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Danças Brasileiras na Educação Física Escolar:
reconhecendo nossa história

Las danzas brasileñas en la Educación Física escolar: reconociendo nuestra historia

 

*Mestre e Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP). Bolsista CAPES. 

Membro Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF)

Vice-Diretora de Eventos da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH)

**Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP). Coordenadora do Girafulô 

Grupo de pesquisa e prática em Danças Brasileiras e do Ponto de Cultura Teia das Culturas: entrelaçando saberes

***Doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). 

Professora Assistente do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Bauru).

 Membro Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF)

Presidenta da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH)

Cláudia Foganholi*

foganholi@hotmail.com

Vivian Parreira da Silva**

vivian@teia.org.br

Denise Aparecida Corrêa***

depiucorrea@ig.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          As Danças Brasileiras caracterizadas pelas influências de diferentes matrizes culturais, como indígenas, africanas e européias, acrescentam aos seus sons e movimentos o contexto histórico e cultural de cada região do país. Esse artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca da prática e do reconhecimento das Danças Brasileiras como uma possibilidade de conteúdos a serem abordados na Educação Física Escolar. Tal proposta está formulada a partir de uma breve conceituação dos termos centrais do estudo aliada às vivências em pesquisa e prática sobre o tema, apresentando a Congada como exemplo de manifestação da cultura popular. Considerando-se a história, os saberes e as linguagens presentes nessa manifestação, em diferentes dimensões do conteúdo, apontamos para a possibilidade de oferecer subsídios para a abordagem da história e cultura afro-brasileira na Educação Física Escolar e para o reconhecimento de nossas origens.

          Unitermos: Danças Brasileiras. Educação Física Escolar. Cultura popular.

 

Abstract

          The Brazilian Dance characterized by influences from different cultural sources, such as indigenous, African and European, add to their sounds and movements the historical and cultural context of each region of the country. This paper aims to propose a reflection on practice and recognition of Brazilian Dances like a possibility of content to be covered in School Physical Education. Such a proposal is formulated from a brief evaluation of the central terms of the study combined with the experiences in research and practice on the topic, presenting Congada example of manifestation of popular culture. Considering the history, knowledge and languages present in that event, in different dimensions of content, we point to the possibility of offering subsidies to approach the history and culture african-Brazilian in School Physical Education and the recognition of our origins.

          Keywords: Brazilian Dance. School Physical Education. Popular culture.

 

          Versão preliminar deste artigo foi apresentada no IV Colóquio de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana: as lutas no contexto da motricidade/III Simpósio sobre o ensino de graduação em EF, São Carlos: UFSCar, 2009.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Como componente curricular da Educação Básica, a Educação Física contempla uma diversidade de entendimentos acerca da cultura, tanto em relação aos conteúdos quanto às suas diferentes abordagens pedagógicas. Para Daolio (2004, p.40), em uma perspectiva cultural, a Educação Física pode ser entendida como uma “área de conhecimento que estuda e atua sobre um conjunto de práticas ligadas ao corpo e ao movimento criadas pelo homem ao longo de sua história: os jogos, as ginásticas, as lutas, as danças e os esportes”.

    Na perspectiva dos estudos da Motricidade Humana, entendida como “movimento intencional da transcendência, ou seja, o movimento de significação mais profunda” (SÉRGIO, 1999, p.17), ao referir-se a expressão cultura corporal, Gonçalves Junior (2011) afirma que a mesma diz respeito à existência humana em sua relação com o mundo, considerando-se o movimento intencional dos sujeitos, manifestados quando estes se entregam às danças, aos jogos, aos esportes e às demais formas de expressões corporais.

    Nesse contexto, situando a dança como uma das manifestações expressivas corporais, esse artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca da prática e do reconhecimento das Danças Brasileiras como uma possibilidade de conteúdos a serem abordados na Educação Física Escolar.

    As Danças Brasileiras podem ser caracterizadas por sua origem e prática em território nacional e pela influência de diferentes matrizes culturais, principalmente indígenas, africanas e européias. Além dessas particularidades, as Danças Brasileiras são compreendidas nesse estudo, como manifestações que, embora também apresentem em suas expressões influências de elementos europeus, expressam predominantemente as influências culturais africanas e indígenas e que, praticadas pelas comunidades regionais revelam nos sons e movimentos as histórias e os modo de ser, de viver e de ver o mundo desses grupos de origem, preservando as tradições de seus antepassados.

    Vale ressaltar que a concepção de dança sugerida considera as ressignificações atribuídas por cada geração de acordo com o contexto histórico e social que estão inseridas. Nesse sentido, Conrado (2004) afirma que a dança como manifestação popular é uma expressão da contemporaneidade em constante atualização de acordo com os sujeitos os padrões sociais vigentes.

    A proposta de abordagem das Danças Brasileiras na Educação Física também está atrelada a tentativa de contrapor a predominância do esporte como conteúdo hegemônico na escola, cujas modalidades comumente trabalhadas nas aulas remetem ao contexto cultural estadunidense e europeu. No ambiente escolar, não é rara a apresentação sistemática e valorativa de atividades artísticas e/ou da cultura corporal de origem européia ou estadunidense em detrimento de práticas de origens nacionais, repercutindo no desconhecimento e, por conseguinte, na desvalorização ou até mesmo ridicularização destas últimas.

    De acordo com Dussel (s/d, p. 265) o desconhecimento e a desvalorização da cultura popular são a negação de sua própria história e tradições e ainda cultiva a alienação daqueles que constituem uma elite minoritária, que tem acesso às instituições educacionais – o que o autor identifica como cultura ilustrada - e provavelmente irá reproduzir os mesmos mecanismos de alienação e dominação em relação ao povo.

    A cultura popular pode ser entendida como um conjunto de saberes de determinados grupos de sujeitos que vivem na sociedade contemporânea, em constante mudança. Assim, a cultura popular pode ser um processo pelo qual se mantém, se criam e se renovam expressões e modos de vida que identificam determinados grupos. Muitas comunidades cultivam músicas, jogos, brincadeiras, poesias, pinturas cujos processos de ensino e de aprendizagem são fundamentais para o convívio uns com os outros dentro de grupos e comunidades (MEIRA, 2005).

    Desta forma, assumimos que a importância do diálogo acerca do conceito de cultura na Educação Física, vai além de propor uma diversificação de conteúdos, podendo favorecer um processo de educação onde, a partir da consideração do contexto histórico e social em que se inserem, educandas e educandos se reconheçam e se percebam como sujeitos históricos, capazes de criar e desenvolver-se em suas várias dimensões, de intervir e transformar a realidade (FREIRE, 2005).

    Para Meira (2005, p.105) “a dança popular, assim como outras expressões tradicionais, é uma pratica de criação, de comunicação e de experiências de grupo”, o que nos remete o olhar para a concordância com os pressupostos educacionais e com os objetivos da Educação Física como componente curricular da Educação Básica.

    As Danças Brasileiras apresentam-se como uma forma de valorização da cultura popular e ainda como um importante elemento para a implementação da Lei n˚ 10.639/2003, atualizada pela lei 11.645/2008 (BRASIL, 2004; BRASIL, 2008), que prevê o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira e indígena, uma vez que a cultura popular está estruturada também em manifestações destas matrizes culturais.

    De acordo com Sabino e Lody (2011, p.32) as Danças Brasileiras de matrizes africanas são “mais do que apenas uma manifestação recreativa de um grupo cultural. Os fatos relacionados às ações, aos gestos e aos hábitos devem ser entendidos no contexto em que ocorreram”. Dessa forma, as danças, inseridas em determinado contexto histórico, cultural e social, revelam as lutas e as estratégias dos povos africanos para a manutenção de suas identidades étnicas, suas tradições e na ressignificação delas a partir do diálogo com outras matrizes culturais.

    Para Silva (2009, p.44) “Os conhecimentos de raízes africanas, são inferências, idéias derivadas da experiência vivida e expressas em afirmações e proposições, em gingados de corpos que dançam, em esculturas, desenhos, pinturas, tecelagens, e outras formas de expressão”.

    Nas manifestações populares que vão desde as danças que celebram a convivência na comunidade, as relações com o outro, a luta pela continuidade da tradição, até as procissões e cortejos que celebram a fé, é possível reconhecer alguns elementos que nos remetem, por exemplo, às religiões afro-brasileiras. Como exemplo das Danças Brasileiras, tomaremos aqui a prática da Congada, também chamada de congado, que pode ser entendida como

    [...] uma manifestação popular tradicional que gira em torno de uma grande festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, sendo que o grande festejo é o ponto culminante desta prática. As formas desta manifestação são múltiplas e existem em muitas cidades brasileiras diferenciando-se em cada Estado e região. A data da festa também varia de acordo com as localidades onde é praticada. (PARREIRA, 2005)

    Para Meira, (2007 p. 66) “o congado é determinado por sua história, pela descendência africana e pelo processo de migração; pela religiosidade católica popular e, ao mesmo tempo, das religiões de matriz africana, numa realidade ambígua como é a cultura popular (...)”.

    Vale ressaltar que o interesse na abordagem do tema, em Educação Física, vai além da intenção de inserir educandos e educandas no universo da cultura corporal, pois pretende dar ênfase ao reconhecimento e valorização da cultura popular brasileira. Assim, as reflexões são propostas nesse texto a partir da consideração dos estudos da cultura corporal em Educação Física e das experiências proporcionadas pelo Girafulô - Grupo de Pesquisa e Práticas em Danças Brasileiras, criado em 2006 no município de São Carlos/SP. Tomando aqui a Congada como exemplo, entre tantas outras manifestações da cultura popular, buscamos apontar para possibilidades de desenvolvimento de suas linguagens na escola.

A Congada e suas linguagens: o corpo que dança, versa e conta histórias

    Parte da cultura popular, as Danças Brasileiras são praticadas por diferentes grupos e em diversas localidades do país onde as influências culturais em suas origens são tão diversas quanto heterogêneas. Danças Brasileiras como o Cacuriá dançado no estado do Maranhão, o Batuque de Umbigada dançado no interior paulista, o Jongo presente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo e a Congada praticada nos estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo são alguns exemplos dessa diversidade.

    As influências culturais dos povos africanos que chegaram escravizados ao Brasil se misturam às influências dos europeus colonizadores e dos indígenas que viviam na região. Podemos observar exemplos desse emaranhado de influências culturais nas Festas do Divino Espírito Santo realizadas no estado do Maranhão, região nordeste do país, onde identificamos muitas expressões de raízes africanas nas letras das músicas e na composição de seus ritmos, simultaneamente à presença de instrumentos e rezas de origem européia. Entre os diversos componentes da Festa do Divino, estão as caixas do Divino, pequenos tambores em forma de cilindro, tocados com duas baquetas de madeira, que são instrumentos semelhantes aos encontrados nos Açores. Estes tambores se juntam aos cantos e danças de religiões afro-brasileiras como o Tambor de Mina, muito comum no estado do Maranhão (PACHECO, 2005).

    Nas práticas tradicionais da cultura popular, como a Congada, podemos reconhecer como os indivíduos e grupos se colocam ao mundo mostrando suas formas de viver em comunidade, de se relacionar com o outro.

    Na Congada de Uberlândia, município do Estado de Minas Gerais, referência que usaremos neste artigo para nossa reflexão acerca das Danças Brasileiras, é possível perceber em seus símbolos relações muito próximas de religiões afro-brasileiras como a Umbanda e o Candomblé, ainda que de forma não declarada por seus participantes. As músicas, chamadas também de pontos, cantadas nos cortejos de louvor a santos católicos, contam a história da escravidão e fazem referências às situações de segregação e preconceito sofridas pelas comunidades congadeiras, de maioria negra, nas relações de trabalho e acesso à educação no período pós-escravidão. Como observamos nos cantos do Moçambique, outra dança presente na Congada de Uberlândia, nos versos atribuídos, respectivamente, ao Capitão Baltazar do Moçambique do Oriente e Moçambique Pena Branca, de acordo com Meira (2007, p.20 e p. 32):

Oh, no tempo da escravidão,

Ah, quando a pancada batia,

Chamava por nossa senhora,

Mas a pancada doía.

Oh. Preto sabe língua

Branco sabe lê

A língua de preto custa entender

Oi ah custa entender

Oi ah custa entender

    Podemos perceber que a forma de viver em sociedade por meio das práticas culturais, como as Danças Brasileiras, pode ser uma forma de ver o mundo em sua pluralidade, conflitos, tensões e diferenças, não se tratando de um espelho ou oposição ao modelo hegemônico europeu e dominador que se estabelece na sociedade, mas se refere a uma maneira de perceber a diversidade e a complexidade em nossas relações.

    Os saberes populares são elaborados a partir da experiência concreta, a partir das vivências no grupo ou comunidade. Na cultura popular os conhecimentos são transmitidos de forma predominantemente oral, onde os menos experientes aprendem com os mais experientes. Essa observação também se explicita nos versos cantados pelo Capitão Baltazar do Moçambique do Oriente (Meira, 2007) a seguir:

Eu tinha a vovó e tinha o vovô,

A reza que eu sei ele que me ensinou

Reza o pai nosso reza o bendito

A reza que eu tenho é de São Benedito.

    Para Larrosa Bondía (2002) o saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana, o saber de experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente e pessoal. Na aquisição do saber da experiência o acontecimento é coletivo, mas a experiência é única.

    Nas Danças Brasileiras as diferentes maneiras de dançar, cantar, tocar, contar sobre uma determinada maneira de se dançar e até mesmo a história e a relação que o sujeito estabelece com tal prática, estão diretamente ligadas aos saberes de experiência que cada sujeito tem ao vivenciar a prática da dança.

    De acordo com Meira (2007, p. 70) para os congadeiros a dança não se restringe aos passos, movimentos ou coreografias, mas compõem um todo formado por “expressões sensíveis”, representado também pelas vestimentas, pelas personagens e, entre outros elementos, pela própria ocupação do espaço urbano durante os festejos.

    Desse modo, ao falarmos de saberes populares estamos falando de conhecimentos diferentes daqueles ensinados no processo de escolarização. Neste texto, portanto convidamos a uma reflexão acerca dessa prática, a dança no contexto da cultura popular, e suas possibilidades de nos auxiliar enquanto educadores e educadoras em nossas práticas pedagógicas, em particular na Educação Física Escolar.

A Congada: possibilidades como conteúdo em Educação Física Escolar

    A dança embora contemplada nas diretrizes curriculares da Educação Básica como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) documento referência para todo o país, bem como, o Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2011) raramente as Danças Brasileiras são lembradas na escola e, quando são, aparecem carregadas de elementos caricatos que representam grotescamente, não apenas a dança, mas as pessoas que compõem seu universo e suas origens.

    Tais proposições, no entanto, não vêm acompanhadas de um processo formativo das/dos professoras/professores que irão atuar com este conteúdo na escola, de modo a prepará-las/os e sensibilizá-las/os. No caso particular da educação física, ainda fortemente influenciada pela perspectiva de performance e de reprodução do gesto técnico, torna ainda mais complexa a tarefa de trazer a dança e, em particular as Danças Brasileiras, como linguagem de partilha de emoções, sentimentos e conhecimento de expressão cultural de povos, restringindo-as muitas vezes, a “encenações” pontuais em datas comemorativas que acabam reproduzindo estereótipos, comumente solicitada pela escola por ocasião da “Festa Junina”.

    O mesmo ocorre diante da proposta do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. A estas situações Meira (2005, p.105) refere que “O educador que deseja trabalhar com este universo deve, sempre que possível, participar de festas e celebrações nas quais a cultura tradicional se apresenta na íntegra”.

    Na mesma direção, podemos encontrar recomendação semelhante em Silva (2009, p.46), quando em alusão às africanidades brasileiras, expressões de culturas de raiz africana, indica que “para identificar, conhecer e compreender africanidades há que conviver com pessoas negras que reconheçam seu pertencimento étnico-racial enraizado na África, há que freqüentar territórios negros, há que buscar obras de autores e outros profissionais negros”.

    A vivência das Danças Brasileiras, enquanto manifestação da cultura popular, não busca o melhor rendimento, desempenho ou padronização de movimentos. Do mesmo modo, sua abordagem na Educação Física Escolar não deve ter como objetivos o ensino de técnicas de dança, apresentação performática visando formação de dançarinos, mas sim a vivência potencialmente criadora e recriadora da motricidade; (re)conhecimento de expressões culturais e de valorização da cultura popular e seus grupos representativos.

    Nesta perspectiva propomos uma incursão no conteúdo, tendo em vista as dimensões atitudinais (consideração de valores e atitudes), conceituais (compreensão de seu conceito, contexto histórico e significados) e procedimentais (procedimentos para realização saber fazer). Tal proposição, segundo Darido e Rangel (2005) representa a superação da ênfase na dimensão procedimental predominante no histórico da educação física na escola.

    Em uma dimensão atitudinal pode-se a partir da Congada, trazer a tona expressões, sentimentos e posturas de estranhamento, admiração ou repulsa, adotadas diante da manifestação por diferentes grupos de pessoas, promovendo diálogos acerca da indústria cultural e da forte influência da mídia sobre a determinação do que é belo, do que é cultura e do que é arte, instigando posicionamento crítico e reflexivo.

    No mesmo sentido, é possível questionar a falta de visibilidade destas práticas, como um importante fator de reflexão sobre os interesses políticos e econômicos envolvidos na escolha de determinadas expressões culturais para divulgação nos meios de comunicação, em detrimento de outras, e ainda como esta divulgação influencia a sociedade, ditando padrões de comportamento social, de expressão corporal e até de relações interpessoais. Reconhecer o patrimônio cultural de seu contexto, valorizar atitudes não-preconceituosas também está contemplado desta dimensão.

    A dimensão conceitual da Congada como manifestação de dança brasileira propõe que educandos e educandas tomem conhecimento das construções históricas e transformações que acarretaram na origem e na prática atual da Congada. Pode também, buscar o conhecimento dos elementos constituintes da Congada e seus significados: instrumentos, vestimentas, personagens, letras de músicas e coreografias.

    Durante a Congada existe o momento de coroação de novos reis e rainhas. Em cada ano na Festa em Uberlândia existem novos reis: o rei congo e a rainha conga. A escolha destes reis e rainhas é feita pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário junto aos capitães dos ternos de Congada. Os ternos’ são os grupos de Congada compostos por homens e mulheres de todas as idades que se organizam a partir de características peculiares como o ritmo musical, instrumentos utilizados, as roupas, a dança, as cores. Neste momento são escolhidos um casal de reis para serem festeiros de Nossa Senhora do Rosário e outro casal de festeiros para São Benedito. Estes reis e rainhas têm o papel de organizar, junto à comunidade congadeira, a festa na cidade. O momento da coroação acontece na igreja de Nossa Senhora do Rosário quando todos os ternos de Congada e a população que participa da festa estão presentes. Com forte relação com evento semelhante da tradição de alguns povos africanos, Silva (1999) refere que:

    Através da coroação dos reis negros recria-se algo que é central na tradição africana, isto é, o espírito de comunidade. Coroar os reis negros através de um ritual em que se refaz a dimensão coletiva é sem dúvida uma dimensão forte da experiência africana ancorada na filosofia banto. Na tradição banto a família é central, ela é a razão da continuidade da comunidade. (...) Coroar o rei é assegurar a continuidade da comunidade através se um símbolo de sua sustentação. O que o ritual apresenta de significativo é menos os objetos trocados e ofertados e sim o esforço de restauração do coletivo, da grande família historicamente dispersa pela diáspora.

    Este elemento da Congada pode ser explorado em seu contexto histórico, desenvolvendo na escola a compreensão de elementos da cultura africana e suas ressignificações no Brasil, por populações negras e não negras no período escravista e nos dias de hoje.

    Em concordância com Silva (2009, p.47), consideramos que o estudo das africanidades brasileiras representa o conhecimento de:

    […] um jeito peculiar de ver a vida, (...) de lutar pela dignidade própria, bem como pela de todos os descendentes de africanos, mais ainda de todos os que a sociedade marginaliza. Significa também conhecer e compreender os trabalhos e a criatividade dos africanos e de seus descendentes no Brasil e de situar tais produções na construção da nação brasileira.

    Considerando a dimensão procedimental do conteúdo proposto, a riqueza de vivências passa pelas atividades rítmicas, com a experimentação dos processos de dançar, cantar, bater palmas, tocar um instrumento, ou construir versos. O saber fazer, neste caso, está atrelado ao entendimento de cada procedimento proposto, e sua importância na formação da Congada. Os movimentos propostos pela dança na Congada podem ser bases constitutivas de diversos jogos que trabalhem as posturas e ritmos fundamentais da prática. Ao mesmo tempo, existe na realização da dança referida uma atitude de valorização dos saberes individuais, assim como dos repertórios próprios, uma vez que cada pessoa pode atribuir livremente aos passos da dança, suas características de movimento, seu gingado e suas expressões corporais particulares. Neste aspecto, vislumbramos uma contribuição significativa para a educação física escolar, na medida em que rompe com estruturas e padrões rígidos de movimento, permitindo a criação e recriação em suas próprias potencialidades, permitindo que não só a dança, mas a própria aula de educação física ganhe outros sentidos para educandas e educandos.

Considerações

    “Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente.” (FREIRE, 1996, p.85)

    Tendo a Congada, como manifestação da cultura popular, e apontando tanto para sua história quanto para suas linguagens expressivas (dança, música, versos), as propostas aqui formuladas nos levam a identificar a abordagem do conteúdo nas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais. No entanto, embora separadas aqui para uma melhor organização e visualização de suas possibilidades, consideramos que as três dimensões de conteúdo não estejam fragmentadas na prática pedagógica. Elas se complementam e ocorrem simultaneamente durante a atuação de educadores e educadoras.

    As manifestações da cultura popular brasileira são múltiplas em suas representações e nas suas formas de compreensão, deste modo acreditamos que as linhas que tecem as grandes teias pelas quais se engendram os saberes populares são dinâmicas, se transformando e se renovando sempre para que a tradição se mantenha dinâmica e atuante em nosso presente. A tradição se renova e se reconfigura, ao mesmo tempo em que garante a transmissão destes saberes e a permanência destas manifestações nas comunidades e na vida das pessoas que as praticam. Assim, há que considerar os conhecimentos de educandos e educandas, suas histórias de vida e seu contexto social nas possíveis interpretações e impressões que estabeleçam diante do conteúdo proposto.

    Se pensarmos a cultura como um processo social que compõe modos de vida em suas diversas representações, a cultura popular não deve ser entendida como um conjunto de eventos isolados ou como manifestações pontuais que se encerram em si mesmas. Então ao falarmos de Danças Brasileiras e cultura popular estamos falando de modos de vida e formas de estar no mundo de diversos sujeitos, que significam este mundo a partir das suas experiências de vida.

    Assim, nas práticas populares todos ensinam e aprendem mutuamente e o saber de experiência garante a transmissão do conhecimento que se dá na experiência concreta no fazer e no vivenciar a dança, o canto, a poesia, os toques dos instrumentos, etc.

    Consideramos ainda, que ao propor a reflexão sobre os possíveis significados, não apenas da Congada, mas das Danças Brasileiras no currículo escolar, seja possível oferecer subsídios para a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira e, sobretudo sobre o reconhecimento de nossas origens, histórias e saberes.

Referências bibliográficas

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