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Angústias educacionais (compartilhadas 

com o professor Vitor Marinho de Oliveira)

Angustias educacionales (compartidas com el profesor Vitor Marinho de Oliveira)

 

Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Professor Adjunto da Universidade Estadual do Centro-Oeste e do Programa

de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)

Gilmar de Carvalho Cruz

gilmailcruz@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O falecimento recente do Professor Vitor Marinho de Oliveira (07/09/2013) e sua inestimável contribuição ao campo da Educação Física remete-nos a reflexões de interesse. Não se trata de render-lhe homenagem póstuma, mas, ao contrário, de instigar-nos o aprofundamento de nossos investimentos no que diz respeito à contribuição para o desenvolvimento da Educação Física. Num momento em que tanto se fala de megaeventos e seus legados, particularmente no Brasil – por ocasião da realização da Copa do Mundo da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) e dos Jogos Olímpicos de Verão, por se realizar nos anos de 2014 e 2016, respectivamente –, é conveniente lembrar e destacar legados humanos que nos inspiram avançar no aprimoramento de nossas reflexões e ações acadêmico-profissionais no campo da Educação Física. O texto que se apresenta foi escrito após o primeiro ano no magistério público municipal no Rio de Janeiro, em 1993, e contou com a contribuição do Professor Vitor – interlocutor inigualável, capaz de aguçar-nos a compreensão da realidade e com ela comprometermo-nos na perspectiva de seu aprimoramento e da superação de suas contradições, social e historicamente construídas. Deparamo-nos com o momento de cotejar legados mega e legados humanos e suas implicações na e para a Educação Física.

          Unitermos: Educação. Escola. Professor. Vitor Marinho de Oliveira.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 185, Octubre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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A escola e suas crises

    Estamos em uma escola pública. Deparamo-nos então com um grupo de crianças negras, brancas, mestiças, com algum tipo de deficiência... Todas crianças. Algumas nos chegam bem arrumadas, cabelos e unhas demonstrando bom trato e um cheirinho de banho tomado. Outras estão quase descalças, roupa suja e com rasgos, cabelos e unhas em guerra declarada contra as tesouras, mas, todas crianças. Após o primeiro contato inicia-se a tentativa de estabelecer alguma relação com o grupo e logo percebemo-nos no preâmbulo de uma vasta coletânea de diferenças que se estendem do aspecto visual até a mais profunda expressão afetiva. Diferenças entre as crianças e entre as crianças e nós. O que fazer após aflitiva constatação?

Professor Vitor (1943-2013)

    Mesmo antes de definirmos os “pressupostos filosófico-metodológicos” já presentes no contato inicial, são estabelecidos pré-conceitos notadamente maniqueístas. As crianças passam instantaneamente a serem encaradas como objetos de cores e formas distintas aguardando por um rótulo. Não são mais crianças, apenas coisas, boas ou más, bonitas ou feias, não importa a tentativa de amenizar os conceitos pré-estabelecidos. Esta atitude inclina-se a favorecer o surgimento de uma atmosfera hostil, obrigando as crianças a se vestirem num manto de agressividade que mais é um mecanismo de defesa. A convivência diária determina o surgimento de crises não apenas no campo profissional, mas sobretudo no pessoal.

    É notória a acepção da palavra crise em seu uso diário, sendo comum considerá-la como algo negativo. No entanto, o que a torna negativa ou positiva é a maneira pela qual a percebemos e o que fazemos a partir desta percepção. A crise é benéfica quando considerada como um momento de desequilíbrio que leva ao refletir-agir ante um acontecimento de nosso interesse. Desequilíbrios e desencontros, formando o pano de fundo para o começo de um vínculo entre professor e aluno.

Escola: razões e sensibilidades

    Vemos, por exemplo, adultos e crianças coexistindo num CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) de beira de estrada em Campo Grande – zona oeste da cidade do Rio de Janeiro –, confrontando valores, aniquilando uns, ressuscitando outros. Continuamos a vê-los em tantas outras escolas públicas... Professores perplexos, repletos de “poderes divinos”, são arrebatados pelas imagens proporcionadas pelas crianças e retornam à condição de simples mortais. Somos todos produtos de uma sociedade de classes multiplicadora de desigualdades sociais, e repleta de contradições. As diferenças entre as crianças e nós são bem menores do que se considera a priori.

    Não possuir sensibilidade para enxergar e sentir o contexto no qual as instabilidades sociais ocorrem, empobrecerá qualquer perspectiva traçada dentro de uma proposta pedagógica que pretenda contestar o estabelecido. Saber-se parte do todo, considerando os condicionantes sócio-econômicos norteadores de comportamentos diversos, constitui elemento de inestimável valor em nossa ação.

    Retornemos a uma escola pública qualquer – sem ultra-generalizações. Observamos, sem esforço, que gradativamente fala-se mais alto e chega-se a gritar. Se olharmos para os lados, verificamos que quase todos estão assim, modificados. Forma-se um exército capaz de julgar sem o menor constrangimento quem é bom ou mau, belo ou feio. Professores armados, inconscientemente, com os mesmos recursos utilizados pelas crianças. Abusando do autoritarismo e da coerção como se os pequeninos, pseudo-opositores, representassem aqueles que na realidade os oprimem. Há uma tendência de se atribuir a vitória do confronto aos professores, maiores, mais fortes e legitimadamente os donos do poder decisório. À luz dos conflitos emergentes no ambiente escolar, quem transforma quem na relação educador-educando?

Contestações e utopias na e para a construção da escola que queremos

    É preciso encarar-se como integrante desta realidade e algumas vezes observá-la de fora. Permitindo-se identificar seus limites, e traçando novos rumos profissionais e pessoais, criar-se-á a possibilidade de resgatar a dimensão transformadora do ambiente pedagógico. A capacidade de distanciar-se momentaneamente da realidade permite o vislumbre de autênticas utopias.

    Porém, mergulhados num estado de profunda e perene alienação, dificilmente notamos tão límpida e frívola verdade. O discurso e a ação, a teoria e a prática, dessa forma, combinam-se como pares intangíveis, que parecem jamais terem sido apresentados um ao outro. Quaisquer relações mantidas em bases inconsistentes não tardarão em desmoronar, caracterizando um eterno movimento reconstrutor de obras desprovidas de qualquer relevância social.

    Compartilhamos de um mesmo espaço social, quer sejamos brancos, negros, pobres, ricos, com ou sem algum tipo de deficiência explícita... Todos cidadãos. Todavia, muitos discriminados equivocadamente pela falta de oportunidades para exercer o direito à cidadania, e, conseqüentemente, detentores de um potencial humano e criativo impossibilitado de aflorar. Como fôssemos “cinderelas” e “cinderelos” ávidos pela realização de um sonho, esperamos a aparição da “fada-madrinha” capaz de oferecer uma noite longe de trapos e ratos, aguardando a chance comum de ser um indivíduo que possa desfrutar das coisas da vida.

    As crianças começam muito cedo a estruturar os alicerces da cidadania. São desde bebês seres humanos com caracteres próprios, ansiosos por encontrar respeito no mundo dos adultos. Respeitar as crianças, sim, mas sem perder de vista que educar é, sempre, intervir na realidade do outro e, por conseguinte, em nossa própria realidade. Faz-se necessário, portanto, repensar a prática pedagógica concernente às relações humanas instituídas na escola.

    As disparidades observadas entre as crianças dentro da escola refletem oportunidades diferenciadas às quais seres humanos, e cidadãos, são arbitrariamente submetidos. As relações intra-escolares devem apoiar-se no respeito mútuo, caminhando em direção à harmonização das diversidades pessoais. Entretanto, repete-se diariamente uma relação de força, a idéia fixa de sobrepujar o companheiro. Adversários disputando o espaço, a comida, o afeto.

    Somos peças integrantes de uma imensa engrenagem, movendo uma máquina que mal conhecemos ou sabemos para onde vai. Mas decerto seu funcionamento depende de nós e pode por intermédio de nossa ação ser modificado. O resgate de uma prática educacional comprometida em dar seu contributo à reorganização da problemática social perpassa a ótica sob a qual as crianças são apreciadas. É fundamental captar o que se encontra escondido por trás de cada criança. Primordial entender que apesar de algumas aparentarem bons tratos e outras não, ainda assim, continuam sendo, todas, crianças. Urge a obrigatoriedade de perceber as crianças em plenitude, contextualizando-as, sempre. Sem esquecer que também pertencemos a este contexto. E contestá-lo nada mais é que enveredar por angustiantes sensações. Urge transformar essas angústias em utopias necessárias à escola.

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