Código de Nuremberg e
Declaração de Helsinki: El Código de Nuremberg y la Declaración de Helsinki: transformaciones y actualidades |
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*Acadêmicas do 9º período do curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES **Acadêmico do 6º período do curso de Graduação em Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES ***Acadêmica do 4º período do curso de graduação em Medicina das Faculdades Integradas Pitágoras, Fip-Moc ****Orientadoras dos cursos de graduação de Odontologia e Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES |
Maria Luiza Andrade* Olívia Soares Silva* Míria Rita Duarte*** Lucas Felipe Bicalho Ferreira** Orlene Veloso Dias**** Simone de Melo Costa**** (Brasil) |
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Resumo Introdução: Os desvios éticos e práticas abusivas sempre ocorreram, porém, foi a partir do século XX que medidas internacionais de controle sobre a experimentação com seres humanos foram criadas. Objetivo: Este trabalho teve como objetivo verificar os avanços na legislação que trata da pesquisa em humanos, com ênfase no Código de Nuremberg e na Declaração de Helsinki. Método: Trata-se de uma pesquisa bibliográfica narrativa tendo como base os artigos que abordam a temática pesquisa envolvendo seres humanos e a análise documental do Código de Nuremberg e das diferentes versões da Declaração de Helsinki. Resultados: O Código de Nuremberg foi formulado em 1947 por juízes americanos para julgar os médicos nazistas. Ele é constituído por dez tópicos, dos quais o primeiro trata do consentimento voluntário para participação em experimentos. Em 1964, na Finlândia, elaborou-se a Declaração de Helsinki, que é dividida em: princípios básicos, pesquisa médica combinada com cuidados profissionais e pesquisa biomédica não terapêutica envolvendo seres humanos. A Declaração trata da necessidade de cumprimento dos princípios científicos, bem como, da revisão ética e científica e boa qualificação dos pesquisadores. Coloca a necessidade do consentimento do sujeito após o fornecimento de informações da pesquisa, a avaliação dos riscos/benefícios, assegurando aos participantes os melhores métodos diagnósticos e terapêuticos existentes após o término da pesquisa. E condena o uso do placebo quando já existe tratamento eficaz estabelecido. Essa declaração, ao longo de décadas, sofreu mudanças e acréscimos em seus princípios, sem, contudo abalar a sua originalidade de defesa e proteção aos direitos humanos de pessoas envolvidas em pesquisas. Conclusões: A falta de mudanças no Código de Nuremberg culmina na necessidade de formulação de novos códigos e declarações. Dessa forma a Declaração de Helsinki veio da necessidade de se ter normas atuais para as pesquisas. As várias transformações que esta Declaração sofreu, foi para respaldar o trabalho do pesquisador e dar autonomia ao pesquisado. No entanto, as evidências históricas mostraram que nenhuma diretriz ética internacional se mostrou suficientemente capaz para impedir os abusos e a exploração de pessoas em estado de vulneração. Unitermos: Direitos Humanos. Ética em pesquisa. Experimentação com seres humanos. Código de Nuremberg. Declaração de Helsinki.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 183, Agosto de 2013. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
De acordo com Hossne e Vieira (2002) é inegável a interferência da ciência na vida do ser humano e esta tendência dá sinais claros de expansão, porém, além de conhecimento e descobertas já consagradas, o ser humano também entra em contato com aplicações de conhecimentos em fases iniciais, de natureza experimental.
Em meados do século XIX, quando o fisiologista francês Claude Bernard tratou da moralidade das observações científicas, no livro An Introduction to tle Study of Experiment Medicine, em 1852, já afirmava que “o princípio da moralidade médica” consistia em nunca causar dano ao ser humano, ainda que o resultado fosse altamente vantajoso para a ciência ou para a sociedade (Bernard apud Figueiredo, 2011, p.3).
Como diz Figueiredo (2011) desvios éticos e práticas abusivas sempre ocorreram, porém, foi a partir do século XX que medidas internacionais de controle sobre a experimentação com seres humanos foram criadas, após o conhecimento dos abusos cometidos nos campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial, com assassinatos, torturas e outros atos indignos nos experimentos científicos.
“Em 1947 uma corte formada por juízes dos Estados Unidos reuniu-se para julgar os crimes cometidos pelos médicos nazistas em campos de concentração. Este julgamento resultou na elaboração de um conjunto de preceitos éticos para a pesquisa clínica, conhecida como Código de Nuremberg (Nuremberg Code 1949). Infelizmente, durante os primeiros vinte anos de existência do documento, as diretrizes éticas de Nuremberg não atingiram o alvo desejado, ou seja, não foram capazes de sensibilizar os médicos para o respeito necessário no uso de seres humanos em pesquisas clínicas” (Diniz; Corrêa, 2001, p.679).
O Código de Nuremberg foi formulado em agosto de 1947 por juízes dos EUA para julgar os médicos nazistas acusados. Foram julgados 23 réus dos quais somente três não eram médicos. Dezesseis foram declarados culpados, sete dos quais foram sentenciados à pena de morte e cinco a prisão perpétua. Sete foram absolvidos. Para o fiscal acusador, o julgamento era de assassinato. Apesar disto, ele sustentou que não era um "mero julgamento de assassinato", porque os réus eram médicos que tinham realizado o juramento de Hipócrates de não causar o mal. Os defensores alegaram que o Estado tinha ordenado aos médicos que realizassem experimentos no campo de concentração de Dachau para determinar como proteger e tratar melhor aos soldados e aviadores alemães. Eles argumentaram que estes experimentos eram necessários e que o "bem do Estado" tem precedência sobre o bem do indivíduo. O acusador declarou que "o Estado pode ordenar experimentos fatais em seres humanos, mas os médicos permanecem responsáveis por não realizá-los" (CÓDIGO DE NUREMBERG, 1947).
O Código de Nuremberg é constituído por dez tópicos, dos quais o primeiro é o que melhor contempla seus preceitos:
O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomar uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante que eventualmente possam ocorrer devido à participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente;
O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente;
O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento;
O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos desnecessários, quer físico, quer materiais;
Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento;
O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema que o pesquisador se propõe a resolver;
Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota;
O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente qualificadas;
O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do experimento;
O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes (Código de Nuremberg, 1949).
Os deslizes éticos já ocorriam bem antes do Código de Nuremberg. A história mostra inúmeras situações em que a ética não foi respeitada; por muitas vezes, nem sequer foi cogitada. E, após o aparecimento do Código de Nuremberg, não obstante a dramaticidade do contexto em que nasceu, as infrações éticas, infelizmente, continuaram e continuam a ocorrer (Hossne; Vieira, 2002).
Apesar do conhecimento das crueldades que aconteciam nos campos de concentração e do Código de Nuremberg, continuaram ainda a realização de pesquisas com seres humanos que feriam os princípios éticos fundamentais. Foi criada então, em 1964 na Finlândia, a Declaração de Helsinki, que é dividida em: princípios básicos, pesquisa médica combinada com cuidados profissionais e pesquisa biomédica não-terapêutica envolvendo seres humanos (MELO; LIMA, 2004).
Ainda por Melo e Lima (2004) estes princípios abordam à realização de pesquisas envolvendo seres humanos. Esta declaração vem tratar da necessidade de cumprimento dos princípios científicos aceitos, bem como, da revisão ética e científica e boa qualificação dos pesquisadores. Coloca a necessidade de fornecimento e consentimento de informações ao sujeito, avaliação dos riscos/benefícios, assegurando aos participantes dos estudos os melhores métodos diagnósticos e terapêuticos existentes após término da pesquisa. E condena ainda o uso do placebo quando já existe tratamento eficaz estabelecido.
Como são necessários resultados de experiências laboratoriais com seres humanos para um maior conhecimento científico, para amenizar o sofrimento da humanidade, a Associação Médica Mundial elaborou algumas recomendações como um guia para todo médico na pesquisa biomédica envolvendo seres humanos (DECLARAÇÃO DE HELSINKI, 1964).
Na Declaração de Helsinki (1964) há cinco Princípios Básicos para a pesquisa biomédica envolvendo seres humanos:
A pesquisa clínica deve adaptar-se aos princípios morais e científicos que justificam a pesquisa médica e deve ser baseada em experiências de laboratório e com animais ou em outros fatos cientificamente.determinados;
A pesquisa clínica deve ser conduzida somente por pessoas cientificamente qualificadas e sob a supervisão de alguém medicamente.qualificado;
A pesquisa não pode ser legitimamente desenvolvida, a menos que a importância do objetivo seja proporcional ao risco inerente à pessoa exposta;
Todo projeto de pesquisa clínica deve ser precedido de cuidadosa avaliação dos riscos inerentes, em comparação aos benefícios previsíveis para a pessoa exposta ou para outros;
Precaução especial deve ser tomada pelo médico ao realizar a pesquisa clínica na qual a personalidade da pessoa exposta é passível de ser alterada pelas drogas ou pelo procedimento experimental.
Além dos princípios básicos, há a Pesquisa Médica Combinada com Cuidados Profissionais, onde, no tratamento da pessoa enferma, o médico deve ser livre para empregar novos métodos terapêuticos, se, em julgamento, eles oferecem esperança de salvar uma vida, restabelecendo a saúde ou aliviando o sofrimento. Sendo possível, e de acordo com a psicologia do paciente, o médico deve obter o livre consentimento do mesmo, depois de lhe ter sido dada uma explicação completa. Em caso de incapacidade legal, o consentimento deve ser obtido do responsável legal; em caso de incapacidade física, a autorização do responsável legal substitui a do paciente. O médico pode combinar a pesquisa clínica com o cuidado profissional, desde que o objetivo represente a aquisição de uma nova descoberta médica, apenas na extensão em que a pesquisa clínica é justificada pelo seu valor terapêutico para o paciente (DECLARAÇÃO DE HELSINKI, 1964).
Ainda pela Declaração de Helsinki (1964) Na Pesquisa Biomédica Não-Terapêutica Envolvendo Seres Humanos, o pesquisador deve:
1. Na aplicação puramente científica da pesquisa clínica, desenvolvida num ser humano, é dever do médico tornar-se protetor da vida e da saúde do paciente objeto da pesquisa;
2. A natureza, o propósito e o risco da pesquisa clínica devem ser explicados.pelo.médico.ao.paciente;
3a. A pesquisa clínica em um ser humano não pode ser empreendida sem seu livre consentimento, depois de totalmente esclarecido; se legalmente incapaz, deve ser obtido o consentimento do responsável legal;
3b. O paciente da pesquisa clínica deve estar em estado mental, físico e legal que o habilite a exercer plenamente seu poder de decisão;
3c. O consentimento, como é norma, deve ser dado por escrito. Entretanto, a responsabilidade da pesquisa clínica é sempre do pesquisador; nunca recai sobre o paciente, mesmo depois de ter sido obtido.seu.consentimento;
4a. O investigador deve respeitar o direito de cada indivíduo de resguardar sua integridade pessoal, especialmente se o paciente está em.relação.de.dependência.do.investigador;
4b. Em qualquer momento, no decorrer da pesquisa clínica, o paciente ou seu responsável serão livres para cancelar a autorização de prosseguimento da pesquisa. O investigador ou a equipe da investigação devem interromper a pesquisa quando, em julgamento pessoal ou de equipe, seja a mesma prejudicial ao indivíduo.
Segundo Diniz e Corrêa (2001) esta declaração é uma referência ética extremamente importante para a regulamentação de pesquisas médicas que envolvem seres humanos. É ainda definida como uma base ética mínima necessária às pesquisas e aos testes médicos projetando-se para o futuro como um guia ético obrigatório.
Essa declaração, ao longo de décadas, veio sofrendo mudanças e acréscimos em seus princípios, porém nenhuma delas abalou a sua originalidade de defesa e proteção aos direitos humanos das pessoas envolvidas em pesquisas clínicas. Dentre essas mudanças, ocorreu a primeira em 1975, na Finlândia;1983; 1989; 1996; 2000; 2002; 2004 e a mais recente aconteceu em 2008 na 59ª Assembléia Geral da AMM realizada em Seul, Coréia (DINIZ; CORRÊA, 2001).
É indispensável trazer para o contexto da presente discussão o extraordinário trabalho histórico realizado por Henry Beecher, em 1966, quando, após um levantamento sobre a eticidade de estudos publicados em importantes revistas científicas, constatou 22 experimentos envolvendo graves problemas éticos com relação a sujeitos humanos das pesquisas, que desrespeitavam a declaração recém-editada. Em um dos casos, por exemplo, células hepáticas cancerosas foram injetadas em 22 pacientes idosos hospitalizados para estudos imunológicos – os pacientes foram informados, apenas, que receberiam “algumas células”, não sendo mencionada a palavra “câncer” (GARRAFA; PRADO, 2007).
Este artigo consiste em uma pesquisa bibliográfica que se propõe analisar criticamente diferentes metodologias e regulamentações das pesquisas científicas realizadas com seres humanos, abrangendo o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinki, observando o contexto histórico-social dos mesmos, assim como sua relação com as diretrizes científicas vigentes na época e com mecanismos internacionais de controle da prática das pesquisas científicas. Dessa forma é relevante fazermos uma revisão do que se tem renovado para obtermos informações atuais a respeito das normas que regulamentam a pesquisa com seres humanos.
Metodologia
Este trabalho foi elaborado a partir de uma revisão integrativa e descritiva, em que representa uma revisão bibliográfica tradicional, que almejou um aprofundamento cultural e crítico dos acadêmicos do segundo período de odontologia e quarto período de enfermagem, além de exigência parcial para nota da disciplina de Bioética.
Em uma correlação sobre os princípios da bioética e códigos consagrados no meio científico, como o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinki que são ou foram responsáveis pela regulamentação da conduta de pesquisas envolvendo seres humanos e conseqüentemente pelos avanços dos direitos humanos, houve a criação de suporte científico para nosso estudo.
Foram empregadas técnicas de forma metódica através de identificação, localização e obtenção de informações, tendo como destaque a utilização de artigos na íntegra em língua portuguesa que se relacionam com a descrição do Código de Nuremberg e Declaração de Helsinki publicados entre 1999 e 2011 e os próprios documentos do Código de Nuremberg e Declaração de Helsinki, foram excluídos referenciais publicados em bases de dados não científicas e resumos de pesquisa sem disponibilidade dos artigos na íntegra.
A coleta de dados foi realizada no período de 12/10/2011 a 05/11/2011. O levantamento literário foi realizado através das seguintes bases de dados: Google Acadêmico e Scielo.
No fichamento e redação do trabalho científico, que exigiu uma busca planejada, foram minimizados possíveis erros e estabelecida uma profunda discussão e debate crítico entre os envolvidos na elaboração desse artigo para seleção dos critérios de inclusão que nortearam a escolha dos textos on-line.
Utilizando a revisão integrativa e descritiva através dos aspectos: relação com o tema e olhar crítico com pesquisas envolvendo seres humanos foi realizada uma pesquisa bibliográfica com a finalidade de analisar as principais transformações e atualidades do Código de Nuremberg e Declaração de Helsinki.
Objetivo
Identificar as principais transformações e atualidades do Código de Nuremberg e da Declaração de Helsinki com um olhar crítico para os acréscimos e retiradas e uma reflexão sobre os avanços dos direitos nas pesquisas científicas envolvendo seres humanos.
Resultados e discussão
O Tribunal de Nuremberg, que julgou os crimes de guerra da Segunda Guerra Mundial em 1947, elaborou o Código de Nuremberg, estabelecendo dez tópicos que os médicos devem seguir quando realizam experimentos em seres humanos. O primeiro, maior e mais detalhado, explicita que “O consentimento voluntário dos sujeitos humanos é absolutamente necessário”. Não há referências que protocolos de pesquisa em seres humanos devem ser aprovados previamente por comissão independente e nem referências relativas à publicação dos resultados desses estudos (SARDENBERG et al, 1999).
A história das pesquisas envolvendo presidiários e deficientes mentais nos Estados Unidos mostraram que o controle ético proposto por Nuremberg direcionava-se apenas aos bárbaros pesquisadores nazistas, nada tendo a acrescentar aos pesquisadores comuns, aos cientistas humanistas engajados no avanço da ciência e da cura para as doenças. Para os médicos e pesquisadores clínicos norte-americanos, o Código de Nuremberg se referia a uma espécie de a uma medicina do mal, típica e exclusiva do nazismo, distante da prática médica de países com tradição política democrática (DINIZ; CORRÊA, 2001).
Segundo Diniz e Corrêa (2001) as diretrizes éticas de Nuremberg não atingiram o alvo desejado, durante os primeiros vinte anos de sua existência, não sendo capazes de sensibilizar os médicos para o respeito necessário no uso de seres humanos em pesquisas clínicas.
O Código de Nuremberg não foi bem aceito pela comunidade científica pelo fato de ter sido elaborado para julgamento sobre o passado de crimes dos médicos nazistas, e não ter se direcionado a pesquisadores comuns. Assim, este código não sofreu nenhuma modificação desde a sua criação, e com isso foi necessário a busca de outras normas para a regulamentação da pesquisa com seres humanos.
Diferentemente do que aconteceu com o Código de Nuremberg e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Helsinki desde a sua primeira versão já passou por oito revisões: Em 1975, 1983, 1989, 1996, 2000, 2002, 2004 e a mais recente aconteceu em 2008 na 59ª Assembléia Geral da AMM realizada em Seul, Coréia. O fato é que a Declaração de Helsinki representou a tradução e a incorporação, pelas entidades médicas de todo o mundo, dos preceitos éticos instituídos pelo Código de Nuremberg, definindo uma base ética mínima necessária às pesquisas e aos testes médicos com seres humanos.
Ao contrário de Nuremberg, que se supõe ter sido um julgamento sobre o passado de crimes dos médicos nazistas, a Declaração de Helsinki projetou-se para o futuro como um guia ético obrigatório para todos os pesquisadores.
Com o passar dos anos, por ocasião das reuniões anuais da Associação Médica Mundial (AMM), ocorreram várias modificações no documento original. Sua base de sustentação conceitual tem sido mantida. Um de seus pontos mais importantes é o relacionado com o reconhecimento da igualdade entre todos os seres humanos, definido por alguns cientistas como a grande tese democrática vencedora do século XX (GARRAFA; PRADO, 2007).
Ainda por Garrafa e Prado (2007) os motivos dos ajustes é devido à razões econômicas, onde forças poderosas pretendiam “flexibilizar” os referenciais éticos para as pesquisas com seres humanos, diminuindo os custos dos ensaios em países onde a população não tem acesso aos cuidados médicos necessários. Desde 1999 em diante começaram a acontecer fortes pressões para que pontos substanciais da declaração fossem mudados.
A Declaração de Helsinque da AMM sempre foi considerada como o principal documento normativo internacional de Ética da Pesquisa e vem sofrendo enormes influências para a flexibilidade de normas relacionadas com as responsabilidades dos patrocinadores e dos grupos internacionais de pesquisa (GARRAFA; LORENZO, 2009).
Em 1975 ocorreu a primeira modificação na Declaração de Helsinki, acontecida em Tóquio no Japão onde foram acrescentados sete princípios básicos que não estavam contidos na primeira declaração:
Foi instituído um protocolo para execução de cada procedimento experimental;
Os pesquisadores não devem se envolver com pesquisas com seres humanos onde todos os riscos não sejam previsíveis, e interromper qualquer investigação quando os riscos sobrepuserem os benefícios;
O pesquisadores deve publicar os dados exatos do resultados;
Os indivíduos devem ser informados sobre os objetivos, métodos, benefícios e riscos que o estudo possa causar tendo liberdade de retirar-se do mesmo em qualquer época;
Ao receber o consentimento para o projeto de pesquisa, o pesquisador deve tomar cuidado especial, caso o indivíduo esteja em relação de dependência para com ele, ou que o mesmo dê seu consentimento sob coação. Neste caso, o consentimento formal deve ser obtido por um pesquisador que não esteja envolvido na investigação e que seja completamente independente deste relacionamento oficial;
No caso de incapacidade jurídica, o consentimento formal deve ser obtido do tutor legal, segundo a legislação nacional. Em casos em que incapacidade física ou mental, ou quando o indivíduo for menor, a permissão de um parente substitui a do próprio indivíduo, de conformidade com a legislação nacional;
O projeto de pesquisa deve sempre conter uma declaração das considerações éticas envolvidas e ainda mencionar que foram obedecidas os princípios enunciados na presente Declaração.
Houve acréscimos referentes à pesquisa médica combinada com cuidados profissionais (pesquisa clínica):
Os benefícios, riscos e desconforto potenciais de um novo método devem ser pesados em relação às vantagens dos melhores e mais recentes métodos de diagnóstico e terapêutica;
Em qualquer estudo médico, a todo paciente - inclusive aquela pertencente a um grupo de controle, caso exista - deve ser dada a segurança dos mais comprovados métodos diagnósticos e terapêuticos;
A recusa do paciente em participar de um estudo não deve jamais interferir no relacionamento médico paciente;
Caso o médico considere fundamental não obter o consentimento formal, as razões específicas para tal atitude devem ser declaradas no protocolo de experiência, para comunicação à comissão independente.
E ainda na pesquisa biomédica não terapêutica envolvendo seres humanos:
Os indivíduos devem ser voluntários ou pessoa sadia, ou paciente para os quais o projeto experimental não se relaciona com a doença do mesmo;
Em pesquisa com o homem, o interesse da ciência e da sociedade nunca deve ter precedência sobre considerações relacionadas com o bem estar do indivíduo.
Nos anos de 1983, em Veneza na Itália, em 1989, Hong Kong e em 1996, em Sommerst West/ África do Sul aconteceram Assembléias Médicas Mundiais, para revisão da Declaração de Helsinki, porém não houve modificações.
No dia 7 de outubro de 2000, como previsto, a 52ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial aprovou unanimemente a Declaração de Helsinque revisada – a quinta vez que o documento recebia alterações.
Conforme Garrafa e Prado (2007) as propostas de modificações surgidas no processo de discussão eram todas expressivas, com dois pontos especialmente relevantes: utilização de placebo em grupos-controle e a questão do acesso e da qualidade dos cuidados médicos a serem oferecidos aos participantes das pesquisas.
Os pontos candentes diziam respeito aos enunciados 19, 29 e 30 da Declaração de Helsinki. O enunciado 19 referia que a pesquisa só se justificava se houvesse perspectiva de que a população envolvida fosse beneficiada pelos resultados; o 29 definia que a utilização do placebo em grupos controle somente era justificada quando não houvesse tratamento eficaz conhecido para o problema em estudo; e o enunciado 30 dizia respeito ao compromisso de que no final do estudo todos os participantes tivessem acesso seguro aos melhores métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados pelo estudo. Apesar das pressões relatadas e de algumas expressões ambíguas, a reunião de Edimburgo não provocou alterações significativas na declaração (GARRAFA; LORENZO, 2009).
Segundo Garrafa e Prado (2007), como as modificações na declaração foram pequenas com relação aos desejos dos seus apoiadores, na pauta da Assembléia Geral da AMM realizada em 2002, em Washington, o tema voltou à discussão. Os pontos candentes novamente diziam respeito aos tópicos 19, 29 e 30 da declaração. De acordo com a Declaração de Helsinki (2002) o enfoque principal foi sobre o esclarecimento do parágrafo 29 acrescentando The benefits, risks, burdens and effectiveness of a new intervention must bos benefícios, riscos, encargos e eficácia de uma nova intervenção que deve ser testada against those of the best current proven intervention, except in the follcomparativamente com as melhores a intervenção atual comprovada, exceto nas seguintes circumscircunstâncias:
The use of placebo, or no treatment, is acceptable in studies where no current • O uso de placebo, ou nenhum tratamento, é aceitável em estudos onde nenhuma corrente proven intervention exists;intervenção comprovada existe, ou
Where for compelling and scientifically sound methodological reasons the use of • Sempre que, por convincentes e cientificamente sólidas razões metodológicas o uso de placebo is necessary to determine the efficacy or safety of an intervention and the placebo é necessário para determinar a eficácia ou segurança de uma intervenção e ospatients who receive placebo or no treatment will not be subject to any risk of pacientes que recebem placebo ou nenhum tratamento não será sujeito a qualquer risco de dano grave ou irreversível. Extreme care must be taken to avoid abuse of this Extremo cuidado deve ser tomado para evitar o serious or irrevers abuso destaoption. opção.
Com relação ao tema do “acesso aos cuidados de saúde” nos lugares onde esse acesso fosse precário, a medida passaria a permitir que os investigadores/patrocinadores se eximissem da responsabilidade de oferecer o tratamento necessário para os voluntários da pesquisa, desde que fosse explicitada essa possibilidade aos mesmos. No momento, um grupo de países latino-americanos defendeu posição contrária: onde a pesquisa estava sendo realizada, os pacientes participantes tinham o direito ao melhor tratamento existente e não ao melhor tratamento disponível, como preconizava a “emenda” com relação ao enunciado 30 da declaração. Com relação ao enunciado 19, defenderam que a investigação médica se justificava somente em caso de existir uma expectativa razoável de que as populações nas quais a pesquisa seria realizada pudessem conseguir benefícios com os resultados da mesma. A Associação decidiu por nomear, então, um “subcomitê” que teve a missão, na 55ª. Assembléia Médica Mundial, programada para outubro de 2004, em Tóquio, de levar uma proposta conclusiva sobre toda a questão (GARRAFA; LORENZO, 2009).
Ainda por Garrafa e Lorenço (2009) na Assembléia de Tóquio o debate persistiu, agregando apenas uma nota de “esclarecimento” ao parágrafo 30, sem maiores repercussões. Com esse resultado, os Estados Unidos retiraram seu reconhecimento oficialmente da declaração, formalizando que a partir daquela data os pesquisadores e pesquisas financiadas por empresas do país, deveriam passar a seguir as regras ditadas pelos próprios EUA. Com os argumentos favoráveis ganhando crescente visibilidade pública por meio de significativo número de artigos publicados nas revistas científicas internacionais destes últimos anos, o panorama entre posições favoráveis e contrárias às mudanças na Declaração continuou intenso entre 2005 e 2008.
Nota de esclarecimento sobre o parágrafo 30 da Declaração de Helsinque AMM:The WMA hereby reaffirms its position that it is necessary during the study planning process to identify post-trial access by study participants to prophylactic, diagnostic and therapeutic procedures identified as beneficial in the study or access to other appropriate care.
“A AMM ratifica sua posição de que é necessário durante o processo de planejamento estudo para identificar o acesso pós-ensaio pelos participantes do estudo dos procedimentos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados como benéficos no estudo ou acesso a outros cuidados apropriados. Post-trial access arrangements or other care must be described in the study protocol so the ethical review committee may consider such arrangements during its review. Arranjos pós-ensaio de acesso ou outros cuidados devem ser descritos no protocolo do estudo de modo que o comitê de ética possa considerar tais preparativos durante a sua revisão (DECLARAÇÃO DE HELSINKI, 2004).”
Em outubro de 2008, finalmente, com a realização da 59ª. Assembléia Anual da AMM, em Seul, Coréia, e após várias reuniões prévias preparatórias, as mudanças aqui debatidas foram finalmente referendadas.
Além de mudanças substantivas nos pontos em conflito, a intenção de mudar a própria estrutura do documento, já manifestada anteriormente por alguns dirigentes desde Edimburgo 2000, foi introduzida. Desse modo, os já conhecidos enunciados 19, 29 e 30 mudaram de numeração no contexto do novo documento, perdendo assim, um pouco de sua “visibilidade”. As mudanças mais significativas e que trouxeram as maiores implicações para a proteção e defesa dos interesses das populações socialmente vulneráveis são as seguintes:
No final do novo enunciado 14, no capítulo dos “Princípios para todas as pesquisas médicas”, foi incluída a seguinte frase: “O protocolo deve descrever acordos para os sujeitos de investigação ter acesso pós-estudo às intervenções identificadas como benéficas ou acesso a outro cuidado ou benefício apropriado”. Ora, isso substitui a inegociável exigência anterior de que os sujeitos de pesquisa tivessem direito aos benefícios gerados pelo experimento, por uma nova descrição de acordos que agora podem incluir também benefícios secundários não diretamente relacionados aos resultados obtidos. Tais acordos, portanto, passam a ter seus vieses de justiça e pertinência avaliados pelos comitês de ética da pesquisa, que nas instituições dos países patrocinadores estão envolvidos em evidentes conflitos de interesse e que nos países periféricos, sede das pesquisas, apresentam com freqüência problemas como falta de capacidade técnica para a função, falta de apoio político-institucional e falta de reconhecimento pela própria comunidade científica local.
No capítulo que trata dos “Princípios adicionais para pesquisa médica combinada com cuidado médico” na segunda parte do novo enunciado 32, o uso do placebo passou a ser justificável: “...quando por razões científicas e metodológicas obrigatórias o uso do placebo for necessário para determinar a eficácia ou segurança de uma intervenção e os pacientes que recebem placebo ou nenhum tratamento não estarão sujeitos a nenhum risco de sofrer dano sério ou irreversível”. Apesar de parecer aceitar como justificável o uso de placebo apenas quando da ausência de risco a dano sério, esta formulação, bastante diferente da versão anterior, transfere, outra vez, para o terreno da negociação e interpretação entre grupos de pesquisa e membros de comitês, a segurança e a defesa dos interesses dos sujeitos da pesquisa.
No enunciado 33 uma nova sentença vem também flexibilizar as exigências com possíveis prejuízos aos interesses dos sujeitos de pesquisa: Quando da conclusão da investigação, os pacientes que entraram no estudo devem ser informados sobre seu resultado e a compartilhar quaisquer benefícios que dele resultam, por exemplo, o acesso a intervenções identificadas como benéficas no estudo ou outro cuidado ou benefício apropriado. Esta modificação, que complementa o enunciado 14, legitima benefícios secundários e indiretos e sedimenta a opção para os patrocinadores fazerem acordos que signifiquem menores custos para suas empresas. Tais acordos serão feitos na maioria das vezes em países periféricos, envolvendo sujeitos e grupos sociais com baixo grau de instrução e em condições de exclusão social, tudo isso avaliado por comitês que possivelmente apresentam os problemas já anteriormente descritos (GARRAFA; LORENZO, 2009).
A Declaração de Helsinque se tornou um documento normativo global tomado como referência moral e colocado muitas vezes acima da própria legislação de países, a partir de sua unânime aceitação mundial. O que se teme com a decisão de Seul 2008 é que, pelos desacordos históricos relatados, ela possa passar a ser contestada, perdendo a autoridade moral conquistada em todos estes mais de 40 anos em que foi referencial nas pesquisas clínicas para pesquisadores, universidades, laboratórios, empresas, revistas científicas e até mesmo para países, em todo mundo (GARRAFA; LORENZO, 2009).
Considerações finais
As evidências históricas mostram que nenhuma diretriz ética internacional se mostrou suficientemente capaz para impedir os abusos e a exploração de pessoas, grupos, comunidades ou populações mais vulneráveis. A flexibilização das exigências na nova Declaração de Helsinque, veio a reacender a preocupação com os desvios éticos do passado, assim como estão associadas a graves injustiças sociais. Estabelecer padrões éticos distintos entre países ricos e pobres são práticas injustas porque reduz os participantes de pesquisas a subpopulações. Negar os benefícios, fruto do conhecimento gerado pelas pesquisas para os sujeitos envolvidos, caracteriza exploração da miséria social.
Como não houve mudanças no Código de Nuremberg que acompanhasse a evolução das pesquisas científicas, novos códigos e declarações foram formulados. Dessa forma a Declaração de Helsinki veio da necessidade de se ter normas atuais para as pesquisas. As várias transformações que esta declaração sofreu, foi para respaldar o trabalho do pesquisador e dar autonomia ao pesquisado.
O Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinki são documentos que fazem referência à experimentação médica em seres humanos, por isso devem ser cumpridos, respeitando o direito do outro em fazer a sua escolha. São de fundamental importância para que os pesquisadores se baseiem durante a realização das suas pesquisas para serem éticos e não sofrerem julgamentos posteriores como ocorreu com os médicos nazistas em 1947.
Referências
CÓDIGO DE NUREMBERG - 1947. Disponível em: http://www.gtp.org.b r/new/documentos/nuremberg.pdf. Acesso em: 14 out. 2011.
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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 183 | Buenos Aires,
Agosto de 2013 |