História da Dança de Salão no Brasil do século XIX e os irmãos Lacombe La historia del Baile de Salón en Brasil en el siglo XIX y los hermanos Lacombe |
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Mestre em Ciências Biológicas, UFPR Especialista em Educação, IBPEX Licenciada em Ciências Biológicas, UFPR |
Maristela Zamoner maristela.zamoner@gmail.com (Brasil) |
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Resumo Os irmãos Lacombe, que figuraram na História da Dança de Salão no Brasil do início do século XIX, têm trajetórias pouco conhecidas. Esta pesquisa foi realizada principalmente pela consulta sistematizada a todas as edições de 776 periódicos cariocas do século XIX disponibilizados pela Hemeroteca Digital Brasileira. Joseph Louis Antoine Lacombe (1786-1833) foi o primeiro dos irmãos a vir ao Brasil, onde ficou conhecido como “Luiz Lacombe”. O notável compositor Marcos Portugal foi convocado individualmente por Dom João VI para vir ao Brasil. Em sua restrita comitiva de vinda incluiu, além de sua esposa e uma cunhada, a profissional de reconhecido sucesso, atuante em seus últimos trabalhos na Europa, inclusive como protagonista, Marianna Scaramelli, que veio acompanhada de seu esposo, Luiz Lacombe (Joseph), sobre quem não foram encontrados dados de atuação profissional na Europa. Um mês após sua chegada ao Brasil, em busca de trabalho, Luiz Lacombe publica o primeiro anúncio de aulas de dança. Mais tarde, talvez por influência de sua esposa e/ou de Marcos Portugal, apareceu em atuações cênicas com ambos, constatando-se sua contratação como mestre de dança da Coroa em 1825. Mostrou-se discretamente nos jornais da época, anunciando aulas entre 1811 e 1832. Lourenço Lacombe (1787-1839), veio ao Brasil em 1819, anunciou aulas entre 1821 e 1831, foi mestre de dança da Família Real e teve diversas participações em eventos cênicos. Dentre os quatro irmãos, foi o que apareceu de forma mais saliente nos jornais. Suas publicações incluíram: textos sobre desavenças particulares e acusações a colegas de cometerem “notáveis erros”; comunicados sobre suas rifas de jóias, mudanças de endereços e oferecimento de salas para alugar; pedido de aumento de salário à Coroa e anúncios de venda de escravos, imóveis, porcelanas chinesas e coletâneas de contradanças e galopadas ditas de sua autoria. Seu nome também apareceu sendo acusado por um general de plagiar suas galopadas. Luiz Lacombe Junior (1794-1840?) é o terceiro dos irmãos, eventualmente confundido com o primeiro. Seus anúncios de aulas foram constatados entre os anos de 1832 e 1840. Atuava em eventos cênicos e ministrando aulas de dança em seus endereços e em colégios. Seu último anúncio encontrado, datado de 1840, informa ter ficado gravemente doente, apontando como seu endereço o mesmo de seus irmãos quando atendiam a Família Real. José Manoel Lacombe, o quarto dos irmãos, aparece raras vezes nos jornais. As datas de nascimento e falecimento não foram descobertas nesta pesquisa. Foi possível constatar que atuou em um balé na cidade Lisboa no ano de 1815 e que ofereceu aulas nos jornais brasileiros entre os anos de 1829 e 1837. Unitermos: Dança de Salão. História. Lacombe. Professores. Mestres.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 186, Noviembre de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Lacombe é um nome citado com alguma relevância por autores do século XX que se referiram, de alguma forma, à história da Dança de Salão no Brasil durante o século XIX (Ellmerich, 1987; Pinho, 1970).
Pinho (1970), em seu livro que teve a primeira edição no ano de 1942, abordou salões e damas do período histórico brasileiro conhecido como “Segundo Reinado”, referindo-se a “Luís Lacombe” como um mestre de danças atuante. A partir da pesquisa não sistematizada em periódicos da época o autor conseguiu apresentar algumas raras informações sobre outros mestres de dança como “Philipe Caton”, sua esposa e “José Maria Toussaint”.
Ellmerich (1987) é um pouco mais específico e registra que “Louis Lacombe”, nascido no ano de 1756, em Besançon, França, e falecido em 1806 em Lisboa, Portugal, foi casado com “Maria Jodes”, uma espanhola, com quem teria tido quatro filhos dançarinos que vieram para o Brasil no início do século XIX. O primeiro a vir ao Brasil teria sido o mais velho dos quatro filhos, a quem o autor denomina “Joseph Louis Antoine”. A finalidade da vinda de Joseph ao Brasil não é esclarecida por Ellmerich (1987). Entretanto, o autor registra que os outros irmãos vieram, posteriormente, para se juntarem ao primeiro, o que favorece a conclusão de que a razão estaria relacionada a oportunidades de trabalho.
As informações sobre os quatro irmãos Lacombe, na literatura, são muito limitadas, não sendo possível compreender as razões que trouxeram o primeiro deles ao Brasil, o papel profissional de cada um, suas qualidades técnicas, o intervalo de tempo durante o qual atuaram, que tipo de atividades desenvolveram, suas interações com a Família Real e a sociedade, suas condições de vida e nem suas características pessoais, havendo, portanto, uma lacuna histórica nestes aspectos.
O objetivo desta pesquisa é ampliar a disponibilização de informações sobre os irmãos Lacombe através da reunião de dados que possam ter significado histórico e encontram-se dispersos em periódicos do século XIX.
Metodologia
A organização da Hemeroteca Digital Brasileira, que disponibilizou o material histórico de forma a ser possível a realização de buscas pelo uso de unitermos foi essencial para a viabilização desta metodologia.
Foram pesquisados, de forma sistematizada, todos os periódicos disponibilizados até junho de 2013 pela Hemeroteca Digital Brasileira como provenientes do Rio de Janeiro e produzidos no século XIX. Ao todo foram consultadas todas as edições de 776 documentos, quase em sua totalidade periódicos, que cobrem o intervalo entre os anos de 1808, quando a imprensa oficial teve início no país, e 1900.
A busca foi procedida pelo uso dos unitermos: “Lacombe”; “Lacomba”; “Lacomb”. Todas as páginas em que constavam os assuntos nos quais houve apontamento da presença destes unitermos foram integralmente lidas e as informações constatadas registradas. Após os registros efetivados os dados foram organizados, sendo aglutinados de forma a permitir integração das informações referentes a cada um dos irmãos Lacombe.
Este método, embora viabilize buscas que permitem a descoberta de fatos históricos relevantes para estudos, por exemplo, na área da Dança de Salão, possui falhas como: nem todas as palavras buscadas são filtradas e palavras semelhantes o são; há exemplares dos documentos que se apresentam danificados sendo inviável a leitura; existem muitos erros ortográficos que impedem a localização dos unitermos; muitas coleções das edições de cada periódico estão incompletas.
Entretanto, o método adotado revelou-se eficiente uma vez que permitiu acesso a informações sobre os irmãos Lacombe que não constam na literatura. Portanto, a metodologia mostrou-se de significativa utilidade, já que a leitura integral de todas as edições destes 776 documentos é inexequível, por demandar um tempo que tornaria a pesquisa impraticável.
De forma complementar foram consultados dados sobre libretos brasileiros e europeus de apresentações cênicas do século XIX, bem como outras fontes de literatura. As informações de cada um dos libretos, e outras, foram confrontadas e confirmadas após as buscas de seus dados, entre maio de 2012 e agosto de 2013, nos indexadores cujos endereços eletrônicos são:
http://www.internetculturale.it;
http://polovea.sebina.it;
http://catalogo.bnportugal.pt;
http://trove.nla.gov.au;
http://www.amadeusonline.net;
http://openlibrary.org;
http://www.worldcat.org;
http://orlabs.oclc.org.
Resultados
A aplicação desta metodologia permitiu que fossem descobertas diversas informações sobre os quatro irmãos Lacombe que não constam na literatura tradicional sobre dança no Brasil.
A pesquisa favoreceu a compreensão dos contextos reveladores de possíveis razões que trouxeram o primeiro dos irmãos Lacombe ao Brasil, recortes sobre o papel profissional de cada um, aspectos de suas qualidades técnicas, intervalos de tempo durante o qual atuaram, tipos de atividades que desenvolveram, informações sobre suas interações com a Família Real e a sociedade, dados a cerca de suas condições de vida e até certas características pessoais.
Os nomes dos irmãos Lacombe citados por Ellmerich (1987) não conferem exatamente com os nomes encontrados nos periódicos brasileiros do início do século XIX. Esta constatação pode se explicar pela semelhança que havia entre os nomes dos irmãos Lacombe, pelas traduções feitas para publicação de anúncios e outros textos nos periódicos e até mesmo por erros, muito comuns nos materiais pesquisados. Pelo menos dois dos irmãos possuíam “Luiz” e “Lacombe” em seus nomes e com certa freqüência eram citados nos jornais somente como “Sr. Lacombe”. Portanto, os irmãos chegaram a ser confundidos uns com os outros nos textos dos jornais ao ponto de, em determinados casos, ter sido necessário publicar esclarecimentos posteriores. Nesta pesquisa foi necessário utilizar estratégias de reconhecimento coadjuvantes à constatação dos nomes, por exemplo, pela checagem dos endereços fornecidos nos anúncios, datas de publicação e pelas próprias correções publicadas pelos irmãos.
Dentre os periódicos brasileiros pesquisados, os que apresentaram dados sobre os irmãos Lacombe foram: Almanach do Rio de Janeiro; Imperio do Brasil: Diário Fluminense; O Sete de Abril; Correio Official; O Diário do Rio de Janeiro; Correio Mercantil; Clamor Nacional; Gazeta dos Tribunaes; O Despertador; O Volantim; O Farricoco; O Paiz e Gazeta do Rio de Janeiro. O periódico português Gazeta de Lisboa também foi consultado.
Na seqüência, são apresentados os resultados, organizados sob os nomes de cada um dos irmãos Lacombe.
Joseph Louis Antoine Lacombe
Segundo Ellmerich (1987) Joseph Louis Antoine Lacombe teria sido o primeiro dos irmãos Lacombe que veio ao Brasil, onde chegou, em 1811. Conforme o autor, Joseph teria nascido em Madri no ano de 1786, vindo a falecer no Brasil em 1833.
Cardoso (2009), registra que “Joseph Louis Lacombe” veio ao Brasil em 1811 com sua esposa, a cantora lírica “Mariana Scaramelli” (1788-1822) e seus dois filhos “Louis” e “Emillie”. Segundo Marques (2012) na comitiva de vinda ao Brasil, na Fragata Princesa Carlota, quatro pessoas acompanharam o mestre de música e compositor de óperas Marcos Antonio da Fonseca Portugal (1762-1830): sua esposa “Maria Joanna”, uma cunhada, a protagonista de seus últimos trabalhos apresentados na Europa, “Marianna Scaramelli”, e seu esposo, “Joseph Louis Antoine Lacombe”.
O contexto que antecedeu a viajem de Joseph ao Brasil, na comitiva de Marcos Portugal, é particularmente importante para compreensão dos prováveis motivos de sua vinda bem como dos acontecimentos posteriores a sua chegada. Por esta razão, na seqüência aborda-se Marcos Portugal, sua convocação para vinda ao Brasil, Marianna Scaramelli e as influências e repercussões das vidas destes dois profissionais sobre Joseph Louis Antoine Lacombe.
Marcos Portugal e sua convocação para vinda ao Brasil
Segundo Marques (2012) Marcos Portugal (1762-1830) foi o “mais famoso compositor luso-brasileiro de todos os tempos”. Conforme o autor, desde muito jovem foi reconhecido como compositor e organista. Aos vinte anos de idade iniciou sua relação profissional com a Família Real Portuguesa, que chegou a financiar seu aprimoramento na Itália, onde, mais tarde, suas obras tiveram enorme sucesso em Florença, Parma, Veneza, Milão, Nápoles, Ferrara e Verona. Consta que este êxito teria extravasado para Europa com réplicas que chegaram aos milhares, atingindo importantes centros como Viena, Paris, Londres, Dublin, São Petesburgo, Berlim, Dresden, Hamburgo, Hannover, Leipzig, Nuremberg, Corfu, Barcelona, Madrid, Lisboa e Porto.
Quando chegou ao Brasil, Marcos Portugal já havia composto dezenas óperas e fora maestro do Real Teatro São Carlos em Lisboa. Segundo Souza (2003) o Teatro São Carlos era um dos mais importantes da Europa.
Entre os últimos trabalhos de Marcos Portugal em Lisboa estão: “La speranza ossia L’augurio Felice” em 1809; a ópera italiana “L'oro non compra amore”, em 1810 e a Sinfonia Burletá “Nina o sia la Pazza per Amore”, em 1811, todas contando com a participação da cantora Marianna Scaramelli, inclusive como protagonista.
Segundo Marques (2012), em 7 de Janeiro de 1811, Marcos Portugal é convocado de forma individual pelo Príncipe Regente e em caráter de urgência:
S.A.R. Principe Regente Nosso Senhor Foi Servido Ordenar que o mestre do Seminário Marcos Portugal fosse para o Rio de Janeiro servir o Mesmo Senhor n’aquella Côrte; e porque deve partir na primeira Embarcação da Coroa q sahir para a refferida Corte, faz-se necessário q Vm. e dê as providências necessárias para ele ser pago dos Ordenados que se lhe devem, e de trez Mezes adiantados.
Conforme as fontes pesquisadas, a citada convocação não incluiu o nome de Marianna Scaramelli, a cantora que teve destaque em sua ópera italiana “L’oro non compra amore” exibida em Lisboa no ano de 1810 e que seria o primeiro trabalho da estréia de Marcos Portugal no Brasil. Entretanto, em 1811, ano em que completa 49 anos de idade, Marcos Portugal chega ao Brasil, aportando no Rio de Janeiro dia 11 de junho e trazendo Marianna Scaramelli em sua restrita comitiva.
Com vinte anos de idade Marcos Portugal iniciou serviços para a Família Real Portuguesa e em seus últimos anos serviu ao Imperador do Brasil Dom Pedro I, vindo a falecer em sua residência na Rua do Lavradio, no Rio de Janeiro, dia 17 de fevereiro de 1830, acometido por um terceiro ataque apoplético (Marques, 2012).
Marianna Scaramelli
Segundo Pacheco (2009), “Marianna Scaramelli” nasceu em Veneza no ano de 1785 e quando chegou ao Brasil, embora muito jovem, já tinha uma história profissional consagrada na Europa. Alguns dados sobre este histórico foram possíveis constatar a partir de 1802, ano em que completou apenas 17 anos de idade, por exemplo:
1802, Itália, Mantova: atua no drama “Il re Teodoro in Venezia” de Giovanni Paisiello, no Teatro Nazionale de Mantova (dados de libreto);
1804, Itália, Parma: participa do drama “L’innocenza protetta”, apresentado no Teatro Nazionale di Parma (dados de libreto);
1804, Itália, Trieste: representa na tragédia “Cleopatra”, no Teatro Nuovo (dados de libreto);
1805, Itália, Florença: é cantora da ópera “Ginevra di Scozia dramma eroico per musica da rappresentarsi nel regio teatro di via della Pergola l'autunno del 1805”, de Gaetano Rossi (dados de libreto);
1806, Portugal, Lisboa: participa da farsa “Ci vuol pasienza”, no Teatro São Carlos (dados de libreto);
1806, Portugal, Lisboa: atuação como soprano no drama “L’incognito”, no Real Teatro São Carlos (dados de libreto);
1807, Portugal, Porto: atua na tragédia para música “A morte de Cleópatra” (dados de libreto);
1807, Portugal, Lisboa: soprano da opera-ballet “La caravane du Caire”, Teatro São Carlos (dados de libreto);
1809, Portugal, Lisboa: interpreta Lisia em “La speranza ossia L’augurio Felice” de Marcos Antonio Portugal (dados de libreto);
1810, Portugal, Lisboa: soprano interpreta Rosina no drama “Il Barbiere di Siviglia ovvero La precauzione inutile” de Marcos Antonio Portugal, com o balé “I due rivali (...)” de Pietro Maria Pedrelli, no Teatro São Carlos (dados de libreto);
1810, Portugal, Lisboa: atua na ópera italiana “L’oro non compra amore”, de Marcos Portugal, assumindo o papel protagonista de Lisetta – ópera da estréia de Marcos Portugal no Brasil, em 1811 (dados de libretos);
1811, Portugal, Lisboa: seu nome é registrado como “Marianna Scaramelli Lacomba”, portanto, já casada, na Sociedade do Real Teatro São Carlos apresentando a Sinfonia Burletá “Nina o sia la Pazza per Amore” no dia 4 de janeiro de 1811, dirigida por Marcos Antonio Portugal (Gazeta de Lisboa, janeiro de 1811).
Brescia (2010) registra que “Marianna Scaramelli” teve uma carreira relevante “entre 1806 e 1810 nos teatros de Trieste, Parma, Florença, Lisboa e Porto”. Seu trabalho com Marcos Portugal estava consolidado na Europa há pelo menos três anos antes de sua vinda ao Brasil.
Os dados mostram que Marianna, desde muito jovem, foi um expoente como cantora, a exemplo de Marcos Portugal como compositor. Além de ter se destacado em importantes teatros europeus, fora a profissional que sabidamente atuava na Europa com Marcos Portugal, inclusive como protagonista de seus trabalhos, e foi escolhida por ele para integrar sua restrita comitiva de vinda ao Brasil.
Joseph Louis Antoine Lacombe
Pelos mesmos métodos empregados para encontrar as atuações de Marianna Scaramelli na Europa, consulta à literatura, indexadores de libretos e periódicos da época, não foi constatado nenhum trabalho de Joseph Louis Antoine Lacombe realizado antes de sua vinda ao Brasil.
Foram pesquisadas todas as ocorrências dos nomes “Lacombe”, “Lacomba” e “Lacomb” no intervalo de 1770 e 1830, nos buscadores referidos na metodologia. Os nomes encontrados mais semelhantes ao de Joseph Louis Antoine Lacombe pertenciam a profissionais de outras áreas. Foram encontradas indicações de “Doutor Lacombe”, “Joseph Lacombe” e “J. Lacombe” (autores de livros), “Louis Lacombe” e “L. Lacombe” (compositor com várias partituras publicadas, nascido em 1818) e “impr. Lacombe” (impressor de materiais gráficos). Nenhuma das referências encontradas fazia menção a um profissional atuante com dança cênica ou seu ensino. Foram realizadas buscas a balés europeus no referido intervalo e não foi observada nenhuma ocorrência do nome “Lacombe” associado a eles.
Portanto, Joseph, então com 25 anos de idade, vem ao Brasil acompanhando sua esposa, a profissional que trabalhava com Marcos Portugal na Europa e foi por ele incluída em sua comitiva, quando convocado por D. João VI.
No mês seguinte a sua chegada, sem constatações de qualquer atuação em função da Coroa e em busca de trabalho como professor de dança, Joseph publica um anúncio na Gazeta do Rio de Janeiro do dia 13 de julho de 1811:
AVISOS
Luiz Lacomba, Professor de Dança, ultimamente chegado ao Rio de Janeiro, tem a honra de anunciar a todas as pessoas civilizadas desta Cidade, que ele se propõe ensinar todas as qualidades de Danças próprias nas sociedades: todas as pessoas que lhe quiserem fazer a honra de tomar a suas lições, o poderão procurar na rua Ouvidor, n. 82, 3º. andar.
Não foi encontrado registro de atuação profissional de Luiz Lacombe (Joseph) na Europa, nem como dançarino e nem como mestre de dança anterior a este anúncio. Caso Luiz Lacombe (Joseph), após um mês de sua chegada, já estivesse contratado como dançarino do teatro da corte ou como professor de dança da Família Real, seria um diferencial forte, importante, a citar no anuncio, como se procedeu posteriormente. Entretanto, nesta ocasião, Luiz Lacombe (Joseph) cita apenas “ultimamente chegado ao Rio de Janeiro”.
Os registros encontrados das suas primeiras atuações cênicas no Brasil foram junto de Marianna Scaramelli e Marcos Portugal, no ambiente em que os dois últimos tinham colocação profissional, o Regio Teatro do Rio de Janeiro.
Segundo Kuhl (2007), “L. Lacombe” teria composto e dirigido o baile “Li due rivali”, apresentado junto com a ópera “L’oro non compra amore” na estréia de Marcos Portugal no Brasil, em 17 de dezembro de 1811, por ocasião da celebração do aniversario de D. Maria I.
Entretanto, Camargo e Camargo (1993) em referencia ao libreto desta opera “L’oro non compra amore” apresentada no Brasil em 17 de dezembro de 1811, registram a participação de “Marianna Scaramelli” enquanto o nome de Lacombe não é nem citado. Ainda em Camargo e Camargo (1993), na mesma comemoração, porém do ano seguinte, 1812, referenciando o respectivo libreto, são registrados os nomes tanto de “Marianna Scaramelli” quanto do “bailarino e coreógrafo Louis Lacombe” no elenco, ele, desta vez, trazendo a dança “Apolo e Dafne”. Por alguma razão, Camargo e Camargo (1993) ao abordarem as comemorações do aniversario de D. Maria I, registraram a atuação de Marianna Scaramelli tanto em 1811 quanto em 1812, porém, acusaram atuação de Lacombe apenas em 1812. Desta forma, percebe-se que a conjuntura de início da atuação profissional de Lacombe com a dança cênica no Brasil não esta suficientemente clara na literatura.
Há relatos de que os mestres do Imperador Dom Pedro II, em sua infância, eram medíocres (Schwarcz, 1998). Assim, talvez Luiz Lacombe (Joseph), que era um de seus mestres segundo Quintanilha (2006), se já tivesse realizado algum trabalhado como professor de dança antes de vir ao Brasil, fosse principiante nesta profissão. Outra possibilidade é que não se configurasse como dançarino ou professor de competência destacada, o que justificaria a dificuldade de encontrar registros de seu trabalho na Europa e a pouca ou nenhuma relevância dada por alguns autores ao início de seu trabalho no Brasil.
A verificação das densas, bem esclarecidas e indubitáveis vidas profissionais dos expoentes Marcos Portugal e Marianna Scaramelli na Europa, diante da ausência de informações sobre atuações profissionais de Luiz Lacombe (Joseph) e a nebulosidade de suas primeiras atuações no Brasil, permitem que se considere como provável que Luiz Lacombe (Joseph) tenha conseguido atuação no Brasil, primeiramente como dançarino e posteriormente como mestre de dança da Família Real, por influência de sua esposa, Marcos Portugal ou ambos.
Na continuidade de suas trajetórias notam-se outros trabalhos como, por exemplo, o registro do libreto da opera “Axur Re di Ormus”, de 1814, em que consta Marianna Scaramelli como atuante e a divulgação da Gazeta de Lisboa sobre a atuação de Luiz Lacombe (Joseph) no ano de 1818 em “O Prodígio da Harmonia” ou “O Triunfo do Brasil” no Teatro São João, no Rio de Janeiro.
Em 2 de junho de 1821, novo anuncio de aulas é publicado na Gazeta do Rio de Janeiro:
Luiz Lacombe, bailarino deste Real Theatro, recentemente chegado da Corte de Lisboa, faz saber que ensina toda qualidade de dança de salla, quem se quiser servir do seu préstimo dirija-se a caza do seu irmão. Lourenço Lacombe faz aviso que abre huma salla de dança em sua caza, rua do Piolho, 58, onde ensina todas as danças, que se usão em salla, e abre no primeiro de junho nos dias Segundas, Quartas e Sextas feiras.
Neste anúncio não é possível afirmar de quem se trata, se teria sido publicado por Joseph Louis Antoine Lacombe ou por Luiz Lacombe Junior.
Joseph se auto intitulava, como no anúncio anterior, “Luiz Lacombe” (ou Lacomba, que pode ter sido um erro). Pode-se cogitar que Luiz Lacombe (Joseph) retornara a Lisboa antes da publicação deste anuncio. Mas, uma viajem entre Brasil e Portugal, naquela época, levava cerca de 3 meses. Portanto, se estivera na Europa, provavelmente, se ausentou do Brasil por, no mínimo, meio ano.
Luiz Lacombe Junior, por sua vez, publicou muitos anúncios com seu nome incluindo “Junior”, mas, houve casos em que a falta deste último nome exigiu futura publicação para que fosse distinguido de seu irmão Joseph. Também é relevante considerar que seu nome começou a ser constatado nos jornais como dançarino atuante no Real Teatro a partir do ano de 1822.
De qualquer forma, neste anuncio, diferente do datado de 13 de julho de 1811, a primeira informação fornecida é sobre a atuação como bailarino do Real Teatro. Não se menciona atuação como mestre de dança da Família Real.
Tonholli (2010) fez um levantamento de publicações legais entre os anos de 1808 e 1834 e, segundo esta autora, em 1825 “Luiz Lacombe” foi efetivamente contratado como mestre de dança da Família Real, com o seguinte texto:
Tendo resolvido que Luiz Lacombe seja empregado no exercício de mestre de dança das Princezas Imperiaes, Minhas muito amadas e prezadas Filhas : Hei por bem ordenar que na respectiva folha do Thesouro Publico seja contemplado com ordenado annual de 4000000, que lhe serão pagos na forma do estylo pelo Thesoureiro da Minha Imperial Casa. Marianno José Pereira da Fonseca, do Meu Conselho de Estado, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Fazenda, e Presidente do Thesouro Publico, o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessários. Paço em 25 de Fevereiro de 1825, 4 o da Independência e do Império.
Neste caso foi possível constatar que se tratava de Joseph e não de Junior pela checagem de outros dados como, por exemplo, os endereços apresentados em anúncios subseqüentes. Enquanto atuavam como mestres de dança da Família Real os irmãos Lacombe publicaram anúncios fornecendo como endereço o Largo do Paço, “pateo da Ucharia”.
Os resultados desta pesquisa permitem entender a possibilidade de que quando chegou ao Brasil, em 1811, Luiz Lacombe (Joseph) não tinha ocupação profissional prevista nem em atuações de dança cênica nem como mestre de dança, diferente do que ocorreu com Marcos Portugal, que trazia consigo a protagonista de seu trabalho em Lisboa, Marianna Scaramelli.
Segundo Cardoso (2009) Luiz Lacombe (Joseph) ficou viúvo em 1822, quando Marianna Scarameli teria falecido aos 37 anos de idade. Possivelmente atingiu uma vida financeira que lhe permitiu alguma tranqüilidade, sabendo-se inclusive ter sido possuidor de um sítio em Tyribobo, Cidade de Nictheroy, onde tinha escravos.
Nesta pesquisa percebeu-se Luiz Lacombe (Joseph) como um rapaz que não se importou, quando jovem, numa época repleta de preconceitos e sem constatação de qualquer destaque profissional próprio, em se casar com uma mulher que brilhava profissionalmente, destacando-se nos mais importantes teatros europeus. Ao longo dos anos em que chegava à maturidade, manteve-se de forma discreta em suas publicações nos periódicos, até mesmo após sua contratação como mestre de dança pela Coroa.
Até o ano de 1832 Luiz Lacombe (Joseph) ainda anunciou pelos jornais que ministrava aulas de dança. Foi mestre do imperador, até meados do ano de 1833, quando Lourenço Lacombe, seu irmão, assume o cargo. Em 6 de setembro de 1833, ano em que faleceu, ainda anunciou no Diário do Rio de Janeiro o aluguel de uma escrava, fornecendo como endereço de contato o Largo do Paço, “pateo da Ucharia”. Conforme as datas fornecidas pelas fontes investigadas, viveu até os 46 anos de idade.
Lourenço Lacombe
Ellmerich (1987) aponta que Joseph Louis Antoine Lacombe teria um irmão cerca de um ano mais novo, de nome “Laurent Lacombe”, nascido em 1787 e falecido em 1839. Segundo Siqueira (1917), Lourenço Lacombe encontrava-se em Lisboa no ano de 1818, tendo chegado ao Brasil em 1819, conforme Quintanilha (2006).
Dos quatro irmãos Lacombe, Lourenço é o que aparece de forma mais saliente nos jornais, o que sugere uma conduta muito diferente do irmão Luiz Lacombe (Joseph).
Além de muitos anúncios de aulas, aparece como primeiro bailarino do Teatro São João, atuando em diversos espetáculos, citado inclusive em um trabalho gratuito, realizado com Estela Sezefreda. Seu nome consta, entre os anos de 1821 e 1824 em diversos anúncios de apresentações de dança, no Teatro São João. Em 1821 é citado como 1º. Bailarino, tendo seu nome sozinho em muitos anúncios. Em 1822 Lourenço Lacombe chega a publicar uma despedida do Teatro São João:
Lourenço Lacombe agradecendo ao Iluminado Publico desta Capital, as decedidas provas de acolhimento com que o mimoseou durante os 3 annos, que servio ao Theatro de S. João, anuncia que achando-se presentemente livre das ocupações do mesmo, se propõe a abrir sua salla de dança no Io. dia do próximo mez de Maio, para cujo fim convida todos os Senhores que se quiserem utilisar da mesma, assim como, para lições particulares em suas casas (...)
Mas, entre 1822 e 1824 aparece como compositor de várias danças apresentadas no Teatro São João onde atua também em raros duetos, citando-se a dança Lundum, com Maria dos Anjos.
Fez poucos tercetos incluindo Maria dos Anjos, Estela Sezefreda e Julieta Lacombe. Nos anúncios do Teatro São João aparece ao longo do tempo atuando juntamente com Maria dos Anjos, Luiz Lacombe Junior, Estela Sezefreda, o casal Augusto Toussant, José Sanches de L’Aguila, Carolina Piacentini, Julieta Lacombe, Carolina Anselmi, Felicianna Sanches de L’Aguila (possivelmente irmã de José Sanches), Carlota Anselmi, e Miguel Vaccani Filho. Este último aparece em textos publicados nos jornais revelando uma discórdia com Lourenço Lacombe advinda do trabalho como dançarino no Teatro São João, inclusive envolvendo os nomes Toussaint, Julieta Lacombe e “Marianna Scaranseli” (já falecida). Esta discórdia chegou a ser trazida a público por Lourenço, nos jornais.
Diário do Rio de Janeiro, Edição 100024 de 1824:
Lourenço Lacombe previnindo que possa ser estranhado do Respeitavel Publico, o não aparecer em Scena no espetaculo que em seu beneficio aprezenta hoje Miguel Vacani filho; tendo-se elle prestado não só a todos os seus companheiros, mais mesmo aos de fóra, julga do seu dever fazer publico os motivos desta falta, que não procedendo delle he só devida ao orgulho do beneficiado, Miguel Vacani filho tencionando fazer o seu beneficio pedio a Lacombe a Dança do Bey de Argel, que neste Theatro se reprezentou com geral aplauzo, porém exigindo logo fazer a parte que havia feito Augusto Toussaint; repugna Lacombe por esta dever ser feita por hum homem que aprezentou alguma illuzão do caracter que representava, e não por huma criança, offendeo-se o amor proprio d’elle, e rejeitouu não só algum intervalo em que eutra-se Lacombe, e até mesmo huma Dança nova que lhe offereceo compor e levar a Scena
Diário do Rio de Janeiro, Edição 200012 de 1824:
Tendo Miguel Vaccani filho feito imprimir, e espalhar por todos os Botequins, e lojas de Barbeiros, hum papel a que chama resposta, a Declaração de Lourenço Lacombe que apareceo no Diario de 31 do passado, apezar de se achar verificado o grande ponto de que se não houve dança foi por elle não querer e embirrar por força para fazer huma parte de homem, quando não póde fazer se não couza de criança. he necessario com tudo desmascarar algumas mentiras que ainda aparecem; a fim de que o respeitaval Publico, que não está ao facto d’entrigas Theatraes; e que póde ver o tal papel entre no verdadeiro conhecimento d’tudo. Primeiramente he falço o que diz d’Toussaint, a sua molestia foi só a cauza d’elle não entrar logo na dança do Bey, o que fez ao depois. Em segundo he muito mal achada a comparação de Julieta Lacombe, porque esta em pantominia ainda não foi excedida nesta Corte, e fóra d’ella foi sempre recebida com atenção em todos os Theatros onde apareceo; elle tinha em sahir de casa hum original mais expressivo podia aprezentar sua Má-Má-recheada da philaucia do seu costume sem conhecer huma só nota de Muzica e com vós de perua choca, aprezentara na seena, e querer competir com Marianna Scaranseli, e ter partido... porém vamos adiante. Em terceiro he mais falço o que diz o proprietario quando elle sempre foi franquissimo em pagar metade das despezas d’todas as Danças que ficão na casa, se tinha pouca vontade ou se não podia era o Beneficiodo ou o seu mentir querendo levar tudo á Receita e nada à despeza. Em quarto nunca se efferecem intervalos, os Beneficiados he que os pedem. emfim tudo está não em não ser parente de Lacombe porém em ser filho d’tal May..... Muito tinha Lacombe que dizer, porém como se acha confessado por elle mesmo o offerecimento da dança, e destruido o resto das outras partes que nada vallem, elle julga não dever cançar mais ao respeitavel Publico com a sua resposta, a quem pede desculpa desta pequena distracção.
Um texto de Miguel Vaccani Filho, bastante longo, impresso na Typografia de Silva Porto e Comp. em 1824 traz diversas informações. Vaccani registra que Lourenço Lacombe foi o agressor vaidoso que teria provocado a “liça” entre ambos. Na carta coloca que a esposa de Lourenço, Julieta, “figurante de último turno” é tolerada nos teatros portugueses, únicos em que apareceu. Cita ao final da carta que Lourenço Lacombe estava entre os “máos figurantes” do Teatro São Carlos de Lisboa, apenas conhecido por suas habilidades “comprazenteiras”.
Depois deste episódio, ainda em 1824, foi encontrada apenas mais uma apresentação envolvendo um Lacombe, no Diário do Rio de Janeiro, trazendo os nomes “Luiz José Lacombe Junior” e “Estela Cezefreda” em um “lundu”, no Teatro São João.
Em 25 de março do mesmo ano, após a representação do drama “Vida de Santo Hermenegildo”, houve um acidente com o ator Antonio da Bahia, resultando em um incêndio que destruiu o Teatro São João (Marinho, 1904). Ainda conforme o autor, depois da reconstrução o teatro foi reinaugurado com o nome de Teatro São Pedro de Alcântara, em 1826. Mas, os nomes dos Lacombe não apareceram novamente em anúncios de peças com dança.
Muitas publicações mostram Lourenço Lacombe mudando de residência, transferindo endereços em que ministrava aulas e vendendo bens. Em 1822 e em 1823 coloca à venda uma chácara que parece ter excelente padrão, com escravos, pomar, cavalos, horta, poço, "tudo arranjado com delicadeza e gosto", registrada como sua “vivenda”. Ainda informa que tem uma porção de pedra nesta chácara para algo que se queira construir e acrescenta um jogo de porcelana chinesa para 12 pessoas. Em 1823 juntamente com um anúncio de mudança de endereço e oferta de aulas, coloca duas escravas a venda, uma com 12-13 anos e outra com 15-16.
Nos endereços onde se estabelece, aparecem eventuais anúncios oferecendo para locação uma sala de dança. Também existem textos mostrando que Lourenço Lacombe, em 1824, além de vender, rifava jóias, o que o próprio Lourenço revelou ser uma atividade vista de forma desconfiada por algumas pessoas. Há também uma publicação sobre uma escrava de nome Melicianna, de propriedade de Lourenço Lacombe, que teria fugido, em 1824.
Com a morte de seu irmão, em 1833, parece ter assumido a função de mestre de dança do imperador. Em 1835, Lourenço Lacombe se identifica como "antigo mestre de dança nesta Corte" e critica pessoas que imprimiram uma parte de "suas contradanças" com "notaveis erros", por isto, resolveu reuni-las em uma coleção de 67 delas, mais duas galopadas e vendê-las, citando o nome de Laemmert, impressor da época. No mesmo ano o General Oleré (conhecido como doutor Cupidinho), acusa Lourenço Lacombe de apropriar-se nesta coletânea de duas galopadas suas, informando que vai a Juízo, na edição número 280 do jornal O Sete d’Abril:
(...) lendo com indignação no Jornal do Commercio de 5 do corrente mez de Setembro o seguinte annuncio - Recueil de soixante-sept contre-danses françaises, entre as quaes ha figuras de duas galopadas, por Lourenço Lacombe. Preço 800 rs. - faz publico que, apoiado no art. 261 do Codigo Criminal, vai accusar o dito Lacombe, afim de reivindicar a propriedade das figuras das duas galopadas, que são de invento seu; o que mostrará cumpridamente em Juizo por meio de Acção competente.
Em 1836 saiu uma nota no jornal Correio Official a respeito de um pedido de aumento de vencimento que Lourenço Lacombe fizera à Coroa.
No ano de 1839 José de Giovanni, professor de rabeca, coloca a venda a coleção de 67 contradanças e gavota de Lourenço Lacombe, referido como finado. Nesta referência, as galopadas que o General Oleré requisitou como suas, não são citadas. Talvez Lourenço Lacombe as tenha retirado nas últimas impressões.
Segundo Rangel (1945), Lourenço Lacombe, como outros mestres de Dom Pedro II, era medíocre, e para Miguel Vaccani Filho, em suas palavras, não passava de um mau figurante no Teatro de São Carlos de Lisboa. Mas, talvez a ótica de Lourenço Lacombe sobre si mesmo fosse diferente, os textos dos periódicos consultados deixam transparecer que tinha uma personalidade forte e nem sempre era polido, em alguns momentos, parecendo até mesmo egocêntrico e arrogante.
Os anúncios de aula por ele publicados foram constatados entre 1821 e 1831. No ano de 1839 aparecem referências a sua morte. Em uma delas, no Correio Official, divulga-se sobre falecimentos de três professores como parte do “Relatorio do Tutor de sua Majestade Imperial e Altezas”, um deles, “Lourenço Lacombe”. Na continuidade deste relatório consta que seria contratado um professor de alemão, por ser dispensável o de dança. Este ano de falecimento também é apontado por Ellmerich (1987) e em fontes de genealogia da família Lacombe, o que permite concluir que faleceu aos 52 anos de idade.
Luiz Lacombe Junior
Ellmerich (1987) refere-se a um irmão mais novo de Joseph, de nome “Louis”, nascido em Marselha no ano de 1794.
Entre os anos de 1822 e 1824 o nome “Luiz Lacombe Junior” é registrado na participação de vários números de dança no Teatro São João. Outros dançarinos que atuaram nos mesmos eventos que Luiz Lacombe Junior foram: Lourenço Lacombe, Maria dos Anjos, Mr. e Mde. Toussaint, Carolina Piacentini, José Sanches de L’Aguila e Miguel Vaccani. Em 1823 há registro de ter sido 2º. Bailarino. Durante estes anos todos os duetos encontrados tendo Luiz Lacombe Junior como parte, foram realizados com Estela Sezefreda, que em 1822 tinha apenas 12 anos de idade, sendo a parceira com quem dançou gavotas, lundus e caxuxa. Segundo Rondinelli (2012), Estela Sezefreda (1810-1874) começou sua carreira entre os dançarinos de Augusto Toussaint no Real Teatro de São João. O jornal Correio da Manhã de 23 de março do ano de 1955 traz um texto sobre Estela Sezefreda informando que viera do Rio Grande do Sul com 12 anos de idade, logo ingressando para o teatro “sem maior mérito que a graciosidade de sua figura”. Mais tarde se estabeleceria como atriz e se casaria com João Caetano (Faria, 2008).
Nesta pesquisa constatou-se que Luiz Lacombe Junior anuncia aulas de dança no Brasil a partir de 1832. Não há muitas ocorrências de seu nome nos jornais, sendo possível identificar que atuava como professor de dança, tinha uma sala de dança e também trabalhava em colégios de educação formal, que nesta época ofereciam aulas de dança para meninos e meninas. Notou-se, em um periódicos consultados, que Luiz Lacombe Junior, então atuando como professor de dança em um colégio, vem a público esclarecer que não é seu irmão conhecido como Luiz Lacombe. Como visto, Joseph Louis Antoine Lacombe se auto denominava Luiz Lacombe, e muitas vezes os diferentes irmãos eram citados como “Sr. Lacombe”, o que favoreceu algumas confusões.
Possivelmente havia algum grau de parentesco entre Luiz Lacombe Junior e Achiles Lacombe (2º Tentente), porque o primeiro solicitou a remoção do segundo para “esta Corte”, no ano de 1836.
No ano de 1840 Luiz Lacombe Junior anuncia que “moléstias mui graves o tem impossibilitado pelo espaço de 14 meses”, mas, que por estar restabelecido voltará a dar aulas e o endereço que fornece é o “pateo da Ucharia”, casa da Sra. D. Josefina Lacombe ou Rua da Princesa, 15. Pelo endereço fornecido é possível cogitar que estivesse atendendo à Família Real após o falecimento de Lourenço Lacombe. Constataram-se publicações de anúncios de aulas de Luiz Lacombe Junior entre 1832 e 1840.
O ano de seu falecimento não foi possível verificar pelos periódicos pesquisados. Mas, como em 1840 publicou estar seriamente doente e após esta publicação nenhuma outra foi verificada é possível que este tenha sido o ano de seu falecimento.
José Manoel Lacombe
Ellmerich (1987) refere-se ao quarto irmão Lacombe como “Francisco Manuel”, que teria nascido na Itália. Nos jornais brasileiros lê-se o nome “José Manoel Lacombe”, citado textualmente como irmão de “Luiz Lacombe Junior” e de “Lourenço Lacombe”.
Em 1815 seu nome aparece em um balé apresentado em Lisboa, sob a temática da batalha de Vimeiro, como dançarino de uma coreografia de Antonio Cairon (Budasz, 2008). José Manoel Lacombe oferece aulas no Brasil em 1829, pelo que se constata nos jornais da época, conforme a metodologia citada. Em janeiro de 1834 informa que mudou de endereço devido à enfermidade de sua senhora.
De todos os quatro irmãos Lacombe, este é o que aparece com menor freqüência nos jornais.
O ano de sua morte também não foi possível verificar pelos periódicos pesquisados, mas, os anúncios de suas aulas ocorreram entre os anos: 1829 e 1837.
Tabela cronológica
A Tabela 1 reúne dados cronológicos que foram possíveis de se obter dos quatro irmãos. Inclui os anos de nascimento, falecimento, vinda ao Brasil e os intervalos de anos em foram constatados seus anúncios de aulas nos periódicos consultados.
Tabela 1. Nomes dos quatro irmãos Lacombe, anos de nascimento e falecimento, chegada ao Brasil e intervalo de anos em que se constataram anúncios de aulas
Outros Lacombe
Nos documentos consultados contendo nomes dos quatro irmãos Lacombe, outros nomes com sobrenome Lacombe foram constatados: Luiz José Lacombe (1824); Luiz Lacombe Cadet (1824); Achiles Lacombe (1836); Mercier Lacombe (1838); Josefina Lacombe (1840); Pedro Paulo Beltrão Lacombe (1845); Gertrudes Lacombe (1845); Anna Luiza Lacomba (1845); Tomazina Lacombe (1847); Luiz Antonio Lacombe (1847); Julieta Jubeta Lacombe (1845); Pedro Jose Lacombe (1856); Lourenço Lacomba da Silva (1857).
Conclusões
A organização da Biblioteca Nacional do Brasil, pela sua Hemeroteca Digital, e a viabilização de buscas por unitermos em diversos documentos mostraram-se fundamentais para a aplicação da metodologia com a obtenção de dados relevantes para os objetivos desta pesquisa.
Considerando que a leitura integral destes periódicos em busca de informações sobre os assuntos alvo desta pesquisa é inexequível, pelo fato de demandar um tempo que inviabilizaria a pesquisa, o método adotado revelou-se de significativa utilidade.
Foi possível encontrar diversas informações sobre estes quatro irmãos que não constam na literatura sobre história da dança no Brasil. Os resultados obtidos permitiram a compreensão dos contextos reveladores de possíveis razões que trouxeram o primeiro deles ao Brasil, recortes sobre o papel profissional de cada um, aspectos de suas qualidades técnicas, intervalos de tempo durante o qual ofereceram serviços, tipos de atividades que desenvolviam, informações sobre suas interações com a Família Real e a sociedade, dados a cerca de suas condições de vida e até algumas características pessoais.
Constatou-se que todos os quatro irmãos trabalharam efetivamente com dança no Brasil do início do século XIX. As atividades profissionais incluíram práticas cênicas, ensino de dança para membros da Família Real, da população e em colégios de educação formal. Foi possível notar diferenças entre eles quanto à forma que faziam uso dos jornais por meio de suas publicações. Constataram-se os nomes dos quatro irmãos Lacombe, nos periódicos consultados, entre os anos de 1811 e 1840, revelando que toda a trajetória dos quatro, no Brasil, não chegou há 30 anos.
Estudos futuros podem revelar dados ainda desconhecidos e aprimorar os métodos de busca trazendo complementos às informações encontradas nesta pesquisa.
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