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Estereótipos sobre o envelhecimento
e a velhice em um filme de Walt Disney

Estereotipos sobre el envejecimiento y la vejez en una película de Walt Disney

 

*Professor de Educação Física da rede estadual e municipal

Doutorando em Ciências da Educação pela Universidade Nacional de Córdoba, UNC, Argentina

**Professor Associado IV da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é vice diretor do Instituto

de Educação Física. Graduado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Diploma de Estudos Aprofundados (Dea) Histoire Civilisations et Sociétés - Université Rennes 2

Haute Bretagne. Mestrado e Doutorado em Educação Física

Hugo Leonardo Prata*

hugo.prata@uol.com.br

Edmundo de Drummond Alves Junior**

edmundodrummond@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Não é por coincidência que os estúdios de Walt Disney fizeram um filme onde o personagem principal é um “idoso”. O mundo caminha a passos largos para tornar - se um mundo de velhos, o envelhecimento populacional apresenta-se como fenômeno mundialmente estabelecido (ALVES JUNIOR, 2010). O envelhecimento da população no mundo de hoje não tem paralelo na história. O aumento percentual no número de pessoas idosas, com 60 anos ou mais, é acompanhado pela queda no número de jovens com menos de 15 anos. Até 2050, o número de idosos no planeta excederá o de jovens, pela primeira vez na história da humanidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica cronologicamente como velho a pessoa com 65 anos de idade ou mais em países desenvolvidos e a partir de 60 anos de idade em países em desenvolvimento. Nesse sentido cabe aqui uma ressalva, pois assim como a juventude, podemos considerar a velhice como mais uma categoria criada culturalmente. Segundo Pierre Bourdieu (1980), “a idade é uma variável biológica, socialmente manipulada”, por esse motivo pleno de ambigüidades, que não serve como único parâmetro para dizer quando alguém é velho. Não podemos ignorar, entre outras, as variáveis derivadas: das influências do meio ambiente; das condições de trabalho; da classe social e do modo de vida. Na verdade, os cortes cronológicos só contribuem para aumentar as barreiras entre gerações, incluindo os estereótipos relacionados às pessoas mais velhas e o processo de envelhecimento. Em relação ao filme e aos estereótipos, já podemos observar a existência destes em relação à velhice logo na sinopse, quando para referir se ao personagem principal do filme é utilizada a palavra rabugento, que no dicionário significa. Que tem rabugem. Que está constantemente de mau humor ou é impertinente: era um velho rabugento. Ranzinza, mal-humorado. Dentro desta problemática, acreditamos que seja possível identificar representações nos filmes, dessa forma, “destacamos que os cineastas não reproduzem a realidade, mas sim a interpretam, dialogando com o contexto em que suas obras são produzidas, tanto em ficções quanto em documentários” (MELO, 2009). Nesse sentido podemos supor que para montar o perfil estereotipado do personagem, o autor dialogou com as representações sociais existentes na sociedade sobre o envelhecimento e a velhice. Representações estas que estão carregadas de preconceitos, que poderíamos enquadrá-las dentro do fenômeno social denominado ageísmo. A partir deste sucinto recorte pretendemos abrir uma agenda de debates sobre um tema que aparece como parte de uma cotidianidade naturalizada, que pauperiza silenciosamente a qualidade de vida de um importante conjunto de pessoas de nossa sociedade.

          Unitermos: Envelhecimento. Estereótipos. Cinema. Escola.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 185, Octubre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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    SINOPSE/ UP conta à história de Carl Fredricksen, um velho rabugento de 78 anos que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. O terreno onde a casa fica localizada interessa a um empresário, que deseja construir no local um edifício. Após um incidente em que acerta um homem com sua bengala, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado em um asilo. Para evitar que isto aconteça, ele enche milhares de balões em sua casa, fazendo com que ela levante vôo. O objetivo de Carl é viajar para uma floresta na América do Sul, um local onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Só que Carl acaba levando por acidente, o pequeno escoteiro Russel e os dois embarcam juntos numa grande aventura dentro da floresta amazônica.1 O filme ganhou alguns prêmios como o Oscar 2010 e o Globo de ouro, ambos de melhor animação e melhor trilha sonora.

    Não é por coincidência que os estúdios de Walt Disney fizeram um filme onde o personagem principal é um “idoso”. O mundo caminha a passos largos para tornar - se um mundo de velhos, o envelhecimento populacional apresenta-se como fenômeno mundialmente estabelecido (ALVES JUNIOR, 2010). O envelhecimento da população no mundo de hoje não tem paralelo na história. O aumento percentual no número de pessoas idosas, com 60 anos ou mais, é acompanhado pela queda no número de jovens com menos de 15 anos. Até 2050, o número de idosos no planeta excederá o de jovens, pela primeira vez na história da humanidade.

UP - Altas Aventuras, 2009

    Com o fim do século XX, pode-se verificar que uma das marcas deste século foi o grande aumento demográfico ocorrido em todos os continentes. Sendo ultrapassada a barreira dos seis bilhões de habitantes (ALVES JUNIOR, 2001). Nesse contexto podemos falar em uma superpopulação, que se caracteriza como um problema que vem sendo abordado ao longo da História, como podemos observar na teoria da superpopulação de Marx (1978), o mesmo nos convida para uma reflexão quando diz que: A dinâmica da superpopulação não pode ser entendida se removida, sacada para fora do conjunto das relações sociais nas quais insurge. Este pressuposto metodológico será seguido por Marx na sua teoria da população, que para Viana (2006) é, na verdade, uma teoria da dinâmica populacional sobre o capitalismo. O autor enfatiza a necessidade de se procurar compreender os fenômenos como totalidades históricas e concretas. Desta maneira, não se pode entender a dinâmica populacional isolada das demais relações sociais, ou seja, como uma parte desligada do todo. Também não é possível, a partir desta perspectiva metodológica, desconsiderar a historicidade do fenômeno, ou seja, pensar que ele sempre ocorre da mesma forma em qualquer contexto histórico e social e sem que isto lhe traga qualquer transformação.

    É preciso recordar que o capitalismo subordinado é um mercado consumidor do capitalismo imperialista e que os avanços da medicina e da proteção social; são transferidos para eles, o que contribui com a diminuição de sua taxa de mortalidade e aumenta a expectativa média de vida. Isto tudo leva a um crescimento absoluto da população em um mundo globalizado. Para corroborar com o exposto, citamos o fato da população mundial ter mais que duplicado de 1950 até os dias atuais. Os nascidos antes de 1950 formam a primeira geração da história a testemunhar esse avanço durante sua existência. Em outras palavras, foram adicionadas mais pessoas à população mundial, a partir de 1950, do que durante os 4 milhões de anos anteriores desde que conseguimos ficar eretos. Durante milhares de anos a espécie humana teve um aumento demográfico muito lento. Só a partir dos últimos três séculos a população começou a crescer de maneira mais acentuada, o que se deveu, entre outros fatores, ao desequilíbrio entre nascimento e morte. (ALVES JUNIOR, 2006). De forma surpreendente, cresceu o número de pessoas consideradas idosas, tendo este ‘envelhecimento demográfico assumindo maior significância face ao envelhecimento individual. Nesse sentido diversos países traçaram políticas sociais de envelhecimento e nelas sugeriu-se um novo modelo de envelhecimento. Os idosos deveriam permanecer cada vez mais ativos e estratégias das mais diversas buscam a manutenção da autonomia e da independência. A inserção social dos mais velhos atualmente é um fato fácil de perceber pela ocupação das ruas dos grandes centros urbanos. Paradoxalmente o envelhecimento e a velhice se apresentam também como um problema social (LENOIR, 1998), onde os responsáveis pela elaboração das políticas públicas não poderão estar desatentos, devendo ser repensada entre outras as políticas de saúde pública, de educação os espaços destinados ao lazer e a circulação, incluindo o planejamento urbano de nossas cidades já que as mesmas com seus equipamentos e serviços, não se adequaram às demandas dos que envelhecem, trazendo dessa forma inúmeros transtornos para essa população.

    A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica cronologicamente como velho a pessoa com 65 anos de idade ou mais em países desenvolvidos e a partir de 60 anos de idade em países em desenvolvimento. Nesse sentido cabe aqui uma ressalva, pois assim como a juventude, podemos considerar a velhice como mais uma categoria criada culturalmente. Segundo Pierre Bourdieu (1980), “a idade é uma variável biológica, socialmente manipulada”, por esse motivo pleno de ambigüidades, que não serve como único parâmetro para dizer quando alguém é velho. Não podemos ignorar, entre outras, as variáveis derivadas: das influências do meio ambiente; das condições de trabalho; da classe social e do modo de vida. Na verdade, os cortes cronológicos só contribuem para aumentar as barreiras entre gerações, incluindo os estereótipos relacionados às pessoas mais velhas e o processo de envelhecimento. Em relação ao filme e aos estereótipos, já podemos observar a existência destes em relação à velhice logo na sinopse, quando para referir se ao personagem principal do filme é utilizada a palavra rabugento, que no dicionário significa. Que tem rabugem. Que está constantemente de mau humor ou é impertinente: era um velho rabugento. Ranzinza, mal-humorado.

    Dentro desta problemática, acreditamos que seja possível identificar representações nos filmes, dessa forma, “destacamos que os cineastas não reproduzem a realidade, mas sim a interpretam, dialogando com o contexto em que suas obras são produzidas, tanto em ficções quanto em documentários”. (MELO, 2009). Nesse sentido podemos supor que para montar o perfil estereotipado do personagem, o autor dialogou com as representações sociais existentes na sociedade sobre o envelhecimento e a velhice. Representações estas que estão carregadas de preconceitos, que poderíamos enquadrá-las dentro do fenômeno social denominado ageísmo. Esse termo foi empregado pela primeira vez em 1969 por Robert Butler (Minichiello, Browne e Kendig, 2000) que o definiu como uma forma de intolerância relacionada à idade. Em outro momento, Palmore (2004) definiu o termo como forte preconceito e discriminação contra pessoas idosas. Trata-se, para o autor, do terceiro grande “ismo” após o racismo e o sexismo. No entanto, o ageísmo difere dessas duas formas de preconceito e discriminação porque, na teoria, qualquer pessoa pode ser atingida por ele desde que viva o suficiente para envelhecer. Greenberg (2002) conceitua o ageísmo como atitudes ou condutas negativas direcionadas a um indivíduo baseadas unicamente na sua idade.

    Distintas perspectivas teóricas sugerem formas de compreender o ageísmo. Uma destas é baseada nas idéias de Becker e é conhecida como Manejo do Terror. De acordo com ela o ser humano vivencia a seguinte contradição: ele existe para viver e batalhar por sua sobrevivência, mas uma das únicas certezas que tem é a de que um dia sua vida terá um fim. A certeza da morte, por sua vez, gera uma potencialidade para desenvolver uma condição de terror paralisante o qual é evitado utilizando vários modos de negar a morte, o que é identificado como manejo do terror (GREENBERG, 2002). Pesquisas indicam que os idosos podem despertar pensamentos vinculados à morte e à finitude, sendo o ageísmo resultante dessa percepção. Nesta acepção, existem duas formas de defesa que as pessoas empregam para lidar com esse dilema e que colaboram para a conservação do ageísmo: defesas proximais e distais. (GREENBERG, 2002)

    Cuddy (2002) Apresenta a teoria da modernização como outra possibilidade de compreensão do ageísmo. Segundo essa teoria, a diminuição do status dos idosos em nossa sociedade existe em decorrência da transformação das sociedades agrárias em sociedades modernas e industriais. Segundo esse conceito quatro modificações na estrutura social seriam responsáveis pelos papéis sociais desvalorizados dos idosos. O primeiro seria em função do aumento da longevidade desencadeado pelas melhorias das condições de saúde que resultou no crescimento da população idosa que, por sua vez, levou à institucionalização da aposentadoria, acontecimento que atenuou o poder de contribuição financeira dessa população. Os progressos tecnológicos induziram à criação de novos empregos para os quais os idosos não estariam preparados, desta forma, ficando excluídos do mercado de trabalho. A urbanização fez com que os jovens saíssem de seus domicílios a procura de melhores condições de vida e de trabalho o que diminuiu os vínculos familiares entre avós e netos, por exemplo. Por último, com o nascimento da educação pública, constituiu-se socialmente uma maioria de pessoas alfabetizadas. De tal modo, os idosos perderam a posição de transmissores da cultura e de sabedoria há muito sustentado (CUDDY, 2002). Falcão e Dias (2006) apresentam a perspectiva das funções sociais como tentativa de elucidar o ageísmo. Para os autores que defendem tal posição, as crenças cultivadas pelas pessoas a respeito de grupos estereotipados sofrem a influência da observação dos comportamentos que se originam dos papéis sociais dos membros desses grupos. Os indivíduos, então, tendem a associar as peculiaridades que observam em determinado papel social com aquele que o ocupa. Um exemplo encontra-se no papel social relacionado ao trabalho. A ele atribui-se a propriedade de atividade, de ação. Como a maior parte dos idosos já está aposentada, a eles vincula-se a característica de passividade ou de menos atividade.

    Para Levy (2003), um dos aspectos mais traiçoeiros do ageísmo é que diferentemente de outros tipos de discriminação como racial, religiosa, étnica, ele articula-se de modo inconsciente, implícito, sem controle e intenção de prejudicar seu alvo. Dentro deste contexto de não intencionalidade e ageísmos, nos parece óbvio que o filme não teve intenção de criar ou reproduzir estereótipos, no entanto os mesmos ocorrem, e com um olhar menos crítico talvez passem até despercebidos. É possível observar alguns desses estereótipos ao longo da história do filme, um fato marcante é quando aparece logo no início o personagem principal Carl Fredricksen caminhando, o mesmo caminha com dificuldades, precisa usar bengala, que freqüentemente é associada à fragilidade e vista com preconceito na atualidade. Nesse sentido podemos identificar um dos estereótipos mais marcantes em relação aos “idosos”, a associação com a fragilidade e debilidades físicas. Em torno da velhice existem vários outros estereótipos e idéias pré-concebidas, entre eles encontramos:

    Que la vejez es una enfermedad, Que los viejos se vuelven niños, Que los viejos no son adultos, es decir, no productores, Que la vejez significa pérdida, Que de la vejez no se sale. Es crónica, Que los viejos se llevan mal con los jóvenes. Mito del conflicto intergeneracional, Que ser viejo es ser dependiente, Que los viejos no pueden decidir por sí mismos. No saben ni siquiera administrar sus bienes...entonces se lo administramos nosotros. Que no tienen interés ni preocupaciones. Sus opiniones no valen, Que les gusta estar solos, Que no tienen necesidades personales, entonces se arreglan con pocas cosas, (MARILUZ, 2008)

    Concordamos com o autor quando o mesmo diz que estes estereótipos reforçam a imagem negativa que se tem da velhice, colaborando para que os velhos sejam marginalizados e construam um sentimento importante de ausência de poder. Desta maneira, estas idéias contribuem para que os velhos sejam colocados em "guetos de incompreensão" Somado a isso temos a questão ideológica da sociedade, que valoriza os indivíduos pela sua capacidade produtiva, e como os idosos são vistos como improdutivos em virtude da sua maior debilidade física, ocasionada em grande medida pelo desgaste sofrido no próprio processo de trabalho, são relegados a uma condição de marginalidade social, que é exemplificado por (MARILUZ, 2008).

    La economía en su versión mercantilista, tiende a crear un tipo especial al separar al viejo como no-productivo del resto de la población. De esta manera, se crea un subgrupo particular sobre los que se descargan los procesos marginadores/excluyentes. Esta marginación es una de las señales de un desarrollo disfuncional que lleva en germen tensiones sociales que mañana serán difíciles de solucionar. Es deber del Estado, cualquiera sea la concepción que tengamos, evitar que se penalice a las personas más indefensas de la población, en particular a los viejos, quienes son víctimas de cambios contra los cuales les es muy difícil luchar.

    Na sociedade contemporânea, a imagem construída socialmente do idoso ou do envelhecimento encontra-se vinculada à condição de exclusão, ao afastamento do processo produtivo, acarretando nele um sentimento de abandono e de piedade. (REIDEL, 2003). É comum ainda, tratar os idosos pelas perdas, como perda da memória, diminuição de aspectos físicos, aumento do número de doenças. Concordarmos com as palavras do autor Papaléo (1996, p. 9) quando o mesmo diz que o homem hoje é avaliado pela sua capacidade de produção, e as pessoas mais velhas, que têm na sua maioria uma diminuição das capacidades físicas, acabam sendo discriminadas socialmente e no mercado de trabalho. No entanto é preciso ter um olhar crítico, pois apesar da probabilidade de certas doenças aumentarem com a idade, reforçamos a necessidade de não observar a velhice como um acúmulo de doenças, além de compreender que a aposentadoria não é a antecâmara da morte. Mesmo que o envelhecimento biológico indique diminuições e comprometimentos dos mais diversos, sabemos que muitos deles recebem forte contribuição do mau uso ou do desuso de determinadas qualidades físicas.

    Dentro dessa problemática podemos dizer que existe uma tendência humana a categorizar de maneira simplificada os fenômenos, fazendo com que a velhice seja per­cebida como homogênea, e assim observa-se, sobretudo, a valorização das perdas e do declínio associados ao envelhe­cimento e o preconceito que lhes é correlativo.

    De acordo com Neri (2007), atitudes de preconceito são derivadas de dois tipos de processos cognitivos: supergeneralização e su­persimplificação. A manutenção de estereótipos reflete esses dois processos. No caso da velhice, aos idosos associam-se usualmente estereótipos negativos, os quais contribuem para a manutenção da percepção social negativa e homogênea que se tem acerca do envelhecimento, como exemplo, temos: os idosos são solitários e dependentes.

    Nesse sentido, é possível apontarmos no filme mais uma situação onde reconhecemos a existência de estereótipos, o fato ocorre em uma passagem do filme onde a câmera percorre por todos os cômodos da casa do personagem, mostrando que o mesmo mora sozinho, é solitário. Nesta mesma cena é dado ênfase ao semblante de tristeza do personagem, deixando claro que o mesmo encara com tristeza essa situação. Outra passagem do filme que nos remete a cotidianidade relacionada ao envelhecimento em nossa sociedade aparece quando existe a possibilidade do “idoso” da história ser colocado em uma instituição asilar. Fato esse que é recorrente na atualidade, em função de uma série de transformações que tem passado a sociedade, mais principalmente transformações relacionadas à família e o trato da mesma com a instituição asilar.

    No decorrer dos anos, com as várias mudanças ocorridas nas organizações familiares, à tendência que se apresenta é um enfraquecimento gradual dos parentescos extensos, restringindo o convívio a pais e a filhos menores (MAGALHÃES, 1989). A família, hoje, encontra dificuldades em administrar os cuidados com o idoso devido a vários fatores, o principal é de ordem econômica, acarretando a saída de todos os membros adultos para o trabalho fora de casa, na busca de alternativas para um aumento na renda familiar, dificultando muito para a família a manutenção do idoso no seu meio. Há 50 anos, a relação da família com a instituição era diferente. A instituição a auxiliava para que esta pudesse prestar assistência ao idoso. Hoje, o que se percebe é uma inversão de funções. As famílias prestam algum auxílio para a instituição para que esta se responsabilize completamente pelo idoso (PINTOS, 1997). Muitas vezes, ele é abandonado na instituição, excluído do convívio social. No entanto, a exclusão social dos velhos não pode ser analisada isoladamente. Não é um problema só da velhice, mas fundamentalmente de classe social. É fato, que os velhos ricos, nobres, burgueses e intelectuais jamais foram excluídos na sociedade capitalista. Por outro lado, a penúria das camadas exploradas como os operários e camponeses sempre foi uma realidade dentro do capitalismo. Portanto, a situação de exclusão vivida pelos velhos não se afasta da exclusão e da exploração que sempre vitimaram a classe trabalhadora desde o advento da era moderna (HADDAD, 1986).

    Bobbio (1997) delineia essa condição da seguinte maneira: “Em uma sociedade de consumo onde tudo pode ser comprado e vendido, onde tudo tem um preço, também a velhice pode se transformar em uma mercadoria” (p. 25). Nesse sentido evidencia-se que se as sociedades sob a ótica do capital tendem a transformar as pessoas em mercadorias, elas reduzem os velhos à condição de mercadorias descartáveis (GOLDMAN, 2005) Sendo assim, é preciso ter uma visão crítica para combater essas visões estereotipadas, é preciso compreender o envelhecimento como um processo gradual, inexorável, multifatorial e multidiferencial. Temos que combater as visões deletérias do envelhecimento e todas as formas de preconceitos que sofrem essa camada da sociedade, não podendo esquecer, de dar eco aos seus anseios e necessidades.

    A partir deste sucinto recorte pretendemos abrir una agenda de debates sobre um tema que aparece como parte de uma cotidianidade naturalizada, que pauperiza silenciosamente a qualidade de vida de um importante conjunto de pessoas de nossa sociedade. Dentro deste contexto acreditamos que a escola poderá ter um papel importante para a superação destas ocorrências, justamente pelo fato da escola ser o local privilegiado onde as camadas sócias menos favorecidas podem vir a ter acesso a determinados saberes acumulados que podem ser importantes para a mudança social e de paradigmas, (SOUZA JUNIOR, 2010). Dentro desta perspectiva de mudanças de paradigmas, acreditamos que o filme “UP Altas Aventuras” se levado para dentro da escola ou universidade, possa possibilitar, se bem encaminhado, a abertura de uma importante porta para discussão sobre a temática do envelhecimento, velhice e estereótipos, acreditamos também que o uso de mídias cinematográficas em sala de aula pode servir de suporte ao professor para trabalhar diversos conceitos, temas e significados utilizados na vida diária dos seus alunos. O cinema pode servir como ferramenta pedagógica para auxiliar no ensino-aprendizagem.

    Desta maneira, compreendemos que o uso deste instrumento de comunicação pode auxiliar a ampliação e o avanço na formação crítica e cultural do professor e do aluno, para que isso ocorra acreditamos que seja de suma importância colocar em prática a sugestão de Melo (2002) que consiste em:

    Recuperar a tradição cineclubista de promoção de discussões após a exibição do filme, oportunizando e estimulando o público a expor seus pontos de vista acerca do assistido. Minha experiência mostra que nesse momento o público tende a valorizar a discussão ligada aos conteúdos apresentados, minimizando as compreensões ligadas à forma. Por certo vale discutir os valores difundidos, ainda mais quando falamos de uma manifestação que mexe tanto com os desejos ao criar mecanismos de reflexão e identificação, mas deve também o animador cultural estimular o público a pensar sobre as diferenças na forma de expressão e veiculação das imagens/mensagens: os planos, a iluminação, enfim, as peculiaridades da linguagem.

    Vivemos atualmente numa sociedade que cotidianamente é bombardeada pelos meios de comunicação, que utilizam as imagens com o intuito de atingir o espectador. Essas imagens delineiam e propagam valores, que conseqüentemente implicam em conceitos ideológicos, econômicos ou sociológicos. Deste modo, se torna de vital importância conhecer essas imagens, tendo um olhar crítico. De acordo com Melo (2002) “O fato de vivermos em um mundo de imagens e símbolos não significa que estejamos sendo adequadamente preparados para tal”. Segundo ainda o mesmo autor, o que se percebe é o avesso: tanto na formação escolar quanto na não escolar, uma intervenção excessivamente centrada na palavra e o racionalismo extremo, que permeia os processos educacionais não permitindo ou dificultando ao máximo uma educação das sensibilidades, 3 uma dimensão fundamental da construção do indivíduo e da sociedade, relegando à arte um lugar secundário. Obviamente isso também está inserido em um processo de manutenção da ordem, na medida que por intermédio das imagens podem ser difundidos valores, normas, princípios. (Melo, 2002). É com uma enorme intencionalidade que existe um claro incentivo do governo norte-americano, desde a década de 30, a sua indústria cinematográfica: em última instância significa difundir o american way of life, fundamental para o projeto de construção de seu imperialismo (HENEBELLE, 1978).

    Se um filme transporta em si uma determinada reprodução de valores, não podemos negar, mesmo que não consideremos de forma linear, as suas repercussões no cotidiano. Por certo, um filme é só um filme, não é em si a realidade, mas indubitavelmente carrega em si olhares e intencionalidade sobre a sociedade, tendo um forte potencial de influenciar na formação de mentalidades (Melo, 2002). Nesse sentido enfatizamos mais uma vez a necessidade de ter um olhar reflexivo, no sentido de conseguir interpretar criticamente as mensagens produzidas pelo cinema, de aprender-se a linguagem audiovisual, portanto não basta apenas ver o filme. Pierre Bourdieu compartilha esse pensamento ao afirmar que:

    A experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de “competência para ver”, isto é, certa disposição valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar qualquer história contada em linguagem cinematográfica. Entretanto, o autor assinala que essa “competência” não é adquirida apenas vendo filmes; a atmosfera cultural em que as pessoas estão imersas que inclui, além da experiência escolar, o grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia é o que lhes permite desenvolver determinadas maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o cinema. (apud Duarte, 2002, p.13).

    Duarte (2002, p. 17) enfatiza que ver filmes, é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto à leitura das obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais.

    Esta afirmação nos ajuda a compreender como se desenvolvem as relações dos indivíduos com as imagens provenientes da linguagem fílmica, pois como afirma Duarte (2002, p.19):

    Parece ser desse modo que determinadas experiências culturais, associadas a certa maneira de ver filmes, acabam interagindo na produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo de um grande contingente de atores sociais. Esse é o maior interesse que o cinema tem para o campo educacional sua natureza eminentemente pedagógica.

    Em relação ao filme que foi aqui objeto da nossa exposição, não nos coube fazer uma análise sobre outros aspectos do filme relacionados à qualidade do mesmo, no entanto como foi citado no início do trabalho o filme ganhou alguns prêmios importantes e teve um orçamento de 175 milhões de dólares e uma arrecadação de 723 milhões de dólares. Fatos estes que já serviria para despertar a curiosidade e o interesse das pessoas para assistirem o filme.

    Acreditamos que seja de grande valia finalizar este trabalho com uma reflexão de Leo Charney sobre o papel do cinema na modernidade.

    Acima de tudo foi essa forma de experiência em movimento que ligou a experiência do cinema à experiência da vida diária da modernidade. A experiência do cinema refletiu a experiência epistemológica mais ampla da modernidade. Os sujeitos modernos (re)descobriram seus lugares como divisores entre passado e futuro ao (re)experimentar essa condição como espectadores de cinema. Passado e futuro confrontaram-se não em uma zona hipotética, mas no terreno do corpo. Essa alienação fundamentou-se e surgiu da aspiração moderna para apreender momentos fugazes de sensação como uma proteção contra sua remoção inexorável. A busca para localizar um instante fixo de sensação dentro do corpo jamais poderia ser bem-sucedida (2001, p.405).

Nota

  1. Esta sinopse foi retirada do site: http://jovemnerd.ig.com.br/especiais/filmes/up-altas-aventuras.

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