor de Educação Física vem mudando através dos tempos. Já conseguimos superar a figura do professor sargento/aluno recruta, professor médico/aluno paciente, e também a do professor técnico/aluno atleta. Hoje, a Educação Física, de acordo com todas as propostas para a área, deve estar atrelada ao processo educacional, e tornou-se disciplina essencial para o desenvolvimento integral do ser humano. E, para que isto efetivamente ocorra, é preciso mudar (SOLER, 2003, p. 40).
Vivenciamos os avanços tecnológicos, a globalização, a evolução dos meios de comunicação; e a escola, assim como os professores, tem papel fundamental no ensino e nessas transformações. A consciência pedagógica que parte de uma nova postura do professor, a partir da qual ele deve acompanhar e enfrentar os novos desafios, como dialogar com os discentes, agregando as aulas à bagagem cultural que eles possuem, elaborando novas formas e novas maneiras de se desenvolver o conhecimento que, de certo modo, vai moldando e transformando a sociedade, é de suma importância nesta mudança.
E toda essa modificação deve acontecer sem desviar do objetivo que orienta a Educação Física, que é a formação de indivíduos criativos e críticos, atuantes na sociedade.
Segundo Cruz (1996, p. 343):
[...] pode-se de um lado optar por formar corpos-escravos conformados com a “sorte” que lhe imputam, ou imputam a si mesmos, desconhecedores de seus próprios desejos, de sua subjetividade. Por outro lado, pode-se optar pela formação de corpos (auto) transformadores, mutáveis, capazes de perceberem a si próprios e ao outro em sua relação com o todo social, passíveis de uma leitura estético-corporal que não imponha limites, senão valorize a transcendência.
Sobre a Educação Física transformadora, Castro (2010, s/p) afirma que “[...] ela não se restringe a uma prática de movimentos humanos alienados”, isto é, possui um amplo repertório de conhecimentos, que podem contribuir para o dia-a-dia dos estudantes, não só dentro da escola, mas principalmente na sociedade em que estão inseridos.
Para Castro (2010, s/p), “O ensino da Educação Física não pode ficar restrito aos movimentos corporais e à prática de esportes, como se Educação Física pudesse ser resumida a essas práticas, como muitos professores ainda pensam, tornando esses conteúdos rígidos e naturalizados dentro da escola”.
Como em um passado relativamente recente, a Educação Física não se preocupava com a dimensão cultural humana, ainda é possível encontrar professores com pensamentos diferentes do que é proposto atualmente, pois se formaram em outra época e com outros objetivos. Porém, o educador, de fato, precisa buscar se atualizar, acompanhar e evoluir junto com a sua sociedade, afinal, “[...] ele deve ser o mediador entre o aluno e o processo de conhecimento, atuando como orientador, facilitador e aconselhador da aprendizagem, e deve integrar, no desenvolvimento das atividades, os aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores e sociais” (SOLER, 2003, p. 40).
Há, contudo, instituições nas quais o ensinamento ainda é voltado quase que exclusivamente para a área biológica, sendo que os licenciandos (futuros professores) não têm acesso às discussões socioculturais e o corpo ainda é entendido só como físico e não como cultura, o esporte é de alto rendimento ou um meio de passar o tempo, não sendo relacionados com o contexto em que estão inseridos.
Segundo Kunz (2004, p. 101):
A formação profissional do professor de Educação Física no Brasil, em geral, orienta-se no objetivo básico de continuar a formação das ações padronizadas do mundo esportivo que os alunos recebem na sua formação de 1º e 2º graus. Melhor sucedidos nesta formação são aqueles, portanto, que já tem uma boa experiência no esporte de rendimento, como atletas escolares, ou extra-escolares.
Diante dessa realidade, os professores precisam estar capacitados para que possam interagir com os discentes, fazendo com que eles aprendam o que está sendo desenvolvido e o aprendizado se associe à significação humana e social que ele representa. Como diz Benvegnú Júnior (2011, p. 12), “[...] a Educação Física hoje precisa produzir um saber muito mais conceitual e sistematizado por parte da escola e não apenas uma mera reprodução de gestos desportivos sem um entendimento do por que se faz e para que se faz”.
Tendência liberal x tendência progressista de educação
Quando pensamos em aula de Educação Física tecnicista/reprodutora e aula transformadora, podemos relacioná-las respectivamente com a tendência liberal e a tendência progressista de educação.
A tendência liberal é acrítica, isto é, não aceita questionamentos, mudanças, assim, não permite que os discentes participem ativamente do processo de aprendizagem, se tornando indivíduos alienados. São tratados com um único método de ensino, não levando em consideração as diferenças e dificuldades de cada um.
Como diz Luckesi (1990, p. 57), “[...] os programas, então, devem ser dados numa progressão lógica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade”, os conhecimentos já existem, prontos, e o professor é o detentor desse saber e a autoridade que vai reproduzi-lo, e os alunos os receptores, que de uma forma mecânica são submetidos a esse tipo de ensino.
Já a tendência progressista é crítica, isto é, favorece os questionamentos, os estudantes participam ativamente do processo de aprendizagem, da construção dos conhecimentos, e o repertório cultural que possuem é considerado, respeitando as dificuldades e a diversidade dos indivíduos. Diferente da tendência liberal, na tendência progressista: “O que é aprendido não decorre de uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica” (LUCKESI, 1990, p. 66), o que contribui para que os discentes não sejam cópias do que já existe, mas tenham liberdade para transformar a realidade em que estão inseridos. Nesse contexto, o professor é visto como mediador e não como o único detentor do conhecimento. Como afirma Luckesi (1990, p. 65), “O importante não é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida”.
Educação Física e Ensino Médio
Observando atualmente as aulas de Educação Física ainda é possível perceber que muitos professores não têm o objetivo de formar indivíduos autônomos, reflexivos, críticos; e que mesmo com todos os documentos que subsidiam a Educação Física Escolar, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2000), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 (BRASIL, 1996), a Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), entre outros, os professores continuam adotando objetivos e metodologias que não se relacionam com o ambiente escolar.
No Ensino Médio, o sentido do aprendizado na área também mudou, como relatado em Brasil (2000, p. 5):
As propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-aprendizagem no nível médio indicam a sistematização de um conjunto de disposições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar, argumentar, negociar significados, cooperar, de forma que o aluno possa participar do mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos.
Quando se pensa em Educação Física, a maioria das pessoas já a associa com o corpo, atividade física, esporte; e muitos estudantes quando chegam ao ensino médio já estão distantes desse componente curricular, sendo um dos motivos, o de não conseguirem realizar o movimento perfeito/“correto” dos esportes que praticaram durante o ensino fundamental.
Por isso, não cabe ao professor se limitar ao conhecimento dos fundamentos do esporte e do jogo, mas, através de uma maneira lúdica e educativa de ministrar aulas, proporcionar o desenvolvimento de todos os estudantes, respeitando suas diferenças e estimulando-os a buscar o maior conhecimento de si e de suas potencialidades (BRASIL, 2000).
O educador deve agir como mediador, não “dando” as respostas prontas ou simplesmente reproduzindo gestos e movimentos. A autonomia dos estudantes deve ser buscada, considerando o contexto em que estão inseridos, pois, como está afirmado em Brasil (2000, p. 40): “[...] o que se deseja do aluno do ensino médio é uma ampla compreensão e atuação das manifestações da cultura corporal”.
A LDB (BRASIL, 1996, s/p) no seu artigo 35º aponta que as finalidades do Ensino Médio são:
a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
De acordo com os PCN (BRASIL, 2000, p. 42-43), espera-se que, no decorrer do Ensino Médio, nas aulas de Educação Física, as seguintes competências e habilidades sejam desenvolvidas pelos estudantes:
Compreender o funcionamento do organismo humano, de forma a reconhecer e modificar as atividades corporais, valorizando-as como recursos para a melhoria de suas aptidões físicas;
Desenvolver as noções conceituais de esforço, intensidade e frequência, aplicando-as em suas práticas corporais;
Refletir sobre as informações específicas da cultura corporal, sendo capaz de discerni-la e reinterpretá-las em bases científicas, adotando uma postura autônoma na seleção de atividades e procedimentos para a manutenção ou aquisição da saúde;
Assumir uma postura ativa, na prática das atividades físicas, e consciente da importância delas na vida do cidadão;
Compreender as diferentes manifestações da cultura corporal, reconhecendo e valorizando as diferenças de desempenho, linguagem e expressão;
Participar de atividades em grandes e pequenos grupos, compreendendo as diferenças individuais e procurando colaborar para que o grupo possa atingir os objetivos a que se propôs;
Reconhecer na convivência e nas práticas pacíficas, maneiras eficazes de crescimento coletivo, dialogando, refletindo e adotando uma postura democrática sobre os diferentes pontos de vista propostos em debates;
Interessar-se pelo surgimento das múltiplas variações da atividade física, enquanto objeto de pesquisa, áreas de grande interesse social e mercado de trabalho promissor;
Demonstrar autonomia na elaboração de atividades corporais, assim como capacidade para discutir e modificar regras, reunindo elementos de várias manifestações de movimento e estabelecendo uma melhor utilização dos conhecimentos adquiridos sobre a cultura corporal.
A partir desses documentos oficiais, fica evidenciado que as aulas não devem estar relacionadas somente com a reprodução de movimentos, mas sim, serem direcionadas para a diversificação dos conteúdos e estratégias, visando contribuir e/ou facilitar o aprendizado e o desenvolvimento integral dos discentes, por exemplo, utilizando da mídia para uma compreensão e reflexão de uma Educação Física Transformadora.
É oportuno ressaltar que, “Aos professores de Educação Física cabe recuperar o prestígio perdido nas últimas décadas, propondo e desenvolvendo projetos de ação que realmente alcancem os objetivos do Ensino Médio” (BRASIL, 2000, p. 35).
Mídia, escola e Educação Física
A mídia, atualmente, se faz presente em todos os lugares, transmitindo informações e influenciando as pessoas, podendo ser de modo positivo ou negativo. Segundo Dorigoni e Silva (s/d, p. 10) “No processo geral de transmissão da cultura e no processo de socialização das novas gerações, a escola vem perdendo terreno e prestígio em concorrência com as diferentes mídias”.
A escola, assim como o componente curricular Educação Física, deve utilizar a mídia como ferramenta de auxílio no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes já que a todo momento eles estão em contato com a internet, TV, rádio, celular etc.
De acordo com Moran (2007, s/p):
A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas linguagens, desvendar os seus códigos, dominar as possibilidades de expressão e as possíveis manipulações. É importante educar para usos democráticos, mais progressistas e participativos das tecnologias, que facilitem a evolução dos indivíduos.
É importante, então, que o professor leve para a pauta de suas aulas, os meios de comunicação e as informações por eles transmitidas e não, simplesmente colabore para a sua reprodução acrítica. As informações advindas de diferentes meios de comunicação precisam ser adaptadas às aulas, possibilitando aos estudantes a reflexão, a criticidade e a compreensão da realidade. Tal utilização crítica das mídias, pelo professor, pode ter uma contribuição importante na formação do estudantes-cidadãos, pois segundo Lemos, Souza e Lemos (2008, s/p):
É preciso considerar as mudanças na sociedade, para a elaboração de uma nova escola, um novo professor. É necessário, se, se pretende atingir uma educação de qualidade, um novo professor, novas atitudes docentes, para que este não perca espaço para a tecnologia e sim, saiba usá-las para auxiliá-lo no processo pedagógico.
A tecnologia, portanto, deve estar associada às aulas de Educação Física, considerando, por exemplo, a música, muito presente no cotidiano dos estudantes, como um meio de comunicação que pode auxiliar no desenvolvimento dos conhecimentos e de um pensamento transformador nas aulas, pois a criança ao se inserir na escola, já sabe ler histórias complexas, como uma telenovela, com vários personagens e cenários diferentes, mas a escola, na maioria das vezes, não considera essas habilidades dos discentes (MORAN, 2007).
Se o professor possibilitar o uso da mídia durante a formação dos estudantes, elaborando aulas interessantes e com a participação de todos, contribuirá para que se tornem capazes de discernir sobre o que realmente é importante naquilo divulgado por ela, não sendo influenciados, por exemplo, a reproduzir, acriticamente, uma moda, uma música ou um gesto.
Trajetória metodológica
Como proposta de utilização crítica das mídias nas aulas de Educação Física, tendo como foco a música, foram analisadas as letras interpretadas pela banda portoalegrense, Engenheiros do Hawaii, durante toda sua carreira fonográfica (considerando os seus discos oficiais).
A análise foi baseada na metodologia Análise de Conteúdo, isto é, um método empírico que busca ir além do que as palavras ou mensagens, sobre determinado assunto, querem dizer, buscando outros significados e entendimentos por detrás daquilo que está iminente, podendo ser de ordem política, social, histórica etc. (BARDIN, 2008).
Segundo Bardin (2008, p. 44), a Análise de Conteúdo se resume em:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
A Análise de Conteúdo se divide em 3 etapas, sendo:
a “pré-análise”, que consiste na fase de organização e preparação, na qual ocorre a escolha dos documentos, a constituição de um corpus para a análise a ser feita, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final. Fazem parte dessa etapa, a leitura flutuante (que estabelece contato com os documentos com o propósito de realizar as primeiras impressões sobre os mesmos) e a escolha final dos documentos a serem considerados (BARDIN, 2008);
a “exploração do material”, que consiste em operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas (BARDIN, 2008). Nessa etapa, os dados obtidos na “pré-análise” são modificados, organizados e unidos em unidades de significado que permitem a representação de características relacionadas ao tema proposto;
o “tratamento, inferência e interpretação dos resultados”, que consiste no tratamento dos resultados, buscando colocar em destaque as informações fornecidas pela análise. Sobre o processo de categorização, é realizado a partir de uma operação de classificação de elementos que apresentam características em comum (BARDIN, 2008).
Engenheiros do Hawaii - Muros e Grades (Versão Filmes de Guerra Canções de Amor)
Apresentação dos resultados
Após as análises das músicas, foram retirados trechos/unidades de significado relacionados à temática, possibilitando o surgimento de duas categorias: “Reflexões sobre a realidade”, que foi dividida em três subcategorias: “Crítica à lógica produtiva”, “Influência da mídia” e “Sociedade tradicionalizada”, e “Possibilidades de ir além”.
O quadro abaixo (quadro 1) apresenta as músicas selecionadas e as suas respectivas unidades de significado:
Quadro 1. Indicação das músicas e das unidades de significado
Reflexões sobre a realidade: Essa categoria permite a reflexão sobre a realidade na qual estamos inseridos e abrange as críticas à lógica produtiva e a influência da mídia sobre as pessoas, que contribuem para uma sociedade tradicionalizada, isto é, aquela que aceita as coisas como estão, colaborando com a imposição de modos de viver alienados, passivos e acomodados.
Crítica à logica produtiva: permite refletir e criticar o sistema capitalista, que enxerga as pessoas como mercadorias, levando em conta seu aspecto produtivo e não seu aspecto humano e se atenta à submissão das pessoas a essa lógica, ocorrendo, assim, uma desvalorização do ser humano.
“[...] eu sei que você acredita / nas notícias do jornal / mas tudo isso me irrita / me enoja e me faz mal” (1, Fé Nenhuma; ENGENHEIROS, 1986); “[...] desde quando ordem e progresso / nos levarão a algum lugar? / nem tudo que brilha é ouro / nem todo ouro pode nos salvar” (1, Desde Quando; ENGENHEIROS, 1988); “[...] não interessa o que diz o ditado / não interessa o que o estado diz” (2, O Exército de Um Homem Só, I; ENGENHEIROS, 1990); “[...] não adianta mesmo ser livre / se tanta gente vive sem ter como comer” (2, Infinita Highway; ENGENHEIROS, 2000); “[...] nessa terra de gigantes / que trocam vidas por diamantes / a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes” (1, Terra de Gigantes; ENGENHEIROS, 2000); “[...] de que lado tu estás? / ninguém pode agradar os dois lados” (2, Vícios de Linguagem; ENGENHEIROS, 1995); “[...] herdei um campo onde o patrão é rei / tendo poderes sobre o pão e as águas” (3, Herdeiro da Pampa Pobre; ENGENHEIROS, 1991); “[...] a gente fica achando que é o máximo / liberdade pra escolher a cor da embalagem” (3, No Meio de Tudo Você; ENGENHEIROS, 2007).
Influência da mídia: essa subcategoria faz referência ao ser humano, enquanto um ser mecanicamente influenciado pelos meios de comunicação, que não são capazes de fazer suas próprias escolhas e só reproduzem aquilo que é imposto pela mídia, alimentando cada vez mais a lógica capitalista.
“[...] a vida imita o vídeo” (1, Somos Quem Podemos Ser; ENGENHEIROS, 1988); “[...] todo mundo tá comprando / os mais vendidos” (1, O Papa É Pop; ENGENHEIROS, 1990); “[...] no vídeo, idiotice intergaláctica / na mídia, na moda, nas farmácias / no quarto de dormir, na sala de jantar / a morte anda tão viva, a vida anda pra trás” (2, A Violência Travestida Faz Seu Trottoir; ENGENHEIROS, 1990); “[...] o futebol brasileiro são várias camisetas/ com a mesma propaganda de refrigerantes” (2, Ilusão de Ótica; ENGENHEIROS, 1990); “[...] propaganda é a arma do negócio / no nosso peito bate um alvo muito fácil / mira à laser... miragens de consumo” (2, A Promessa; ENGENHEIROS, 1995).
Sociedade tradicionalizada: mostra a alienação, a passividade e a acomodação das pessoas diante de tudo que as circundam, sendo incapazes de questionar ou buscar algo novo.
“[...] tudo isso já faz parte da rotina / e a rotina já faz parte de você” (1, Crônica; ENGENHEIROS, 1986); “[...] já vi de tudo e fiquei mudo” (2, Pampa no Walkman; ENGENHEIROS, 1992); “[...] cabeça pra usar boné / e professar a fé de quem patrocina” (1, 3ª do Plural; ENGENHEIROS, 2002); “[...] entra ano e sai ano, sempre os mesmos planos” (1, A Revolta dos Dândis; ENGENHEIROS, 2004); “[...] a gente se acostuma a muito pouco” (1, No Meio de Tudo Você; ENGENHEIROS, 2007).
Possibilidades de ir além: Essa categoria mostra que o ser humano é capaz de ir além, isto é, de estar atento à realidade e de se tornar um agente transformador, crítico, participativo, criativo, autônomo, enfim, capaz de adaptar suas ações, buscando seu desenvolvimento integral e seu reconhecimento enquanto um ser humano de atitudes e valores mais humanizados.
“[...] pra entender / basta a cara e a coragem / a cor, o corpo, o coração” (2, Pra Entender; ENGENHEIROS, 1988); “[...] não viro vampiro, eu prefiro sangrar / me obrigue a morrer, mas não me peça pra matar” (3, Nunca Se Sabe; ENGENHEIROS, 1988); “[...] já perdemos muito tempo brincando de perfeição / esquecemos o que somos: simples de coração” (1, Simples de Coração; ENGENHEIROS, 1995); “[...] não se renda às evidências / não se prenda à primeira impressão (3, A Violência Travestida Faz Seu Trottoir; ENGENHEIROS, 1990); “Há tantos quadros na parede / há tantas formas de se ver o mesmo quadro” (1, Ninguém = Ninguém; ENGENHEIROS, 1992); “[...] porque eu não quero deixar pr’o meu filho / a pampa pobre que herdei de meu pai” (2, Herdeiro da Pampa Pobre; ENGENHEIROS, 1991); “[...] se for impossível, se não for importante / mesmo assim a gente tenta” (3, Pose; ENGENHEIROS, 1992); “[...] eu tenho pressa, vamos nessa direção / atrás de um sol que nos aqueça / minha cabeça não aguenta mais...” (3, A Promessa; ENGENHEIROS, 1995); “[...] vem viver, vem lutar lado a lado” (1, Lado a Lado; ENGENHEIROS, 1995); “[...] faça o favor: não fique esperando” (2, Algo Por Você; ENGENHEIROS, 1995); “[...] será a estrada uma prisão? / eu acho que sim, você finge que não / mas nem por isso ficaremos parados / com a cabeça nas nuvens e os pés no chão” (1, Infinita Highway; ENGENHEIROS, 2000); “[...] não vou ficar parado, não vou passar batido / se nada faz sentido, há muito que fazer” (2, Esportes Radicais; ENGENHEIROS, 2002); “[...] se não for pedir demais, bola pra frente” (2, Datas e Nomes; ENGENHEIROS, 2002); “[...] tem que correr atrás / tem que pagar pra ver / tem que ver pra crer / quem viver verá” (2, Museu de Cera; ENGENHEIROS, 1991); “[...] se dizem que é impossível / eu digo: é necessário! / se dizem que estou louco (fazendo tudo ao contrário) / eu digo que é preciso / eu preciso... é necessário” (1, Seguir Viagem; ENGENHEIROS, 1999).
Considerações
Com a finalização dessa pesquisa, é possível afirmar que a utilização de músicas nas aulas de Educação Física pode auxiliar no desenvolvimento de uma lógica transformadora nesse componente curricular, propiciando a formação para uma consciência crítica.
Através das letras das músicas, no caso específico deste estudo, da banda Engenheiros do Hawaii, é possível fazer análises com os estudantes, comparando, questionando e entendo a realidade que os circundam.
Os métodos podem ser diversificados como, a realização de debates; discussões sobre relação da alienação e padronização imposta pela lógica produtiva; a comparação da sociedade com a Educação Física, associando com a reprodução dos movimentos; elaborar paródias ou montar apresentações mostrando a compreensão das músicas; enfim, transformando o movimento repetitivo e mecânico, geralmente desenvolvido nas aulas de Educação Física, num saber crítico, reflexivo, criativo e autônomo, entendendo a mídia em duas vertentes: a que influencia e induz, e a que pode ser vista como ferramenta útil à reflexão.
Finalmente, é preciso considerar que tudo pode ser transformado e adequado no decorrer do tempo, se o referencial está focado realmente nas pessoas e nas suas relações, e, assim sendo, os professores de Educação Física, apesar das dificuldades que encontram e encontrarão, precisam acreditar que a mudança é possível, para que não se tornem mais um dos responsáveis pela desvalorização desse componente curricular, bem como, pela desvalorização das pessoas.
Notas
Atuais ensino fundamental e médio.
Número da unidade de significado, nome da música e referência do CD.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2008.
BENVEGNÚ JÚNIOR , Arnaldo Elói. Educação Física Escolar No Brasil e seus Resquícios Históricos. Revista de Educação do IDEAU, Getúlio Vargas, RS, v. 6, n. 13, p. 1-15, jan./jul. 2011.
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), Brasília, 1996.
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Digital · Año 18 · N° 186 | Buenos Aires,
Noviembre de 2013 |