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Um estudo sobre o perfil leitor em acadêmicos

de um curso de licenciatura em Educação Física

Um estudio sobre el perfil lector en estudiantes de un curso de licenciatura en Educación Física

 

*Possui Graduação em Educação Física e Pedagogia. Especialista em Pedagogia do Movimento

Mestre em Educação Escolar e Doutorando pela UNESP, Araraquara. Docente

nas Faculdades Network e na Secretaria da Educação São Paulo/Diretoria de Americana

**Graduado em Ciências Sociais, Mestre em Educação Escolar e Doutorando

pela FCLAR - UNESP - Araraquara. Atualmente é professor da FAC São Roque

***Graduado em Letras e em Pedagogia e é Doutor em Educação Escolar pela UNESP, Araraquara

Atualmente é professor dos cursos de Pedagogia, Direito e Administração da FAC São Roque

****Possui Graduação em Educação Física e é Mestre em Ciências USP, São Paulo

Atualmente é docente nas Faculdades Network

*****Pedagogo, Mestre e Doutor pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Professor da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP). Membro do Laboratório

de Psicologia Genética/Unicamp

Kleber Tüxen Carneiro*

Eliasaf Rodrigues de Assis**

Maurício Bronzatto***

Thiago Augusto Costa de Oliveira****

Ricardo Leite de Camargo*****

kleber2910@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A presente pesquisa teve, por objetivo principal, averiguar a freqüência e os gêneros literários que os acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física, assiduamente alocam da biblioteca da instituição, a fim de conhecer e correlacionar sua formação técnico-científica com o desenvolvimento de sua formação leitora e a constituição do capital cultural dos mesmos. Dito de outra forma, o presente estudo objetivou pesquisar qual a freqüência e os tipos de leitura que os discentes do curso de Educação Física, regularmente emprestam da biblioteca institucional, para observar se os mesmos restringem-se as solicitações disciplinares, ou seja, de demandas exclusivas solicitadas pelas disciplinas que devem cumprir. Ou se expandem para o aumento de sua formação cultural literária e, por conseguinte, expandem sua competência leitora. Uma vez que, a mesma, poderá exercer forte ingerência sobre sua futura prática pedagógica e amplo impacto na formação de novos leitores no espaço escolar.

          Unitermos: Perfil leitor. Gênero literário. Formação docente. Curso Licenciatura em Educação Física.

 

Abstract

          This research has, as main objective, to investigate the frequency and the literary genres that students of Bachelor in Physical Education of Colleges Network, assiduously allocate the institution's library in order to understand and correlate their technical and scientific training with development of its formation reader and the constitution of the cultural capital of the same. Put another way, the present study aimed to investigate how often and the types of reading that students from the Physical Education regularly lend the institutional library, to see if they are restricted to the disciplinary demands, ie, demands unique requested by the disciplines that must comply. Or expand to increase their cultural and literary therefore expand their reading competence. Once, it may exert a strong influence on their future teaching practice and broad impact on the formation of new readers in the school.

          Keywords: Reader profile. Literary genre. Teacher training. Course degree in Physical Education.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

Um país se faz com homens e livros

Monteiro Lobato1

    José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948), mais conhecido como Monteiro Lobato foi uma importante figura no panorama cultural brasileiro da primeira metade do século XX. Suas atuações como escritor, editor e tradutor, durante muitos anos mostraram-se fundamentais para a configuração do campo literário, tanto do ponto de vista da formação do público-leitor, quanto da produção e circulação de livros no mercado editorial.

    Sua produção enriqueceu substancialmente o campo literário, notadamente no que tange a literatura infanto-juvenil de nosso país. São de sua criação personagens imortais, como: Narizinho, Emília, Tia Anastácia, Dona Benta, Jeca Tatu, entre outros. Tendo atravessado a primeira metade do século XX e protagonizado a grande “peça dramática” que foi a industrialização do país, com toda sua carga de acirramento das desigualdades sociais, Lobato refez opiniões e pontos de vista e matizou seu nacionalismo, revendo e relativizando seu projeto de nação.

    Ele encontrou na literatura infantil um meio de educar os futuros cidadãos, de contribuir para a formação de brasileiros patriotas e comprometidos com o progresso, e trabalhou igualmente pela consolidação e expansão do mercado que garantisse o acesso do público (não apenas infantil) às obras literárias.

    Talvez nosso leitor esteja se interrogando se o presente texto constituir-se-ia numa descrição biográfica de Monteiro Lobato. Afirmamos que não. Todavia, ao nos propormos discorrer sobre o tema leitura, é impossível desconsiderar o imperativo categórico propagado por ele e que compõe nossa epígrafe – Um país se faz com homens e com livros. Em meio ao conturbado contexto histórico do período, ele prenuncia o caminho para o desenvolvimento da nação. O conhecimento (que bem conhecemos no século XXI) por intermédio do livro, ou melhor, da leitura, escopo das elucubrações do presente artigo.

    Seu projeto intelectual incluía aquilo que hoje chamaríamos de “tradução” cultural, na medida em que procurava estabelecer a comunicação entre diferentes segmentos da sociedade através do entrecruzamento de diferentes registros culturais; bem como tornar acessível aos brasileiros, informações de culturas estrangeiras. Tensões entre o mundo rural e o mundo urbano, o local e o universal, a língua culta e a língua coloquial, entre interior e exterior, encontraram em sua obra campo fértil para serem discutidos e problematizados.

    A leitura de sua obra revela um curioso caminho intelectual, que informa diferentes modelos de país ao longo de sua vida. Mudanças que se articulam com sua própria experiência (de, sucessivamente, funcionário público, fazendeiro, comerciante, editor, adido comercial do Brasil nos Estados Unidos) e também com as transformações da sociedade brasileira.

    Passado pouco mais de um século, temos um cenário político, social e econômico diferente do vivido por Lobato, entretanto, podemos interpelar: como nos encontramos no que se refere ao campo cultural, especialmente no campo literário (dos livros)? Tornarmo-nos uma nação leitora, de igual modo aos países intitulados desenvolvidos? Sobretudo no campo educacional, temos conseguido cooperar com a idéia de nação desenvolvida por intermédio da formação de leitores? Temos conseguido, além de formá-los, torná-los ávidos pela leitura? Ou nossa grande massa ainda se contenta com as migalhas formativas que sobram das indústrias midiáticas? E nossas escolas formativas? como se colocam frente a tantos desafios?

    São tantas as questões que nos conduzem a diferentes observações, que talvez nosso texto pudesse se ativer apenas a apresentar laudas e laudas de questionamentos. No entanto, nos aproximando mais da especificidade do presente texto, o que propomos foi investigar como a leitura está presente na formação profissional (universitária dos futuros professores).

    Dito de modo mais simples: procuramos investigar, quais livros estão presentes no cotidiano das leituras do futuro educador físico ao longo de seu processo de formação profissional, correlacionando as solicitações disciplinares e sua formação cultural literária. Considerando que a mesma terá forte desdobramento na ingerência formativa de novos leitores, uma vez que os mesmos exercerão expressiva influência sobre seus vindouros alunos no exercício do magistério.

    Iniciaremos nossa empreitada, discorrendo sobre a relevância da leitura nas questões mais efêmeras da vida; posteriormente os desafios científicos, sociais, políticos e culturais da nação e seus desdobramentos no campo escolar, diametralmente no que se refere à competência leitora dos universitários em processo de formação docente.

A leitura e suas diferentes interfaces cotidianas

    Diariamente, identificam-se várias situações que requerem o uso da leitura. No mundo moderno inúmeras tarefas dependem dela, desde a simples tarefa da leitura do itinerário do ônibus, até ler uma bula de remédio corretamente. A leitura está presente em muitos momentos habituais das pessoas. Nesse sentido, Teberosky e Cardoso (1993) advertem que a sociedade urbana contribui, em muito, para que os conhecimentos lingüísticos ocorram por meio de recursos como: outdoors, televisão, jornais, entre outros meios de comunicação, o que denota que leitura não está restrita ao universo escolar.

    Assim, ler tornou-se uma atividade inerente ao cotidiano da vida humana. No entanto, por mais prosaica que possa parecer a sua realização, ela não é uma tarefa tão simples como é usualmente concebida no imaginário comum, quase elevada a uma dimensão simplista, ou recreativa (descontração), chegando a ser pensada numa dimensão inata. Um exemplo bem simples, e bem elucidativo do valor errôneo de associar a leitura apenas como um passa tempo, encontra-se num episódio pessoal que aconteceu com um amigo. Estava ele terminando a sua tese de doutoramento e certo dia, sua auxiliar nas tarefas doméstica, pensando que ele não estava em casa, fez o seguinte comentário ao telefone: “O seu Fulano de Tal outro dia me disse que está muito cansado. Não sei de quê, se ele passa o dia todo sentado, lendo. De vez em quando, ele escreve alguma coisa no computador.” Tal exemplo cotidiano, denota a deformação do entendimento atribuído à leitura, vinculando-o ao “não estar fazendo nada” ou simplesmente associando-o a um mero estado de relaxamento.

    Todavia, os processos de letramento constituem-se em processos complexos, que operam em vários níveis: cognitivo, lingüístico, mecânico, físico, biológico, afetivo e social2, o que revela sua complexidade e a multicausalidade do fenômeno, engendrando a necessidade de uma abordagem inter e multidisciplinar.

    Assim, a leitura não pode ser arquitetada como sinônimo de decifrar os signos do alfabeto, ou agrupar as palavras e sentenças, esse tipo de leitura é suficiente para que haja o mínimo de comunicação entre as pessoas. Todavia, dentro de uma visão mais abrangente e elaborada, ler significa, fundamentalmente, compreender o que foi lido. Portanto, não basta somente decodificar os símbolos gráficos, é preciso que o leitor contextualize e atribua significado ao que interpreta. Lembremos-nos da linda descrição de atribuir significado a leitura, apresentada pelo ilustre educador Paulo Freire (1989):

    Os "textos", as "palavras", as "letras" daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros - o do sanhaçu, o do olha- pro- caminho- quem- vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os "textos", as "palavras", as "letras" daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores - das rosas, dos jasmins, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da manga- espada verde, o verde da manga- espada inchada; o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. A relação entre estas cores, o desenvolvimento do fruto, a sua resistência à nossa manipulação e o seu gosto. Foi nesse tempo, possivelmente, que eu, fazendo e vendo fazer, aprendi a significação da ação de amolegar. (FREIRE, 1989, p. 9-10 o grifo é nosso)

    As palavras tão impingidas de sentido, descritas pelo mestre Paulo Freire, revela um forte indício da importância da contextualização e significação do ato de ler. Quando um leitor desenvolve esse nível de compreensão é considerado fluente ou proficiente, agregando outras habilidades relevantes, tais como: a velocidade, a criticidade, a criatividade, a ressignificação e a motivação (Kopke Fº, 2001; Santos, 1990a; Vicentelli, 1999).

    No entanto, a realização formativa do leitor não é uma tarefa simples, notadamente frente aos desafios contidos no processo educacional de um país como o Brasil. Considerando sua territorialidade, pluralidade étnica, disparidade sócio/econômica e baixo investimento, os dilemas das políticas educacionais frente às implementações e operacionalidades, entre outros aspectos, constituem numa complexa conjuntura que desafiam as instituições e os educadores dessa nação. Há ainda de se pesar o processo de escolarização e formação, especialmente no que se refere ao desenvolvimento da capacidade de ler o mundo, para além da simbologia gráfica. A seguir, descreveremos um pouco mais da realidade e dos desafios presentes na formação escolar brasileira no que se refere à leitura.

Os desafios brasileiros na formação de seus leitores

    Atualmente, embora encontremos uma preocupação recorrente com o desenvolvimento dos conhecimentos relacionados à leitura, as pesquisas e produções sobre o tema, ainda são muito inexpressivas, frente às dificuldades. Com a preocupação de levantar a produção de pesquisas sobre leitura, Witter (1997) fez uma análise do Annual Summary of Investigations Relating to Reading (Summary) e comparou com a produção brasileira, concluindo que no Brasil existem poucas pesquisas sobre a temática leitura. A autora atribui a escassez de pesquisas à falta de incentivos, de cursos específicos e de docentes especializados; diferentemente da produção estrangeira, principalmente a de países mais desenvolvidos, onde estudos sobre leitura estão em ascensão e evidência.

    Outro aspecto apontado é que em países nos quais a tradição de pesquisa em leitura é limitada e com poucos investimentos financeiros, há a importação de modismos que, muitas vezes, não possuem fundamentação teórica e metodológica. Esses modelos causam na educação efeitos nefastos que atrasam ainda mais a evolução do conhecimento na área.

    Com a preocupação de investigar a produção em leitura, Carelli (2002) realizou uma pesquisa sobre a produção científica nas áreas de educação e psicologia, analisando dissertações e teses apresentadas em quatro universidades paulistas (PUC-São Paulo, PUC-Campinas, UNICAMP e USP) entre os anos de 1990 e 1999 e no Dissertation Abstracts International (DAI). Dentre as conclusões apontadas, constata-se o alerta para o fato de que, mesmo nas instituições de grande mérito acadêmico, a produção ainda é muito pequena na área de leitura.

    Mesmo que a realidade remeta a uma conclusão desalentadora quanto ao crescimento de pesquisas nessa área, é preciso um enfretamento para ampliar a gama de conhecimento sobre o assunto, o que nos alentou a empreender nossa pesquisa. Sabemos que a leitura representa um grande passo para aquisição do conhecimento, pois é por meio dela que se adquire uma percepção singular do mundo, como advertimos anteriormente. Além disso, o letramento oferece uma condição sine qua non (expressão originaria do termo legal em latim, que pode ser entendido como “sem a/o qual não pode ser”) para o desenvolvimento da reflexão crítica, que conduz o leitor a questionar e avaliar o texto lido, dentro de um referencial próprio de seus conhecimentos, conceitos e valores (Drouet, 1995; Ellis, 1995; Gregoire & Piérart, 1997; Santos, 1990a, 1990b, 1990c).

    Deste modo, é inquestionável o espaço que a leitura deveria ocupar para se pensar a qualidade da educação, seja ela na educação formal, ou informal. Desde a mais tenra idade e nos diferentes espaços educativos, até sua iniciação no processo de alfabetização, ao longo da Educação Infantil, do Ensino Fundamental, passando pelo Ensino Médio, até chegar ao curso de formação profissional (graduação). Muito embora, diversos estudos têm evidenciado que estudantes chegam à universidade sem apresentarem o nível de leitura esperado para essa etapa de escolarização (Carelli, 1996; Oliveira, 1996; Pellegrini, 1996; Santos, 1990a).

    Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC), 91% dos alunos terminam o ensino fundamental abaixo do nível adequado. Em uma pesquisa internacional realizada em 40 países pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os jovens brasileiros ficaram na 37ª posição em testes de leitura (RÖTZSCH, 2005, p. 4). Tais dados apontam para a dificuldade das escolas brasileiras em cumprir a sua função mais elementar: ensinar a ler.

    Tais evidências corroboram então que diversos alunos saem do ensino fundamental e médio sem essa habilidade, e ingressam no ensino superior com sérias deficiências no comportamento de leitura como destaca (Garrido, 1988). Fato lamentável, considerando a fundamental importância da aquisição da habilidade leitora, especialmente porque, no ensino universitário (formação profissional) a leitura é uma condição primaria para o graduando, que fornecerá subsídios para o desenvolvimento crítico, cultural e técnico necessário durante seu processo formativo.

    Mesmo cientes da importância de discorrer e entender sobre todo o processo do desenvolvimento da leitura nos diferentes contextos e etapas de ensino, os limites do presente texto não nos permitem abordá-los dado sua extensão e complexidade. Logo, nos ateremos à especificidade do presente artigo, subproduto de nossa investigação, que objetivou pesquisar quais livros os acadêmicos em formação incluem no cotidiano de suas leituras ao longo de seu processo de formação profissional (graduação), correlacionando se restringem as solicitações disciplinares, ou, vinculam-se a expansão de sua formação cultural literária (capital cultural), considerando que a mesma, poderá exercer forte impacto e influência para sua futura prática pedagógica e também no incentivo da qualidade leitora de seus porvindouros alunos.

    Conquanto tenhamos clareza da multicausalidade das problemáticas que circundam a questão da leitura, a formação docente assume, nesse contexto, um lugar central, onde concentraremos nossas elucubrações para o presente texto. É possível que a formação do leitor possa ser propiciada pelos diversos tempos-lugar da vida humana em sociedade (família, grupos de amigos, bibliotecas, editoras, escolas, etc.) como já afirmamos anteriormente. Todavia a formação profissional deve ter papel decisivo na construção da profissão docente. Sobretudo, no que se refere à construção do hábito leitor, que reverberará na interface da identidade vocacional. Como destaca Almeida (2001: 119), “as leituras do professor são relevantes para a constituição de sua identidade profissional”, por isso ressalta que, através dos textos, muitos conhecimentos são assimilados e refletidos, o que pode trazer grandes contribuições para a sua prática.

    Analisando tal conjuntura, a universidade torna-se um espaço importante para propiciar ao estudante uma formação que lhe ofereça condições de desenvolver uma leitura eficaz, principalmente no que tange à Leitura Técnico-Científica, ou Leitura ocupacional (occupational reading) que é primordial ao futuro desempenho profissional desse estudante (Witter, 1996, 1997). Assim, a habilidade de leitura é essencial para o estudante universitário, conforme observa Santos (1991), pois seu sucesso no ensino superior está associado à sua maturidade em leitura, que pode ser melhorada, se diagnosticada apropriadamente.

    Avaliando tal responsabilidade atribuída as instituições formativas na busca do equacionamento das deficiências na aquisição da habilidade leitora, torna-se imprescindível um redimensionamento sobre a abordagem e administração de medidas que busquem superar as limitações relacionadas à dificuldade de leitura. Centofanti, Ferreira e Del Tedesco (1997) consideram que as universidades deveriam dar maior importância à leitura e tornarem o professor universitário co-responsável pela tarefa de orientar seus alunos no aperfeiçoamento dessa habilidade. Witter (1997) lembra que o docente universitário também merece atenção no desenvolvimento da sua própria habilidade de leitura, posto seja esta uma condição básica para seu exercício profissional; quer seja para o seu desenvolvimento pessoal, ou como ferramenta de trabalho. Sendo um leitor hábil e apresentando excelência nos vários níveis e tipos de leitura, o docente-leitor poderá influenciar positivamente o comportamento do aluno-leitor.

    Portanto, ao se apropriar das literaturas acadêmicas (Leitura Técnico-Científica, ou Leitura ocupacional), o graduando (professor em formação) se apropria de abordagens teóricas e metodológicas que contribuirão na construção de novas posturas (leitura de mundo), tanto na esfera pessoal, quanto no âmbito profissional.

    Por outro lado, os acadêmicos (estudantes universitários), diante das dificuldades que encontram para ler os textos técnicos/científicos, muitas vezes restringem-se as explicações orais e escritas dos docentes. A réplica ativa assume, infelizmente, uma proposta de leitura autoritária (Jurado e Rojo, 2006) e autorizada/legitimada pelos docentes que ministram as disciplinas. Correa (2001: 59) diz que os professores universitários se vêem diante de “leitores que não conseguem fazer relações entre os vários aspectos contidos nos textos, que lêem, mas não interpretam, ou apresentam posicionamento crítico frente às idéias do autor”. Outros autores, como Barzotto (2005: 97), defende que tais dificuldades estão relacionadas “às reais condições de leitura e de interpretação de textos”, principalmente entre os alunos ingressantes na esfera acadêmica. De forma geral, é comum ouvirmos que os estudantes universitários apresentam dificuldades para se apropriarem do conteúdo de forma crítica e ativa extraídas dos textos lidos.

    Na busca por justificativas para tal problemática, Britto (2003) afirma que muito se tem discutido sobre a formação desses estudantes nos níveis anteriores de escolarização, julgando a precariedade do desenvolvimento das capacidades de leitura e de interpretação de textos. No entanto, o autor defende que o desenvolvimento dessas capacidades depende muito mais das formas de acesso à cultura hegemônica do que a qualidade de ensino da educação regular. Segundo o autor, “não se trata de dizer que o estudante não sabe ler e escrever de uma maneira geral, mas sim que não operaria com uma forma discursiva específica [o discurso acadêmico] pela qual a faculdade se identifica e é identificada” (BRITTO, 2003, p. 187). Ou seja, os sujeitos começam a interagir com outras formas de discurso, com outros gêneros que são utilizados em práticas de letramento acadêmico.

    Deste modo, embora reconheçamos que se devam considerar as possíveis e reais falhas existentes nos diferentes níveis da educação básica no que tange o desenvolvimento da habilidade leitora, também julgamos relevante analisar as especificidades dos textos acadêmicos e as formas como os sujeitos se apropriam das práticas de letramento que lhes são propostas, ou em alguns casos impostas. Já que a prática de leitura freqüentemente costuma ser, como sugere Andrade (2004: 125), o “instrumento de base para a condução das aulas”; “o fundamento das estratégias pedagógicas dos professores”.

    Considerando que para cada campo da atividade humana, existem gêneros específicos de comunicação. A universidade, onde tradicionalmente se deve estudar e produzir “ciência”, os gêneros mais legitimados são aqueles que fazem uso do discurso científico, que, segundo Zamponi (2005: 170), é marcado por características como “o uso de terminologias específicas, preferência por construções sintáticas particulares (p. ex., a construção passiva); (...), restrições estilísticas (p. ex., a exclusão de metáforas), economia e precisão máximas, pretensa neutralidade, objetividade e despersonalização (criadas pelo uso da terceira pessoa e das modalidades lógicas, entre outras estratégias)”. Essa modalidade de escrita tem o objetivo de divulgar as pesquisas científicas entre os cientistas; portanto, deve circular dentro de limites muito restritos, atingindo normalmente leitores-especialistas da área, que conhecem o domínio do conhecimento e a metodologia utilizada. Como destaca (Zamponi, 2005, p.169) que no ensino superior é comum a circulação de artigos científicos, “como decorrência, o discurso torna-se hermético e impenetrável para um leitor não especialista”.

    Se por um lado, tal gênero é bastante familiar aos professores universitários, ele é geralmente desconhecido pelos estudantes que ingressam nos cursos de formação. Por isso, Matencio (2002, p. 06) supõe que, pelo fato dos alunos estarem se deparando pela primeira vez com o fazer científico, uma das maiores dificuldades pode ser proveniente de desconhecerem como se faz pesquisa e assim, não saberem como devem abordar as informações lidas. Segundo a pesquisadora, “os alunos ingressantes desconhecem como são produzidos, recebidos e como circulam os textos produzidos na área” (p. 6).

    De tal modo que, os alunos desconhecendo as marcas enunciativas e discursivas da linguagem científica, ficam sem saber como se apropriar de tais práticas de letramento, legitimadas por determinado grupo de especialista. De acordo com Kleiman (1995: 19), letramento é “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos”.

    Assim, a leitura é determinada contextualmente e culturalmente, ou seja, para cada situação e contexto, novas práticas de letramento são utilizadas. Na esfera acadêmica, as práticas de letramento estão relacionadas a linguagens específicas, gêneros e formas de construção da autoria. Por isso, podemos dizer que se trata de um processo de apropriação de práticas de letramento acadêmico (Street, 1999). Ao lidar com os textos escritos, os estudantes ingressantes não são pesquisadores e cientistas, por isso se deparam com texto com grande carga conceitual, necessitando de uma retextualização por parte dos professores universitários.

    Deste modo, ao considerarmos então, que os processos de letramento constituem-se em elementos complexos e de multicausalidades, exigindo uma abordagem inter e multidisciplinar, que necessitam de contextualização e significância; e que o Brasil não apresenta tradição em pesquisas sobre a temática leitura e a escassez de investimentos financeiros para desenvolvimento das mesmas e que os estudantes chegam ao nível da universidade com grande deficiência no comportamento leitor e boa parte da responsabilidade da aquisição da competência leitora vincula-se as instituições formativas do equacionamento das deficiências ledoras; torna-se imprescindível, desta forma, um redimensionamento sobre a abordagem e administração de medidas que busquem superar as limitações relacionadas à dificuldade de leitura.

    Tal conjectura impeliu-nos a empreender o presente estudo, que buscou conhecer a freqüência e o gênero de leitura que lêem os acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física. Procuramos verificar através dos livros que os mesmos solicitam em empréstimos na biblioteca da instituição, se os mesmos restringem-se aos pedidos disciplinares. Ou seja, se permanecem restritos às demandas de disciplinas que devem cumprir, ou se expandem esse escopo para o aumento de sua formação cultural literária, seu capital cultural3. E se fazem isso, põem-se em franco embate com todo o cenário desafiador levantado anteriormente. E compreendemos a perspectiva de tal atitude, pois julgamos que a qualidade de sua formação leitora, poderá desempenhar forte impacto, e ingerência sobre sua futura prática pedagógica e expressiva influência sobre seus vindouros alunos no exercício do ato docente. A seguir apresentaremos os caminhos metodológicos do estudo.

Aspectos metodológicos da pesquisa

    Os métodos de investigação foram classicamente descritos como quantitativos e qualitativos, por apresentarem características aparentemente contrastantes quanto à forma e ênfase. Contudo ao revisar a literatura sobre a pesquisa qualitativa, o que chama-nos a atenção imediata é o fato de que, freqüentemente, a pesquisa qualitativa não está sendo conceituada por si só, mas, em contraponto a pesquisa quantitativa, o que em nosso entendimento é um equívoco.

    Concordamos com a idéia de que as abordagens qualitativa e quantitativa refletem divergências epistemológicas, que implicam nos estilos de pesquisa e formas de construção teórica. Convém reiterar, no entanto, que os métodos quantitativos e qualitativos, apesar de suas especificidades, não se excluem. Assim, esta classificação não significa que se deva optar por um em detrimento do outro. O pesquisador pode, ao desenvolver o seu estudo, utilizar os dois, usufruindo, por um lado, da vantagem de poder explicitar todos os passos da pesquisa e, por outro, da oportunidade de minimizar interferências e quantificar informações, a fim de contribuírem nas conclusões obtidas.

    Deste modo, em nosso estudo optamos por uma abordagem qualitativa do ponto de vista epistemológico, entretanto nos apropriamos de uma análise quantitativa, para aferir e analisar as variáveis propostas em nossa investigação. E aqui nos lembramos da descrição de SAMPIERI4 (2006, P.102), ao apresentar os benefícios de uma pesquisa qualitativa “Os estudos descritivo-qualitativos pretendem medir ou coletar informações de maneiras independente ou conjunta sobre os conceitos ou as variáveis a que se referem”.

Objetivo

    A presente pesquisa teve por objetivo principal cotejar qual a freqüência e o gênero literário que lêem os acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo, observando os livros que alocam da biblioteca da instituição e correlacionando se os mesmos restringem-se as solicitações curriculares. Ou seja, se são restritos às demandas de disciplinas que devem preencher. Ou se a alocação de livros se expande para o aumento de sua formação cultural literária oportunizando a expansão do capital cultural.

    Dito de outro modo, o presente estudo objetivou conhecer qual assiduidade e os tipos de livros que os discentes do curso de Educação Física, freqüentemente emprestam da biblioteca institucional, para observar se os mesmos restringem-se as solicitações das exigências designadas pelas diferentes disciplinas que compõem a grade curricular do curso, ou se ampliam sua competência ledora por meio da diversidade de gêneros e tenacidade do hábito leitor. Considera-se também que o quadro constatado poderá exercer forte ingerência sobre a futura prática profissional do docente em formação e reverberar substancialmente na qualidade formativa de futuros leitores.

Definição do problema

    Se considerarmos que os processos de letramento constituem-se em elementos complexos e multicausais, observarmos também a ausência de tradição em pesquisas que abordem a temática “leitura”. Somem-se a isso os poucos investimentos financeiros para desenvolvimento das pesquisas nessa área. Notarmos ainda o contexto sócio, político e cultural brasileiro no que tange a formação ledora e o deficitário processo de escolarização recebido pela maior parte dos discentes ingressantes no ensino superior privado. Ainda assim, conseguiríamos encontrar ávidos leitores que rompessem com todo esse cenário devastador? Ainda que o cenário seja desalentador, seria a literatura capaz de inebriar os acadêmicos a romper com limites da leitura vinculados a obrigatoriedade das disciplinas e se aventurarem em incursões literárias que os conduzissem a expansão formativa e acúmulo de capital cultural?

Hipótese

    Analisando a amplitude e a complexidade que englobam os processos de formação leitora, podemos somar vários fatores: a ausência de estudos sobre a temática, os baixos investimentos no desenvolvimento de pesquisa, os obstáculos sociais, culturais e econômicos para aquisição da competência leitora em nosso país e a deficiente escolarização recebida por boa parte dos discentes ingressantes no ensino superior privado de maneira geral. Um grande contingente desses ingressantes é advindo de instituições públicas; ainda assim, encontraríamos ávidos leitores que contrastam com um cenário adverso e encontram na leitura (especialmente na erudição literária) um caminho de transformação pessoal e, por conseguinte profissional?

    Seria a literatura atraente e aprimoradora, ao ponto de impulsioná-los a irromper as amarras do “legalismo disciplinar”, ou melhor, dizendo, torná-los capazes de expandir a competência leitora, para além das leituras obrigatoriamente impostas pelos conteúdos abordados nas diferentes disciplinas curriculares. Eles progredirão qualitativamente no avanço formativo e no acúmulo de capital cultural? Em nosso entendimento das dimensões de tal conjuntura acima descrita, não é fácil suplantação e dificilmente encontraremos tal ruptura.

Método

    Utilizamos o método denominado pesquisa de campo. Esta abordagem engloba, desde a década de 1930, uma ampla variedade de delineamentos desde a sua introdução ao contexto acadêmico por Jahoda, Lazarsfeld e Zeisel (1933). Este estudo é especialmente interessante do ponto de vista do método da pesquisa qualitativa, ao mesmo tempo em que se constitui como exemplo de triangulação, i.é, uma integração de diferentes abordagens e técnicas – qualitativas e quantitativas – num mesmo estudo.

Instrumento

    Para aferir a freqüência e o gênero de livros alocados pelos acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física, utilizamos o relatório de registros eletrônicos de controle dos empréstimos de livros utilizado pela biblioteca institucional. Deste modo, observamos o fluxo e os tipos de livros que os discentes recrutavam da biblioteca institucional ao longo dos dez primeiros meses do ano de 2012.

Participantes e Local

    Participaram desta pesquisa os alunos do primeiro e segundo anos do curso de licenciatura em Educação física de uma instituição privada, situada na região metropolitana de Campinas, no estado de São Paulo - Brasil. Cabe ressaltar, que a instituição dispõe de dois campi: sendo o Campus I no município de Nova Odessa-SP e o Campus II no município de Sumaré-SP.

Apresentação e análise dos resultados

    Para cotejar as tipologias literárias (Figura 1) que freqüentemente os acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física utilizam mediante os empréstimos na biblioteca da instituição, utilizamos a proposta de Kenneth Goodman (1994:1115-1117) que apresenta a seguinte categorização [tipologia] das leituras:

  1. Leitura ambiental (environmental reading): aquela a que somos submetidos nas sociedades civilizadas. Numa grande cidade, por exemplo, a todo o momento somos expostos a outdoors, cartazes, faixas, panfletos, flyers, sinais indicadores de direção, avisos luminosos, placas comerciais.

  2. Leitura ocupacional (occupational reading): leitura feita por necessidade de trabalho, ou de qualquer natureza obrigatória (estudo, formação, entre outras). Por exemplo: um funcionário de um escritório lê normalmente muitos memorandos, notas, relatórios, professores normalmente também lêem bastante do ponto de vista profissional (a correção de exercícios e provas, por exemplo, constitui leitura), também a preparação de aulas é feita, normalmente, advém de leituras.

  3. Leitura informativa (informational reading): procurar um nome em uma lista telefônica ou ver a programação da TV constituem práticas de leitura informativa, além da leitura de jornais e revistas, para se informar do que está acontecendo no mundo.

  4. Leitura recreativa (recreational reading): aquela que se faz descompromissada e desinteressadamente. Pode ser uma leitura ficcional (literatura, revistas em quadrinhos, legendas de filmes) ou não-ficcionais (biografias, livros-reportagem, auto-ajuda). Também se pode fazer uma leitura recreativa de textos informativos, como, por exemplo, a leitura descompromissada da informação do texto jornalístico.

  5. Leitura ritualística (ritualistic reading): as leituras ritualísticas são feitas em todas as culturas. O ato da leitura torna-se um ritual, como a leitura do Evangelho, num culto religioso, ou a mesmo a leitura oralizada em sala de aula. A leitura de uma ata em uma reunião.

    Assim, nos apropriando da categorização acima descrita, procuramos aferir o gênero de livros, recrutados pelos acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física, a partir do relatório de registros eletrônicos dos empréstimos feitos na biblioteca institucional e mapeá-los a partir da mesma.

    Convém reiterar que, embora nosso estudo seja de natureza qualitativa, no entanto, usamos de procedimentos quantitativos. Pois entendemos que os métodos quantitativos e qualitativos, apesar de suas especificidades, não se excluem.

    Os resultados foram agrupados dentro das cinco (categorias/tipologia), conforme podemos observar no quadro a seguir:

    Para melhor visualização e entendimento dos resultados, apresentamos a seguir, um o gráfico que possibilita uma melhor compreensão dos dados:

Figura 1. Mapeamento das tipologias literárias que os acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física recrutam em empréstimos na biblioteca da instituição

    Os resultados demonstram claramente a predominância das leituras ocupacionais, ou seja, leitura feita por necessidade de trabalho, ou de natureza obrigatória, em detrimento das outras tipologias (ambiental, informativa, recreativa e ritualística). Tal “cenário” corrobora nossa hipótese de que a amplitude e a complexidade que englobam os processos de formação leitora, somadas à ausência de estudos sobre a temática e aos baixos investimentos no desenvolvimento de pesquisa, nos permitem observar os seguintes obstáculos: sociais, culturais e econômicos. Fatores que conjuntamente dificultam a aquisição da competência leitora em nosso país e tornam deficiente a escolarização recebida pelos acadêmicos. E esses não são elementos de fácil transposição. É observável que os discentes não conseguem estabelecer uma ruptura sobre tais dificuldades, afim de que possam expandir sua formação cultural literária, ou seja, seu capital cultural; para que ele, o capital cultural, possa colaborar com a transformação pessoal e, por conseguinte profissional.

    E se considerarmos ainda, que a leitura é determinada contextualmente e culturalmente, ou seja, para cada situação e contexto, novas práticas de letramento são utilizadas. As leituras de classificação ocupacionais, ou seja, as vinculadas às obrigatoriedades disciplinares correm o risco de serem ininteligível aos acadêmicos, uma vez que, apresentam grande carga conceitual, necessitando de uma retextualização por parte dos professores universitários.

    Cabe ressaltar ainda, que o tema leitura é uma área com muitas possibilidades de pesquisa, como apontam Kardash e Howell (2000), envolvendo um complexo jogo entre o leitor e as características do texto. Para entender essa complexidade é necessário levar em consideração as muitas características do leitor, o conhecimento anterior que influência a compreensão geral do texto, o objetivo da leitura e o propósito e nível de motivação do leitor. Estamos certos em afirmar que os limites do presente estudo não nos permitiriam abranger todas essas dimensões. Isso talvez explique porque pesquisar o desejo e a compreensão em leitura seja desafiador para os interessados pela área, devendo-se lamentar apenas que por envolver questões muito complexas, não seja possível abarcar todas as variáveis que certamente estão relacionadas a essa habilidade.

    Não obstante, procuramos também cotejar além das tipologias literárias (Figura 1), buscando conhecer também qual a freqüência cronológica com que os acadêmicos do curso de licenciatura em Educação Física recrutam os empréstimos na biblioteca da instituição. Objetivamos, dessa forma, saber se os períodos mais solicitados incidem com períodos das avaliações regimentais da instituição, reforçando a predominância das leituras de natureza ocupacionais, em período de demandas reservadas às obrigações disciplinares, como se observa no quadro a seguir:

    Com intuito de melhorar o entendimento dos resultados, apresentamos a seguir, um o gráfico que possibilita uma melhor compreensão dos dados:

Figura 2. Freqüência cronológica com que os acadêmicos recrutam os empréstimos na biblioteca da instituição

    Mais uma vez os resultados apontam para lógica da obrigatoriedade leitora, ou seja, boa parte dos recrutamentos de empréstimos dos livros incide com o período de avaliação regimental institucional (final de bimestre), embora as disciplinas estejam organizadas num calendário semestral, a instituição estabelece avaliações regimentais dentro de bimestres (Abril, Junho, Setembro e Novembro). Apesar de Outubro apresentar mais solicitações do que Novembro se deva pelo fato da ocorrência do evento cientifico da instituição acontecer neste período.

    É interessante observar que o mês de Janeiro, que apresenta um período expressivo de descanso, sem obrigações institucionais ou disciplinares, que oportunizaria maiores incursões literárias, não apresenta nenhum angariamento de empréstimo sequer. E julho que também é mês de recesso, mas, sucede atividades remanescentes do semestre anterior, ou solicitações que fechem o final do ano letivo, apresenta o terceiro maior fluxo de empréstimos de livros, também ratificando claramente a predominância das leituras ocupacionais, em detrimentos das outras tipologias (ambiental, informativa, recreativa e ritualística).

    Tais dados revelam que o espaço de formação universitária tem grande responsabilidade para o equacionamento das deficiências na aquisição da habilidade leitura. Torna-se imprescindível, um redimensionamento sobre a abordagem e administração de medidas que busquem superar as limitações relacionadas à dificuldade de leitura. Dito de outra forma, ao ingressarem numa instituição universitária, os alunos precisam ser inseridos neste novo universo e é preciso que a universidade esteja consciente e preparada para inserir seus estudantes em outras práticas e eventos de letramento, tornando possível um “Letramento acadêmico”. Para que isso aconteça, é importante que se parta dos conhecimentos e habilidades destes alunos, ou seja, é necessário que os professores conheçam seu público de leitores e respeitem o que eles trazem consigo. Os alunos precisarão ser vistos como sujeitos-históricos e suas vozes precisam ser ouvidas, somente assim, a formação poderá efetivamente acontecer. Já que partimos do pressuposto de que a formação é um processo de transformação identitária, em que novos conhecimentos vão interagindo com os já existentes, e assim, transformando conceitos, valores e atitudes.

    Passaremos a seguir para as considerações finais de nosso estudo.

Uma palavra final

    Nossa investigação possibilitou-nos corroborar o que já suspeitávamos antes de nos lançarmos na empreitada do presente estudo, a grande a amplitude e a complexidade que englobam os processos de formação leitora. Observarmos a negligência de estudos sobre a temática e também nos lembrando dos obstáculos: sócias, culturais e econômicos para aquisição da competência leitora em nosso país.

    Igualmente os dados no revelaram o quanto reverbera sobre a prática leitora a deficiente escolarização recebida pelos acadêmicos, que acabam reduzindo seu universo literário a leituras de classificação ocupacional, tão somente. Não conseguindo estabelecer uma ruptura sobre as dificuldades, o que produz pouca expansão na formação cultural literária, ou seja, no capital cultural.

    Revelou-nos ainda a presente pesquisa, que a leitura é determinada contextualmente e culturalmente, ou seja, para cada situação e contexto, novas práticas de letramento são utilizadas, e que mesmo as leituras ocupacionais, de designação disciplinar correm o risco de serem ininteligível aos acadêmicos necessitando de uma retextualização por parte dos docentes. Essa retextualização de que falamos é “a produção de um novo texto a partir de um ou mais textos-base, o que significa que o sujeito trabalha sobre as estratégias lingüísticas, textuais e discursivas identificadas no texto base para, então, projetá-las tendo em vista uma nova situação de interação, portanto um novo enquadre e um novo quadro de referência” (Matencio & Silva, 2003: 3) e que leve em consideração a linguagem e o vocabulário dos estudantes, para que possam realmente se apropriar dos conceitos científicos que circulam nos textos.

    Lembrando-nos da advertência de Larossa (2000), a leitura não é só passatempo, nem mecanismo de evasão do mundo real e do eu real. E não se reduz, tampouco, a um meio de adquirir conhecimentos. É, antes de tudo, uma misteriosa atividade, que tem a ver com aquilo que nos faz ser o que somos.

    Deste modo, se faz necessário transpor o caráter instrumental da leitura e os docentes são atores principais nessa dramaturgia denominada competência leitora! “Se a leitura e a escrita são constituintes do ofício do professor, como pretender formar professores sem leitura e sem escrita reais?” (Kramer & Oswald, 2002)

    Assim, a qualidade de sua formação leitora, poderá desempenhar forte impacto. E também ingerência sobre sua futura prática pedagógica dos professores em formação e expressiva influência sobre os vindouros alunos, especialmente no que tange a formação de crianças e adolescentes, leitores do século XXI.

    Começamos nosso estudo recorrendo ao lendário Monteiro Lobato e finalizaremos recorrendo novamente a ele. Pois como ele, estamos certos de que nos livros está fixada toda a experiência humana. E é por meio deles que os avanços o espírito humano. Um livro é uma ponta de fio, que diz: Aqui parei; toma a ponta e continua, leitor. (...) (LOBATO, 1932, p37-41)

Notas

  1. LOBATO, M. America, 1a. ed. S. Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1932. [Capa de J. U. Campos]. A frase – “Um país se faz com homens e livros” – ficou famosa como um slogan em favor do livro e da leitura no Brasil, sem que quase ninguém soubesse sua origem. Devemos ressaltar o pioneirismo da pesquisadora Alice Mitika Koshiyama, que, no livro Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor, publicado em 1982 e recentemente [2006] reeditado pela Edusp, cita a frase como epígrafe e descreve sua fonte original.

  2. Ver, por exemplo, estudos sobre letramentos sociais, como GEE, James Paul. Reading as situated language: a sociocognitive perspective. Journal of Adolescent & Adult Literacy. 44:8, 2001.

  3. Para Bourdieu (1998), os indivíduos dotados de “capital cultural”, são os que têm acesso ao poder advindo da produção, da posse, da apreciação ou do consumo de bens culturais socialmente dominantes (diplomas, nível de conhecimento geral, boas maneiras, ou seja, revestidos de cultura erudita).

  4. SAMPIERI, R. H. Metodologia de pesquisa. 3 ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.

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