Educação Física escolar e qualidade humana: uma proposta de intervenção em crianças e adolescentes com depressão Educación Física escolar y calidad humana: una propuesta de intervención en niños y adolescentes con depresión |
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*Graduado em Educação Física (FURB), Especialista em Obesidade e Emagrecimento (UGF) e Mestre em Educação (FURB) **Graduado em Educação Física (CIEA-UNIFA), Especialista em Problemas no Desempenho Escolar (IBMR) e Mestre em Educação: Ensino Superior (FURB-1997) e Mestre em Educação (FURB-2009). Professor Titular da Universidade Regional de Blumenau (FURB) ***Graduado em Educação Física (FURB), Mestre e Doutor em Saúde Pública (área de epidemiologia) pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Professor de Pós-Graduação da Universidade Gama Filho (UGF) |
Giovanni Dalcastagné* Sidirley de Jesus Barreto** Clóvis Arlindo de Sousa*** (Brasil) |
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Resumo O quadro depressivo em crianças e adolescentes tem sido apontado como sendo grave e comum e a atividade física regular possui um importante papel para prevenção e tratamento coadjuvante neste grupo de pessoas. Este estudo tem por objetivo descrever a importância das atividades corporais como prática de valorização da qualidade humana e da saúde e sua influência nos quadros de depressão em crianças e adolescentes. A Educação Física escolar pode proporcionar a motivação necessária para a realização das atividades corporais. Contudo, para que isso ocorra, é imprescindível uma proposta de valorização do desenvolvimento do ser humano no sentido mais amplo, levando em consideração as expectativas e interesses dos alunos para a realização das atividades. Por meio dos exercícios de consciência corporal e de respiração consciente é possível levar os sujeitos a perceberem suas cinestesias, diminuindo assim o “amortecimento” corporal e diminuindo o nível ansiogênico ou de angústia existencial. A atividade física, em qualquer espaço social, deve proporcionar uma perspectiva inclusiva, trabalhando a corporeidade de forma mais complexa e não apenas direcionada para o preparo do corpo para o aspecto competitivo e do bom desempenho. Antes disso, com o desafio de “educar” o ser humano para uma conscientização de que a saúde depende da qualidade humana completa, que inclui a prazeirosidade e passa pelo movimento intencional, alegre e cooperativo. Unitermos: Educação Física. Qualidade humana. Depressão infantil.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 183, Agosto de 2013. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
Com as mudanças ocorridas na sociedade e no processo de sobrevivência da população, as pessoas são vítimas freqüentes da famosa “correria do mundo moderno”. Em meio a esse cotidiano cada vez mais agitado, é possível perceber um aumento nos transtornos afetivos entre a população, incluindo os casos de depressão em crianças e adolescentes.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, nas próximas duas décadas haverá uma mudança dramática nas necessidades de saúde da população mundial devido, em parte, ao fato de que doenças como a depressão e cardiopatias estão, com rapidez, substituindo os problemas de doenças infecciosas e desnutrição (BAHLS, 2002).
Os chamados transtornos afetivos, dentre eles a depressão, alcançaram nos últimos anos maior destaque no meio científico e entre a população. A depressão, especificamente, tem se apresentado mais evidente desde a década de 1970, quando aumentou o interesse no campo da investigação e no meio acadêmico e foi reconhecida a presença significativa desse distúrbio entre crianças e adolescentes (NAKAMURA; SANTOS, 2007).
A depressão pode ter um impacto devastador na infância e adolescência, afetando o comportamento das crianças em casa, na escola, com os amigos e, no caso dos adolescentes, no trabalho. Até recentemente, a depressão infantil não era amplamente aceita como um distúrbio real. Conseqüentemente, apenas nos últimos vinte anos surgiram pesquisas científicas com os avanços significativos das neurociências, favorecendo melhor a compreensão de como as crianças passam pela depressão, por que se deprimem e como ajudá-las. Felizmente, desde o início da era de avaliação crítica da depressão infantil, foram obtidos grandes avanços rumo à compreensão desse distúrbio, de modo que se possa oferecer uma esperança real para crianças com depressão e para suas famílias (MILLER, 2003).
Para Lowen (1983), não existe distúrbio mental que também não seja físico. A pessoa deprimida está fisicamente deprimida, assim como mentalmente deprimida. Roeder (2003) ressalta que podem ser observados na pessoa com transtorno mental, prejuízos no seu processo de crescimento e desenvolvimento, dos quais decorre alguma limitação pessoal profunda. Porém, se estiver adequadamente assistido, o impacto desses fatores sobre suas funções orgânicas (físicas), psíquicas e sociais poderá ser amenizados.
Podemos considerar as aulas de Educação Física escolar como um ambiente propício para reduzir os impactos negativos ocasionados pela depressão infantil, favorecendo dessa forma a socialização, autonomia nas brincadeiras propostas, resolução de situação-problema nos jogos desenvolvidos e motivação para a prática de atividades físicas.
O exercício físico é imprescindível para a saúde do ser humano em todas as idades. É papel dos profissionais da área da saúde e, em particular, do profissional de Educação Física, dar a conhecer à população em geral, a importância da prática de atividades físicas para a manutenção e obtenção da saúde na totalidade de seu significado, ou seja, psicológico, corporal, espiritual, político e social (BENGHI; ZOBOLI, 2004).
A gênese da consciência corporal é um aspecto que deve ser discutido em nível do próprio processo de desenvolvimento do ser humano. Das primeiras sensações recebidas pelo mundo exterior e dos estímulos interoceptivos em nível bucal à gênese de preensão (visomotora), a criança inicia a exploração do seu corpo e das pessoas que a cercam, a partir da autonomia conferida pela marcha. Assim, a criança aumenta progressivamente suas possibilidades de relação cinético-espacial e com ela a evolução da linguagem (BARRETO, 2010). A seqüência do desenvolvimento da consciência corporal é a resultante de um jogo de relações que perdurará durante toda a existência do indivíduo (BARRETO; SILVA, 2004).
Na escola, muitas vezes, a corporeidade é colocada num sistema de interdição e privação. Isso se dá quando esta é desconsiderada nas suas condições de ser, dentro de sua complexidade; quando ela é privada de cuidado, dignidade e respeito no seu modo de “ser” humana – na condição de verbo (ZOBOLI; SANTOS, 2005).
Diante deste cenário de mecanização das atividades desenvolvidas, tanto nas escolas quanto no próprio cotidiano do ser humano, que favorece um aprisionamento do ser, reduzindo ao máximo sua autonomia e levando o mesmo a desenvolver vários problemas relacionados à saúde, principalmente os de caráter psicológico, como a depressão, que se busca uma forma de valorizar a qualidade humana.
O presente estudo tem como objetivo descrever a importância das atividades corporais como prática de valorização da qualidade humana e da saúde e sua influência nos quadros de depressão em crianças e adolescentes.
Depressão
O termo “depressão” na linguagem corrente, segundo Del Porto (1999, p. 6) “tem sido empregado para designar tanto um estado afetivo normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e uma (ou várias) doença(s)”.
Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais diversos quadros clínicos, entre os quais: demência, esquizofrenia, alcoolismo, transtorno de estresse pós-traumático, doenças clínicas entre outros. Pode ocorrer também como resposta a situações estressantes ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas. Como síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia) mas uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite). Já como doença a depressão tem sido classificada de várias maneiras, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado (DEL PORTO, 1999).
De acordo com o autor, entre os quadros apontados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc. (ibid, 1999).
Tolman (2009) destaca que a depressão é um transtorno emocional que pode variar de intensidade leve a grave, sendo estimado como um dos principais fatores mundiais de incapacitação. Para o autor, não há dúvida de que se trata de um problema grave e mundial de saúde pública.
Os sintomas depressivos leves, conforme relata Tolman (2009), incluem a tristeza, a perda de interesse por atividades ou prazeres da vida, alterações nos padrões de sono e alimentação, baixa autoestima, diminuição de atenção e concentração e visão negativa do futuro. As pessoas com depressão leve freqüentemente podem continuar com suas responsabilidades, porém, funcionam abaixo do seu nível normal. Já os episódios depressivos graves geralmente apresentam sintomas adicionais de lentidão de pensamento e movimentos, pensamentos preponderantes de culpa, pensamentos e/ou planos suicidas e sintomas psicóticos.
Para Lowen (1983) ser incapaz de reagir distingue o estado depressivo de todas as outras condições emocionais. Uma pessoa desanimada recuperará sua fé e esperança quando a situação mudar. Uma pessoa abatida se erguerá novamente quando a causa de sua condição for removida. Uma pessoa que está desestimulada se excitará com a perspectiva de prazer. Mas nada consegue criar uma reação na pessoa deprimida. Freqüentemente a possibilidade de divertimento ou prazer serve apenas para afundá-la em sua depressão.
A depressão pode causar desespero, desesperança, confusão e outros sentimentos ou estados desagradáveis e, por isso, muitas pessoas não conseguem acreditar ou aceitar que estão depressivas. Quando ouvimos alguém dizer que está passando por um período depressivo, nem sempre conseguimos compreender realmente as sensações e sentimentos que esta pessoa experimenta (BAPTISTA; ASSUMPÇÃO JR., 1999).
Segundo Lowen (1983), a pessoa deprimida é aprisionada por barreiras inconscientes de “devo” e “não devo” que a isolam, limitam-na e eventualmente subjugam seu espírito. Vivendo nessa prisão, ela tece fantasias de liberdade, trama esquemas para sua liberação e sonha com um mundo onde a vida será diferente. Estes sonhos, como todas as ilusões, servem para sustentar seu espírito, mas também evitam que ela confronte realisticamente as forças internas que o acorrentam. Mais cedo ou mais tarde a ilusão cai, o sonho se esvai, o esquema falha e sua realidade a encara frente a frente. Quando isso acontece, torna-se deprimida e sente-se desesperada.
No que diz respeito a inatividade física e transtorno de humor, Branco et al. (2012) apontam que no Brasil há poucos estudos disponíveis sobre essa relação, em contrapartida, estudos demonstram um aumento de inatividade física, bem como índices de transtornos de humor.
Considerando a manifestação clínica dos transtornos de humor, é possível que os jovens com diagnóstico de depressão apresentem uma prevalência maior de inatividade física do que os jovens com transtorno bipolar ou controles populacionais. Contudo, o rebaixamento da atividade física pode levar um agravamento de sintomas como fadiga, insônia, isolamento social entre outros. Nesse sentido, se torna necessário o conhecimento clínico e científico da associação entre atividade física e transtornos de humor, para que no futuro se possa refletir no âmbito da prevenção e tratamentos que incluam uma rotina de atividade física (BRANCO et al., 2012).
Se a depressão é atualmente comum, é porque muito das nossas vidas é vivida na irrealidade, muito de nossas energias é devotado à busca de objetivos irreais (LOWEN, 1983). E Barreto (2010) ressalta ainda o papel de uma educação repressora neste processo, pois a depressão é uma forma de morte emocional e psicológica. A pessoa deprimida não só perdeu seu gosto pela vida, mas temporariamente perdeu seu desejo de viver. Ela, dependendo do grau de depressão, desistiu da vida, e é por isso que a depressão tão freqüentemente é acompanhada por pensamentos, sentimentos e ações suicidas (LOWEN, 1983).
Depressão em crianças e adolescentes
Do mesmo modo que no adulto, a depressão tem sido descrita tanto na criança como no adolescente desde meados do século XVII, embora dúvidas quanto a sua existência tenham sido sugeridas por volta dos anos 60, em função de se acreditar que o superego imaturo da criança não permitiria o surgimento da depressão (ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2000).
Os autores destacam que a criança é um ser singular que gradativamente vai construindo um mundo a partir de seu desenvolvimento afetivo, diretamente relacionado com a interação que estabelece com os outros indivíduos e de seu desenvolvimento cognitivo, que lhe fornece um instrumental adequado para essas inter-relações. Dessa forma, constrói progressivamente as noções do Eu, realidade, espaço e tempo, pilares fundamentais da existência. No entanto, somente com o advento do pensamento formal, na adolescência, é que se dá início a construção de projetos existenciais que, embora ainda incipientes, já são passíveis de orientar seu existir (ibid, 2000).
Assumpção Jr. e Kuczynski (2000) relatam ainda que na experiência depressiva é possível observar uma retração do Eu, independentemente do momento da vida em que ela ocorre, devendo-se somente levar em consideração o momento evolutivo que delineará assim a patoplastia e, em conseqüência, a compreensibilidade da sintomatologia. Com essa retração, diminui-se o contato com o ambiente, manifesto por meio do desinteresse, da falta de reatividade, da anedonia e fadigas constantes. Privada da comunhão com os demais, essa experiência já não pode mais se ampliar, refazendo dia a dia seus horizontes, que assim permanecem estreitos e limitados.
Para Bahls (2002), grande parte dos autores na área dos transtornos depressivos na infância e adolescência cita que os sintomas mudam de acordo com a idade, ressaltando a importância do processo de maturação das diferentes fases do desenvolvimento nos sintomas e comportamentos depressivos, ocorrendo uma caracterização sintomatológica predominante por faixa etária.
Bahls (2002) relata algumas características em diferentes fases. Em crianças pré-escolares (idade até seis a sete anos), a manifestação clínica mais comum é representada pelos sintomas físicos, tais como dores (principalmente de cabeça e abdominais), fadiga e tontura. As queixas físicas são seguidas por ansiedade, fobias, agitação psicomotora ou hiperatividade, irritabilidade, diminuição do apetite com falha em alcançar o peso adequado e alterações do sono.
Em crianças escolares (idade entre seis a sete anos até doze anos), o humor depressivo já pode ser verbalizado e é freqüentemente relatado como tristeza, irritabilidade ou tédio. Apresentam aparência triste, apatia, fadiga, choro fácil, isolamento, ansiedade de separação, fobias, desejo de morrer e declínio no desempenho escolar, podendo chegar a recusar a escola. Fraca concentração, queixas somáticas, redução de peso, insônia, sintomas psicóticos e humor-congruente também podem ser relatados (BAHLS, 2002).
A manifestação da depressão em adolescentes (idade a partir de doze anos) costuma apresentar sintomas semelhantes aos dos adultos, mas ocorrem também importantes características fenomenológicas que são típicas do transtorno depressivo nesta fase da vida. Adolescentes deprimidos não estão sempre tristes; apresentam-se principalmente irritáveis e instáveis, podendo ocorrer crises de explosão e raiva em seu comportamento (BAHLS, 2002).
Muitas são as pesquisas que relacionam o suporte e estrutura familiar inadequados com depressão na adolescência. De uma maneira simples, a estrutura familiar diz respeito ao número de pessoas de uma família e suas características físicas, ou seja, se os pais são separados ou moram juntos; se um dos pais é falecido; quantas pessoas moram na residência; o papel de cada um na família (BAPTISTA; ASSUMPÇÃO JR., 1999).
A noção de família é de difícil definição, já que, atualmente, a idéia de família ideal, ou seja, pai mãe e irmãos vivendo em um mesmo local, cada qual com seus papéis definidos e “vivendo felizes” não se enquadra dentro da nova realidade social (ibid, 1999).
Segundo Baptista e Assumpção Jr. (1999) a família inclusive pode ser definida englobando as pessoas que mais se aproximam e influenciam a criança e o adolescente, podendo ser os tios, os próprios pais e irmãos, o padrasto ou madrasta, os pais adotivos, a instituição, os amigos, os pais de rua (no caso de crianças que vivem nas ruas) ou outras pessoas que possam influenciar no desenvolvimento emocional e cognitivo da criança e do adolescente.
Para Barbosa e Lucena (1995) a diminuição do rendimento escolar é um dos primeiros sinais da possível aparição de um quadro depressivo. Destacam ainda que o rendimento escolar seja um dos indicadores mais importantes e supervalorizados pelos pais. Em alguns casos, o único a ser considerado, já que muitos pais não se preocupam ou não acompanham a evolução escolar dos seus filhos.
Geralmente a baixa do rendimento escolar, perante os pais que acompanham esta evolução, irá provocar sérios problemas para ambas as partes. Por outro lado, a criança que repete um curso e vai fracassando na escola vai se sentir responsável nas disputas familiares, percebendo-se como culpada de tudo de negativo que ocorre. Dessa maneira, diminui sua autoestima, formando-se um autoconceito negativo (BARBOSA; LUCENA, 1995).
Miller (2003) aponta que entre as crianças com sete e doze anos encaminhadas para os serviços de cuidado mental, aproximadamente 10% a 20% sofriam de depressão. Em grupos aleatórios de crianças que não foram encaminhadas para cuidado mental, a depressão foi encontrada em até 2,5% das crianças e em 8,5% dos adolescentes. Isso mostra que a prevalência de depressão varia conforme a idade e implicam a existência de algumas correlações de desenvolvimento com a depressão, como a puberdade e o desenvolvimento cognitivo.
A prevalência da depressão também varia de acordo com o gênero. Sintomas depressivos são duas vezes mais comuns em garotos, entre crianças na pré-puberdade de sete e doze anos. No entanto, sintomas depressivos eram duas vezes mais comuns em garotas, entre crianças na pós-puberdade com mais de doze anos. Essa descoberta consistente na pesquisa sobre a depressão e sugere que fatores genéticos, biológicos, sociais e culturais estão relacionados com o distúrbio (MILLER, 2003).
Educação Física escolar e qualidade humana
Na menção de Sérgio (2003), há mais de vinte e cinco séculos a filosofia ocidental vem convivendo com a distinção, com a profunda diferença entre a razão e a imaginação, entre o corpo e o espírito. Os gregos logo ensinaram que o logos tem declarada supremacia sobre a physis. A ele cabe o ato de pensar, de refletir, de poder superiorizar-se sobre o mundo físico e de manipulá-lo. Pela reflexão, o ser humano procurava, não só respostas para os enigmas da existência, mas ainda o controle sobre as situações adversas com que à natureza o enfrentava. A definição de homem, como “animal racional”, sublinha bem o valor do logos e o pouco valor da physis que deveria ser conduzida pela razão, já que na physis se integrava também os sentimentos, as emoções, os sonhos, as fantasias e o imaginário.
Dentro da educação escolar a Educação Física sempre demonstrou uma grande preocupação para com os cuidados corporais, deixando muitas vezes de lado os sentimentos e as vontades de muitos educandos (BARRETO; ZOBOLI, 2002). Dessa forma, numa visão dualista, o corpo vai sendo cada vez mais valorizado, e os que não se “enquadram” no padrão proposto não só pelas escolas, mas por toda a sociedade, vão passando por um processo de desinteresse e exclusão no que diz respeito às atividades corporais.
A Educação Física escolar pode proporcionar a motivação necessária para a realização das atividades corporais que se estenderá ao longo da vida de uma pessoa. Contudo, para que isso ocorra, é imprescindível uma proposta de valorização do desenvolvimento do ser humano no sentido mais amplo, levando em consideração as expectativas e interesses dos alunos para a realização das atividades.
Para Romansini (2007) existem fatores positivos e negativos no que diz respeito ao estilo de vida e que afetam nossa saúde e bem estar. Muitos desses comportamentos são instalados na infância e levados para a idade adulta. Ter um estilo de vida fisicamente ativo é um dos comportamentos que cada vez mais adquire importância para pessoas das mais diferentes idades e gêneros.
A atividade física está num estágio mais elevado do que apenas a prevenção de doenças. De acordo com Dantas (2005), a atividade física supera o prazer sinestésico oferecido pela prática do movimento. Possibilita de forma eficaz a cessação de diversas necessidades individuais, multiplicando assim as oportunidades de se obter prazer e, conseqüentemente, melhorando a qualidade de vida humana.
Roeder (2003, p. 86) relata que:
Um passo significativo, nos últimos anos, tem sido o crescente interesse dentro da área da psicologia pelo estudo dos efeitos psicológicos do exercício físico e sua aplicação na prevenção e tratamento dos transtornos mentais. Os resultados de um amplo número de investigações permitem afirmar que o exercício é uma conduta que se manifesta à mercê de fatores motivacionais e que a prática deste tem conseqüências importantes, a curto e longo prazo, para a saúde. Estas conseqüências constituem um fator importante na motivação do próprio exercício significativamente para a saúde mental em populações clínicas ou não.
Há uma realidade indiscutível na vida de todo ser humano, e ela é sua existência física ou corporal. Seu ser, sua individualidade, sua personalidade são determinados pelo seu corpo. Quando seu corpo morre, ele deixa de ser uma pessoa no mundo. Ninguém existe separadamente do seu corpo. Não há nenhuma forma de existência mental independente da existência física de uma pessoa. Pensar de outra forma é uma ilusão (LOWEN, 1983).
Para Barreto e Silva (2004), o nosso comportamento biológico – expresso como movimento, sentimento, percepção e produção de padrões de significado – formam o campo de experiência, o conhecimento. A percepção que temos da própria vida é o conhecimento, no sentido mais amplo. A percepção é o que é a vida do ser humano, é a consciência da nossa própria vida.
De acordo com o a estimulação propiciada pela ambiência, os movimentos vão aumentando gradativamente sua complexidade e o indivíduo vai efetuando todos os mais de ações conscientes, intencionais e psicomotoras. Mas, infelizmente ao ingressar na escola, a criança começa a se sujeitar a determinadas normas que, quando introjetadas de maneira coerciva, costuma levar o indivíduo a adquirir determinados desvios no desenvolvimento, dentre os quais podemos citar a delinqüência, o desenvolvimento de couraças musculares, depressão, fobias e outros. (ibid, 2004).
Cultivar a qualidade de vida e promoção humana significa realizar atividades que frutifiquem a saúde e proporcionem felicidade, cooperação, inclusão e momentos de plenitude na vida diária. Ter qualidade humana, aqui significa viver um bem-estar no sentido mais amplo, contemplando aspectos físicos, mentais e emocionais (BENGHI; ZOBOLI, 2004).
Nesse sentido, Roeder (2003) comenta que os profissionais da saúde necessitam romper com a cultura tradicional existente e precisam implantar, por meio de suas ações, medidas que promovam mais do que uma prática terapêutica, o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida.
Barreto e Silva (2004) destacam que, com o desenvolvimento temos condições (maturação) para sairmos do eu (fase do egocentrismo) para buscar compreender os outros, experimentamos as regras de convivência, as regras competitivas, as trocas, a cooperação, a solidariedade e o convívio com as diferenças. Os mais saudáveis, mentalmente falando, conseguem então compreender que pode existir semelhança entre diferenças e diferenças entre semelhanças e que não somos todos iguais, como se saíssemos de um único molde. Daí a necessidade da aula de Educação Física ser cada vez mais alegre, inclusiva, criativa e que possa romper com a dualidade cartesiana.
Por meio dos exercícios de consciência corporal e de respiração consciente é possível levar os sujeitos a perceberem suas cinestesias, diminuindo assim o “amortecimento” corporal, com isto diminuindo o nível ansiogênico ou de angústia existencial (ibid, 2004) e colaborando com o enfrentamento da depressão em qualquer idade, principalmente na criança e no adolescente.
Considerações finais
É perceptível a existência da depressão entre crianças e adolescentes e que este fato vem crescendo gradativamente como um problema de saúde pública. Os impactos que ela pode produzir na vida da criança são devastadores, podendo ser levados para a vida adulta.
Com o cotidiano cada vez mais agitado, os problemas afetivos vão ficando de lado e a preocupação das pessoas fica voltada mais para a parte profissional, tendo como principal objetivo o acúmulo de bens materiais, que vem sendo um referencial no mundo moderno.
Perante este quadro, a criança e o adolescente vão convivendo com ansiedades e dúvidas devido à desestruturação familiar e a mecanização das atividades na escola e na própria sociedade.
Esse estudo demonstra como as atividades corporais realizadas na Educação Física escolar ou no cotidiano da criança e do adolescente devem quebrar a cisão corpo/mente, cuidando do ser humano não apenas como objeto no mundo, mas sim como sujeito. Dessa forma, a Educação Física tende a contribuir para uma valorização da qualidade humana no seu sentido mais amplo, diminuindo assim os riscos de várias doenças, inclusive os transtornos afetivos, como a depressão.
Diante dessas considerações, recomendamos que a Educação Física propicie uma perspectiva mais inclusiva dentro das escolas e da sociedade, trabalhando a corporeidade de forma mais complexa (mente/corpo/espírito/natureza/sociedade), não apenas direcionada para o preparo do corpo para o aspecto competitivo e do bom desempenho. Antes disso, com o desafio de educar o ser humano para uma conscientização de que a saúde depende da qualidade humana completa, que inclui a prazeirosidade, e esta passa pelo movimento intencional, alegre e cooperativo.
Referências
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BARBOSA, G. A.; LUCENA, A. Depressão Infantil. Revista Neuropsiq. da Inf. e Adol. 3, p. 23-30, 1995.
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BARRETO, S. J.; SILVA, C.A. Contato: Sentir os sentidos e a alma: saúde e lazer para o dia-a-dia. Blumenau: Acadêmica, 2004.
BARRETO, S. J. O Lugar do Corpo na Universidade. Blumenau: Acadêmica, 2010.
BENGHI, J.R.; ZOBOLI, F. Educação Física e Promoção Humana. Blumenau: Acadêmica, 2004.
BRANCO, J. C. et al. Prevalência de inatividade física e fatores associados ao transtorno de humor em adultos jovens. Revista Brasileira de Ciência e Movimento. 20 (4) p. 60-68, 2012.
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DEL PORTO, J. A. Conceito e diagnóstico. Rev. Brasileira de Psiquiatria. Vol. 21, p. 06-11, maio 1999.
LOWEN, A. O Corpo em Depressão: as bases biológicas da fé e da realidade. São Paulo: Summus, 1983.
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