Indícios da profissionalização do voleibol masculino no Rio Grande do Sul: o caso da equipe do Banco Sulbrasileiro Evidencias de la profesionalización del voleibol masculino en Río Grande do Sul: el caso del equipo del Banco Sulbrasileiro |
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*Alunos do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Escola de Educação Física (ESEF) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) **Professora do curso de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da ESEF/UFRGS (Brasil) |
Eduardo Klein Carmona* Alice Beatriz Assmann* Janice Zarpellon Mazo** |
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Resumo O voleibol masculino no Rio Grande do Sul tinha um caráter amador até a década de 1970. No entanto, no início da década de 1980, gradualmente começou o processo de profissionalização do voleibol com a presença de patrocinadores do esporte. Desta forma, esta pesquisa busca descrever o processo de profissionalização do voleibol masculino no Rio Grande do Sul, por meio do caso da equipe do Banco Sulbrasileiro. Evidenciou-se que o Banco Sulbrasileiro foi pioneiro no patrocínio do voleibol no Estado, oportunizando aos atletas a remuneração e melhores condições de treinamento. Esta iniciativa de profissionalização do voleibol no Rio Grande do Sul foi fundamental para promover não só o esporte no Estado, mas também no país. A partir da década de 1980, começa uma fase de vitórias internacionais do voleibol brasileiro a qual se estende até os dias atuais. Unitermos : Voleibol. História do esporte. Profissionalização.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 185, Octubre de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O voleibol no estado do Rio Grande do Sul, entre os anos 1970 e 1980, vivenciou a transição do amadorismo para a profissionalização. Na fase amadora, prevaleceu à falta de investimentos em equipes de clubes e mesmo nas seleções, percebendo-se um grande esforço dos atletas para dedicarem-se ao esporte. Uma característica marcante dessa época, é a amizade e o convívio social que o voleibol propiciava entre os atletas. Neste período quase não ocorriam intercâmbios entre clubes, desta forma, o mesmo grupo de atletas atuava pelo mesmo clube por um longo período de tempo. Isso aproximava as relações entre atletas, comissão técnica e clube, sendo considerados em alguns momentos como uma família.
Durante o amadorismo, os atletas tinham de conciliar o calendário de treinamentos e jogos com empregos e estudos, ocorrendo situações em que tinham de optar por um ou outro. Neste momento surgia a dúvida: a busca de uma profissão ou a dedicação e vontade de seguir no esporte? A resposta normalmente culminava com um período curto de vida esportiva. Tendo de recorrer ao encontro do sustento financeiro, os atletas encerravam suas carreiras brevemente.
No início dos anos de 1980, começa a ocorrer outro movimento no esporte, é o início da profissionalização do voleibol no país. Com a entrada gradual dos patrocinadores, a prática do voleibol nos clubes foi impulsionada, caracterizando uma nova fase desse esporte. Neste período o investimento no esporte torna-se considerável e os atletas passam a se dedicar exclusivamente para o esporte, fator decisivo para o desenvolvimento do voleibol e para alcançar a representatividade que a modalidade tem hoje.
Esta pesquisa busca descrever o processo de profissionalização do voleibol masculino no Rio Grande do Sul, por meio do caso da equipe do Banco Sulbrasileiro.
A profissionalização do voleibol no Brasil
Durante os Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, Carlos Arthur Nuzman, na época presidente da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) percebeu que diversos jogadores brasileiros de voleibol estavam defendendo times italianos e que estava faltando algo para manter jogadores e equipes de alto nível no Brasil. Marcus Vinicius Freire, ex-jogador de Voleibol, relatou esta situação em entrevista cedida ao site UOL Esporte:
Tudo começou nos Jogos de Moscou. O Nuzman estava na arquibancada com o Braguinha [empresário Antonio Carlos de Almeida Braga], que perguntou o que faltava para o Brasil disputar medalha. Depois de ouvir que era apoio, ele decidiu investir no esporte (FREIRE, 2009).
A partir daí, após quase um ano de conflito com o Conselho Nacional de Desportos (CND), em 1981 foi revogada à proibição de empresas e patrocinadores atuarem junto a clubes e entidades esportivas e também de estampar em seus uniformes as propagandas das marcas patrocinadoras (MARCHI JÚNIOR, 2003). Desde então, começou o investimento financeiro das associações esportivas na modalidade, situação que elevou a qualidade do voleibol nacional, através de melhorias na estrutura de treinamento e o pagamento mensal de salários a atletas e, conseqüentemente, a permanência dos mesmos no país.
A primeira intervenção de uma empresa no voleibol ocorreu com a Atlântica/Boavista de Seguros, do Rio de Janeiro. Seguido pelo Banco Bradesco do Rio de Janeiro, pela Fábrica de Pneus Pirelli de Santo André e do Banco do Estado de São Paulo – Banespa. Tais parcerias foram proveitosas para todos os envolvidos na modalidade. Os investidores tiveram um considerável retorno publicitário, sendo suas marcas veiculadas nos meios de comunicação: jornais, revistas, televisão; além do grande número de pessoas que associavam seus ídolos e clubes aos produtos do patrocinador. Os atletas beneficiaram-se, pois os treinamentos antes noturnos e exaustivos após a jornada de trabalho diária, foram substituídos por horários ao longo do dia, com infraestrutura mais qualificada, dentre material e quadras para prática. Dessa forma, a dedicação era exclusiva ao voleibol, recebendo em troca salários compatíveis, e também, em alguns casos, assistência médica e odontológica, possibilitando o desenvolvimento de uma carreira. Esses pontos podem ser observados nas palavras do ex-jogador José Montanaro Júnior também em entrevista ao site UOL Esporte, que relata o seguinte:
Eu cheguei a parar de jogar para fazer faculdade de engenharia para ter um futuro. Mas logo em seguida começou a entrar patrocínio nos clubes. Este processo de profissionalização permitiu que eu continuasse nas quadras (MONTANARO JÚNIOR, 2009).
A mídia alargou o leque de opções na sua rede de programação, atendendo a mais telespectadores, leitores e anunciantes. O governo intensificou uma de suas atribuições, a de oportunizar acesso a atividades de lazer e esporte para a comunidade. Ainda, conseguiu maior arrecadação, empregos e valorização da imagem internacional.
Esse tipo de investimento (patrocínio de empresas no voleibol) cresceu ano após ano, depois de começar timidamente. Havia uma difusa convicção no meio empresarial, de que marcas, produtos e serviços, podem absorver os atributos positivos normalmente ligados ao esporte: estímulo para a educação e a geração de valores; criação de referências pessoais e sociais; estimulador de novos empregos e profissões (DOSSIÊ ESPORTE, 2006). Esse pensamento irradiou pelas equipes do voleibol brasileiro atingindo o Rio Grande do Sul, onde a modalidade era amadora e permaneceu até o princípio da década de 1980, quando se evidencia o começo da profissionalização.
A profissionalização do voleibol Sul-Rio-Grandense
O Banco Sulbrasileiro foi o pioneiro na profissionalização do voleibol do Rio Grande do Sul (SCHMIDT; SANTOS, 1999). O Sulbrasileiro surgiu no final de 1981, quando um grupo de funcionários da empresa procurou a diretoria com a idéia de criar uma equipe para jogar voleibol, buscando a integração dos funcionários. Tal fato concretizou-se e aos poucos foi tomando outros caminhos, deixando de ser apenas encontro dos trabalhadores do banco. Nesse primeiro ano, o técnico era Marco Antônio Volpi, que em entrevista disse: “[...] eu fui técnico do Sulbrasileiro, quando iniciou o Sulbrasileiro, primeiro ano [...]” (VOLPI; VOLPI; VOLPI, 2002, p. 7).
Diante desse cenário, decidiu-se participar de competições, realizando assim a contratação de alguns funcionários para atuarem na equipe. Aos poucos a perspectiva de formar uma equipe institucional por meio da Associação dos Funcionários da ACREDI (Associação de Crédito Imobiliários), foi aumentando e a diretoria da empresa resolveu apoiar a iniciativa. Assim ao invés de terem funcionários jogando, eles passaram a subsidiar a ACREDI para que ela pudesse destinar os recursos para fazer uma equipe. Desta forma, desenrolava-se a primeira iniciativa mais concreta para a profissionalização do voleibol no Rio Grande do Sul.
Esse processo de formação de equipe e comissão técnica decorreu ao longo do ano de 1982, até que no mês de dezembro, como forma de consolidar a equipe e o investimento feito, o Banco Sulbrasileiro promoveu o Torneio Sulbrasileiro de Voleibol, no Gigantinho (Ginásio do Esporte Clube Internacional) em Porto Alegre. A competição contou com a presença das seguintes equipes: Atlântica Boavista, Frigorífico Chapecó e FUNBA-Bagé. Tal evento teve como objetivo a premiação de todos envolvidos no trabalho realizado durante a temporada e dessa forma, com a dedicação e engajamento no esporte, seria dado um pequeno salto de qualidade para o ano de 1983.
Na época, Pedro Carlomagno, diretor do Banco Sulbrasileiro, em entrevista a Revista Brasil Match relatou que o banco tinha uma verba de publicidade que oscilava entre 100 e 150 milhões de cruzeiros por ano, e que parte dela foi destinada a equipe de voleibol do Sulbrasileiro. Assim, o voleibol passou ser o principal meio de marketing do banco (REVISTA BRASIL MATCH, 1983; SCHMIDT; SANTOS, 1999).
Imagem 1. Material de divulgação na mídia da equipe de voleibol do Banco Sulbrasileiro.
Fonte: Revista Brasil Match, Rio Grande do Sul, n.1, abr de 1983
A intenção inicial não era o investimento no voleibol, mas em função do que aconteceu, e o fato de o Brasil ter conquistado bons resultados durante a temporada de 1982 foi fundamental para o apoio nessa modalidade. No início do ano de 1983, o Sulbrasileiro colocava uma série de inserções na televisão mostrando a equipe de voleibol. Os diretores da empresa achavam que nada melhor para divulgar a empresa do que através da mídia televisiva, pois o esporte poderia levá-los até as comunidades. Além de poder manter uma boa imagem do produto, nesse caso a Caderneta de Poupança Sulbrasileiro, a publicidade poderia ser feita com as próprias pessoas através de jogos nessas comunidades. Uma maneira de certificar a empresa de que o investimento na equipe de voleibol do Sulbrasileiro estava sendo produtivo e interessante, era observar a resposta do público durante os jogos. Na partida final do Torneio Sulbrasileiro de Voleibol de 1982, por exemplo, o público que praticamente lotou o Gigantinho, gritava e torcia pelo Sulbrasileiro.
Imagem 2. Divulgação da caderneta de poupança do Banco Sulbrasileiro na camiseta da equipe
Fonte: Revista Brasil Match, Rio Grande do Sul, n. 1, abr. de 1983
De acordo com Koch (2010), fica muito claro no patrocínio esportivo que todo investidor além de querer o melhor resultado dentro da quadra para sua equipe, também está preocupado com o retorno de mídia que a equipe dará para sua marca. O Sulbrasileiro projetava a difusão da marca para os demais estados do Brasil também através do esporte.
Um dos resultados esperados por Carlomagno, conforme entrevista, era de que o trabalho realizado pelo Sulbrasileiro com o voleibol fosse copiado por outras grandes empresas do Rio Grande do Sul, pois, como ele dizia, é um Estado que vence quando apoiado. Ele também destacou que o Rio Grande do Sul é uma região na qual o “material humano” é excelente, não só no voleibol, mas também em outras modalidades esportivas. E disse ainda que se atingisse o objetivo traçado para o ano de 1983, em 1984 a grande meta seria disputar a final do campeonato brasileiro.
A fim de alcançar as primeiras colocações, o Sulbrasileiro estava disposto a contratar melhores atletas sempre que surgisse a oportunidade. Porém, também não queria perturbar a formação dos atletas nos clubes. A importância do investimento em intercâmbios com boas equipes do centro do país e até do exterior, também foi destacado em entrevista Carlomagno, pois isso também agregaria qualidade ao time. Para consolidação da equipe a nível nacional visava realizar jogos amistosos e promover a equipe do Sulbrasileiro, que no ano de 1983 teve desempenho superior ao ano anterior. Para comemorar o bom momento, o Sulbrasileiro realizou um hexagonal convidando equipes como o Atlântica Boavista, Pirelli, Atlético Mineiro e Minas Tênis Clube.
Antes de iniciar o Campeonato Estadual de Voleibol de 1983, a equipe do Sulbrasileiro realizou duas partidas amistosas contra a equipe do Frigorífico Chapecó. Em ambos os jogos a equipe sul-rio-grandense foi vitoriosa, surpreendendo o técnico, principalmente, quanto ao aspecto tático da equipe. Outro fator importante para obtenção das vitórias e conseqüente desenvolvimento do voleibol do Sulbrasileiro, foi a utilização do vídeo-cassete. Esta tecnologia, a qual poucos tinham acesso no período, facilitou a análise dos adversários e auxiliou no aprendizado, através de tapes de equipes estrangeiras.
Imagem 3. Equipe formada pelo Sulbrasileiro para início das disputas
Fonte: Revista Brasil Match, Rio Grande do Sul, n.1, abr. de 1983
A equipe formada para início das disputas foi composta por: Talmai Nagel, Fernando Treiss, Sérgio Karg, João Alberto Zapolli (Joca), Renato João Orsatto (Xanxerê), Marcelo de Lima Dutra, Andrew Zacaron Gonzaga, Luis Fernando Pinheiro Machado Aquini (Tubarão), Luis Virgilio Capuani, Paulo Roberto Schmidt (Beto), Régis Emir Russhel (Leco), João Carlos de Menezes Campos (Negreli), Paulo André Jukoski (Paulão), Antônio Calza Caporal (Doro) e Márcio Fernandes Sanchs. O técnico era Luis Delmar da Costa Lima (Duda) e o preparador físico era Ricardo Pacheco Machado. Com esse elenco iniciava-se o primeiro time profissional do Rio Grande do Sul a atuar nas quadras de voleibol do Estado e do Brasil. No entanto, no final da temporada de 1984, a equipe foi desativada devido ao corte de investimento do banco. Contudo, no ano de encerramento da equipe, a caderneta de poupança do Banco Sulbrasileiro, passou do 19º lugar no período que a equipe foi criada, para o quinto lugar entre os bancos do Brasil em 1984 (SCHMIDT; SANTOS, 1999).
Considerações finais
Importa destacar que a profissionalização do voleibol alavancou tal esporte tanto no Estado sul-rio-grandense quanto no Brasil. A seleção brasileira deixou de ser participante para ter uma representação competitiva em campeonatos. A principal mudança foi a possibilidade dos atletas se dedicarem exclusivamente ao voleibol, sem precisar se preocupar com trabalho e estudo, já que o esporte era a garantia do sustento. Com isso, o tempo de permanência na prática do voleibol aumentou e maior era o envolvimento do atleta com a modalidade.
Outro ponto de destaque foi a propagação do voleibol ao longo do Brasil. As arquibancadas dos ginásios contavam com muitos espectadores, como na final do Torneio Sulbrasileiro de Voleibol em 1982, gerando um contingente de espectadores e torcedores que gritavam e defendiam as marcas e produtos das empresas. Dessa forma aumentava-se o consumo e os patrocinadores recebiam o retorno desejado.
No decorrer das décadas de 1970 e 1980, portanto, o voleibol no Rio Grande do Sul passou de uma prática clubística e amadora para um esporte profissionalizado, e o Banco Sulbrasileiro foi um dos protagonistas neste processo.
Referências
Bibliografias
DOSSIÊ ESPORTE. Um estudo sobre o esporte na vida do brasileiro. Ipsos Marplan – Media Research. 2006.
KOCH, R. Superliga de Vôlei 2009/2010: os campeões de mídia televisa nas transmissões dos jogos ao vivo. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, jun. 2010. http://www.efdeportes.com/efd145/superliga-de-volei-os-campeoes-de-midia-televisa.htm
MARCHI JÚNIOR, W. Três décadas de história do voleibol brasileiro. Anais do XXII Simpósio Nacional de História, João Pessoa, 2003.
Revista Brasil Match
SCHMIDT, J. A.; SANTOS, K. M. Grande sacada: a trajetória do vôlei gaúcho campeão. Canoas: Ed. ULBRA, 1999.
VOLPI, J. C., VOLPI, M. A. e VOLPI, V. Júlio César Volpi, Marco Antônio Volpi e Valmy Volpi (depoimentos, 2002). Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte, ESEF/UFRGS, 2003. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/49966/000728633.pdf?sequence=1
Sites
Entrevista com José Montanaro Júnior. Disponível em: http://esporte.uol.com.br/volei/ultimas/2009/08/11/ult4367u3406.jhtm
Entrevista com Marcus Vinicius Freire. Disponível em: http://esporte.uol.com.br/volei/ultimas/2009/08/11/ult4367u3406.jhtm
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