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Esporte e Terceiro Setor/projetos sociais: 

análise da produção acadêmica no Brasil

Deporte y Tercer Sector/proyectos sociales: análisis de la producción académica en Brasil

 

*Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo - área Estado, Sociedade e Educação

Professora Assistente do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade

de São Paulo. Coordenadora do GEPAE-Grupo de Estudos e Pesquisa em Gestão do Esporte EEFEUSP.

**Doutorando da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.

***Membro do GEPAE-Grupo de Estudos e Pesquisa em Gestão do Esporte EEFEUSP

(Brasil)

Leandro Carlos Mazzei**

Adriano Pires de Campos***

Rodrigo Rangel de Oliveira***

Marcelo Moreira Passos***

Flávia da Cunha Bastos*

flaviacb@usp.br

 

 

 

 

Resumo

          O esporte sob a ótica do terceiro setor é temática recente no meio acadêmico, tanto na formação de profissionais como em termos de pesquisa. Este estudo teve como objetivo analisar a produção acadêmica sobre projetos sociais de esporte no Brasil, Foi realizada pesquisa documental das teses disponibilizadas no Portal de Teses e Dissertações da CAPES até o ano de 2012. Verificou-se aumento do número de teses no período estudado, vinculados a diferentes linhas de pesquisa, sendo a maioria à Educação Física. No entanto, verifica-se também escassez de estudos em relação a determinadas temáticas, em especial sobre a gestão dos projetos. Estes achados podem ser considerados uma lacuna em termos de uma importante área de intervenção profissional de licenciados, bacharéis de Educação Física e Esporte.

          Unitermos: Gestão. Esporte. Educação Física. Monografia.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 186, Noviembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Desde os anos mil novecentos e noventa, a sociedade brasileira passou a conviver com termos como organizações não-governamentais (comumente conhecidas como ONGs), trabalho voluntário, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. São, dentre outros, termos que se referem às ações desenvolvidas no chamado Terceiro Setor, espaço social que comporta ações de combate às desigualdades sociais, combate à fome, proteção ao meio ambiente, difusão de direitos humanos, dentre outras causas humanitárias. A área esportiva também compõe esse rol de ações, sendo o esporte bastante utilizado como ferramenta de combate à desigualdade social.

    A maior atuação da sociedade frente aos problemas que a afetam tem suas origens na redefinição do papel do Estado que ocorreu durante as duas últimas décadas. Andion (2005) descreve este processo como a emergência de uma democracia que provém não do triunfo das instituições democráticas tradicionais, mas, especialmente, do fortalecimento de uma sociedade civil ativa. Esse fortalecimento é um fenômeno central para a compreensão do surgimento e da legitimação da chamada economia solidária em diferentes países.

    No Brasil, o termo Terceiro Setor é expressão utilizada por vários autores para caracterizar as organizações que atuam no domínio social, muitas vezes em parceria com o poder público (primeiro setor) e empresas (segundo setor). Originário dos países anglo-saxões, o conceito de Terceiro Setor refere-se à natureza das organizações que não pertencem ao aparelho burocrático do Estado, nem ao conjunto das empresas privadas e demais instituições que compõem a economia de mercado. Cabe, nessa definição, um conjunto vasto de organizações, que vão desde as ONGs, passando pelas fundações empresariais e institutos, incluindo também as organizações populares, cooperativas de crédito e organismos internacionais de cooperação, que atuam como parceiros dos agentes locais (Anheier; Seibel, 1990; Fischer; Falconer, 1998; Mendes, 1999; Carrion, 2000; França Filho, 2002; Lechat, 2002; Junqueira, 2004; Andion, 2005; Fischer, 2005).

    Nessa ótica, o Terceiro Setor é composto de por organizações privadas sem fins lucrativos, que atuam nas lacunas deixadas pelos setores público e privado, buscando a promoção do bem-estar social. O termo ONG (Organização Não-Governamental) foi utilizado pela primeira vez pelo ECOSOC (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) em 1950, que define uma entidade sem fins lucrativos e que não está vinculada a nenhum órgão do governo.

    Na defesa da tese de que o Terceiro Setor brasileiro evoluíra no aspecto da legitimação, Salomon (1998) ressalta três aspectos: 1º - a criação de um marco legal - a Lei N.º 9.790 (BRASIL, 1999), chamada Lei das Oscips (que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, instituindo e disciplinando o Termo de Parceria, e outras providências); 2º - o aumento do interesse das pessoas pela atividade social; e 3º - um maior reconhecimento público do trabalho das organizações.

    O quadro relativo a organizações e projetos desenvolvidos a partir de atividades esportivas e de lazer pelo Terceiro Setor no Brasil foi descrito por Oliveira; Húngaro; Athayde (2011) ao analisarem a pesquisa “As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil” de 2002. Os autores identificaram um crescimento, a partir da década de 80, do “terceiro setor” na área ligada ao “Esporte e Recreação”.

    Esse fenômeno tem ligação ao tratamento que o Esporte tem tido quanto ao seu papel como elemento de desenvolvimento humano e social. (ONU, 2005). No Brasil, evidencia-se essa concepção após a inserção do Esporte na Constituição Federal de 1988 como direito social (BRASIL, 1988) e na Lei nº 9.615 (BRASIL,1998). Desde então, o Estado brasileiro tem ação cada vez mais marcante no que se refere ao desenvolvimento de políticas públicas de Esporte, incorporando-o no rol das políticas sociais. O Estado tem se caracterizado por coordenar a política nacional do setor e implementar e fomentar projetos específicos voltados ao Desporto de Rendimento, Desporto Educacional e de Desporto de Participação, com diferentes níveis de articulação com a sociedade civil e o Mercado (BASTOS, 2008).

    Melo (2005) considera que ações voltadas a cidadania, ao combate a mazelas sociais, ao desenvolvimento de capacidades e habilidades esportivas são alguns dos diversos motes que permeiam projetos sociais de esporte. Segundo o autor, entre tantas experiências, é possível identificar alguns pontos em comum: a) apresentam-se como alternativas de promoção de inclusão social, tendo em vista o quadro de desigualdade que grassa em nosso país; b) com isso, adotam o discurso de vinculação com a idéia de construção de cidadania, ainda que muitas vezes tratem do conceito de forma genérica e imprecisa; (...) d) majoritariamente contam com a participação de organizações não governamentais (ONGs), seja como líderes exclusivas do projeto (responsável pela estruturação e operacionalização, a partir de financiamento de fontes privadas diversas, como as advindas de fundações internacionais ou nacionais), seja conduzindo o projeto fazendo uso de recursos públicos distribuídos em editais (como os lançados pela atual gestão do governo federal no âmbito dos ministérios do esporte e da cultura), ou mesmo sendo convocadas pelo próprio poder público para, em seu nome, desempenhar determinadas ações (MELO, 2005).

    Mascarenhas (2008) analisou as conseqüências do que denomina de “[...] processo de despolitização e filantropização das políticas sociais, especialmente das políticas setoriais de lazer [...]”, a partir da retração da participação estatal na condução das políticas públicas que propiciaram uma significativa expansão da ação de organizações sociais não-estatais sem fins lucrativos (MASCARENHAS, 2008, p. 32-33).

    O papel das organizações do terceiro setor no setor produtivo do País foi avaliado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, indicando que suas ações envolvem valores que correspondem a 5% PIB no Brasil, através de 32.203 Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos envolvendo a atuação de 95 134 trabalhadores assalariados (BRASIL, 2005).

    Um grande desafio que se coloca àqueles que atuam no campo social, que como vimos é novo na sociedade brasileira e de abordagem multidisciplinar, é ter acesso a um corpo de conhecimentos relativo à gestão de organizações de Terceiro Setor que desenvolvem ações de Esporte. Apesar das atividades desse setor se configurarem como processo social de constatada importância, pesquisas demonstram que áreas, principalmente aquelas vinculadas ao Esporte, parecem não ter despertado a atenção do meio acadêmico brasileiro.

    O estudo de Bastos; Oliveira, Passos; Campos (2012), que apresentou levantamento da produção de dissertações e teses nas Universidades Estaduais Paulistas concluiu que a abordagem do tema é limitada a estudos nos campos da Medicina (1), Sociologia (2), Pedagogia (2) e Economia (1). Em relação a temática Gestão não foi identificado nenhum estudo.

    Tendo em vista que a produção do conhecimento sobre determinado tema é ferramenta importante para sustentar e mesmo fundamentar a pesquisa e a formação de profissionais que atuarão na realidade brasileira, a análise dessa produção no cenário nacional poderá contribuir para o aprofundamento do elo entre o que o meio acadêmico produz e a prática dos profissionais nas instituições.

    Diante desse cenário, considera-se relevante investigar a produção científica relativa ao tema no Brasil no sentido de se identificar e analisar a produção acadêmica. Pretende-se ainda analisar o estado da arte desse tema de investigação, a fim de sustentar o direcionamento de futuros estudos e pesquisas. Nesse sentido, a presente pesquisa teve como objetivo identificar a analisar a produção acadêmica (Teses de Doutorado) sobre Esporte e Terceiro Setor no País do ponto de vista de seus objetivos e métodos de estudo.

Materiais e métodos

    Esta pesquisa é caracterizada como exploratória e descritiva; e quanto aos meios, como documental e bibliográfica (VERGARA, 2006). As informações foram obtidas através de busca eletrônica de Teses de Doutoramento no sítio do Banco de Teses da CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior) em sua ferramenta de busca e consulta por “Resumos” de teses e dissertações defendidas a partir de 1987, através de pesquisa por palavras-chave.

    O procedimento foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética da EEFEUSP (nº 03287712.4.0000.5391) em 2012.

    Foram realizadas buscas sucessivas da combinação da palavra Esporte com as expressões no singular e no plural e respectivas siglas, com termos associados utilizados por Campos et al. (2012): “Organização Não Governamental”, “ONG”, “Terceiro Setor”, “Responsabilidade Social”, “Organização Social”, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público”,” OSCIP” e “Projeto Social”, no título, resumo ou palavras-chave. Foram consideradas os títulos das produções cadastradas no sistema CAPES até o ano de 2012.

    A listagem obtida em cada expressão foi exportada para planilha eletrônica. O número de Teses resultante da busca é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1. Total de Teses de Doutorado no Portal da CAPES e total por descritor em cruzamento com a expressão Esporte

    Para se identificar o número de títulos em termos absolutos, as 212 referências foram classificadas por ordem alfabética, dessa forma, foram verificadas e desconsideradas as duplicidades dos mesmos em diferentes descritores. Dessa forma, foram obtidos 102 títulos de diferentes autores.

    A partir desses títulos duas formas de análise foram desenvolvidas. Inicialmente foi realizada a análise das palavras-chave e a leitura dos Resumos para identificar os objetivos expressos nos 102 resumos. A análise do objetivo dos trabalhos possibilitou a identificação de 17 Teses que efetivamente tratavam da temática Esporte, sendo que as demais apenas citavam a expressão Esporte entre nos estudos. Ainda a partir dessa leitura, com base na temática e na proposta de análise apresentadas pelos autores nas Teses, foi possível identificar dois propósitos distintos nos estudos, que resultaram nos seus grupamentos: a) estudos relativos a aspectos internos de organizações/projetos de Esporte e b) estudos de outros temas que utilizaram sujeitos de organizações/projetos de Esporte.

    A segunda etapa foi a análise descritiva dos dados dessas 17 Teses, que seguiram os seguintes parâmetros: 1) a distribuição por ano da produção; 2) a origem geográfica das instituições da produção; 3) a área do conhecimento da produção; 4) as linhas de pesquisa nas quais as produções se inserem; 5) os campos de conhecimento nos quais as produções se inserem – Medicina, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, História, Filosofia, Biomecânica – propostos por Haag (1994, apud TUBINO, 2002) e 6) os métodos e procedimentos de pesquisa utilizados, conforme critérios de Vergara (2006).

Resultados e discussão

    Os resultados iniciais gerais, em termos do ano de defesa das 17 Teses (Gráfico 1), indicam que a distribuição da produção se apresenta de forma irregular no período, entretanto verifica-se picos de produção nos anos 2004 e 2008, com uma maior regularidade do número de nos últimos 5 anos, de 2007 a 2012, excetuando-se o ano de 2011.

Gráfico 1. Distribuição por ano da defesa das Teses

    Esse pequeno número de trabalhos já tinha sido relatado por Bastos et al. (2012) em termos de porcentuais de Teses identificadas na CAPES conjugados com a palavra esporte, entre 0,74 e 2,86%, conforme o descritor.

    Em termos da distribuição geográfica das instituições onde as 17 Teses foram desenvolvidas (Gráfico 2) registra-se maior concentração de Teses em estados do Sul e Sudeste do País.

Gráfico 2. Distribuição geográfica das instituições

onde as Teses foram defendidas

    Quanto à área do conhecimento do Programa de Pós-Graduação, considerando-se ainda o conjunto da produção, a área de Educação Física tem forte preponderância sobre as demais (Gráfico 3).

Gráfico 3. Distribuição das áreas do conhecimento dos Programas de Pós-Graduação

    Após esses resultados gerais da produção, foram classificadas 5 Teses como (a) estudos relativos a aspectos internos de organizações/projetos de Esporte e 12 (b) estudos de outros temas que utilizaram sujeitos de organizações/projetos de Esporte.

    A preponderância de Teses produzidas na área de conhecimento Educação Física se reafirma, independentemente dos grupamentos das Teses propostos para esta análise, ou seja, 3 das 5 Teses no grupamento a), e 5 das 12 Teses no b). Em relação às Linhas de Pesquisa, foram encontradas 17 diferentes linhas, o que indica que a temática Esporte se insere em diferentes abordagens, mesmo dentro da área de conhecimento Educação Física (Quadro 1).

Quadro 1. Linhas de Pesquisa das Teses por grupamento

    Em termos dos campos de conhecimento das Ciências do Esporte propostos por Haag, 1994, apud TUBINO, 2002 (Medicina, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, História, Filosofia, Biomecânica) nos quais as produções da área do conhecimento Educação Física se inserem, uma vez que as linhas de pesquisa são diversificadas, é possível evidenciar o campo da Sociologia (identidades culturais – 1 Tese, representações sociais -2), da Psicologia (1 - embora a linha de pesquisa seja Atividade Física e Performance), o que corrobora os achado de Bastos et al. (2012), sobre a produção de dissertações e teses nas Universidades Estaduais Paulistas em termos do campo da Sociologia. As temáticas Educação Científica, Gestão do Conhecimento e Análise Institucional não se alinham com os campos de conhecimento propostos pelo autor.

    Em termos da abordagem de pesquisa, os resultados mostram que independentemente dos grupamentos das Teses é predominantemente qualitativa (Gráfico 4).

Gráfico 4. Métodos de pesquisa

    Quanto aos meios de investigação utilizados nos estudos, há um predomínio de pesquisas de campo (Gráfico 5), coerente com os propósitos dos estudos do grupamento (b) estudos que utilizaram sujeitos de organizações/projetos de Esporte, enquanto que o Estudo de caso é ligeiramente mais freqüente nos referentes ao estudo de organizações/projetos (a).

    Dessa forma, são evidenciados meios de investigação próprios das áreas em que os estudos estão inseridos.

Considerações finais

    Com base na pesquisa realizada foi possível analisar a produção acadêmica de Teses de Doutorado sobre Esporte e Terceiro Setor no País. Identificamos um aumento do número de estudos sobre o tema nos últimos anos, mas que ainda se revela em descompasso com o constante crescimento de organizações/ projetos sociais de Esporte no País. A diversidade das áreas e linhas de pesquisa reafirma a relevância do tema, presente em diversas áreas do conhecimento.

    Do ponto de vista de seus objetivos, constatamos que pouquíssimas linhas de pesquisa estão voltadas à compreensão e avaliação de aspectos institucionais e pedagógicos das organizações/ projetos sociais.

    Em termos da área de Educação Física, revela uma lacuna em termos de uma importante área de intervenção profissional de licenciados, bacharéis de Educação Física e Esporte e profissionais dedicados a Gestão do Esporte. Esse fato reflete a realidade do direcionamento de cursos de Pós-Graduação na área de Educação Física e Esporte no País, que tradicionalmente está voltada as áreas de Biodinâmica e Pedagogia.

    Dessa forma, sugerimos que novos estudos sejam realizados no sentido de se analisar a produção em revistas científicas e a produção literária sobre o tema e que se estimule a produção de estudos voltados à gestão desses projetos.

Referências

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