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Para uma escola das identidades e diferenças

Por una escuela de la identidades y las diferencias

 

Professor Assistente

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

(Brasil)

Kleber Silva Rocha

klebersrocha@msn.com

 

 

 

 

Resumo

          O grande desafio do(a)s educadore(a)s que almejam uma escola que oportunize e defenda a equidade dos diversos conhecimentos culturalmente constituídos, onde não haja valorização de um conhecimento em detrimento do outro e que esses façam com que o(a)s educando(a)s possam refletir e desempenhar a sua função social o grupo e/ou comunidade a que ele(a)s pertençam. É justamente encontrar mecanismos que contraponha à uma forte legitimação de reprodução do conhecimento que se faz presente na escola. Como reprodutora a escola atua na seleção e distribuição do conhecimento da mesma maneira estratificada pela qual está constituída a sociedade e o currículo nada mais é que, uma seleção da cultura, uma filtragem do conhecimento de modo a torná-lo acessível aos diferentes grupos, conforme as necessidades de controle social e da maximização da produção.

          Unitermos: Educação. Identidades. Diferenças.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Ao longo da história o convívio entre as pessoas nunca foi algo fácil, principalmente porque entre elas existem ideais, pensamentos, enfim ideologias que as identificam enquanto atores de uma determinada sociedade e também ao mesmo tempo essa sociedade as determinam enquanto tais, ou seja, é uma relação dialéctica. De fato, falar de um multiculturalismo num contexto social em que há imposição de hábitos e costumes de uma ideologia dominante, que reforça no inconsciente dos atores sociais um tipo de cultura que por muitas vezes não é percebida. Por isso, se faz necessário refletir sobre essas questões que aparentemente parecem simples, mas que no fundo são muito complexas.

    O chamado multiculturalismo é um fenômeno que se originou nos países dominantes do Norte da América , mas precisamente nos Estados Unidos. Pode ser definido como um movimento de ideias que surgem para se opor há uma lógica de centrismo cultural, ou seja, abandona-se o conceito de etnocentrismo, buscando o pluralismo de experiências culturais que resulta das interações sociais. Desta maneira, o olhar sobre o multiculturalismo retrata o pensar na possibilidade de uma política cultural, pois coexistem com ela a confrontar, outros projectos, que também colocam a diversidade cultural nos centros de suas preocupações.

    Entretanto, o grande impulsionador deste movimento foi as lutas étnicas, pois a estes grupos foram negados o direito de preservar seus costumes, hábitos, crenças, ou seja, suas características culturais. Portanto, esta é uma das condições que favoreceu o movimento multiculturalista.

    A partir da metade do século XX, esse movimento foi se fortalecendo com a inserção de outros grupos que buscavam reivindicar direitos, enquanto grupo. Eles não admitiam mas, serem dominados pela cultura hegemônica, e juntos reagiram por meio de organizações políticas, que lutam para terem reconhecidos e respeitados os seus direitos civis.

    Agora poderíamos perguntar: Porque os movimentos étnicos antecedem outras formas de protesto cultural? Essa questão pode ser respondida analisando a influência dos cientistas sociais do início do século XX. Estes a partir de pesquisas passaram a refletir em grande parte sobre os condicionantes históricos relativos aos contextos nos quais são produzidas essas pesquisas, sendo desta forma levados a pensar os conflitos interétnicos como conflitos centrais de suas respectivas sociedades.

    Os confrontos culturais tem início, principalmente com a chegada dos europeus na América, o então denominado “mundo novo” os europeus os chamados “colonizadores” percebem uma outra forma de cultura.

    “Ao chegarem no continente americano, os colonizadores europeus depararam-se com uma pluralidade de hábitos e costumes jamais vista.

    A quantidade de grupos nativos, compostos por índios de troncos e linguagens diferenciadas, dava prova de quão diverso era o género humano. A complexidade de suas obras e de seus sistemas simbólicos testemunhavam a existência de civilizações milinares” (BASTIDE apud Gonçalves, 2002)

    Neste momento, há então, um choque de culturas e inicialmente acontece a resistência entre esses povos. Mas com o longo processo de interação, a resistência cede lugar a contra-aculturação. BASTIDE apud Gonçalves traduz “o desejo de restabelecer o equilíbrio destruído pelo choque das civilizações, por meio do retorno do passado, no qual as tensões ainda eram suportáveis”. E é nesse prisma que os grupos culturalmente dominados ao retornarem ao passado conseguem reconstruir parte de sua tradição cultural.

    Porém, o contato cultural prolongado produz o que Bastide chama de “interpenetração das civilizações”. Todavia, existe um fator preponderante nesse processo. Os colonizadores se deixam impregnar pela cultura dos colonizados sem, contudo, perderem a referência de sua própria civilização, pois estes se mantém dominantes pela força física e pela persuasão. Os colonizados, por sua vez, estabelecem uma coexistência mais ou menos equilibrada, aceitando seletivamente parte dos tipos culturais impostos a eles. Entretanto, como sua aculturação se realiza sob o exercício da força e da persuasão, acabam nesse processo tendo como referência a cultura do dominador.

    Dentro deste contexto é que se caracterizou o encontro entre os ameríndios, os africanos e os europeus uma história marcada por conflitos étnicos. Ainda que os contatos prologados entre diferentes etnias tivessem gerado, em alguns países mais que outros, um significativo processo de miscigenação, o próprio desenvolvimento dessas sociedades, com forte herança escravistas, não consegue eliminar as barreiras sociais, nem os preconceitos raciais.

    Os grupos etnicamente dominados acabam tendo maior dificuldade para serem aceitos pelas elites brancas. Sendo assim no processo de formação das sociedades de classe em nosso continente (América) o preconceito e a discriminação étnica funcionaram como um dos mecanismos de exclusão do sistema capitalista. Essa se não há única, foi uma das maiores causas do movimento do multiculturalismo pelos grupos étnicos.

    Apesar dessa configuração do multiculturalismo a priori ser vista como uma solução dos problemas que os grupos étnicos e raciais colocam no interior dos países, principalmente no Norte da América para a cultura nacional dominante, não se pode perder de vista que o multiculturalismo representa relações muito fortes com as culturas, e portanto não há uma separação nas relações de poder, porque antes de mais nada, obrigam essas diferentes culturas raciais e étnicas a viverem em um mesmo espaço.

    E quando se trata, principalmente dos movimentos migratórios em direcção aos países ricos não pode ser separada das relações de exploração que são responsáveis pelos profundos desníveis entre as nações do mundo.

    Dentro desta perspectiva, o multiculturalismo representa um forte instrumento de luta política. Como citado anteriormente, os movimentos negros nos Estados Unidos e também os processos de colonizações imprimidos pelos países europeus aos continentes americano e africano.

    Hoje não se concebe mais ideia de que a compreensão de diversidade cultural se restrinja ao campo da Antropologia, com isso esta compreensão foi transferida pelo multiculturalismo ao terreno político. Embora a própria Antropologia não deixasse de criar suas próprias relações de saber-poder, ela contribuiu para tornar aceitável a ideia de que não se pode estabelecer uma hierarquia entre as culturas humanas, de que todas as culturas são epistemologicamente e antropologicamente equivalentes. (Silva, 2004) “Não é possível estabelecer nenhum critério transcendente pelo qual uma determinada cultura possa ser julgada superior a outra.”

    Em discurso de um multiculturalismo liberal e humanístico poder-se-ia afirmar que as diversas culturas seriam resultados das diferentes formas pelos quais os variados grupos humanos, submetidos a diferentes condições ambientais e históricos, realizam o potencial criativo que seria uma característica comum de todo ser humano. As diferenças culturais seriam apenas a manifestação superficial de características humanas mais profundas. Os diferentes grupos se tornariam igualados por sua comum humanidade.

    “Essa perspectiva está na base daquilo que se poderia chamar de um multiculturalismo ‘liberal’ ou ‘humanista’. É em nome dessa humanidade comum que esse tipo de multiculturalismo apela para o respeito, a tolerância e a convivência pacifica entre as diferentes culturas. Deve se tolerar e respeitar a diferença porque sob a aparente diferença há uma mesma humanidade.” (Silva, 2004: 86)

    Contudo, essa visão humanista ou liberal é questionada por perspectiva críticas que percebem que as diferenças culturais não podem ser concebidas separadamente das relações de poder. A referência do multiculturalismo liberal a uma humanidade é rejeitada por fazer apelo a essa essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da sociedade e da história.

    Silva (2004) Na perspectiva crítica não é apenas a diferença que é resultado de relações de poder, mais a própria definição daquilo que pode ser definido como humano.

Como se configuram as perspectivas críticas

    As perspectivas críticas de multiculturalismo estão definidas como Concepção Pós-Estruturalista e uma outra que poderíamos denominar de materialista. Silva (2004) fazer-se-á uma breve discussão destas concepções para poder compreender outra vertente do multiculturalismo, até porque falar-se-á mais adiante de uma forma de configuração de currículo multicultural na escola.

    Na concepção Pós-Estruturalista, a diferença se concentra num processo linguístico e discursivo, isso quer dizer que as diferenças não podem ser concebidas fora dos processos linguísticos de significação. A diferença é um processo natural, ela é discursivamente produzida. Para os pós-estruturalistas a diferença é sempre uma reacção, que não pode ser diferente de uma forma absoluta, pois, só se é diferente em relação de outra coisa e que precisamente seria o não-diferente, parece complexo esta relação, mas é desta maneira que se configuram as relações sociais. Essa complexidade tenta explicar que o não diferente só faz sentido se existir a relação de diferença que o opõe ao diferente e que estes não existem fora de um processo discursivo de significação.

    Nessa ótica a concepção pós-estruturalista vem explicar que na relação social é o discurso que produz o significado da diferença e portanto há uma relação de poder e nesta existe uma constante avaliação do “ser diferente” pelo o “não diferente”. “…se há sinal, um dos termos da diferença é avaliado positivamente (o ‘não diferente’) e o outro, negativamente (o ‘diferente’), é porque há poder.” (Silva, 2002: 87)

    Uma outra perspectiva baseada no materialismo, busca suas explicações nas relações sociais que são dicernentes nos processos econômicos, institucionais e estruturais que estão ligados a produção. São esses processos que estariam na base da discriminação e das desigualdades baseadas na diferença cultural.

    Para essa concepção o problema ou a análise do racismo, não pode ser apenas visto pelo prisma do discurso, mas principalmente pelos processos institucionais, econômicos que estão na base. Em contraponto ao pós-estruturalismo os materialistas, não concebem a ideia que o racismo pode ser eliminado apenas pelas expressões linguísticas, mas que deva ser incluindo o combate a discriminação racial no emprego, na educação, na saúde.

Relações de poder e multiculturalismo

    Falar sobre as questões do multiculturalismo, não é apenas tratar das questões de etnia, género, “raça”, sexualidade de uma forma simplista, na qual esses sejam apenas denominações de grupo. E que apenas através do multiculturalismo venham reivindicar seus direitos frente a uma camada social dominante, e que querem apenas vê-los respeitados diante de uma estrutura social que está posta.

    Compreender essa relação é perceber que por de trás desta, há uma representação e uma significação dos grupos socialmente e culturalmente dominados que com suas perspectivas ideológicas tendem a se impor perante o dominador e consequentemente subjaz uma relação de poder. Portanto, conceber uma ideia humanista nesta relação, a qual ver o multiculturalismo como uma convivência de respeito e tolerância entre as diferentes culturas seria no mínimo uma visão opaca.

    Talvez o interesse dessa visão humanista seja uma clara evidência do discurso hegemónico para perpetua suas ideologias dominantes, afinal o grupo dominante não tem interesse na transformação, ele está a todo momento se empenhando para a preservação de seu domínio, portanto, apenas a acionará mecanismos de adaptação que evitam a transformação. Para tanto, é preciso ficar atento, porque o caminho traçado pelo grupo dominante é cheio de armadilhas, já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com anseios do grupo dominado. Nesse sentido, é necessário levar à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade.

    Perceber as relações de poder, é perceber que a sociedade está repleta de representações e identidades e que estas são significadas pelos seus respectivos grupos na tentativa de se impor enquanto grupo. Silva (2003) nos diz que: “… a identidade e a diferença são construídas na e pela diferença.” Ou seja, a identidade é representada pelo próprio grupo e pelos outros grupos. As condições sociais que são vistam como características comuns: sexo, sexualidade, nacionalidade entre outras, mesmo estas são condições sociais que precisam de uma representação e portanto são representadas pelos grupos.

    “A representação tampouco é simplesmente o efeito de estruturas que lhes são exteriores: o capitalismo, o sexismo, o racismo… Os diferentes grupos sociais utilizam a representação para forjar a sua identidade e as identidades dos outros grupos sociais. Ela não é, entretanto, um campo equilibrado do jogo. Por meio da representação travam-se batalhas decisivas de criação e de uma imposição de significados particulares: esse é um campo atravessado por relações de poder. A identidade é, pois, ativamente produzida na e por meio da representação: é precisamente o poder que lhe confere sem caráter ativo, produtivo.” (Silva, 2003: 47)

    Fica evidente que a identidade e a diferença não são um simples produto da natureza e que são construídas em relações de significações. Toda representação depende de significação que lhe é dada e esta por sua vez, depende das relações de poder. E por isso, é preciso ampliar a forma de ver as questões de raça, etnia, gênero e sexualidade, porque elas são centradas no processo de dominação.

    Enfim, quando se analisa a dinâmica de poder envolvida nas relações de gênero, etnia, “raça” e sexualidade ampliamos o mapa que é muito mais completo e complexo das relações sociais de dominação.

Um currículo das diferenças e identidades

    Falar sobre currículo já é uma tarefa difícil, propor um currículo que valorize as diferenças e identidades se torna mais difícil, além de envolver uma complexidade de relações sociais que estão intrínsecas nesse processo de construção multicultural. Em se tratando dos termos multicultural/multiculturalismo, apesar de haver grandes divergências na utilização deste para designar o termo cultura em uma dada sociedade e/ou sociedades. Para Hall (2003) há uma distinção entre multicultural e multiculturalismo, o primeiro “descreve as características sociais e problemas de governabilidades apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam uma vida comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade ‘original’.” Em se tratando do multiculturalismo (idem) nos diz: “Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.”

    Hall (2003) ainda chama atenção para a utilização do –ismo, o qual tende a converter o multiculturalismo numa doutrina política, isso faz com que haja um reducionismo colocando-o em uma condição petrificada. E para além desse reducionismo é preciso perceber que:

    “…o multiculturalismo não é uma única doutrina, não caracteriza uma estratégia política e não representa um estado de coisas já alcançados. Não é uma forma disfarçada de endossar algum estado ideal ou utópico. Descreve uma série de processos e estratégias políticas sempre inacabadas. Assim como há distintas sociedades multiculturais, assim também há ‘multiculturalismos’ bastantes diversos.” (Hall, 2003: 52,53)

    Para além da própria problemática que o multiculturalismo exprime, há as respectivas correntes que o denomina de conservador liberal, pluralista, comercial, corporativos e crítico ou revolucionário. Mas esse não é o propósito desta discussão aprofundar nesse debate. E apenas vislumbrar um possível currículo que busque valorizar as diferenças e identidades no contexto escolar.

    O currículo tem suas abordagens que através das quais de forma distinta relacionam a teoria com prática e a escola com a sociedade. No início do século XX existiu um processo de industrialização e movimentos imigratórios nos Estados Unidos que impulsionou a massificação da escolarização, é nesse contexto que aparece o currículo como objecto de estudo.

    Sobretudo numa necessidade de racionalizar os processos educativos, medir, testar e avaliar a aprendizagem. Bobbitt foi um dos precursores do currículo, em seu livro The Curriculum em 1918. Apesar de reconhecer que educadores e educadoras de uma forma ou de outra sempre estiveram envolvido(a)s com um “currículo” antes mesmo do surgimento dessa palavra especializada currículo que vem do latim curriculum. E que temos esta designação não apenas na etimologia da palavra “pista de corrida” e nem tão pouco em puro conhecimento, mas sobretudo naquilo que tornamos, assim poderíamos designar que o currículo é uma “questão de identidade.” (Silva, 2004)

    Para Bobbitt o currículo deveria privilegiar o principio da organização e da eficiência e que o sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos para obtê-los de forma precisa e formas de mensuração que permitissem saber se eles foram realmente alcançados. Este paradigma estava voltado exclusivamente para a economia. Essa ideia estava voltada para o exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. “O curriculista deve organizar o processo de ensino aprendizagem tal como o engenheiro planeia o traçado de uma estrada de modo a ser o mais eficiente possível.” (Pacheco, 2005: 98)

    Enfim Bobbitt queria uma mudança radical no modelo de ensino, propunha que a escola deveria funcionar como qualquer empresa comercial e industrial, era uma transferência de modelo de organização proposto por Frederick Taylor, ou seja, a educação necessita funcionar de acordo com os princípios da administração.

    Baseados nesta estrutura o currículo era constituído com objetivos de planear actividades que desenvolvessem habilidades ocupacionais para atender o trabalho de vida adulta e planejar, elaborar instrumentos de mediação que possibilitassem dizer com precisão se elas foram aprendidas.

    Contudo, as ideias de Bobbitt tiveram uma consolidação com Ralph Tyler em 1949 que desenvolveu programas de estudos sobre currículo, inclusive uns dos seus trabalhos mais conhecido foi “Basic principles of curriculum and instruction” (Tyler apud Pacheco: 2005). Tanto Bobbitt como Tyler desenvolveram um modelo tecnocrático de currículo. Esse modelo estava preocupado em questionar as formas dominantes de conhecimentos, era meramente técnico.

    A partir da década de 60 o mundo inicia um processo de transformações com os movimentos sociais e culturais. A educação escolar por sua vez é questionada por um conjunto de teorias em todo o mundo ocidental que coloca em xeque a estrutura tradicional de escolarização. Para citar alguns dos importantes nomes tivemos Paulo Freire, Louis Althusser, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Basil Bernstein, Michel Young e Michel Apple.

    É dado início a um chamado movimento de reconceptualização que começam a por colocar em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais.

    A abordagem crítica baseada em princípios marxistas analisa a escolarização como uma estrutura oprimida pela relação económica-social. Althusser irá desenvolver a sua Teoria do Aparelho Ideológico do Estado (1970), enquanto Bourdieu e Passeron a Teoria da Reprodução (1970), Baudelot e Establet a Teoria da Escola Dualista no livro L’École Capitalist en France (1971).

    É preciso fazer uma distinção, inicialmente, entre, de uma lado as teorizações críticas mais gerais estas citadas logo acima e aquelas teorizações centradas de forma mais localizada em se tratando de currículo, como, por exemplo a “ nova sociologia da educação” (Silva, 2004).

    Cabe aqui portanto, falar que as teorias críticas de currículo desconfiou da status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais, da desconfiança e questionamento e transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. Poderia aqui discorrer um grande debate sobre essa abordagem teórica, mas essa não é pretensão.

    Propor um currículo multiculturalista e propor uma escolarização multicultural. A ideia de pensar a educação em uma perspectiva multiculturalista nasce na reflexão de professores estadunidense (Gonçalves, 2002) estes influenciados pelos movimentos negros nos Estados Unidos pelos precursores dos Estudos Negros e pelo impacto dos Black Studies nas escolas. A partir de pesquisas e práticas pedagógicas esses professores, propõem novas “metodologias principalmente para o ensino de estudos étnicos e importantes reformulações de currículo e ambientes escolares, articulando cultura e identidades, bilinguismo e desempenho escolar, formação de professores e diversidade cultural.” (BANKS apud Gonçalves, 2002).

    A educação multicultural propõe a reforma das escolas, de outras instituições educacionais com a finalidade de criar iguais oportunidades de sucesso escolar para todos os alunos independentemente de seu grupo social, étnico/racial (ibid).

    Como vemos o movimento para uma educação multicultural é sobretudo questões raciais, mas logo outras problemáticas são incorporadas nesse processo tais como: as questões sócios-econômicas, relações de gênero, sexualidade, identidade e diferenças.

    Adotar uma política de currículo que atenda aos anseios perpassa por uma complexidade de saber, poder e identidade, que a cultura é um campo de conflito e de luta e que a escola não é um mero espaço de transmissão de conhecimento como perspectivaram Bobbitt e Tyler.

    Silva (2003) parafraseando Bourdieu, fala que o mundo social tem suas significações e como tal estas geram um campo de lutas. Neste campo de confrontos está uma cultura que produz relações sociais, num contexto de relações de negociações de conflito e de poder.

    Neste sentido, as atividades socialmente constituídas como a política, a educação, economia, a saúde, a ciência, o currículo são redes de significações e são todos culturais na medida em que suas práticas de significados são uma parte fundamental de sua existência e de seu funcionamento.

    “…os significados organizam-se em sistemas, em estruturas, em relações. Essas estruturas, essas relações por sua vez, apresentam-se, organizam-se como marcas linguísticas materiais como tramas, como redes de significantes, como tecidos de signos, como textos, enfim…” (Silva, 2003:18)

    Perceber um currículo das identidades e diferenças, é entender que o mundo passa por uma transformação estrutural, há um colapso na sociedade moderna no final do século XX. Acontecendo uma fragmentação de cultura de classe, gênero, sexualidade, raça, etnia, e nacionalidade. Que no passado próximo tinha-se como estruturas sólidas e consequentemente essas mudanças transformam as nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados.

    A identidade que hoje nos identifica é provisória, variável e problemática, o chamado “pós-moderno” é conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.

    Portanto, estamos em uma nova configuração de estrutura social, onde o sujeito é transformado, mutável, em suas relações sociais, A partir dai como perceber a identidade social, como lidar com essas diferenças identitárias na escola, este é um grande desafio.

    Apesar da escola está configurada em um projeto hegemônico valorizando a primazia do mercado, centrada nos valores da economia, nos interesses das indústrias e dos grandes grupos financeiros. Neste contexto predomina o discurso da competitividade, competências, ajuste, globalização, consumidor, privatização, mercado etc. A educação nesse prisma é vista apenas com instrumento de obtenção de metas econômicas.

    Contudo, temos que almejar uma educação escolar que valorize o sujeito social, enquanto sujeito histórico que constitui relações sociais diversas e como tal as diferenças devem ser levadas em consideração.Temos que dar um novo significado a educação com: igualdade, justiça social, direitos sócias, espaço público. Nessa educação o princípio é uma construção de sociedade onde os bens, a riqueza, os recursos materiais e simbólicos sejam bem distribuídos.

    E o currículo como um espaço dessa construção deve ter como perspectiva a prática do questionamento. Vamos perpetuar uma educação na lógica do mercado? Vamos constituir um currículo tecnicista? Ou buscaremos uma construção de currículo que valorize as diferenças étnicas, culturais? Um currículo da produção de identidades voltadas para o questionamento e para a crítica? Não esqueçamos que o currículo antes de mais nada é um ato político de construção social.

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