Anemia falciforme: informações científicas sobre uma doença que aflige a população negra e quilombola no Brasil Anemia falciforme: informaciones científicas sobre una enfermedad que afecta a la población negra y mulata en Brasil |
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*Enfermeiros. **Mestrandas em Ciências da Saúde pela Unimontes (Montes Claros, MG) ***Acadêmica do Curso de Odontologia das Faculdades Unidas do Norte de Minas – FUNORTE (Montes Claros, MG) ****Professora Mestre do Curso de Enfermagem da Faculdade Nobre de Feira de Santana, Bahia *****Professora Pós Doutora do Programa de Mestrado e Doutorado em Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (Brasil) |
Narla Santana de Oliveira* Osvaldo Ramos da Silva Neto* Mayane Moura Pereira** Stéphany Ketllin Mendes Oliveira** Maria Aparecida Barbosa de Sá*** Fernanda Pinheiro de Carvalho Ribeiro**** Viviane Silva de Jesus* Climene Laura de Camargo***** |
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Resumo As doenças falciformes constituem um grupo de hemoglobinopatias caracterizadas pela presença da hemoglobina S, que em baixas tensões de oxigênio altera a morfologia do eritrócito transformando-a de bicôncava para foice. Essas hemácias falcizadas ocasionam fenômenos vaso-oclusivos levando a hipóxia dos tecidos, o que desencadeia crises álgicas, e por vezes necrose tecidual. Essas crises, juntamente com o desenvolvimento de complicações características da doença, interferem na vida social afetiva, na atividade profissional e no lazer do indivíduo, podendo levá-lo a manifestar sentimentos de depressão e isolamento social prejudicando sua qualidade de vida. O objetivo deste artigo é proporcionar, através de uma revisão bibliográfica, maior informação sobre esta doença. Unitermos: Anemia Falciforme. Quilombola. Saúde da população negra.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 183, Agosto de 2013. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
A anemia falciforme (AF) é uma doença originária do continente africano e foi trazida para o Brasil durante o período da escravidão. É uma doença de caráter genético causada pela mutação do gene da hemoglobina beta, levando a produção de uma hemoglobina anormal, denominada S (HbS). É uma das doenças hereditárias mais presentes na população brasileira, acometendo principalmente pessoas negras e pardas, e em menor proporção, pessoas brancas. (BRASIL, 2009a).
A hemoglobina S, em situações de baixa tensão de oxigênio, assume a forma de foice, o que originou o nome da patologia, responsável pelos fenômenos de vaso-oclusão característicos da doença. Estes fenômenos provocam hipóxia nos tecidos, levando a manifestação de crises álgicas e, por vezes, necrose tecidual, o que dá origem a complicações como sepse, sequestro esplênico, acidente vascular encefálico (AVE), síndrome torácica aguda (STA), problemas renais, cardíacos e em vários outros órgãos do corpo, que muitas vezes evoluem para o óbito. (ZAGO, 2002; OLIVEIRA, 2009; FELIX; SOUZA; RIBEIRO, 2010).
Doença falciforme (DF) é uma terminologia que engloba um conjunto de doenças que possuem em comum a hemoglobina S: a anemia falciforme (caracteriza-se pela presença de dois genes para a hemoglobina S) e a HbS associada a talassemias ou a outras hemoglobinas mutantes (C, D, E entre outras). A presença de apenas um gene para HbS com um gene para hemoglobina normal A (HbA) é denominada traço falciforme (TF). (DOMINGOS, 2002; BRASIL, 2006).
O diagnóstico precoce da doença durante o período neonatal, através da realização do teste do pezinho que é assegurado pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), possibilitará a instituição de um plano de cuidado adequado e profilaxia de complicações oriundas da doença garantindo assim uma maior expectativa e qualidade de vida para esses indivíduos. (BRASIL, 2001).
Um dos maiores desafios enfrentados pelas pessoas com DF consiste na condução da sua vida social. A doença causa diversas limitações forçando o doente a depender sempre de sua família, o que gera o sentimento de impotência sobre as decisões de sua própria vida. Sua presença origina também preconceito de quem desconhece seus mecanismos de desenvolvimento, levando o indivíduo a sentir-se excluído e solitário. Somam-se a estes fatores a dificuldade em conciliar estudos e uma atividade profissional com os constantes episódios de dor e complicações, reforçando a dependência por outros e a necessidade de uma aposentadoria precoce. Além disso, a doença diminui as opções de lazer para as pessoas, restringindo-as a atividades lazerísticas caseiras.
O objetivo deste artigo é fornecer informações consistentes e detalhadas, através de uma boa revisão de literatura, acerca desta doença que aflige a população negra e quilombola no Brasil.
Revisão de literatura
A anemia falciforme é uma patologia em que a pessoa apresenta duas HbS, enquanto que, doença falciforme é um termo utilizado para designar um grupo de alterações que abrangem tanto a AF quanto as associações da HbS com as variantes de hemoglobinas HbC, HbD, HbE e as interações com as talassemias (HbS/βº talassemia, HbS/β+ talassemia, HbS/α talassemia).
A heterozigose para a hemoglobina S, ou traço falciforme, onde se produz uma hemoglobina A e uma S, não se constitui uma doença. Isso porque para este indivíduo, de uma forma geral, a contagem das hemácias, sua morfologia e tempo médio de vida são normais, sem presença de anemia ou hemólise. É, portanto, um indivíduo sadio, não anêmico, sem anormalidades físicas e manifestações clínicas. (ALBERTO; COSTA, 2002; BRASIL, 2006).
A importância do traço falciforme para a saúde pública está na possibilidade do indivíduo transmitir o gene da HbS para seus filhos, necessitando portanto de orientação genética sobre os aspectos hereditários e o risco do relacionamento com outro portador do traço. Quando apenas um dos pais possui o TF, cada filho nasce com 50% de chance de herdar o gene HbS, enquanto que, quando ambos são HbAS, o filho tem probabilidade de 50% de nascer com o TF e 25%, com a anemia falciforme.
O aconselhamento genético tem por objetivo, de acordo com Ramalho (2002 p.36) “permitir a indivíduos ou famílias a tomada de decisões conscientes e equilibradas a respeito da procriação”. Dessa forma, o profissional deve ser capacitado a desenvolver o trabalho de orientação, sensibilizando as pessoas sobre o problema, com sigilo e sem lhes tirar o direito de decisão reprodutiva.
A anemia falciforme é muito frequente na população do continente africano. Sua origem data de mais ou menos 30 mil anos atrás, quando da passagem do nomadismo para o sedentarismo humano, e o principal fator implicado no surgimento da mutação genética seria a malária falciparum (o traço falciforme confere uma certa resistência a essa doença, aumentando a possibilidade de sobrevida durante a infância). A partir daí, com as migrações populacionais frequentes naquele período, o gene teria sido disseminado por todo o continente. Esse teria sido o desenvolvimento dos haplótipos do continente africano, que seria diferente da origem daqueles surgidos no continente asiático. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006; BRASIL, 2009a).
Geneticamente, existem cinco tipos de haplótipos de interesse associados ao gene da hemoglobina S: Senegal, Benin, Banto, Camarões e Árabe-Indiano, cada um recebendo o nome da região ou grupo étnico em que é mais prevalente. Cada um desses haplótipos tem manifestações clínicas com níveis de gravidades diferentes, sendo aqueles ligados ao Senegal e Árabe-Indiano mais benignas e o ligado ao Banto a forma mais grave. (ZAGO, 2002).
O desenvolvimento da AF nas outras regiões do mundo deveu-se principalmente ao processo de escravização dos africanos, que levados forçados aos vários países da Europa e Américas (principalmente o Brasil), teriam transmitido o gene mutante para seus filhos, e posteriormente, com a miscigenação entre os povos, teria sido passado para os brancos. Nas diferentes regiões da América, os haplótipos teriam sido transmitidos segundo a origem étnica da população negra escravizada naqueles locais. Dessa forma, no Brasil, predominam os tipos Banto, seguido pelo Benin, o que confere a nossa população um quadro clínico mais grave do que aqueles presentes nos outros países, imputando assim grande importância do ponto de vista clínico e de saúde pública. (ZAGO, 2002; SILVA; GONÇALVES; RABENHORST, 2009).
No Brasil, a prevalência da AF (cerca de 4%) é maior entre a população negra e parda, porém ocorre também entre brancos, em porcentagem menor, devido à miscigenação ocorrida ao longo dos últimos séculos. De acordo com dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal nascem no país cerca de 3.500 crianças por ano com DF e 200.000 com TF. Sua distribuição ocorre de forma diferenciada entre as regiões do país, podendo ser encontrada em frequência de 2 a 6 %, aumentando para 6 a 10% nas populações com maior concentração de afro descendentes. A Bahia é o estado de maior taxa de nascidos vivos diagnosticados com doença falciforme (1:650) e com traço falciforme (1:17), seguida do Rio de Janeiro (1:1.200 e 1: 21, respectivamente) e Pernambuco, Maranhão, Minas Gerais e Goiás (1:1.400 e 1:23, respectivamente). Esses dados podem ser observados no Quadro 2 a seguir. (ARAUJO, 2007; CANÇADO; JESUS, 2007; BRASIL, 2009a; GUIMARÃES; MIRANDA; TAVARES, 2009; FELIX; SOUZA; RIBEIRO, 2010).
Considerações finais
As doenças falciformes são doenças genéticas, crônicas e que não possuem cura. Decorrem de uma mutação no gene da hemoglobina beta que produz uma hemoglobina anormal (HbS) onde, nas situações que provocam baixa tensão de oxigênio sanguíneo (desidratação, esforço físico intenso, altas e baixas temperaturas, estresse), provocam a falcização da hemácia. Essa hemácia em foice causa vaso-oclusão na microcirculação, acarretando em isquemia e necrose tecidual, o que desencadeia as crises álgicas e complicações, principais responsáveis pelas interferências na vida daqueles com doença falciforme.
Referências bibliográficas
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