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Eparrê Oiá: a cultura negra na Educação Física para além da capoeira

Erparré Oiá: la cultura negra en la Educación Física más allá de la capoeira

Eparre oia: black culture in physical education beyond the capoeira

 

*Graduado em Letras. Habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará, UFPa

Graduando em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual do Pará, UEPa

**Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual do Pará, UEPa

(Brasil)

Anderson Patrick Rodrigues*

Nayara Lobato Blois**

andersonptk.rodrigues@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho, surge de questionamentos levantados durante as discussões sobre a necessidade da produção de Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC a cerca dos impactos da Lei Nº 10.639/03 nas práticas da Educação Física. Portanto, consiste em uma pesquisa bibliográfica, estruturada em três capítulos cujos objetivos são: debater a formação étnica do povo brasileiro e as influências do povo Afro na Cultura Brasileira; refletir sobre os rumos que a educação nacional tomou nas últimas décadas e os caminhos que ainda precisa percorrer para ser considerada de fato uma educação de qualidade; propor outras formas de trabalho da Cultura Afro-brasileira e Africana nas aulas de Educação Física, além da capoeira defendida pelo Coletivo de Autores (1992) e pelos PCNs de Educação Física (1997) enquanto luta e expressão corporal.

          Unitermos: Cultura negra. Educação Física escolar. Lei 10.639/03.

 

Resumen

          Este trabajo surge de las preguntas planteadas durante el debate sobre la necesidad de producción del trabajo de Conclusión de Curso – TCC, sobre los impactos de la Ley N° 10.639/03 en la práctica de la Educación Física. Por lo tanto, consiste en una búsqueda en la literatura estructurada en tres capítulos, cuyos objetivos son discutir la formación del pueblo brasileño y de las influencias étnicas de las personas en la cultura afro brasileña; reflexionar sobre las direcciones que la educación nacional ha tenido en las últimas décadas y las formas que todavía tiene que tener para ser considerada verdaderamente una educación de calidad; proponer otras formas de la cultura afro brasileña y africana en las clases de Educación Física, además de la capoeira, defendida por el Grupo de Autores (1992) y Educación Física de los Parámetros Curriculares Nacionales (PCNs) de Educación Física (1997) en tanto lucha y expresión corporal.

          Palabras clave: Cultura negra. Educación Física. Ley 10.639/03.

 

Abtract

          This work arises from questions raised during the discussions on the need for production Work Course Conclusion – WCC, about the impacts of the Law number 10.639/03 in practice Physical Education. Therefore, consisting of a literature search, structured in three chapters whose goals are to discuss the formation of the Brazilian people and ethnic influences of the people in the Afro Brazilian Culture; reflect on the directions that national education has taken in recent decades and the ways that still needs to go to be considered truly a quality education; propose other forms of Afro African in physical education classes, capoeira Brazilian Culture and beyond defended by Group of Authors (1992) and the National Curriculum Culture - PCNs Physical Education (1997) while fighting and body expression.

          Keywords: Black culture. Physical Education. Law 10.639/03.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 183, Agosto de 2013. http://www.efdeportes.com

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1.     A formação étnica do Brasil

    O ser humano, enquanto ser histórico produz cultura desde suas origens. Logo, seus pensamentos, ações, costumes e ideologias são inseridos em um contexto social ideológico de produção e reprodução de marcas tradicionais de cultura passados de geração em geração através das interações sociais.

    Desde a invasão portuguesa ao território brasileiro, usurpada pelo termo “descobrimento do Brasil”, a população brasileira tornou-se heterogênea e diversa do indigenismo anterior a 1500. Índios, Negros, Brancos e seus devidos resultados genéticos provenientes da natureza sexual humana se espalharam pelo país levando consigo suas crenças, medos, estórias, experiências e força de trabalho. No entanto, não há influência maior na formação étnica brasileira que a da raça Negra, seja geneticamente, seja socialmente, através dos costumes, da linguagem, da musicalidade e da força herdados por cada um de nós, filhos da pátria mãe gentil.

    Quando falamos na influência do Negro na formação étnica brasileira, destaca-se o papel do estado do Pará neste processo, visto que durante o período escravocrata houve intenso fluxo de Negros trazidos para o Estado e que, portanto, tornaram-se marcas indissociáveis e ativas da cultura local. Segundo o professor Vicente Salles (2005) na segunda metade do século XVIII, o número de negros era tamanho que no ano da independência, o negro constituía o maior estoque étnico da população de Belém.

    Para Rodrigues e Ferreira (2012) a influência das tradições do povo Negro manifestava-se inegavelmente no

    vocabulário, nos cultos religiosos e nos folguedos, nos mitos e lendas, na poesia, no batuque e nas danças (denominadas bambiá, catimbá e lundum), nas comidas, nos jogos e brincadeiras, assim como também no bumba-meu-boi e na prática das rodas de samba, maculelê e capoeira.

    Ainda segundo os autores, em Belém, “o bairro do Umarizal era o centro mais intenso de atividades festivas de maior repercussão até os dias atuais.” Mas enfatizam a importância de atividade cultural negra em outros bairros periféricos como “os bairros da Pedreira, Guamá, Jurunas, Cremação, Sacramenta e Vila da Barca” de onde remanesceram, segundo Salles (2005, p.226) “os terreiros de macumba, o antigo batuque e o babaçuê modernizado, o candomblé da Bahia e a umbanda carioca, e, ainda, alguns traços de pajelança cabocla.”

    Os Negros foram trazidos ao Pará para suprir as necessidades da sociedade burguesa da Belle Époque[1], porém com eles vieram os problemas sociais os quais a sociedade de então não esperava, como o crescimento populacional desordenado que resultou na necessidade de um intenso reordenamento do espaço urbano paraense, ainda carregado por valores europeus, em especial franceses, o que justificou a perseguição a negros, mulatos e cafuzos e expulsando-os da cidade para os cantos mais distantes da cidade. (LEAL, 2005).

    Esta reordenação, no entanto, escondia o objetivo de controlar as práticas populares consideradas ameaças à hegemonia branca que a sociedade burguesa valorizava e difundia. E, assim, os negros, seus descendentes e tudo o que remetesse as tradições culturais Africanas passaram a ser perseguidos e violentados em seu patrimônio cultural através da disciplina, reorientação, e, porque não dizer, embranquecimento[2] de sua existência; o que podemos notar ainda nos dias atuais pela autonegação da raça em situações cotidianas que vão desde o simples alisamento do cabelo crespo, até a aceitação passiva do Sistema de Cotas para egresso no Ensino Superior, o qual esfrega na cara de cada Negro a verdade que para passar em um vestibular, ele precisa de facilidades na diminuição da média que garante sua entrada na Universidade. E o que seria uma “ajuda” do governo, acaba gerando a marcação social e preconceituosa do “cotista racial”.

    Culturalmente, portanto, tudo que remete a cultura negra não só no Pará, mas no Brasil como um todo, é sinônimo de insignificância cuja história, em sua essência dominante e branca, garantiu o apagamento e a exclusão. O Negro continua aprisionado social e historicamente, mas agora ao tripé escravidão-samba-capoeira. É isso que os livros, as novelas e as escolas sempre ensinavam, quando ensinavam e piora quando nos voltamos para a Educação Física que nos resume a Capoeira como única forma de trabalhar a Cultura Negra no ambiente escolar.

    A visão irônica alimentada pela ideologia “libertária” do Coletivo de Autores (1992) defende que o ensino da a capoeira “como emancipação do negro no Brasil escravocrata, pois seu conjunto de gestos expressa de forma explicita a voz do oprimido em relação ao opressor.” Como se apenas o ensino e a prática da capoeira na escola fossem suficientes para quebrar os grilhões que machucam os calcanhares do povo ainda escravo, escravidão esta à condição de esquecido, excluído e miserável, amontoado na escuridão da falta de políticas públicas voltadas para a valorização do Negro, na violência diária sofrida na pele e por causa da pele, na desvalorização das tradições culturais e religiosas negras, na negação do emprego por intolerância racial, dentre tantas outras não menos cruéis e cotidianas.

    Ao contrário do afirmado no Coletivo de Autores, defendemos aqui um ensino ampliado da História e Cultura Afro-brasileira e Africanas, onde podemos trabalhar outros conteúdos como, por exemplo, a dança, a corporeidade dos rituais religiosos, os jogos tradicionais sem nos limitarmos a um ensino recortado da cultura Negra, visto que não se pode resumir anos de tradições religiosas, musicais, lingüísticas, gestuais, guerreiras, tribais e rituais a modalidades isoladas de manifestações tradicionais da raça. No próximo capítulo nos ateremos às recomendações oficiais constantes nos manuais sobre a Educação Nacional a respeito da regulamentação do Ensino étnico nas escolas brasileiras.

2.     E com a palavra os manuais educacionais sobre o ensino da cultura afro-brasileira e africana

    Comecemos pela Constituição brasileira, Lei maior do nosso país, cujos objetivos fundamentais constantes em seu Art. 3°, inciso IV, defendem a “promoção do bem de todos, sem preconceitos de ORIGEM, RAÇA, SEXO, COR, idade e QUAISQUER OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO.” (BRASÍLIA, 1998), justificado posteriormente, e de forma romântica, em seu Art. 5° ao afirmar “que todos são IGUAIS perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (Ibdem).

    Tomemos então como norte o princípio da “igualdade”. Seremos, portanto, coerentes com a realidade se, tomados pelo valor político semântico do termo, afirmarmos de olhos fechados que vivemos em um país de igualdade formal, manifestada na equiparação de oportunidades, no reconhecimento equivalente perante a lei, em dignidade, em tradições, em estruturas psicológicas e em condições econômicas e sociais? A resposta é certeira: NÃO! Logo este princípio precisa ser revisto e reajustado à realidade do país.

    Que o Brasil é o país do “jeitinho”, isso todo mundo todo sabe, isto porque enquanto as leis que regem o país defendem um território de direitos igualitários para todos, a realidade afirma um paraíso de privilégios, e para poucos, em detrimento do interesse coletivo. Esse quadro inconstante de cores distorcidas é enquadrado em uma moldura rebuscada por preconceitos de todos os tipos e garantidos pelas mãos que dominam, exploram e excluem aqueles que não integram a minoria detentora do poder de controle sobre meios de exploração étnico, cultural e educacional brasileiros, que vêem no ambiente escolar, o palco perfeito para a manutenção desse circo onde nós, povo, somos os palhaços.

    Voltemo-nos, então, para a Educação Nacional, seus preceitos e recomendações instituídos por leis educacionais em busca de garantias de qualidade do Ensino-aprendizado e de uma formação humanitária para todos. Comecemos pela Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e volta-se para a ampliação do currículo escolar que em seu Art. 3º institui os princípios norteadores das práticas educativas do ensino brasileiro onde destacamos os incisos:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

    A LDB de 96 defende um Ensino com base Constitucional e pautado no princípio da igualdade, porém, em seu sentido amplo. Defende também o ensino cultural e a valorização das práticas sociais, mas deixa implícita a influencia do capitalismo na escolha do recorte educacional que norteará o currículo base das escolas brasileiras e seus diversos complementos eleitos em acordo com as características sociais, econômicas e naturais de cada região abraçada pelo Sistema Nacional de Educação.

Art. 26º. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (Brasília, 1996).

    Aqui atentamos para a legalização da fragmentação do Ensino que mais tarde será sentida na pele por cada aluno, por exemplo, na hora de tentar responder as questões do Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM, versadas sobre assuntos constantes em alguns currículos regionais e ausentes em outros. Percebam que em nenhum momento falou-se até agora da necessidade da valorização cultural do povo Afro-brasileiro e Africano, isto porque trata-se de um tema global que até então destoa do ensino fragmentado defendido pela referida Lei.

    E a Educação Física nesse contexto? Segundo a LDB, trata-se de um componente curricular da Educação Básica e deve permanecer atrelada à proposta pedagógica da escola, logo pode-se afirmar que também estará limitada ao ensino fragmentado valorizador de conteúdos pré-definidos pelo sistema que detém o poder sobre os meios de produção e do capital, em detrimento do conhecimento real das tradições culturais dos povos tradicionais que compõe a raiz étnica brasileira.

    Um ano depois da LDB, surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs, com o intuito de “contribuir, de forma relevante, para que profundas e imprescindíveis transformações, há muito desejadas, se façam no panorama educacional brasileiro, e posicionar você, professor, como o principal agente nessa grande empreitada” (BRASÍLIA, 1997).

    Trata-se de uma proposta flexível, de natureza aberta que se concretiza na aplicação dos currículos utilizados como meio de transformação educacional defendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Os PCNs herdam da LDB a defesa de uma base curricular nacional que adequada à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País, porém garante a autonomia de professores e equipes pedagógicas na escolha do método dos temas utilizados nas práticas de Ensino Aprendizagem de nossas escolas, desde que garantam o respeito às diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que marcam a sociedade a qual estamos inseridos enquanto sujeitos históricos e transformadores de nossa própria realidade.

    É explicito, no texto dos Parâmetros, que a resolução dos problemas que afetam a qualidade de Ensino e aprendizagem no país não é uma pretensão dos próprios PCNs. Qual seria então a razão de ser Deste Manual? Funcionar como referencial para o Ensino nacional independentemente das condições socioeconômicas e regionais em que se realiza e das condições desfavoráveis ao direito de usufruir do conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania de cada aluno, sempre pautados no currículo.

    Em linha de síntese, pode-se afirmar que o currículo, tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio, deve obrigatoriamente propiciar oportunidades para o estudo da língua portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural e da realidade social e política, enfatizando-se o conhecimento do Brasil. Também são áreas curriculares obrigatórias o ensino da Arte e da Educação Física, necessariamente integradas à proposta pedagógica (Brasília, 1997).

    No que tange ao Ensino de Educação Física, os PCNs, propõem a valorização da inclusão do aluno na Cultura corporal do movimento, convidando-o a refletir sobre suas possibilidades corporais e, com autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada. A realidade, porém reafirma o Ensino técnico que valoriza a prática desportiva como principal método de trabalhar a corporeidade dos alunos, sem, no entanto, levantar questionamentos sobre a historicidade, questões políticas e culturais subjacentes à referida prática. Esse pensamento é o mesmo que elegeu a capoeira como conteúdo único para se trabalhar temas de inclusão, movimentos sociais e diversidade racial. Ainda que através, apenas, da parte corporal, ou seja, a ginga e os golpes de defesa e ataque sejam valorizados durante o processo, camuflados de marca de libertação e superação do povo Afro-brasileiro e Africano.

    Há exatos 10 anos, no dia 9 de janeiro de 2003, entra em rigor uma das primeiras leis sancionadas pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a qual surge na ânsia de mudar a mentalidade e ir de contra o racismo dos futuros cidadãos brasileiros. A lei 10. 639/03, voltada para o âmbito escolar e

    estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio; o Parecer do CNE/CP 03/2004 que aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas; e a Resolução CNE/CP 01/2004, que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados ante a implementação da lei compõem um conjunto de dispositivos legais considerados como indutores de uma política educacional voltada para a afirmação da diversidade cultural e da concretização de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas, desencadeada a partir dos anos 2000. É nesse mesmo contexto que foi aprovado, em 2009, o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2009).

    Tal lei foi vigorada a partir de várias mobilizações de Movimentos Sociais, UNESCO[3], CONSED[4], UNDIME[5] e organizações da sociedade, no intuito de tentar diminuir dos índices de discriminação contra a população negra. E por que não, começar pela escola? Algo muito perspicaz, pois é na escola que nossas crianças passam a maior parte de seu desenvolvimento intelectual, e onde aprendem a viver valores para que em sua fase adulta possam vivenciar novas experiências em sociedade.

    A necessidade de se criar uma lei, a qual estabelece o estudo da cultura negra na formação surge a partir da necessidade ao combate das diversas formas de discriminação racial sofridas pela população negra no país. Voltemos, então, ao texto do Art. 5º a Constituição Federal para lembrar o já afirmado, categoricamente, que todos somos iguais perante a lei, sem a distinção de qualquer natureza, onde nos está garantido o direito à vida à segurança, à liberdade e à igualdade. Por tanto, negros, brancos, índios, pardos e qualquer outra raça possui os mesmos deveres e direitos em meio a uma sociedade, a qual ainda persiste na distinção por cor da pele.

    Em uma entrevista cedida à revista Carta Capital, Kebengele Munanga fala sobre a importância da criação de leis que favorecem a cultura negra, porém ao mesmo tempo relata as falhas esquecidas na formação de professores. Segundo Munanga, para a inserção de uma educação multicultural é preciso deixar de formar educadores em um contexto eurocêntrico. Para o mesmo, “a história do negro no Brasil não terminou com a abolição dos escravos. Não é apenas de sofrimento, mas de contribuição para a sociedade” (MUNANGA, 2013).

    Historicamente o desenvolvimento do Brasil caracteriza-se por um sistema binário de relações entre superior e inferior, explorador e explorado, dominador e dominado. Constitucionalmente falando, igualdade nunca existiu de fato, ao contrário, o que há é um abismo entre a teoria legislativa e a realidade de um país de privilégios para uma minoria. Privilégios, estes que, por sua vez, reforçam discriminações e preconceitos de todo tipo: socioeconômico, étnico e cultural. Em outras palavras, o Brasil não libertou seus negros da escravidão, da dominação, da exploração e da exclusão social. Prova disto é a necessidade de uma lei que garanta a valorização da cultura de um povo que sempre constituiu a força que ergueu o país. Não discordamos da lei em si, mas dos fatos sistemáticos que levaram à sua criação. Ao menos agora, ainda que “obrigados”, o povo brasileiro aprenderá a valorizar a cultura Afro-brasileira e Africana e aprenderá que, assim, estará valorizando a própria Cultura.

    O grande desafio para os Educadores físicos está, portanto, em como materializar o Ensino da Cultura Afro-brasileira e Africana além do ensino da capoeira. Não negamos a capoeira, mas a forma como é ensinada na escola priorizando unicamente a valorização de seus componentes desportivos e lúdicos e deixando de lado os componentes sociais e culturais que a fortalecem por tantos anos.

    O aluno precisa entender que em determinado momento histórico a capoeira foi a maior expressão de resistência e libertação da Cultura Afro, mas não a única. Não podemos simplesmente apagar a existência das danças e da musicalidade africanas que até hoje influenciam as produções artísticas e o folclore brasileiros; a religiosidade e os brinquedos cantados como “escravos de Jó” e “pirulito que bate-bate”, pular corda, pular elástico, jogos de pegar como “capitão do mato”, hoje conhecida por “policia e ladrão”, jogos manuais como o balaio de gato (este consiste no entrelaçar de barbante entre os dedos formando “teias” cujo objetivo é prender a mão de quem ali a enfiar) por exemplo, que até hoje compõe a infância e o imaginário de todos nós.

    Há, portanto, uma vasta opção de temáticas que extrapolam o ensino da capoeira e estão voltadas para o trabalho da valorização real da história e cultura Afro que perpassa caminhos que vão além da Educação Física desportiva, ampliando, assim, o currículo da disciplina, tornando as aulas mais interessantes e realmente formativas, o que ajuda a formação crítica de alunos conscientes de seus papéis políticos e sociais frente ao discurso histórico que a escola sempre nos impôs e que nem sempre condiz com a realidade.

3.     Considerações finais

    E não podemos falar em Educação, sem atentar para insistência do Governo brasileiro em apresentar a imagem de um país em pleno desenvolvimento, detentor de uma educação de qualidade devida em grande parte aos supostos e significativos ‘investimentos’ bilionários realizados pelo poder público na luta pelo desenvolvimento positivo dos nossos índices educacionais que tem o Instituo Nacional de Educação - Inep como avaliador e estipulador das metas a serem alcançadas pelo sistema educacional em determinado período.

    O governo brasileiro, por meio do Inep, também definiu metas para os sistemas educacionais e as escolas aperfeiçoarem a qualidade da educação oferecida, criando um índice de qualidade, chamado Ideb, para cada um dos três segmentos da educação básica. Esses índices são baseados nas médias de proficiências na escala do Saeb para as 4ª e 8a séries do EF e 3av série do EM e nas taxas médias de aprovação em cada segmento. A construção do índice pode ser obtida em www.inep.gov.br (KLEYNE & FONTANIVE, 2009. P. 26-7).

    No entanto, não podemos ser tolos ao ponto de não vermos o óbvio: a verdade, companheiros, é dura e beira a crueldade, mas a educação nacional está falida e tenta camuflar sua condição através da maquilagem de índices que extrapolam a fantasia, manchados pelos salários defasados para professores e profissionais da Educação, pelas Escolas caindo aos pedaços, pelos alunos passados de série sem ao menos saberem ler palavras e o mundo a sua volta, pelas Escolas formando alienados escravos de suas ignorâncias e necessários para a manutenção de sua própria condição (a)política. Será que precisamos lembrar o governo que não só a fome precisa e deve ser zerada, mas a Ignorância também?

    Espera-se com este artigo, provocar a reflexão daquele que o lê acerca dos rumos que a educação nacional tomou nas últimas décadas e os caminhos que ainda precisa percorrer para ser considerada de fato uma educação de qualidade. Espera-se também levantar outras propostas do trabalho da Cultura Afro-brasileira e Africana nas aulas de Educação Física, além da capoeira defendida pelo Coletivo de Autores (1992) e pelos PCNs de Educação Física (1997) enquanto luta e expressão corporal.

    É desejo dos autores fazer com que mais educadores físicos se interessem pelo assunto e que produzam e publiquem outros trabalhos referentes ao tema “valorização da cultura Afro-brasileira e Africana nas aulas de Educação Física” que não se esgota por aqui, mas, ao contrário, se expande por caminhos que talvez fujam aos olhos atentos e curiosos que guiaram esta pesquisa.

Notas

  1. Belle Époque (expressão marcada do apogeu parisiense no fin du siècle) correspondente ao período final do ciclo da borracha, que teria elevado a cultura local a uma altura jamais alcançada depois dela. http://fauufpa.wordpress.com/2011/12/14/uma-belle-epoque-agora-do-para/

  2. Tornar branco, refere-se às influências que a cultura européia impôs à formação do povo brasileiro.

  3. União das Nações Unidas para a educação, à ciência e a cultura.

  4. Conselho Nacional de Secretários de Educação.

  5. União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.

Bibliografia

  • BRASIL. Plano Nacional de Implementação da Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Brasília (DF), 2004.

  • ________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF), 1998.

  • COLETIVO DE AUTORES, Metodologia do Ensino de Educação Física. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2012.

  • ________. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação – LDB. 5.ed. Brasília (DF):Centro de Documentação e Informação Edições Câmara: 1996.

  • ________. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação física /Secretaria de Educação Fundamental. Brasília :MEC/SEF, 1997.96p.

  • ________. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física /Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC /SEF, 1998.114 p.

  • KLEIN, Ruben; FONTANIVE, Nilma. Indicadores Educacionais de Qualidade no Brasil de Hoje. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 23, n. 1, p. 19-28, jan./jun. 2009.

  • MUNANGA, Kabengele. A Educação Colabora para a Perpetuação do Racismo. Revista Carta Capital. 3 de janeiro de 2013. Disponível em: http://www.cedenpa.org.br/Kabengele-Munanga-A-educacao. Acesso em 23 de março de 2013.

  • RODRIGUES, Anderson P; FERREIRA, Aline S. A Capoeira no Pará: tradição, fé e resistência no tripé de uma formação cidadã. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/efd173/a-capoeira-tradicao-fe-e-resistencia.htm

  • SALLES, Vicente. O Negro no Pará sob o Regime da Escravidão. 3. ed. Belém: IAP; programas Raízes, 2005.

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