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Cultura docente e cultura escolar: alguns apontamentos

sobre etnografias educacionais em Educação Física

Cultura docente y cultura escolar: algunas notas sobre etnografías educativas en Educación Física

 

*Professora de Educação Física da rede municipal de ensino de Cocal do Sul-SC

Bolsista do Programa institucional de bolsas de iniciação científica

da Universidade do Extremo Sul Catarinense. (PIBIC/UNESC).

**Professor Mestre do curso de Educação Física da Universidade do Extremo Sul Catarinense

Líder do Grupo de estudos e Pesquisa em Desenvolvimento Docente

e o Mundo do Trabalho em Educação Física

Barbara Zucchinali*

Victor Julierme Santos da Conceição**

victorjulierme@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo trata-se de uma revisão bibliográfica sobre os temas cultura docente e cultura escolar a partir pesquisas etnográficas na área da educação física. Após a análise dos periódicos da área, observamos pouca ocorrência de estudos referentes ao tema. Após a leitura dos textos realizamos uma análise dos pontos em comum e observamos o quanto estes aspectos são relevantes para a prática educativa cotidiana dos professores de Educação Física. Este texto mostra que a singularidade da cultura escolar, aponta situações comuns sobre o trabalho do professor de Educação Física.

          Unitermos: Cultura docente. Cultura escolar. Educação Física.

 

Estudo financiado pelo Programa institucional de bolsas de iniciação científica da Universidade do Extremo Sul Catarinense (PIBIC/UNESC).

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 183, Agosto de 2013. http://www.efdeportes.com

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Primeiras palavras

    Este texto tem como objetivo apresentar uma revisão bibliográfica a respeito do que é produzido sobre o tema cultura escolar e cultura docente a partir das etnografias realizadas na área da educação física. Para isso foram realizadas análises de artigos publicados nas revistas Movimento e na Revista Brasileira de Ciência do Esporte entre os anos de 2000 e 2012. A princípio esta data estava definida entre os anos de 2006 e 2012, porém as dificuldades em encontrar estes estudos acabaram por ampliar a data limite de busca. Destacamos também, que os artigos encontrados foram realizados nos estados do Espirito Santo, Amapá, mas principalmente no estado do Rio Grande do Sul, que num total de 13 trabalhos encontrados 10 foram realizados neste estado, 2 no Espírito Santo e 1 no Amapá. Para um aprofundamento maior sobre o tema algumas pesquisas foram analisadas em seu conteúdo original, ou seja, nas dissertações que originaram os artigos, foram essas: Lourenço (2009), Bossle (2008) e Witizzoreck (2001), ambas realizadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Na busca por materiais produzidos sobre o tema encontramos nas pesquisas etnográficas uma base determinante para a construção desta revisão, que segundo Geertz (1973), trata conceitualmente a cultura do ponto de vista semiótico, acredita que o homem é um animal amarrado a teias de significados e a sua análise está entendida como uma ciência interpretativa em busca de significados. Nos estudos etnográficos no campo da Educação, encontramos uma descrição densa da cultura escolar e da cultura docente o que nos dá a base para a construção desta revisão.

    Para dar sequência a este estudo destacamos que para a produção de todos os textos pesquisados, que servirá de base para a construção deste artigo, tomaremos por base os eixos norteadores da pedagogia crítica. Ela que busca destacar as relações de poder e de desigualdade que ocorrem na sociedade e como essas relações influenciam diretamente o cotidiano escolar e a prática docente. Educar balizado pela pedagogia crítica “[...] implica uma atitude que se volta à transformação social e à ruptura com as ilusões confortadoras que têm como pressuposto os modos em que nossas sociedades e seus aparatos educacionais estão atualmente organizados podem levar à justiça social” (APPLE; AU; GANDIN, 2007).

    Após determinarmos a base filosófica que alimenta a construção deste e dos textos pesquisados, começamos a apontar os pontos em comum que surgiram na análise dos mesmos, qual a relevância destes conteúdos e como eles fazem parte da cultura escolar e docente. Determinando assim nosso objetivo, que é o de revisar as produções realizadas sobre estes temas e analisar os pontos que eles têm em comum, definindo a relevância de cada conteúdo com o cotidiano escolar e docente.

Análise dos estudos: apontamentos sobre a cultura escolar e trabalho docente

    Começaremos a apontar os pontos que surgiram em comum nos textos pesquisados, fazendo um paralelo entre os mesmos, realizando uma análise do conteúdo com a realidade escolar.

    Encontramos que um dos pontos mais relevantes das pesquisas que analisamos está relacionado com os conhecimentos que os professores de educação física levam para a sua prática cotidiana e como os mesmos foram adquiridos.

    Autores como Sanchotene; Molina Neto (2010) tratam deste assunto a partir do contexto em que a disciplina de educação física é vista na escola, suas peculiaridades e especificidades, segundo estes autores delimitam a prática pedagógica dos professores. A pesquisa realizada pelos autores mostra um ponto muito comum com os outros trabalhos analisados, o fato dos professores utilizarem suas experiências vividas para pautarem sua prática pedagógica.

    Nossa opção por aprofundar a discussão a respeito da constituição das práticas pedagógicas dos professores de educação física levou-nos a identificar que as experiências vividas pelos que participaram do estudo se encontram presentes em sua prática pedagógica, seja como inspiração para as aulas, seja como um meio de questionamento delas (SANCHOTENE; MOLINA NETO, 2010, p.67).

    O mesmo ponto foi citado por Costa; Mendonça; Terra (2001, p. 220), “Em todo esse movimento diário percebemos que a professora recorria aos saberes da experiência se apropriando de diversos procedimentos pedagógicos para que pudesse dar conta de ministrar suas aulas”.

    O trabalho de Almeida et al. (2007), traz observações relevantes sobre a prática pedagógica de professoras de educação física, através das interações com o outro, as professoras vão construindo seus referenciais. Destacando que apesar das professoras serem formadas em instituições e contextos históricos diferentes suas práticas acabam se tornando semelhantes e voltadas para a esportivização.

    Para Wittizorecki (2001) a “trama” que norteia o trabalho docente do professor de educação física é muito mais ampla e deve ser considerada

    A partir de elementos como a trajetória e história pessoal de cada professor e desse coletivo docente como um todo; as formas de fazer, produzidas e acumuladas por esse grupo, ao longo dos anos no universo escolar; os saberes elaborados a partir da prática desses professores e dos conteúdos específicos da área; o peso dos processos de formação inicial e permanente e as convicções pessoais e pedagógicas desses docentes (p. 29).

    Por essa razão observamos nas diversas pesquisas as diferenças no trabalho pedagógico do professor e como ele está pautado por essas razões, já citadas por Wittizorecki (2001).

    Para a seqüência desta revisão apontamos um tema que surgiu em praticamente todos os textos pesquisados, que se refere à marginalização da profissão e da disciplina frente às outras e frente à própria administração da escola. Tal análise faz com que o professor se sinta obrigado a tornar a Educação Física “visível” perante os outros professores e perante a comunidade escolar. Como neste caso apresentado por Costa; Mendonça; Terra (2010, p. 223),

    Que, embora a escola não tenha em seu planejamento anual um projeto específico da disciplina educação física e que esse componente curricular não tem a importância desejada, a professora é vista pelos demais colegas da escola como uma pessoa mobilizadora dos demais projetos realizados.

    Ao analisar esta citação observamos a dificuldade que cerca o professor de educação física dentro da escola. Essa marginalização da profissão, para Lourenço (2009), está relacionada a “fatores de raízes históricas mais profundas”, que entram desde a dualidade entre corpo e mente, passando pela separação da graduação entre licenciatura e bacharelado. Esses fatores fazem o professor ser visto como um “profissional à parte”, separado do resto do professorado.

    Outro fator que influencia na desvalorização do professor de educação física, segundo Molina Neto (2003), vem do âmbito da sociedade capitalista que dá mais valor às disciplinas de conteúdo “fatual e informativo”, deixando a Educação Física de lado. Tornando esta disciplina uma incógnita, pois ela está no currículo, mas não se sabe o que fazer com ela.

    Wittizorecki et al. (2005, p. 52) observam que este afastamento da educação física junto às outras disciplinas se dá pelo fato da

    Natureza dos espaços que os professores de Educação Física utilizam para sua intervenção, na peculiaridade dos materiais e recursos que esses fazem uso, no trato pedagógico com as manifestações da cultura corporal e com o movimento, e mesmo, nas relações que esses docentes estabelecem com outros professores e com o alunado.

    Muitas vezes essa relação com materiais e espaços alternativos para a prática docente e a própria especificidade da disciplina tornar o professor de educação física um “tapa buraco”, cobrindo as faltas de seus colegas e excedendo em muitas vezes a quantidade de aulas mensais com determinada turma (BOSSLE; MOLINA NETO, 2009). Esses mesmos autores citam que o professor de educação física tem dificuldades na sua relação com a comunidade escolar, pois ele muitas vezes é considerado um profissional a parte na escola, com objetivos e funções diferentes do restante do professorado influenciando diretamente na sua prática pedagógica.

    Outro ponto em comum nos trabalhos pesquisados foi a questão da intensificação do trabalho docente, que Hargreaves (1998 apud LOURENÇO, 2009, p. 39) observa que,

    Nasce de uma discrepância na perspectiva e nas ideias de tempo entre administração e ensino, planejamento e execução, entre desenvolvimento e implementação. Dessa visão origina-se uma tendência a medir o grau de profissionalismo, ou o grau de qualidade no trabalho, pela quantidade de tarefas assumidas, o que pode ser altamente desqualificador, além de representar um grande desgaste físico, mental e emocional para o professor.

    Os textos tomam por base a intensificação do trabalho docente no contexto da escola “como uma instituição concebida na sociedade de trabalho”. Neste contexto, os professores necessitam de estratégias para “sobreviverem ao contexto da constante transformação social” (BOSSLE, 2008, p.46). A forma de organização do sistema, as “formas burocráticas de controle sobre o trabalhador e suas tarefas”, resultam neste processo de intensificação do trabalho docente (CONTRERAS, 2012).

    A carga horária extenuante dos professores aparece em comum nos estudos sendo citada como, por exemplo, por Costa; Mendonça; Terra (2010), em que a professora observada pelo estudo ocupava sua semana com uma carga horária de 50h, preenchendo seus três turnos do dia. As autoras tratam como um “turbilhão de afazeres profissionais” e creditam essa intensificação devido a origem humilde da professora “no intuito de, sobretudo, construir um espaço na sociedade local com a busca de sua valorização profissional” (COSTA; MENDONÇA; TERRA, 2010, p. 219).

    Essa questão sobre intensificação do trabalho docente também é tratada na auto etnografia desenvolvida por Bossle (2008), que em certo momento cita como um dos fatores para uma “resposta impulsiva” dada à uma professora em um conselho de classe, o fato de sua extenuante carga horária. Fato que foi acentuado por outro ponto destacado neste resumo, a discriminação da educação física perante o restante da escola.

    Lourenço (2009) aborda este tema na sua dissertação quando fala do “trabalho docente e o desgaste profissional”, que identifica na questão da “intensificação e da colonização do tempo, conceitos esclarecedores no caminho para a compreensão do desgaste no trabalho docente, bem como das alternativas para evitá-lo” (LOURENÇO, 2009, p. 38).

    Wittizorecki; Molina Neto (2005) quando aborda a “escola e o trabalho dos professores” no contexto da sociedade capitalista, cita como consequência a intensificação do trabalho docente e o isolamento dos professores. O mesmo caso citado no estudo der Wittizorecki; Molina Neto; Bossle (2012), que além do isolamento, a intensificação ainda causa “uma certa automatização de suas ações”, que pela falta de tempo, o professor não pensa sua prática e acaba apenas reproduzindo suas aulas anteriores. Causa também segundo Wittizorecki (2001, p. 25) “a exigüidade e a pressão do tempo pode conduzir ao isolamento dos professores, na medida em que se vêm impossibilitados de compartilhar suas reflexões e experiências”.

    Este isolamento profissional será o próximo ponto que abordaremos nesta revisão. Seguimos com Wittizorecki, Molina Neto (2005, p. 63), que aponta as “reformas educativas colocadas que, ao apresentar uma importante remodelação de sua prática pedagógica e no sentido de seu trabalho, provoca algumas condições, como o de estar perdido [...]”. O professor por ficar tão preocupado em colocar em prática essas reformas exigidas acaba se isolando, sem ter nenhum tipo de orientação e muitas vezes se achando incompetente por não observar ou mesmo não põe em prática tais mudanças. Da mesma maneira Scherer; Molina Neto (2000) também apontam como causa do isolamento profissional a “utilização de uma burocracia escolar”, que causa o mesmo efeito de “estar perdido” citado por Wittizoreck (2001).

    Já Oliveira; Silva (2010) tomam por base Molina Neto (1998), e observam que o isolamento do profissional de Educação Física na escola se dá pelos “aspectos específicos da disciplina”. Estes mesmos autores citam que, os professores observados apontam a dificuldade em relacionar-se com os professores das outras disciplinas e associam a isso o fato de “possuírem e utilizarem materiais e um espaço físico “diferente” das demais disciplinas como argumento pela falta de tempo que acabam tendo para frequentar o espaço coletivo da sala dos professores” (OLIVEIRA; SILVA, 2010, p. 4).

Algumas considerações transitórias

    Após a análise e comparação dos estudos pesquisados, podemos concluir que os autores têm, em vários momentos ideias similares sobre o cotidiano de um professor de educação física no contexto escolar. Visto que todas estas pesquisas surgiram de observações da realidade da atuação pedagógica e da socialização vivida pelos professores em seu ambiente de trabalho. Concluímos então que os professores passam pelas mesmas dificuldades, angústias e indecisões independendo do lugar onde vivem. Com estes principais pontos encontrados em comum nos trabalhos pesquisados, acreditamos ser de grande relevância para futuras pesquisas a respeito do trabalho docente e como se desenvolve essa grande trama que é a cultura escolar.

Referências

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