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Esportes e socialização de jovens das camadas
populares: notas de campo

Deporte y socialización de jóvenes de sectores populares: notas de campo

Socialization sport and youth of layers popular: notes from the field

 

Universidade do Estado do Rio de Janeiro - CAp

Rio de Janeiro, RJ

(Brasil)

José Antonio Vianna

javianna@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Os estudos relacionados ao esporte e aos grupos submetidos a riscos ou marginalizados, não parecem atentar para o entendimento das racionalidades locais dos participantes. A fim de contribuir para as reflexões de pesquisadores, gestores e interventores interessados no fenômeno em pauta, procuramos relatar os procedimentos de ensino, descrever os modos de vida da população local e comparar as crenças sociais com os comportamentos e atitudes dos sujeitos das camadas populares. As observações foram realizadas em um núcleo extracurricular de atividades físicas e culturais situado no interior de uma favela no município do Rio de Janeiro. Verificou-se que embora marcada pela influência da criminalidade violenta, a maioria dos alunos não se ajustam nas representações sociais construídas sobre os pobres e os favelados. A participação esportiva é percebida como ponte para a ampliação da expectativa de vida, ultrapassar os limites locais e superar as barreiras sociais.

          Unitermos: Políticas públicas. Esportes. Inclusão social. Jovens. Favela.

 

Abstract

          The studies related to sports and groups subjected to risk or marginalized, do not seem to pay attention to the understanding of participants' local rationalities. In order to contribute to the reflections of researchers, managers and practitioners interested in the phenomenon at hand, we report the teaching procedures, describe the ways of life of the local population and compare the social beliefs with behaviors and attitudes of the subjects of the classes. The observations were made on core extracurricular physical activities and cultural situated inside a favela in the city of Rio de Janeiro. It was found that although marked by the influence of violent crime, most students do not fit into the social representations about the poor and slum dwellers. The sports participation is seen as a bridge for the extension of life expectancy beyond the local boundaries and overcome social barriers.

          Keywords: Public policy. Sports. Social inclusion. Youth. Slum.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Apesar do crescimento no número de projetos esportivos destinados a inclusão sócio-educacional de crianças e jovens das camadas populares a partir da década de 1970 (ZALUAR, 1994), não tem sido foco da teorização as relações do esporte com grupos submetidos a riscos ou marginalizados pela pobreza, especialmente o que diz respeito ao entendimento das racionalidades locais dos indivíduos, e de seus motivos para a ação e das avaliações que reforçam ou modificam motivos e práticas iniciais (VIANNA; LOVISOLO, 2009a).

    Por se tratar de uma saúde situada, qualificada e de um esporte significado a partir das interações locais, as investigações macro sociais e as pesquisas em nível local podem ser complementares na observação deste fenômeno. White (1976), Willis (1991), Elias e Scotson (2000) e Wacquant (2001; 2002) forneceram contribuições importantes para a ampliação do conhecimento acerca dos grupos submetidos a riscos ou marginalizados.

    Como é repetidamente salientado, grande número de pessoas parece não se conformar ao modelo ideal da prática da atividade física para a saúde e para a inclusão social. Conforme Vianna e Lovisolo (2005) as experiências práticas das pessoas influenciam as suas crenças. Estas fornecem os motivos ou intenções para a ação.

    Assim, a relação das crenças com as experiências dos praticantes deve ser observada e analisada contextualmente. Promover acordos entre as crenças e as práticas implica a mediação ativa entre valores e objetivos, motivos, e a avaliação dos resultados da experiência, sobretudo, no início dos processos de mudança de crenças e condutas (LOVISOLO, 1995).

    Ao focalizar questões que os mapeamentos dos Projetos de Inclusão Social (PIS) realizados pelo Atlas do Esporte no Brasil (DA COSTA, 2005) e os levantamentos oficiais do Ministério do Esporte do Projeto Segundo Tempo (2007), entre outros, não conseguem alcançar, as investigações microssociais podem favorecer o refinamento das políticas e das intervenções propostos.

    A fim de contribuir para a ampliação da compreensão desta temática, nos propusemos a descrever as observações e experiências em um núcleo de atividades extracurriculares de atividades físicas e culturais situado no interior de uma favela no município do Rio de Janeiro que sofria as influências da socialização violenta do crime organizado, no período de 1995 a 2005.

    Foram objetivos deste estudo, relatar os procedimentos de ensino, descrever os modos de vida da população local, conhecer as interações locais e comparar as crenças sociais com os comportamentos e atitudes dos sujeitos das camadas populares.

    Acredita-se que a descrição e compreensão dos aspectos enunciados podem realimentar as intervenções, refinando sua coerência com as dinâmicas locais, favorecendo os acordos entre as propostas institucionais e as aspirações dos agentes do processo de intervenção (LOVISOLO, 1995).

A exploração do campo

    A influência das informações passadas pela mídia e por outros professores, de que a comunidade seria difícil e violenta provoca certa tensão no primeiro contato do observador externo com uma comunidade popular. No entanto, o tempo de convívio permite a percepção de que as ruas cheias de gente comum, que cumprimentam os transeuntes, que agradecem pela preferência nas compras, e tratam cordialmente uma pessoa nova na localidade não diferem de outros bairros.

    Ao longo da convivência na comunidade, pode-se perceber que o estereótipo criado da comunidade e de seus moradores, corresponde mais a “cultura do medo” ou ao preconceito de outras classes sociais. Valladares (2000) e Zaluar e Alvito (1998) relataram como foram construídas as representações de pobres e favelados que ainda podem ser encontradas no meio social.

Poderes locais e socialização

    As ruas principais do bairro, ao redor da associação de moradores, apresentava grande fluxo de pessoas de diversas idades e comércio diversificado. Adultos saindo para trabalhar, crianças indo para a escola, algumas sozinhas, outras, acompanhadas.

    Diferente das favelas situadas nos morros cariocas, nos vários quarteirões com ruas asfaltadas e casas de dois ou três pavimentos, com água encanada, destacava-se na paisagem local, a grande quantidade de campos de futebol, que durante a semana ficam sem utilização - vazios. A tradição de brincar nas ruas, a organização de peladas com os “moleques” da rua, parece ter sido modificada pelos riscos da violência e pelas novas agências de socialização – as mídias, os brinquedos tecnológicos e do tráfico de drogas, levando os jovens permanecerem menos tempo nas “ruas”.

    Mesmo que as armas não estivessem sempre à vista, enquanto os professores trabalhavam para a modificação de hábitos, comportamentos e atitudes, os mesmo aprendiam os códigos conduta, que favoreciam o reconhecimento dos locais e momentos de risco. Alunos e responsáveis indicavam os locais que deveriam ser evitados e quando as atividades deveriam ser suspensas por conta dos conflitos entre os traficantes e entre estes e a polícia.

    Ao longo dos anos, as modificações nas relações entre os poderes locais e as lideranças da associação de moradores fizeram com que o entorno do prédio da associação passasse de uma área neutra, para mais um ponto de venda de drogas. Este fato contribuiu para o estrangulamento na freqüência de alunos no PIS.

    A hierarquia das redes de relação social podia ser notada pelas diversas vezes em que ocorreram substituições dos presidentes da associação de moradores. Observava-se às idas e vindas dos presidentes - ora depostos, ora reconduzidos ao cargo. Este personagem deveria atender minimamente aos interesses do poder local, ao mesmo tempo em que deveria servir de interlocutor entre os moradores e os poderes público e paralelo.

    A estrutura hierárquica de relações sociais observadas na localidade parece ser distinta da estrutura observada por White em Corneville. Ao que tudo indica, o tráfico estabelece imposições que devem ser atendidas pela associação de moradores. Em outro aspecto a ser destacado, os moradores tem um acesso mais fácil aos gerentes do tráfico do que ao poder público, ficando esta última intermediação a cargo da associação na figura de seus representantes (WHITE, 1976).

Agências de socialização

    Transmitir para as novas gerações valores morais como honestidade, dignidade, respeito e outros – era uma preocupação das diversas instituições sociais presentes na comunidade – a família, as escolas, as religiões. O papel do PIS seria o de utilizar a âncora do esporte como um meio de reforçar o processo de socialização positiva de crianças e jovens.

    Os poucos sujeitos que se envolveram com o crime atribuíram a fatores sociais a responsabilidade em optar pelo caminho da criminalidade. No entanto, o envolvimento com a delinqüência ou atos de vandalismo não pode ser percebido como resultado do estigma posto por sujeitos de outros grupos estabelecidos (ELIAS; SCOTSON, 2000) nem por expectativas frustradas como sugerem alguns documentários com viés romântico.

    Diversos alunos ingressaram em igrejas evangélicas, outros começaram a trabalhar como jovem aprendiz em supermercados. Muitos trabalhavam informalmente no comercio local, fora do horário escolar e das aulas no PIS, ou tomavam conta de irmãos, parentes ou vizinhos enquanto os adultos trabalhavam. Nota-se a rede de reciprocidade formada pelos laços fortes (GRANOVETTER, 1983), que possui um peso importante na socialização local. Ao que parece, as agências de socialização positiva e os padrões nômicos prevalecem sobre a socialização da criminalidade.

As instalações, os professores

    As instalações e materiais dispostos para as aulas estavam muito abaixo da expectativa de professores e alunos. Para minimizar as deficiências nas instalações, anualmente o PIS realizava pintura e outras obras necessárias à conservação das salas utilizadas. A limpeza era realizada por um funcionário do PIS.

    A precariedade das instalações ou a decisão do poder público em não investir em instalações adequadas, parecia corresponder à representação social de que para as camadas populares, qualquer coisa serve. No entanto, os coordenadores e professores do PIS, resistiam às tentativas de minimizar os efeitos de sua intervenção educacional.

    Semanalmente os coordenadores e professores se reuniam para o estudo e discussão de temas pertinentes à prática pedagógica. As divergências entre as concepções de ensino estimulavam debates e trocas de experiências enriquecedoras. Conforme as dificuldades encontradas, os professores adotavam procedimentos diferentes - dos mais tradicionais aos inovadores. As experiências práticas serviram para confirmar o quanto algumas propostas pedagógicas presentes na literatura eram mais ou menos adequadas à realidade local.

A oficina de karate

    As aulas de karate foram tomadas neste estudo como referência no processo de socialização positiva destinada aos participantes do PIS. Uma das características da prática do karate é a disciplina. Os alunos da oficina eram informados do porque das normas estabelecidas e porque todos deveriam segui-las.

    Ao ingressarem na atividade, os alunos se empenhavam em conseguir um quimono para a prática - novo ou usado os participantes procuravam mantê-lo limpo e arrumado. O quimono parecia ser um sinal de distinção no meio social.

    Era trabalhada a construção de uma nova autoimagem. Os alunos aprendiam as qualidades que um praticante karate deveria ter. Eram focalizados atitudes, comportamentos e hábitos positivos, sem enfatizar os comportamentos e fatos desviantes. Estes últimos serviam de contraponto aos padrões de comportamento do grupo.

    A identificação com os valores internalizados pelo grupo fazia com que mais alunos ingressassem no karate - os próprios alunos faziam divulgação.

    Como os participantes poderiam abandonar a atividade a qualquer momento caso não gostassem, o cumprimento das normas era auto-imposto. Com o passar do tempo, os membros do grupo passaram a controlar os procedimentos e atitudes dos seus pares dentro e fora do espaço de aulas. Os comportamentos e atitudes que feriam a imagem do grupo eram questionados por aqueles que passaram a ter orgulho de serem alunos de karate do PIS.

    A autoestima dos participantes foi construída sob uma perspectiva de auto-superação. Cientes que a comparação entre os desempenhos dos participantes era inevitável, o praticante era estimulado a comparar os seus desempenhos pessoais, em vez de apenas comparar-se com os outros – os sujeitos eram orientados pela tarefa (VIANNA, 1997). Com isso, fortalecia-se a percepção do quanto estariam progredindo na atividade e a adoção de comportamentos pró-sociais.

    No início de todas as aulas os alunos repetiam os movimentos básicos. Faz parte da tradição da luta a busca da perfeição, ou seja, a auto-superação permanente. O cuidado com os detalhes mistura-se com paciência, persistência, esmero, que são valores necessários a todas as pessoas na vida cotidiana.

    Desde os primeiros dias de aula os alunos eram colocados frente a frente para a aplicação dos golpes de ataque e defesa a fim de dar sentido ao seu uso. O autocontrole do corpo e dos sentimentos acontecia simultaneamente.

    Certo de que a capacidade de luta é inerente ao ser humano, os alunos iniciavam a prática de kumite (luta) desde o seu ingresso. Os participantes eram estimulados a aplicação dos golpes em situação denominada estudo de combate, na qual o controle se situava nas recomendações em não atingir os companheiros. A utilização de atividades lúdicas no ensino do esporte de combate minimizava o sentido bélico da luta, gerando um clima de autoconfiança e respeito mútuo. Estes procedimentos favoreceram a aproximação entre os alunos e destes com o professor.

    Similar ao estudo etnográfico de Wacquant (2002) o respeito mútuo era favorecido pelo equilíbrio instável na relação de confronto entre os participantes. Ao perceber que a rivalidade hostil estava prevalecendo na atividade, o professor interrompia a luta, ocorrendo troca de oponentes.

A reconstrução da autoestima

    No processo de construção de uma nova imagem do eu e do nós, procurou-se promover o intercâmbio entre os alunos de karate do PIS e os alunos de uma academia de karate localizada fora da comunidade. A primeira atividade de intercâmbio foi um treinamento na piscina da academia. Os alunos do foram alertados a respeito do comportamento adequado em outro espaço físico e social. Após o treinamento, eles tiveram a oportunidade de brincar na piscina com os novos companheiros de luta - as sugestões de brincadeiras partiram de ambos os grupos que pareciam inteiramente à vontade uns com os outros.

    Eventos desta natureza, passeios e competições externas foram organizados diversas vezes. A condição para cada aluno ir ao evento, eram as atitudes e comportamentos nas aulas no projeto e nos locais visitados. O professor atribuía a cada sujeito a responsabilidade de controlar a sua conduta e a dos colegas. Os jovens receberam elogios por seu desempenho e comportamento em todos os eventos que participaram. As novas experiências técnicas e sociais aumentavam o entusiasmo daqueles que haviam saído dos limites do seu círculo social, ultrapassando os limites dos laços fortes (GRANOVETTER, 1983) e estabelecendo laços que lhes possibilitariam outras perspectivas no esporte e na vida.

    As competições foram utilizadas como mais um instrumento de percepção de auto-superação, autocontrole e de integração. As primeiras competições internas serviram para preparar os jovens para as dificuldades das competições nas quais havia a presença de competidores desconhecidos e mais experientes. Nestes eventos havia a participação importante dos responsáveis e pessoas próximos. Apesar do nervosismo de todos os participantes, a cada nova competição os alunos sentiam-se mais confiantes. A luta deixava de ser uma guerra para tornar-se um meio de excitação e de prazer (ELIAS; DUNNING, 1992).

    Os exemplos de superação vividos pelos professores, alunos e seus responsáveis ao longo dos anos, superou em muito as decepções. Histórias concretas de superação de barreiras sociais e de auto-superação, aconteceram no karate e em outras atividades do projeto. Devido à participação em competições oficiais, alunos do judô foram convidados a treinar em academias do bairro. Alguns receberam bolsa de estudo para competirem por colégios particulares – uma possibilidade mais freqüente em outros países e ainda pouco explorada no Brasil.

    Quanto aos alunos do karate, uma parceria com uma academia e a Federação de Karate Shotokan, permitiu que aqueles melhor preparados participassem de campeonatos oficiais - regional e nacional. Os méritos das vitórias eram partilhados pelo grupo, elevando a autoestima de todos - com o sentido de que sem a participação de todos, seria impossível a preparação do vencedor.

    Estabelecendo pontes através da competição esportiva, o judô e o karate do PIS possibilitavam a integração social dos seus alunos, permitindo a superação de barreiras sociais, talvez intransponíveis por caminhos convencionais. O contato com sujeitos e realidades distintas possibilitava a percepção das diferenças, mas também a noção de que existe uma essência comum, apesar da alteridade e das desigualdades sociais.

Aprendizagem técnica e o controle da violência

    Na formação dos alunos na atividade de karate foi enfatizado o aprendizado das técnicas desta luta como um meio para a ampliação do repertório motor e cultural e para a socialização os participantes. Aprender mais, aperfeiçoar as técnicas aprendidas nas oficinas pode determinar a permanência dos alunos por mais tempo, ao passo que a percepção de que este aprendizado não é suficiente para progredir no esporte leva ao abandono e ao fracasso do processo de socialização (VIANNA; LOVISOLO, 2009b). A desvalorização da aprendizagem técnica nos PIS aparece em descompasso com as expectativas dos alunos (VIANNA; LOVISOLO, 2011).

    É uma tradição oriental, a busca permanente de aperfeiçoamento das bases nas artes marciais. Entender que sem uma fundamentação consistente não se pode ultrapassar os obstáculos, pode ser o sentido atribuído a este procedimento, seguido pelos iniciantes e pelos praticantes mais experientes. A busca de aperfeiçoamento está aliada à auto-superação no treino de bases e golpes (kihon), repetidos com intensidade e nível de complexidade crescente, após a parte inicial da aula.

    Por se tratar de movimentos artificiais, para facilitar o aprendizado, os movimentos eram divididos em partes, ao ponto que a execução correspondesse a pequenas metas a serem alcançadas e superadas. A superação dos pequenos obstáculos, com nível de dificuldade crescente, mantinha os alunos motivados ao mesmo tempo em que elevava a o sentimento de competência.

    Na fase seguinte, eleva-se a dificuldade de aprendizagem no treino de kata (luta imaginária contra vários adversários). Criados para o treinamento individual das qualidades e destrezas necessárias à formação do praticante, os kata foram elaborados com grau de dificuldade crescente, nos quais o aprendiz ou o experto realiza uma seqüência de golpes, que simulam uma luta contra mais de um adversário. Cada kata corresponde ao nível de competência que o praticante com nível de expertise variado, deve ter (a faixa corresponde ao nível de competência do praticante). Embora seja colocada ênfase na percepção subjetiva de progresso, as faixas fornecem uma objetividade ao processo, oportunizando ao aluno estabelecer metas alcançáveis que dependem do seu próprio esforço e dedicação. O nível de destreza e conhecimento deve evoluir à medida que o aprendiz se gradua.

    Na parte final da aula realiza-se o kumite (luta) em que é simulado um confronto entre dois oponentes. Neste momento, a técnica incorporada e transformada pelo aluno, é aplicada no estudo de combate. Dominando o instrumental necessário à pratica do karate, o praticante lança mão das técnicas e táticas assimiladas, recriando-as conforme as suas características pessoais, as características do adversário e a oportunidade da luta. Vemos neste processo o de encadeamento gestual para a reprodução ou a criação de novos encadeamentos (SERRES, 2004). O corpo se apropria da técnica transformando-a em estilo pessoal, em inovação e criatividade. Do treinamento vem a superação das barreiras, que elevam o sentimento de eficácia e de realização.

    É difícil dizer se os valores eram incorporados na prática ou se eram derivados dela. Cortesia, humildade, paciência, respeito, esforço, persistência, disciplina e outros valores universais se fazem sentir na prática do karate. No entanto, o agonismo da luta parece não prescindir de disciplina e treino, que pode ser um antídoto para a violência:

DISCIPLINA + TÉCNICA = CONTROLE DA VIOLÊNCIA

    O lutador destreinado perde o controle dos seus golpes e de si mesmo, ficando mais vulnerável aos ataques de seus opositores, enquanto os seus ataques são facilmente neutralizados. Esta situação permite que um golpe sem o devido controle atinja o oponente, mesmo sem intenção ou, em situação de inferioridade, um lutador atinja o seu oponente intencionalmente.

    No treino de lutas, a insegurança, a imprudência e o descontrole devidos a falta de treinamento e, portanto, de técnica, pode levar a acidentes que estimulam ou acirram rivalidades hostis. Considera-se que a técnica na luta não significa somente a execução dos golpes nos parâmetros da biomecânica, mas a execução controlada do golpe, sem machucar o oponente. No futebol e outros esportes em que o jogador com nível de treinamento inferior ou menor qualidade técnica comparada ao seu opositor, tende a lançar mão de recursos ilícitos na disputa. O atleta com menos recursos técnicos tende a lançar mão da falta, do anti jogo, para conter os adversários. Assim como em outras modalidades, a técnica no esporte de combate é um aliado para a prevenção e a diminuição da violência. O treinamento aparece como o melhor instrumento para o autocontrole.

Conclusões

    Nem todos os casos do PIS, parecem se encaixar na crença popular de que as famílias desestruturadas de outsiders podem resultar na reprodução de uma minoria anômica. As agências de socialização local atuam como contraponto às influências negativas da criminalidade, orientando a socialização de uma maioria nômica, que luta contra os estereótipos e preconceitos.

    Os Projetos de Inclusão Social (PIS) através do esporte podem elevar o seu impacto social ao servirem de pontes que permitam aos alunos ultrapassarem os limites locais. A ampliação de horizontes sociais e a percepção da competência pessoal estimulam a busca e a persistência dos participantes. Os conhecimentos e habilidades desenvolvidos nas oficinas devem permitir aos sujeitos provenientes de famílias desestruturadas e com pequenas expectativas de vida, se empenhar para superar as limitações sociais e estruturais.

    Investimentos de pesquisa que contribuam para a ampliação do conhecimento das racionalidades locais de praticantes de esportes das camadas populares, contribuirão para realimentar as propostas institucionais e otimizar o impacto social.

Referências bibliográficas

  • ELIAS, N.; SCOTSON, J.L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

  • ELIAS, N. e DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992.

  • GRANOVETTER, M. The strength of weak ties: a network theory revisited. Sociological Theory, Volume 1, p.201-233, 1983.

  • LOVISOLO, H.R. A arte da mediação. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.

  • SERRES, M. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

  • VALLADARES, L. A gênese da favela carioca: a produção anterior as ciências sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.15 nº 44. São Paulo, out. 2000.

  • VIANNA, J. A; LOVISOLO, H. R. Educational sports: the adhesion from the subjects of popular layers. In: Fiep Bulletin. Vol. 75 – Special Edition – Article I: 487-490, 2005.

  • VIANNA, J. A; LOVISOLO, H. R. Projetos de Inclusão Social através do esporte: notas sobre avaliação. Movimento, v.15, n3, p.145-162, jul/set 2009a.

  • VIANNA, J. A; LOVISOLO, H. R. Desvalorização da aprendizagem técnica na Educação Física: evidências e críticas. Motriz, Rio Claro, v.15, nº4, p.883-889, out/dez 2009b.

  • VIANNA, J. A; LOVISOLO, H. R. A inclusão social através do esporte: a percepção dos educadores. Rev. Bras. Educ. Fís. Esportes, São Paulo, v.25, nº2, p.285-296, abr/jun, 2011.

  • WACQUANT, L. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Trad. Ângela Ramalho. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

  • WHITE, W. F. A sociedade das esquinas: a estrutura social de uma favela italiana. In: RILEY, M. W.; NELSON, E.E. A observação sociológica: uma estratégia para um novo conhecimento social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

  • WILLIS, P. Aprendendo a ser trabalhador: escola, resistência e reprodução social. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Daise Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

  • ZALUAR, A; ALVITO, M. (orgs.). Um século de favela. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.

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