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A hegemonia do esporte na Educação Física escolar: 

proposta de superação através das práticas curriculares

La hegemonía del deporte en la Educación Física escolar: una propuesta superadora a través de prácticas curriculares

The hegemony sport in school Physical Education: proposal for overcoming through curricular practices

 

*Pós-graduação em Educação Física escolar. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas

em Trabalho, História, Educação e Desenvolvimento (GETHED). Universidade Estadual Vale do Acaraú

**Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Coordenadora do Grupo

de Estudos e Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Desenvolvimento (GETHED)

Universidade Estadual Vale do Acaraú

Alisson Slider do Nascimento de Paula*

Kátia Regina Rodrigues Lima**

alisson.slider@yahoo.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Neste ensaio identificamos o esporte como sendo uma prática hegemônica nas aulas de Educação Física escolar, todavia, pois, um fenômeno cultural que promove muitas e engrandecedoras vivências quando abordado na escola. Assim sendo, procuramos contribuir no trabalho pedagógico em Educação Física através de uma proposta de superação desta hegemonia por intermédio de práticas curriculares pautadas em três etapas, as quais buscassem articular as atividades escolares com a realidade social dos alunos. Nesse sentido o currículo escolar seria o principal veículo para levar os alunos à superação da problemática em questão.

          Unitermos: Hegemonia do esporte. Educação Física escolar. Práticas curriculares.

 

Abstract
          In this trial we identified sport as a hegemonic practice in physical education classes at school, however, because it promotes a cultural phenomenon and many aggrandizing experiences when approached at school. Therefore, we seek to contribute in the pedagogical work in Physical Education with a proposal to overcome this hegemony through curricular practices guided by three steps, which seek to articulate the school activities with the social reality of the students. In this sense the school curriculum would be the primary vehicle for taking students to overcome the problem in question.

          Keywords: Hegemony sport. Physical Education. Practices curriculum.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Educação Física na escola encontra-se num impasse. Este reside no interior de seus conteúdos, ou melhor, no seu objeto de estudo a “cultura corporal”. Nos conteúdos que contemplam a cultura corporal, encontramos o esporte enquanto elemento hegemônico nas aulas de Educação Física escolar, este elemento, diariamente e demasiadamente, é abordado pela mídia apenas na dimensão rendimento.

    A escola é a instituição que deve promover um trabalho sistematizado, no tocante aos conhecimentos e saberes do acervo cultural da sociedade contribuindo para a formação dos alunos no processo de escolarização.

    Na escola, componentes curriculares são ofertados aos alunos em formas de disciplinas, entre elas a Educação Física. Nesta disciplina escolar, o aluno irá vivenciar, se apropriar e refletir sobre a cultura corporal. Porém, existe uma vivência exacerbada de um dos elementos históricos do objeto da Educação Física, estamos aqui nos referindo ao fenômeno do esporte. “As práticas culturais de esporte vêm sendo escolarizadas ao longo deste século, como um dos temas de ensino da Educação Física” (VAGO, 1996, p. 01).

    Com o currículo técnico-esportivo e ênfase nas identidades vencedoras, durante as décadas de 50 e 60, a vivência técnica provocou a constituição de uma identidade do professor de Educação Física diretamente voltada para um técnico esportivo, em busca de resultados qualitativos para sua equipe (NUNES; RÚBIO, 2009). Atualmente, mesmo com as novas propostas teórico-metodológicas presentes no campo da Educação Física escolar, a influência da perspectiva técnica sobre o fenômeno esporte é bastante consistente. Com a influência dos meios de comunicação em massa, predomina-se uma visão de um esporte-espetáculo na sociedade. Assim, com toda valorização do esporte na mídia, as crianças apresentam certa resistência nas aulas de Educação Física quando o tema abordado está vinculado a algum elemento da cultura corporal que não o esporte. Embora o professor de Educação Física possua o acervo cultural de conhecimentos acerca das práticas corporais, boa parte dos professores também possui maior identificação com o tema “esporte”, o que o leva a dar ênfase na prática deste elemento.

    A intervenção de professores, caracterizados como técnicos, valorizando a aquisição apenas do desenvolvimento motor e físico, a revelação de novos talentos, descartando assim as relações do esporte e sociedade, e do esporte e cultura, proporcionará aos alunos sustentar a concepção de que a Educação Física escolar é o primeiro passo do processo de ingresso na carreira esportiva, assim fortalecendo ilusões sobre a ascensão social por meio do esporte e a hegemonia do esporte nas aulas de Educação Física.

    Isto posto, buscamos investigar o esporte no âmbito da Educação Física escolar, partindo das questões norteadoras a seguir: Quais os aspectos filosóficos e pedagógicos deste elemento enquanto prática hegemônica nas aulas de Educação Física e sua relação com formação do aluno? Como a mídia, bombardeando os alunos de informações do esporte espetáculo em tempos de megaeventos, estaria fomentando a alienação do aluno acerca do tema? A Educação Física enquanto componente curricular da educação básica deve direcionar seu foco para a revelação de atletas, bem como para aquisição e aprimoramento dos aspectos físicos e motores, ou deveria estar focado na formação do sujeito crítico e autônomo, capaz de vivenciar, refletir, criticar e transformar os conteúdos da cultura corporal e o mundo que o cerca?

Esporte, trabalho e mídia: uma perspectiva alienante para a escola?

    O esporte enquanto fenômeno cultural promove muitas e engrandecedoras vivências quando abordado na escola. Todavia, antes de questionarmos a relevância do esporte nas aulas de Educação Física, devemos de antemão aprofundar e elucidar o que pode ser o esporte. Primeiramente, se optarmos por uma análise marxista do tema em tela, teremos de fazer uso de comparações entre esporte e trabalho. Afinal qual a relação entre estes dois espectros? De fato, pode haver uma aproximação como também pode haver um distanciamento conceitual que os aborde. Sobre essa discussão, Santin (2007, p. 2) ressalta:

    Esporte e trabalho, dois conceitos muito próximos e, ao mesmo tempo, muito distantes. Parece que o do trabalho é maior, porque o esporte pode se tornar trabalho, e não acontece o contrário. Ou haveria reversibilidade?

    Apesar do questionamento no final da citação, deve-se levar em consideração o seguinte problema: em uma sociedade capitalista, na qual os valores as serem preservados são os de conservação, teria nela cidadãos trabalhando por esporte? Há muito que se questionar e o que se reavaliar sobre o referido problema. Entretanto, o esporte abordado diariamente pela mídia, não é outra coisa se não trabalho, uma atividade pela qual determinado sujeito será recompensado com um salário.

    Esse tipo de cultura de esporte está relacionado com o esporte que penetra o âmbito escolar, ou seja, é aquele abordado pela mídia, que está diretamente ligado ao trabalho assalariado, que não possui interesses de valorizar os menos habilidosos e/ou talentosos, nem de constituir uma cultura de esporte educacional.

    Apesar disso, o esporte na escola, regido pela lógica supracitada, ainda desperta mais o interesse dos educandos do que aquele esporte que poderá vir a ser uma prática de cultura esportiva de caráter educacional. A ênfase nos prováveis interesses dos alunos pode afetar o ensino dos conteúdos nas aulas de Educação Física, no que diz respeito à supervalorização do ensino dos esportes e à secundarização dos demais elementos que contemplam a cultura corporal (ginástica, dança, jogos, lutas, dentre outros).

    Este contexto está diretamente ligado à questão da educação como fenômeno socialmente condicionado. No capitalismo a escola é usada hegemonicamente como mecanismo de reprodução social e formadora das identidades e sujeitos adaptáveis à lógica mercantil. O que não quer dizer que esse modelo societário e o papel da escola não possam ser subvertidos.

    Para Sousa Sobrinho (2009, p. 2),

    A educação, no seio da sociedade capitalista, constitui-se, em sua existência, cindida entre formação intelectual e formação manual, cumprindo, assim, seu papel no processo de reprodução desse modelo societário, fundado nas relações de dominação e exploração entre capital e trabalho. Contudo, a análise marxiana reflete sobre as possibilidades de superação desse modelo de produção da vida, explicitando que os antagonismos e as contradições são fabricados no próprio processo de reprodução do sistema – produção, circulação e consumo, de modo que, em conjunção ao avanço das capacidades produtivas e de desenvolvimento humano, forja-se o acirramento das contradições desse modelo societário.

    Devemos levar em consideração, a participação do professor de Educação Física nesse processo como mediador do conhecimento a ser abordado nas aulas escolares. Ora, se os alunos possuem interesses na prática esportiva, conforme a concepção abordada pela mídia cotidianamente, cabe ao professor utilizar este viés como problematização a ser abordada em suas aulas, buscando a formação de outra visão da prática esportiva. Muito embora, o que mostram alguns estudos (GHILARDI, 1998; BRACHT, 2011; RUFINO; DARIDO, 2011; VARGAS; MOREIRA, 2012) é uma forte característica da identidade do professor de Educação Física ligada à visão de um técnico esportivo. Esta tendência pode vir a fortalecer o que para os alunos é a fonte de inspiração e interesse na disciplina curricular.

    Toda esta questão que está sendo abordada já foi evidenciada no período pós-guerra mundial (1945), quando o país encontrava-se em um determinado momento de expansão industrial e também de urbanização. Com isso gerando a eclosão dos sistemas educacionais. Sendo assim, o ensino optou por uma capacitação técnica, realizada pelo ensino profissionalizante. Paralelamente, o país por sua vez buscou construir resultados/conquistas a partir da população trabalhadora (RÚBIO; NUNES, 2009). Estas conquistas seriam através do esporte, e que seria mediada pelos professores. Com isso, caberia aos professores elaborar e pôr em prática métodos e procedimentos que constituíssem as identidades técnicas, ou seja, as identidades eficientes. Neste período, a Educação Física na escola ficou marcada pelo binômio professor técnico-aluno atleta.

    Nesse cenário, sob influência do modelo curricular americano que indicava o esporte como prática pedagógica padrão para estes tempos de desenvolvimento, a Educação Física materializou os rudimentos da instituição esportiva. O esporte legitimou-se na instituição de ensino como cultura e educação (BRACHT, 1999).

    O modelo contemporâneo da Educação Física escolar parece bastante familiarizado com este modelo do passado. Cabe-nos esclarecer que não estamos querendo generalizar, mas, aprofundar a problemática aqui debatida. Afinal, mesmo o modelo técnico da escola profissionalizante já exposto, não foi suficientemente determinante para evidenciar a real relevância da Educação Física no currículo escolar. Todavia, trata-se de uma prática corporal em ascensão, que já apresenta sinais de hegemonia cultural.

    Consideramos que o esporte deve ser entendido como elemento da cultura corporal, e assim como os demais componentes desta cultura, todos devem ser vistos e vivenciados sob o prisma de valores igualitários.

Para além do rendimento esportivo e a concepção do esporte escolar de caráter educacional

    Pensar em emancipação humana e qual o papel da escola nesse processo, é “acreditar” que por meio das relações sociais dos alunos com o mundo, sendo mediado pelo professor estaríamos contribuindo para a consecução dessa perspectiva. Entretanto, cabe indagarmos: direcionando os alunos das aulas de Educação Física, para vivências apenas do esporte, em seu caráter propriamente dito, com regras institucionalizadas, estaríamos contribuindo para o processo de emancipação do aluno? Ou estaria essa prática propiciando apenas uma reprodução de vivência do esporte espetáculo? Esse tipo de esporte e sua prática, não estariam criando pseudo-perspectivas nos alunos da escola? Nesse horizonte a escola estaria contribuindo no processo de formação e emancipação dos alunos?

    Apesar de tantos questionamentos, devemos deixar claro que o esporte é um conjunto de práticas historicamente construídas pelo homem e culturalmente desenvolvidas, até chegar ao ponto de sua institucionalização, estando a serviço do sistema capitalista.

    A preocupação política com o esporte foi institucionalizada na legislação brasileira pela primeira vez no governo Vargas, através do Decreto-lei 3.199 de 1941 e atualmente está presente no Artigo 217 da Constituição Federal de 1988 (ALMEIDA; MÁRCHI JÚNIOR, 2010, p. 73).

    Entretanto, a cultura esportiva é fundamental para a vida dos alunos. Afinal, são práticas compostas historicamente, e na contemporaneidade é um dos temas mais abordados socialmente. Assim, o ensino dos esportes na escola, dentro de uma perspectiva crítica, pode ser capaz de mobilizar a compreensão do que pode ser e do que pode a vir a ser o esporte.

    Para Tubino (2010, p. 15),

    O esporte, como um dos mais importantes fenômenos socioculturais desta transição de séculos, tem merecido da intelectualidade e da mídia internacional uma atenção especial, que tem permitido aprofundamentos políticos, sociais, culturais, educacionais, científicos e antropológicos. Esses estudos vão, pouco a pouco, inserindo, de forma consolidada, fatos esportivos na contemporaneidade, fazendo com que o esporte cada vez mais se torne uma das prioridades das diversas sociedades do mundo atual.

    A partir desta afirmação, pode-se obter uma noção da relevância social da prática esportiva, e que seu papel nas aulas de Educação Física vai além do simplesmente praticar por praticar, é necessário mediar os valores que estão sendo colocados em xeque.

    Consoante Coletivo de Autores, (apud CAPARROZ, 1997, p. 132), o esporte apresenta uma ampla tendência a reter: “princípios de auto-rendimento, competição, comparação de recordes, regulamentação rígida, conquistas no esporte como derivado de sucesso, racionalização de meios e técnicas”. Todavia, o esporte para estar inserido na escola, e ser lecionado na escola, isto é, tornar-se um esporte “da” escola, deve ser ressignificado, ser reelaborado, edificado em uma práxis educativa para além da mecanização e da repetição, do objetivo único da técnica e do rendimento, em que os menos habilidosos e mais fracos são deixados à margem e marcados pela exclusão.

    Numa perspectiva tecnicista, a busca do campeão desencadeia um processo seletivo e discriminatório sobre as crianças, e os que a ele sobrevivem são chamados de “talentos”. Talentos para o quê? Seguramente para suportar os castigos que a injustiça social impõe e ainda pendurar no pescoço a medalha que o país, o professor, o técnico, o dirigente, o governador, o presidente anseiam (COLETIVO DE AUTORES, 2001, p. 35).

    A partir disso, deve-se considerar um novo método de como se vivenciar o esporte nas aulas de Educação Física, que não seja este modelo de esporte de rendimento, dos paradigmas da cultura esportiva institucionalizada. Podemos refletir sobre as propostas dos programas sociais que abordam como tema central de conteúdo o esporte educacional, assim, seria possível usar como base para a aplicação no interior da escola. Ora, deixar de lado o esporte que pode propiciar a exclusão dos alunos com menos habilidades para realizar aulas com o tema esporte a ponto de todos os alunos participarem sem que haja exclusão dos menos “habilidosos”, seria um salto qualitativo nas aulas de Educação Física, ou ainda, podendo aí levar o aluno a uma vivência crítica deste conteúdo que está sendo classificado neste ensaio como conteúdo hegemônico nas aulas de Educação Física.

    Todavia, por que o esporte se sobressai diante dos outros elementos da cultura corporal? A preferência que os alunos possuem pela prática esportiva nas aulas de Educação Física deixa os demais conteúdos em segundo plano. Ora, seria a dança, luta, ginástica, jogos e outras práticas corporais menos relevantes do que o esporte em sua totalidade? Em verdade, todos os elementos da cultura corporal foram práticas corporais que fizeram uso da expressão bem como do movimento criados historicamente, desenvolvidos e sistematizados culturalmente, permeado por povos até assumirem suas formas as quais conhecemos na contemporaneidade. Com isso, a Educação Física incorporada como disciplina curricular da educação básica deve ser concebida, vivenciada, assimilada, interpretada criticamente em todos os conteúdos desta área do conhecimento pelos alunos, não se restringindo apenas a um único conhecimento e abordada pelo professor de forma acabada e conservadora, assumindo que o esporte é apenas aquilo que os alunos veem pelos meios de divulgação.

    A hegemonia do esporte não vem apenas por parte dos alunos nas aulas de Educação Física. Este fato se deve a todo um contexto histórico e de formação profissional.

    A Educação Física encontra-se atualmente mergulhada em alguns preconceitos que são responsáveis pelo seu baixo status profissional. Esta situação tem raízes na origem da Educação Física no Brasil e seus reflexos nos cursos de formação profissional que ocorriam na Licenciatura, cuja formação estava ligada diretamente ao âmbito esportivo e não ao processo de escolarização. Formaram-se então técnicos desportivos ao invés de professores (GHILARDI, 1998, p. 1).

    Quando a Educação Física passou a se preocupar com a formação do “ser”, já tinha criado um paradigma da disciplina da prática, do professor/técnico e do aluno/atleta. Muito embora, com a superação deste paradigma a Educação Física passou a ser vista e interpretada como componente curricular essencial para a formação integral dos alunos da educação básica, sendo esta capaz de trabalhar as capacidades que compõem essa formação. Os conteúdos da Educação Física são essenciais na vivência pedagógica do aluno enquanto ser em formação. Pois, não somente o esporte, mas também os demais elementos (dança, ginástica, luta, jogos, dentre outros) são práticas corporais diretamente ligadas a práticas sociais. Daí que sua relevância é incontestável no processo de escolarização.

    Mas, devemos considerar que mesmo dando importância a todos os elementos da cultura corporal, se isso não for orientado pedagogicamente numa perspectiva crítica, voltada para as relações sociais, estaríamos contribuindo para um retrocesso no que diz respeito à Educação Física como componente curricular. Por isso, a Educação Física já não é mais aquela disciplina que valoriza apenas a aquisição dos aspectos físicos, morais e motores. A Educação Física deve valorizar a formação do sujeito crítico e autônomo, para que este possa intervir no mundo que o cerca e transformá-lo.

A superação da hegemonia por meio das práticas curriculares

    A despeito da superação de uma tradição hegemônica a qual se encontra presente nas aulas de Educação Física, poderíamos iniciar com uma pergunta fundamental “como superar a hegemonia do esporte nas aulas de Educação Física?”. Parece que é necessário interpretar seu projeto histórico, no que diz respeito à existência dos sentimentos de anseios acerca da prática esportiva na escola. Acredita-se que este feito esteja diretamente ligado com o currículo escolar. É a partir dele que se constituem as identidades por intermédio dos saberes e conteúdos selecionados para serem ministrados nas disciplinas curriculares.

    Para iniciarmos o debate sobre o currículo, devemos identificar o que realmente vem a ser o currículo? Qual o seu papel como diretriz oficial escolar e sua relação com a formação humana? Acreditamos que sejam questões relevantes para seguirmos em frente. De modo geral o currículo pode ser compreendido como todo o percurso formativo do aluno, tudo aquilo que é experiência educacional. É através desta experiência e sua conexão por meio dos saberes das disciplinas curriculares que irão definir qual identidade a escola estará edificando. A partir disso, nos resta identificar que experiências servirão de elementos no processo de superação da hegemonia esportiva nas aulas de Educação Física. Não estamos nos referindo a métodos, na contemporaneidade o currículo não se preocupa com os métodos, e nem que deixe de modo explícito de como irão chegar até lá, mas, em o quê e para quê, quando se trata de conteúdos buscando a superação (SILVA, 1999).

    A identidade que os conteúdos podem a vir constituir são significativos e representativos, não são simplesmente uma consequência, mas um resultado de todo um processo trabalhado. Se os alunos almejam praticar o esporte propriamente dito, com suas regras institucionalizadas, é por que eles já trazem uma experiência cultural e social acerca desta prática. Sendo assim, sem intervenção do professor para confrontar dialeticamente sua experiência, o aluno apenas estará fortificando aquilo que ele traz por meio de sua vivência sócio-cultural. Assim, os conteúdos não estariam sendo democráticos a ponto de oportunizarem vivências de todos os saberes constitutivos da prática social, o que poderia representar uma crise de identidade do professor de Educação Física escolar quando este deixa de valorizar a formação do sujeito crítico e passa a valorizar a formação de atletas.

    [...] a crise de identidade ocorre quando as estruturas que fornecem referências sólidas aos indivíduos, sustentando-os no mundo social de forma estável, sofrem mudanças, criando uma sensação de deslocamento dos sujeitos “tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos” (HALL 1998, p. 9).

    Para tanto, a crise de identidade dos professores de Educação Física pode contribuir para intensificar os interesses esportivos dos alunos nas aulas de Educação Física escolar. Todavia, para quebrar uma visão hegemônica é necessário recorremos a algumas estratégias: abordar o tema sob outra perspectiva cultural e educacional; trabalhar outros elementos da cultura corporal, lutar pala garantia de políticas públicas de educação comprometidas com a superação da hegemonia esportiva nas aulas de Educação Física.

    Possivelmente esta proposta de prática curricular estaria possibilitando uma reflexão crítica sobre o tema esporte, e também adquirindo novos olhares e abordagens sobre as demais práticas e conteúdos da Educação Física escolar, assim materializando interesses de vivências nos demais conteúdos da cultura corporal sendo eles mediados mediante perspectiva crítico-superadora.

    Os processos desta prática curricular estariam pautados em três passos: 1º Ação na teorização do conhecimento, considerando o objeto com a sociedade, 2º Ação na mediação do conteúdo da vivência prática relacionada com as questões de cultura e sociedade, 3° Vivências da cultura corporal em outros momentos além da aula de Educação Física (eventos, filmes, gincanas escolares, dentre outros). Nesse sentido o currículo escolar seria o principal veículo para levar os alunos à superação da problemática em questão, assim, o professor e a escola estariam trabalhando os três polos significativos para esse processo: o trato com o conhecimento, a organização escolar e a normalização escolar (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Sendo assim,

    Nesse projeto a função social do currículo é ordenar a reflexão pedagógica do aluno de forma a pensar a realidade social desenvolvendo determinada lógica. Para desenvolvê-la, apropria-se do conhecimento científico, confrontando-o com o saber que o aluno traz do seu cotidiano e de outras referências do pensamento humano: a ideologia, as atividades dos alunos, as relações sociais, entre outras (Idem, p. 16).

    Por fim, acredita-se que a proposta elencada, possa contribuir para superação da hegemonia esportiva, bem como o modelo conservador de Educação Física escolar, não visando à alienação dos alunos em uma prática reiterativa, sem reflexão pedagógica, filosófica, antropológica, epistemológica e sociológica críticas. Assim visando à democratização da vivência universal das demais práticas da cultura corporal.

Conclusão

    O esporte é o conteúdo da Educação Física escolar de maior preferência dos alunos. Isto pode ser justificado possivelmente com as características que a prática esportiva pode proporcionar aos alunos, podendo ser por intermédio do esporte que o aluno irá interagir com os demais colegas de turma, irá poder vivenciar uma prática que é abordada constantemente pela mídia, irá poder competir, com isso, vivenciando o sabor da derrota e da vitória, despertando assim desejos intrínsecos acerca da prática esportiva.

    Todavia, quando o esporte é aplicado como meio de revelar atletas, concebido como espetáculo objetivando a consecução da idéia do esporte de rendimento, em âmbito escolar, este estará representando uma alienação na formação dos alunos, criando pseudo-expectativas com a prática esportiva.

    O fenômeno esportivo enquanto prática social alcançou tal intensidade e abrangência que foi colocado como destaque no cenário mundial cultural. O esporte mobiliza e é mobilizado por interesse sócio-políticos, como também, cada vez mais, interesses econômicos. A força mobilizadora do esporte não possui explicação simples, mas, está relacionada entre outros fatores com sua capacidade de excitação via atenção no jogo, pela possibilidade de identificação com o coletivo que está representado simbolicamente numa disputa, pelo sentido da realização e competência na indução do sucesso esportivo, entre outros. O esporte, enquanto prática social que institucionaliza temas lúdicos intrínsecos da cultura corporal se planeja numa vertente complexa de fenômeno que abrange sentidos, códigos e significados da sociedade que o concebe e o pratica. Dessa forma, deve ser averiguado nos seus heterogêneos aspectos, para definir a forma em que se deve ser abordado pedagogicamente o sentido de esporte escolar, para que a partir disso, este elemento articulado com os demais elementos da cultura corporal possa contribuir para a formação crítica dos alunos, no que se refere à reflexão autônoma do meio social no qual está inserido com objetivo de transformação.

    Essa influência do esporte na escola é de tal amplitude que temos, (o esporte da escola e não o esporte na escola). Isso indica a submissão da educação física aos códigos da instituição esportiva, definindo-se o esporte na escola como um alongamento da instituição esportiva: sistema esportivo nacional e internacional, esporte olímpico. Esses códigos podem ser condensados em: princípios de rendimento esportivo, comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de vitória, competição (COLETIVO DE AUTORES, 1992). O esporte estabelece sendo assim, o conteúdo de ensino da Educação Física, determinando também novas convivências entre professor e aluno, que definem a relação professor/treinador e aluno/atleta.

    Surge assim à necessidade de recusar este tipo de Educação Física, e propor novas possibilidades de como o esporte deve ser abordado em ambiente escolar. Por isso propomos práticas curriculares que abordem além dos elementos da cultura corporal, a própria prática esportiva, apresentando seu projeto histórico, sua interpretação em diversas culturas, a análise crítica do esporte na escola e o esporte de rendimento. Esta prática curricular a partir de suas proposições estaria capacitando o professor dentro de seu trabalho docente a mediar às aulas de Educação Física, contribuindo para uma superação dessa hegemonia do esporte nas aulas, bem como para a formação do ser crítico e autônomo.

    Por fim, o esporte é essencial nas aulas de Educação Física, sua presença no currículo escolar é imprescindível. Ora, o esporte é uma prática corporal que possui seu papel no projeto histórico da sociedade, excluí-lo do currículo escolar, seria negar a historia da humanidade, como também da própria Educação Física. No entanto, quando qualquer conteúdo é utilizado dentro de uma instituição de ensino exacerbadamente sem intervenção e/ou mediação do professor, poderá estar colaborando para alienação do aluno. No campo da Educação Física, o esporte sendo uma prática que está inserida no meio socio-cultural, e ainda abordada em excesso pela mídia, se torna uma situação digna de atenção e reflexão por parte do professor de Educação Física, o que exige também análise crítica sobre o currículo escolar.

Nota

  1. Fazemos referência à formação integral, sendo ela: motora, cognitiva, afetiva e social. Contribuindo também para a formação do ser crítico e emancipado.

Referências

  1. ALMEIDA, B. S.; MARCHI JÚNIOR, W. O financiamento dos programas federais de esporte e lazer no Brasil (2004 a 2008). Movimento (UFRGS), v. 16, p. 53-71, 2010.

  2. BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 4. ed. Ijuí-RS: UNIJUI, 2011.

  3. BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos do CEDES (UNICAMP) Campinas, v. XIX, n.48, p. 69-88, 1999.

  4. COLETIVO DE AUTORES. A Carta de Carpina: Educação Física - Novos compromissos: Pedagogia, movimento, miséria. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas - SP, v. 23, n.1, p. 33-40, 2001.

  5. ________________________. Metodologia de Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  6. GHILARDI, R. Formação Profissional em Educação Física: a relação entre teoria e prática. Motriz: Revista de Educação Física. 2012, vol.18, n.2, p. 245-252.

  7. HALL, S. A. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.

  8. NUNES, M. L. F.; RUBIO, K. O(s) currículo(s) da Educação Física e a constituição da identidade de seus sujeitos. Currículo sem Fronteiras, v. 8, p. 55-77, 2008.

  9. PÁDUA. E. M. M. Metodologia da Pesquisa Científica: Abordagem teórico-prática. Campinas, SP: Papirus, 2004.

  10. RUFINO, L. G. B.; DARIDO, S. C. A produção científica em pedagogia do esporte: análise de alguns periódicos nacionais. Conexões (Campinas. Online), v. 9, p. 110-132, 2011.

  11. SANTÍN, S. Esporte Educacional: Esporte na escola e esporte da escola. In: XXVI Simpósio Nacional de Educação Física, 2007, PELOTAS (RS). XXVI Simpósio Nacional de Educação Física, Pelotas (RS). (Online), 2007.

  12. SILVA, T.T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

  13. SOUSA SOBRINHO, J. P. et al. A Formação do Ser Omnilateral e a Cultura Corporal. In: XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte/ III Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2009, Salvador. XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte/ III Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2009.

  14. TUBINO, Manoel José Gomes. Estudos brasileiros sobre o esporte: ênfase no esporte-educação. Maringá: Eduem, 2010.

  15. VAGO, T. M. Esporte da escola, esporte na escola: da negação radical à tensão permanente - um diálogo com Valter Bracht. Movimento (Porto Alegre), Porto Alegre, n.5, p. 4-17, 1996.

  16. VARGAS, C. P.; MOREIRA, A. F. B.. A crise epistemológica na educação física: implicações no trabalho docente. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso), v. 42, p. 408-427, 2012.

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