Visão do árbitro do karatê shotokan durante a luta: uma revisão baseada na matemática La visión del árbitro de karate shotokan durante la lucha: una revisión basada en la matemática Vision of the shotokan karate referee during the fight: a review based on the mathematics |
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Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB do RJ (Brasil) |
Nelson Kautzner Marques Junior |
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Resumo O ataque e a defesa do karatê shotokan acontecem em alta velocidade e os árbitros precisam estabelecer o que é ponto ou não durante a luta. O olho tem uma latência de 200 ms, caso o estímulo seja menor do que esse tempo, o acontecimento não está mais presente para observar. O objetivo da revisão foi de analisar matematicamente a visão dos árbitros do karatê shotokan. Os resultados da revisão foram os seguintes: os golpes são mais velozes do que o tempo de latência do olho e os árbitros precisam antecipar a ação visual para acompanhar o ataque. A velocidade visual dos árbitros é menor quando ela está próximo do ataque e permite um maior ângulo visual, ocasionado melhor visão. Também, quando os árbitros estão próximo da luta eles tem um maior poder de refração, ocasionado melhor visão. Em conclusão, a visão do árbitro é menos veloz do que o ataque do karatê. Unitermos: Matemática. Visão Ocular. Artes marciais.
Abstract The attack and defense of the shotokan karate occur at high velocity and the referees need to establish what is the point or not during the fight. The eye has a latency of 200 ms, if the stimulus is smaller than this time, the event is no longer present to observe. The objective of the review was of analyze mathematically the vision of the shotokan karate referees. The results of the review were the following: the attacks are faster than the latency of the eye and the referees need to anticipate the visual action to accompany the attack. The visual velocity of the referees is lower when it is near of the attack and allows a greater visual angle, resulting better vision. Also, when the referees are near the fight they have a greater refractive power. In conclusion, the view of the referee is less rapid than the karate attack. Keywords: Mathematics. Eyesight. Martial arts.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A luta de competição (shiai kumite) do karatê de estilo shotokan acontece numa área de combate de 8x8 metros1. A duração da luta é de 1 minuto e 30 segundos a 2 minutos2, geralmente 80% dos combates terminam em menos de 50 centésimos e 20% do combate acaba entre 50 centésimos a 1 segundo e 30 centésimos3. Isso acontece porque no karatê shotokan o ataque é em alta velocidade e de difícil defesa4, o sistema de pontuação também ocasiona uma luta breve, em caso de um golpe perfeito (ippon) ou um segundo waza-ari o combate acaba5. Os ataques (chute e/ou soco) do karateca para serem válidos precisam acertar o tronco do oponente6 e merecem ser com máxima força e velocidade, mas no fim do ataque o lutador precisa reduzir a velocidade do golpe para não machucar o oponente, necessitando que a ação ofensiva seja com boa técnica para ser computado como ponto, caso contrário o árbitro não estabelece pontuação7. Essas regras são aplicadas por duas entidades do karatê, a JKA (Associação Japonesa de Karatê) e a ITKF (Federação Internacional de Karatê Tradicional).
Como o ataque e a defesa do karatê shotokan acontecem em alta velocidade e os árbitros precisam estabelecer o que é ponto ou não durante a luta, no combate existe um árbitro central que acompanha a disputa na zona de luta, sendo auxiliado por quatro árbitros que ficam sentados em uma cadeira com uma bandeira branca e outra vermelha correspondendo à faixa dos lutadores. Cada árbitro auxiliar (o bandeira) fica em cada corner após os 2 metros da área de segurança que se encontra em torno da zona de luta. Apesar de uma luta do karatê shotokan possuir um árbitro e quatro bandeiras, segundo Maruenda8 a velocidade de movimentação dos olhos de um ponto para o outro demora 200 milésimos de segundo (ms) para ele se por em movimento, conhecido como movimento sacádico do olho. Caso o estímulo seja menor do que 200 ms, esse acontecimento durante a competição não está mais presente para o árbitro observar ou a visão capta o ocorrido parcialmente, um “vulto”9. Outro problema é a distância que o árbitro e o auxiliar estão da situação esportiva, podendo interferir na qualidade visual caso esses árbitros se encontrem longe e a ação dos atletas seja em alta velocidade10.
Segundo Saito11, o conhecimento da óptica está relacionado com a matemática, essas duas disciplinas se desenvolveram ao longo dos anos e a matemática permitiu a evolução da óptica. A teoria óptica de Euclides foi fundamentada através da matemática, especificamente pela óptica geométrica12. Atualmente existe um periódico internacional, o Journal of Mathematical Imaging and Vision, que tem como foco de publicação o uso da matemática aplicada à visão e a imagem para responder ou solucionar problemas dessa natureza, que muitas vezes melhoram ou podem ser utilizados pelos seres humanos13. Como é possível utilizar a matemática para identificar a resposta visual do árbitro do karatê shotokan e do auxiliar durante a luta, essa revisão vai utilizar esse conteúdo para identificar como os árbitros respondem visualmente aos estímulos do combate. Foi evidenciado que a maioria dos estudos da visão do árbitro e do auxiliar sobre o que o olho capta do contexto esportivo se concentra no futebol14-16, existindo também algumas pesquisas em outros esportes, como no basquetebol17, no futebol americano18 e no tênis19. Porém, quando é consultada a literatura do karatê shotokan, não foi encontrado nenhum estudo sobre a visão do árbitro e do auxiliar durante a luta de competição20-23.
O árbitro e o auxiliar do karatê shotokan observam melhor a luta em qual distância? Qual golpe do karatê os árbitros conseguem uma maior velocidade visual para acompanhar a técnica ofensiva no momento do combate? Sabendo dessas questões, o objetivo da revisão foi de analisar matematicamente a visão dos árbitros do karatê shotokan.
Matemática da visão
A luta de competição do karatê shotokan é acíclica e intermitente, possuindo esforço e pausa24. Quando o karateca faz um golpe de alta velocidade o combate é interrompido pelo árbitro, sendo marcado ponto ou não25. O karatê shotokan é classificado como um esporte aeróbio e anaeróbio (aláctico e láctico), conforme o momento da luta um metabolismo predomina26. A zona da luta que ocorre mais pontos é a área central com 76,67% dos pontos, enquanto que a área lateral acontece 23,33% dos pontos27. As ações ofensivas que geram mais pontos durante a disputa são através do ataque e da antecipação28. A antecipação o karateca espera o oponente atacar, mas ele se antecipa essa tarefa ofensiva com um ataque preciso, geralmente através do gyaku zuki tchudan (soco com reversão no tronco). Os golpes do karatê shotokan das competições da JKA e da ITKF que ocasionam mais pontos são o gyaku zuki tchudan, o kizami zuki tchudan (soco com a mão da guarda da frente no tronco), o oi zuki tchudan (soco com deslocamento para frente no tronco), o mae geri kekomi (chute frontal no tronco), o mawashi geri kekomi (chute semicircular no tronco) e o ashi barai (rasteira) seguido de gyaku zuki2. Os ataques mais utilizados na luta são o mae geri kekomi e o gyaku zuki tchudan, um dos motivos é a alta velocidade dessas técnicas ofensivas e a precisão que esses golpes possuem em ocasionar ponto29. A velocidade linear desses ataques é a seguinte: 15,76±5,45 metros por segundo (m/s) do mae geri kekomi, 9,2±2,85 m/s do gyaku zuki tchudan, 8±3,24 m/s do mawashi geri kekomi, 7,1±1,88 m/s do kizami zuki tchudan e 5,83±2,54 m/s do oi zuki tchudan30.
O movimento sacádico do olho possui uma latência (latência: tempo antes de iniciar a ação) de 200 ms para ele se por em movimento8, mas se o estímulo for menor do que 200 ms o acontecimento da competição não está mais presente para o árbitro observar ou a visão capta o ocorrido parcialmente, um “vulto”9. Em ações muito velozes, como nas esportivas, o indivíduo precisa fazer uma antecipação do movimento sacádico do olho para acompanhar adequadamente o momento da competição31. Porém, quanto mais longe e mais complexo o estímulo visual (exemplo: acompanhar com a visão um lance na área do futebol após o corner) mais demorada é a latência do movimento sacádico do olho32. Geralmente uma menor latência do movimento sacádico do olho permite mais acertos na tarefa33.
Um dos campos de pesquisa da visão é com o uso da matemática13, podendo ser aplicado para melhorar a qualidade de vida das pessoas com baixa visão34 ou ser utilizado no esporte para entender uma questão ou resolver algum problema. Através da matemática será possível determinar a resposta visual do árbitro e do auxiliar durante a observação do golpe do karateca do estilo shotokan JKA e ITKF que pratica mais ponto durante a luta de competição. O primeiro cálculo é uma conversão da velocidade linear em m/s do ataque do karatê para milésimos de segundo (ms). A seguir é apresentado um exemplo do cálculo.
- Mae geri (chute frontal) = 15,76 m/s
- Conversão = 15,76 m/s : 1000 = 0,01576 ms
Os outros golpes obtiveram os seguintes resultados: 0,0092 ms do gyaku zuki tchudan, 0,0071 ms do kizami zuki tchudan e 0,00583 ms do oi zuki tchudan. A velocidade das técnicas ofensivas do karatê shotokan em ms são mais velozes do que o tempo de latência do movimento sacádico do olho (200 ms), então, o árbitro e os auxiliares precisam antecipar essa ação visual para conseguirem precisão na execução das regras.
Matematicamente também é possível estabelecer a velocidade da visão do árbitro do karatê shotokan através da modelagem matemática aplicada a óptica35. O árbitro do karatê costuma acompanhar o combate próximo da luta, algumas distâncias que ele se encontra durante o kumite são de 0,5 metros (m), 1 m e 1,5 m. Sabendo a velocidade do golpe do karatê em ms e a distância focal (distância focal: matematicamente é à distância do árbitro até o acontecimento da luta) do árbitro pode-se resolver uma conta e identificar a velocidade da visão. O cálculo da velocidade da visão do árbitro é realizado conforme o exemplo ensina35.
- Mae geri = 0,01576 ms
- Distância focal = 0,5 m
- Velocidade da Visão do Árbitro = 0,01576 x 0,5 = 0,00788 ms
Os outros resultados da velocidade da visão do árbitro para ele acompanhar o golpe numa determinada distância são apresentados na tabela 1.
Tabela 1. Velocidade da visão do árbitro conforme o golpe e a distância que ele se encontra da luta.
Velocidade da Visão do Árbitro conforme o Golpe
Observando a tabela 1, é possível identificar que conforme aumenta a distância do árbitro em relação à luta, a velocidade visual do árbitro é maior para acompanhar o golpe durante o combate. A figura 1 ilustra essas explicações.
Figura 1. Velocidade visual do árbitro determinada matematicamente
Os ensinamentos sobre a velocidade visual também pode ser aplicados no árbitro auxiliar (bandeira) do karatê shotokan, os pontos dos golpes acontecem na área central e na área lateral27. Para melhor compreensão sobre a velocidade visual do auxiliar, a zona de luta possui 8x8 m, foi dividida nos seguintes tamanhos para ficar mais didático a análise matemática: zona 5 ou área central possui 6x6 m, a zona 2, 4, 6 e 8 tem 6 m de comprimento por 1 m de largura e a zona 1, 3, 7 e 9 tem o tamanho de 1x1 m. Três situações acontecem durante a luta, execução de golpe na zona 1, na zona 4 e na zona 5, em ambos exemplos os dois karatecas se encontram no meio de cada zona. Qual será a velocidade visual de cada auxiliar para acompanhar o mae geri kekomi na zona 1, 4 e 5? Através da figura 2 o leitor tem a resposta.
Figura 2. Velocidade visual do auxiliar (bandeira) para observar o mae geri kekomi
Um acontecimento óptico que explica como o árbitro e auxiliar enxergam os ocorridos durante a luta é através da Teoria de Euclides. A Teoria de Euclides determina que a formação da imagem relaciona-se com o tamanho ângulo visual11. Um ângulo visual maior gera uma imagem mais próxima ou maior, enquanto que um ângulo visual menor ocasiona em uma imagem menor ou mais longe. Por exemplo, quando o árbitro do karatê shotokan está mais próximo do combate o seu ângulo visual é maior, permitindo em uma imagem melhor ou maior da luta para observar os golpes do karateca. Mas quando esse mesmo árbitro se encontra mais longe do combate, o ângulo visual é menor, oferecendo uma pior visão porque a imagem da luta é visualizada mais longe ou menor. A figura 3 ilustra essas explicações.
Figura 3. (A) Árbitro próximo da luta com maior ângulo visual proporciona melhor observação do combate e (B)
o árbitro estando longe da luta possui menor ângulo visual, conseqüentemente ocorre uma pior visão do combate
Quanto menor a distância focal do árbitro e do auxiliar, maior será o seu poder de refração e conseqüentemente a formação da imagem torna-se melhor37. O poder de refração diminui a velocidade da luz e acontece através da córnea38. A córnea faz refração para compactar o raio luminoso e a retina melhora a imagem39. O poder de refração pode ser determinado matematicamente através de uma divisão37,38.
Os resultados do poder de refração do árbitro conforme a sua distância focal são os seguintes:
1 : 0,5 = 2 m (maior poder de refração)PR =
PR = 1 : 1 = 1 m
PR = 1 : 1,5 = 0,66 m
Obs.: Esses cálculos também podem ser aplicados no auxiliar.
O estudo da matemática aplicada à visão permitiu detectar que a menor distância do árbitro (distância focal) da luta, 0,5 m, proporcionou um melhor ângulo visual (Teoria de Euclides) e maior poder de refração (2 m), conseqüentemente ocasionou uma melhor imagem do combate. Também foi evidenciado que, o árbitro enxerga melhor a luta quando está próximo dos karatecas, logo a velocidade visual é menor para acompanhar o golpe desses atletas, nessa revisão foi utilizado como exemplo o mae geri kekomi. Mas conforme aumenta a distância do árbitro em relação ao combate, piora o ângulo visual e o poder de refração, sendo necessária uma maior velocidade visual para observar a execução do mae geri kekomi. Todas essas afirmações baseada na matemática também são aplicadas no auxiliar do karatê shotokan.
Considerações finais
Os golpes que fazem mais pontos na luta de competição do karatê shotokan JKA e ITKF são mais velozes do que o movimento sacádico do olho, sendo necessária uma antecipação dessa latência para o árbitro e o auxiliar acompanharem adequadamente o momento da execução da técnica ofensiva. Foi identificado que conforme a distância focal do árbitro e do auxiliar em relação ao combate pode melhorar ou piorar o ângulo visual e o poder de refração.
Matematicamente foi evidenciado que a visão do árbitro e do auxiliar possui uma “desvantagem” quando o karateca efetua um golpe porque a tarefa de ataque é muito veloz para olho acompanhar e permitir que a execução da regra seja sempre correta. Em certos momentos da luta, os árbitros (juiz principal e bandeiras) podem se equivocar.
Como sugestão, para auxiliar a visão dos árbitros, indica-se o uso da tecnologia da esgrima para facilitar na marcação da pontuação do karatê shotokan JKA e ITKF. Recomenda-se que o lutador de karatê use um sensor nas mãos e nos pés para detectar quando o karateca toca o tronco do oponente com um ataque, imediatamente quando o soco e/ou chute acerta o adversário será acionada uma luz no placar. Para os árbitros determinarem se foi ponto ou não, basta aplicarem as normas da regra atual, o golpe precisa ser com máxima força e velocidade, mas quando o ataque atinge o tronco do lutador é necessário que seja “freado”, necessitando que toda a ação ofensiva seja com boa técnica.
Em conclusão, a matemática aplicada à óptica do esporte evidenciou que a visão dos árbitros durante a luta são menos velozes do que os golpes do karatê, dificultando na execução das regras, sendo necessário o uso da tecnologia para ocasionar precisão na determinação do ponto ou não.
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