Possibilidades de atuação da Educação Física na escola: um breve panorama do seu contexto no Rio de Janeiro Posibilidades de intervención de la Educación Física en la escuela: un breve panorama de su contexto en Río de Janeiro |
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Mestre em Educação pela UFRJ (Brasil) |
Marcelo da Cunha Matos |
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Resumo O presente artigo busca analisar a disciplina escolar Educação Física na cidade do Rio de Janeiro, uma metrópole que tem recebido recursos, propagandas, produtos, mercado e mídia voltada para a prática esportiva. Diante deste fato, a idéia é refletir sobre como a Educação Física Escolar deve se portar perante esse turbilhão de informações. Para isso, o trabalho faz uma introdução da inserção dos esportes na cidade, um breve histórico da disciplina escolar e suas abordagens para, por fim, adentrar na realidade escolar carioca e suas possíveis maneiras de reflexão e, por que não dizer, superação. Unitermos: Educação Física. Esporte. Rio de Janeiro.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 185, Octubre de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Ao longo dos anos, a cidade do Rio de Janeiro construiu uma história marcante com relação às práticas corporais. Seja ou não em âmbito competitivo, o gosto pelos esportes e atividades físicas em geral se fazem bastante presente na vida do povo carioca, até porque nosso clima, nossas paisagens e nossas relações sociais induzem significativamente a isto.
No decorrer do século XX, o Rio de Janeiro foi palco de importantes fatos ligados ao fenômeno esportivo nacional, como, por exemplo: o desenvolvimento dos esportes náuticos (o que significou uma mudança de costumes, como a ocupação das praias como opção de lazer e com o aumento da exposição corporal), o crescimento das ligações entre atividade física e bem-estar (especialmente nos dias atuais em que a preocupação com a saúde, o culto ao corpo e a preocupação com a qualidade de vida estão em larga evidência na nossa sociedade), o surgimento de práticas esportivas ligadas à natureza (os chamados esportes radicais como rafting, escalada, vôo livre, trekking etc.) e mesmo a realização de megaeventos de importância mundial, onde se destaca a realização da Copa do Mundo de Futebol em 1950 e a construção do estádio Mario Filho, mais conhecido como Maracanã, equipamento esportivo que ocupa papel singular no imaginário nacional.
Atualmente, essa íntima ligação do Rio de Janeiro com o esporte é notório. Os Jogos Pan-americanos realizados em 2007 na cidade e, mais recentemente, a escolha do Brasil como anfitriã da Copa do Mundo de 2014 e do Rio de Janeiro para a sede das Olimpíadas de 2016 são acontecimentos que corroboram este fato.
Portanto, em meio a este cenário, como a Educação Física nas escolas têm lidado com isso? A prática esportiva deve ser o único conteúdo a ser implementado nas aulas? Não buscarei respostas objetivas para essas perguntas, mas, sim, uma breve reflexão sobre tais indagações.
Assim como qualquer outra disciplina escolar, a Educação Física passou, historicamente, por processos de mudanças e pela busca de uma identidade, que ainda hoje podem ser percebidas nos currículos da Educação Básica. Neste texto, portanto, proponho expor um breve histórico da disciplina escolar Educação Física, assim como a sua relação com o esporte, dando uma possibilidade de ressignificação do mesmo dentro da escola.
Primeiramente, a Educação Física escolar tem uma forte influência médico-higienista ou biológica (MEDINA, 1989; GHIRALDELLI JR, 1992; CASTELLANNI FILHO, 1988), que enfatizava a busca do corpo saudável, com bons hábitos higiênicos e livre de doenças.
Um processo iniciado em meados do século XIX ajudou a propagar a valorização dos corpos saudáveis: o fortalecimento das teorias higiênicas. Médicos da época já refletiam acerca da importância das atividades físicas para crianças, adolescentes e adultos. Inúmeros estudos foram publicados e, junto a isso, ganhou-se força a inclusão do ensino da ginástica em escolas primárias e secundárias da cidade até que em 1851, a Educação Física através da Reforma Couto Ferraz, foi regulamentada entre as matérias a serem obrigatoriamente ministradas nas escolas sendo no primário, a ginástica, e no secundário, a dança (BETTI apud LEMOS, 2009).
Logo na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), principal documento legal relacionado à Educação (lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961), a Educação Física já estava presente. Nesta, era considerada obrigatória nos cursos de graus primário e médio até a idade de 18 anos (BRASIL, 1961), porém, tinha como preocupação primordial a preparação física dos jovens para o ingresso no mercado de trabalho de forma produtiva (LEMOS, 2009). Neste momento, vivíamos um contexto militarista em nosso país e a Educação Física tinha como função primordial preparar corpos por uma ótica meramente instrumental, prontos para a ‘luta’ em defesa da pátria, carregando consigo um espírito nacionalista, característico de um regime militar. A Copa do Mundo de 1970, vencida pela seleção brasileira, por exemplo, foi utilizada como uma forma de propaganda do governo em questão. Neste momento, vemos a tendência militarista (BRACHT, 1989; BRACHT & MELLO, 1992) emergir dentro da Educação Física, cujo principal objetivo era a constituição do corpo disciplinado, submisso a ordens, apto física e moralmente. Neste caso, a Educação Física era seletiva, eliminando aqueles que eram considerados inaptos para a sua prática.
Em um terceiro momento, temos a corrente biopsicológica, reforçada principalmente pela incorporação dos discursos da Psicomotricidade, o qual destaca o aspecto psicomotor do desenvolvimento do corpo, em articulação com o cognitivo e o afetivo (SOARES, 1990). Em um quarto momento, instaura-se uma influência desportiva (BRACHT, 1989), o que ocorre, entre outros aspectos, em virtude da projeção mundial alcançada pelo fenômeno esportivo (e que avança ainda hoje em escalas cada vez mais altas). Nesta, privilegia-se o corpo forte, rápido, ágil, vencedor e, acima de tudo, competitivo. Assim, como a tendência militarista, a Educação Física selecionava os alunos considerados mais aptos a praticar os esportes. Nesse momento, a disciplina torna-se sinônimo de “Esporte”, solidificando-se dessa forma no cenário educacional brasileiro. Por fim, em oposição às tendências anteriores, vemos nascer a influência das concepções críticas da Educação (GHIRALDELLI JR., 1992; COLETIVO DE AUTORES, 1992), que intentam a formação do corpo cidadão, crítico, autônomo, politizado e que critica veementemente a corrente anteriormente citada.
Atualmente, após outras mudanças legais, a Educação Física na LDB é componente curricular obrigatório da Educação Básica, ou seja, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Tem-se, então, atualmente, em termos legais, a Educação Física como componente curricular obrigatório, o que atribui aos docentes deste, a mesma responsabilidade educacional dos demais professores (LEMOS, 2009).
Embora essa tipificação nos auxilie no entendimento dos movimentos que puderam influenciar a disciplina escolar Educação Física, percebemos que eles não foram estanques e não ocorreram em ordem cronológica. Na verdade, nos interessa menos classificar os [ou conferir qualquer juízo de valor aos] currículos desse componente curricular e mais perceber que a Educação Física apropriou-se de diversos conhecimentos e práticas em todos esses momentos históricos, em diversos contextos sociais, utilizando-os para se legitimar como disciplina escolar. Podemos dizer, então, que a junção e mescla de todas essas abordagens (médico-higienista ou biológica, militarista, biopsicológica, desportiva e concepções críticas da Educação) forma o que hoje conhecemos como Educação Física escolar.
Afinal, o que a Educação Física ensina? Seria um momento de ‘desestressar’ os ‘corpos presos’ em salas de aula? Seria um tempo para treinamento das habilidades esportivas? O que deve estar claro é que a disciplina deve compreender as diversas manifestações corporais da sociedade. É o que chamamos de cultura corporal do movimento (COLETIVO DE AUTORES, 1992), podendo isso ser cristalizado através dos esportes, das lutas, da ginástica ou da dança. Outro ponto a ser destacado é a sua visão eminentemente prática. De fato, o que a caracteriza no ambiente escolar é a ‘fuga’ da sala de aula para um espaço aberto e arejado. Porém, deve-se deixar claro que isto não a faz menos importante e que se o professor achar necessário ficar na sala de aula e mediar uma aula mais expositiva, nos moldes do ‘tradicional’, não é menos “Educação Física’ por causa disso. Enfim, ela pode ter um cunho mais crítico de olhar a sociedade através de discussões críticas, por exemplo, sobre o fenômeno esportivo, o consumismo, a falta de espaços públicos para a prática esportiva, a violência entre as torcidas organizadas, o racismo, etc., assim como um enfoque mais técnico visando a aquisição de habilidades motoras e gestos esportivos como sacar ou chutar uma bola, arremessar um bastão ou pular um obstáculo.
O entendimento de que a disciplina escolar Educação Física é uma espécie de ‘amálgama’ dos movimentos anteriormente mencionados nos faz entender que a construção de um conhecimento escolar é a junção de diversas vozes articulatórias que o rondam e a faz ser o que ela é hoje. Cabe ao professor mediar de forma mais apropriada para a sua realidade o conteúdo e a metodologia que pretende seguir, dando significado ao que está sendo ensinado.
Referências
BRACHT, Valter. Educação Física: a busca da autonomia pedagógica. Rev. da Educ. Física/UEM, Maringá, v.1, n.1, p. 12-18,1989.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial, Brasília, 27 dez. 1961.
BRACHT, Valter; MELLO, Rosângela A. Educação Física: revisão crítica e perspectiva. Rev. da Educação Física/UEM, Maringá, v.3, n.1, p. 03-12, 1992.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. São Paulo: Papirus, 1988.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
GHIRALDELLI Jr., Paulo. Educação Física Progressista: A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos e a Educação Física. São Paulo: Loyola, 1992.
LEMOS, Fábio R. M. Educação Física escolar, ensino médio: entre a legislação e a ação. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 13, p. 130. 2009. http://www.efdeportes.com/efd130/educacao-fisica-escolar-entre-a-legislacao-e-a-acao.htm
MEDINA, João P. S. A Educação Física cuida do corpo e... "mente". 8 ed. Campinas, Papirus, 1989.
SOARES, Carmem L. Fundamentos da Educação Física escolar. Rev. Bras. de Est. Pedagógicos, Brasília 71(167), p. 51-68 , jan-fev/1990.
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