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Comportamento, saúde e trabalho de trabalhadores de 

uma rede de farmácias de manipulação: um estudo descritivo

El comportamiento, la salud y la tarea de los trabajadores de una red de farmacias magistrales: un estudio descriptivo

 

Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física, GEEAF

Universidade Federal de Pelotas

(Brasil)

Rodrigo Kohn Cardoso

Tiago Wally Hartwig

rodrigokohn21@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Os trabalhadores de farmácia de manipulação estão constantemente expostos a posições ergonomicamente inadequadas e repetitividade durante o trabalho. O objetivo desta pesquisa foi descrever as condições de saúde e trabalho de trabalhadores de uma rede de farmácias de manipulação da cidade de Pelotas/RS, bem como verificar suas características comportamentais. A população foi composta por todos os funcionários da empresa (n=69). A coleta de dados foi realizada mediante a aplicação de um questionário contendo questões relativas a variáveis sociodemográficas, nutricionais, nível de atividade física nos domínios do lazer e deslocamento, condições de saúde osteomuscular e características do trabalho. Foram entrevistados 64 trabalhadores (92,8%) ao total. Houve o predomínio do sexo feminino (95,3%) e a média de idade foi de 32,5 anos (DP 9,4). A grande maioria foi classificada como possuindo peso normal (62,3%), 81,2% relatou nunca ter fumado e 55,6% não ingere bebidas alcoólicas. Ainda, mais da metade da população foram considerados ativos, 98,4% informou ter sido acometido de dor em alguma região do corpo no último ano, sendo as regiões do pescoço e pulsos/mãos as mais relatadas. Além disso, 93,2% relataram participar de aulas de ginástica laboral oferecida pela empresa. Os trabalhadores de farmácia de manipulação apresentaram alta prevalência de distúrbios osteomusculares, satisfatórios hábitos comportamentais, além de uma elevada participação no programa de ginástica laboral, sendo essa uma possível atividade que contribua para a melhora da saúde e qualidade de vida desta população.

          Unitermos: Trabalhadores. Saúde ocupacional. Ginástica laboral. Distúrbios osteomusculares. Epidemiologia. Qualidade de vida.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 182 - Julio de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho são um problema global. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, ocorrem anualmente no mundo cerca de 270 milhões de acidentes de trabalho, além de aproximadamente 160 milhões de casos de doenças ocupacionais (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2002). Essas ocorrências chegam a comprometer 4% do PIB mundial. No Brasil, 48,2 % dos benefícios previdenciários concedidos em 2006 foram por consequência de distúrbios ostemusculares (SOUZA et al., 2011).

    Dentre as doenças que acometem trabalhadores, está os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). A etiopatogênese dos DORT é multifatorial envolvendo aspectos biomecânicos presentes na atividade, fatores psicossociais, características individuais e fatores ocupacionais (MARRAS, 2004; KUMAR, 2004). Os DORT são influenciados pela intensificação da jornada de trabalho, repetitividade de movimentos, posturas inadequadas, esforço físico excessivo, pressão mecânica sobre segmentos do corpo, trabalho muscular estático prolongado, impacto e vibrações (POURMAHABADIAN et al., 2006; PURIENE et al., 2008; ASSUNÇÃO et al., 2009).

    As atividades envolvidas na execução da tarefa laboral de manipulação de medicamentos, como posturas inadequadas e repetitividade, bem como as condições de trabalho que envolve ritmo acelerado em ambientes barulhentos e estressantes, entre outros fatores, elevam a profissão a patamares de alto risco de desenvolvimento de DORT, embora a atividade tenha mudado muito nas últimas décadas, com muitas evoluções tecnológicas (BORDIN, 2004).

    Assim, o presente estudo tem o objetivo descrever as condições de saúde e trabalho de trabalhadores de uma rede de farmácias de manipulação da cidade de Pelotas/RS, bem como verificar suas características comportamentais.

Metodologia

    O estudo caracterizou-se por ser do tipo observacional de corte transversal. A amostra foi composta por 69 trabalhadores de uma rede de farmácias de manipulação de Pelotas, uma cidade de porte médio do Rio Grande do Sul, extremo sul do Brasil, que aceitaram participar do estudo.

    As informações foram coletadas por meio de um questionário pré-codificado, contendo questões fechadas, sendo a coleta realizada durante o mês de janeiro de 2013. O questionário utilizado na coleta de dados continha questões avaliando características demográficas (idade em anos completos, cor da pele observada pelo entrevistador classificada em branca e não branca, escolaridade e situação conjugal).

    As variáveis comportamentais foram coletadas e analisadas da seguinte forma: tabagismo, classificando o indivíduo em (fumante, ex-fumante, não fumante), ingestão de bebidas alcoólicas classificando em sim e não, e nível de atividade física nos domínios do lazer e deslocamento através da utilização da versão longa do IPAQ (CRAIG et al., 2003). Foram considerados suficientemente ativos aqueles que realizaram 150 min/sem ou mais de atividade física, como recomendado pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010). A variável nutricional índice de massa corporal (IMC) foi analisada através da fórmula Kg/altura2 (cm), sendo o peso e a altura medidas autorreferidas, e a classificação deu-se da seguinte maneira: baixo peso (IMC = ou < 18,5 Kg/m2), peso normal (IMC entre 18,5 e 24,5 Kg/m2), sobrepeso (IMC entre 24,5 e 29,9 Kg/m2) e obesidade (IMC acima de 30,0 Kg/m2). Ainda, foram avaliadas as características do trabalho como posição de trabalho predominante de forma autorrelatada (sentado ou em pé) e repetitividade da tarefa (EXPLICAR UM POUCO MELHOR AQUI COMO FIZESSE); além disso, foi avaliada a participação nas aulas de ginástica laboral proposta pela empresa assim como as barreiras à prática dessa ginástica.

    A prevalência de DORT foi avaliada através do Questionário Nórdico de Sintomas Oteomusculares (QNSO), instrumento de medida da ocorrência de sintomas nas diversas regiões anatômicas nas quais são mais comuns (PINHEIRO et al., 2002). Foi questionada a prevalência de dor no último ano e a sua influência sobre a atividade laboral, e ainda a prevalência de dor nos últimos sete dias.

    Todos os questionários, depois de revisados e codificados, foram duplamente digitados no programa Epidata 3.1 e posteriormente transferidos para programa STATA 10.0, onde foram realizadas as análises estatísticas. Foi realizada a análise univariada de todas as informações coletadas, com cálculo das medidas de tendência central e dispersão para descrever as variáveis contínuas e de proporções para descrever as variáveis categóricas. Utilizou-se ainda o teste Qui-quadrado, Teste exato de Fisher’s, Teste de tendência linear e Qui-quadrado de Pearson para analisar associação entre o desfecho e alguns preditores.

    Os princípios éticos foram assegurados aos entrevistados, através da realização da coleta de dados após consentimento informado e garantia de sigilo sobre os dados individuais coletados.

    Foram consideradas recusas, aqueles funcionários que se negaram a responder o questionário.

Resultados

    Um total de 64 trabalhadores foi entrevistado (92,8%). A maioria da amostra estudada foi do sexo feminino (95,3%) e, 71,4% dos indivíduos eram de cor da pele branca. A idade média dos trabalhadores foi de 32,5 anos (DP 9,4) e a escolaridade média foi de 12,1 anos de estudo (DP 2,4). A tabela 1 apresenta a descrição sociodemográfica, nutricional e comportamental da população.

Tabela 1. Prevalência de variáveis sociodemográficas, nutricional e comportamentais 

dos trabalhadores de uma rede de farmácias de manipulação de Pelotas/RS, 2013 (n=64)

    A tabela 2 descreve algumas características de trabalho dos participantes. Os cargos de trabalho mais prevalentes foram dos setores de atendimento (42,2%) e auxiliar de laboratório de manipulação (40,7%). A maior parte dos trabalhadores relatou trabalhar em pé durante seu expediente (54,7%) e quase a totalidade dos participantes (93,8%) realiza movimentos repetitivos.

Tabela 2. Características de trabalho dos funcionários de uma rede de farmácias manipulação de Pelotas/RS, 2013 (n=64)

    Quanto às morbidades que mais acometem esses trabalhadores estão os problemas musculoesqueléticos, conhecido como DORT. Quase a totalidade dos estudados (98,4%) informou ter sido acometido de dor em alguma região do corpo no período compreendido entre os últimos 12 meses, e 85,9% relatou a presença das dores nos últimos sete dias. As regiões do corpo mais acometidas pela sintomatologia dolorosa no último ano foram a região do pescoço (62,5%) e pulsos/mãos (61,1%) A tabela 3 descreve as regiões do corpo mais afetadas pelos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho.

Tabela 3. Regiões do corpo mais afetadas por DORT no último ano e na última semana 

em trabalhadores de uma rede de farmácias de manipulação de Pelotas/RS, 2013 (n=64)

    Com relação à oferta de aulas de ginástica laboral, o programa está à disposição nas unidades, turnos e horários de 79,4% dos trabalhadores. Dentre os expostos ao programa, 93,2% relatou participar das aulas de ginástica laboral, sendo que a maior parte dos entrevistados participa esporadicamente (39,1%), mesmo que seja oferecida três vezes por semana (Figura 1). Entre as razões citadas para a falta de assiduidade nas aulas, a falta de tempo foi a mais relatada pelos participantes (5,6%) como pode ser visto na Figura 2.

Figura 1. Participação nas aulas de ginástica laboral por cargo de trabalho dos funcionários de uma rede de farmácias de manipulação de Pelotas/RS, 2013 (n=64)

 

Figura 2. Barreiras à participação nas aulas de ginástica laboral dos funcionários de uma rede de farmácias de manipulação de Pelotas/RS, 2013 (n=64).

    Os trabalhadores apresentaram baixos níveis de atividade física durante o período de lazer e em atividades de deslocamento. Apenas 14% dos participantes praticam 150 min/sem ou mais de atividades físicas durante seu tempo livre, e 34,4% durante o deslocamento. Somando os domínios de lazer e deslocamento, 51,6% dos trabalhadores cumprem as recomendações da Organização Mundial de Saúde de atividade física semanal. A tabela 4 apresenta a descrição detalhada de atividade física nos domínios de lazer e deslocamento dos trabalhadores.

Tabela 4. Prevalência de inatividade física, atividade física insuficiente e atividade física no lazer, deslocamento 

e soma dos domínios dos funcionários de uma rede de farmácias de manipulação de Pelotas/RS, 2013 (n=64)

Discussão

    O presente estudo avaliou a prevalência de DORT, nível de atividade física, aderência ao programa de ginástica laboral oferecido pela empresa e as barreiras à prática da ginástica laboral entre trabalhadores de uma rede de farmácias de manipulação da cidade de Pelotas, cidade de porte médio, localizada no sul do Brasil. Diversos estudos abordaram lesões musculoesqueléticas que acometem trabalhadores das mais variadas ocupações, como enfermeiras, bancários, trabalhadores que usam computador, entre outros (SILVEIRA et al., 2010; LONG et al., 2012; WAERSTED et al., 2010), entretanto não foram encontrados estudos descrevendo este grupo de trabalhadores no Brasil.

    A prevalência de sintomas osteomusculares em uma ou mais regiões do corpo apresentada pelos trabalhadores estudados durante os últimos 12 meses, foi de 96,7%, a qual é superior há dados previamente relatados em outras profissões, como bancários, enfermeiras, indivíduos que trabalham com computador (SILVEIRA et al., 2010; LONG et al., 2012; WAERSTED et al., 2010). A elevada prevalência apresentada por este grupo de trabalhadores pode estar relacionada principalmente à repetitividade, relatada por 94,4% dos entrevistados. Além disso, postos de trabalho ergonomicamente inadequados também contribuem para o quadro.

    A região do pescoço foi o local mais prevalente de sintomatologia músculo esquelética entre os trabalhadores (62,7%), seguido de pulsos e mãos (61,1%) e região da coluna lombar (57,4%), durante os últimos 12 meses. A causa para as altas prevalências provavelmente esteja associada às posturas mantidas durante o trabalho, como flexão do pescoço e manipulação constante de materiais pelos auxiliares de laboratório e o uso do computador pelos atendentes e administradores. Além disso, quase todos os participantes caracterizaram suas atividades laborais como repetitiva, o que, segundo a literatura, está relacionado diretamente com DORT, principalmente devido à deterioração gradual dos tecidos (BERNARD, 1997).

    As variáveis cor da pele, idade, escolaridade, fumo, ingestão de bebidas alcoólicas, IMC, situação conjugal, nível de atividade física, cargo de trabalho não apresentaram associação com os DORT a partir da análise bivariada. Assim, nenhum preditor foi significativamente associado ao desfecho.

    O programa de ginástica laboral esteve disponível nas unidades, turnos e horários de quase oitenta por cento dos trabalhadores. Dentre os expostos ao programa, 93,2% relatou participar das aulas de ginástica laboral, mesmo que esporadicamente. Os resultados encontrados são similares a um estudo prévio realizado com bancários (VITÓRIA et al., 2010). A alta participação entre os expostos pode estar relacionada a maior facilidade de realização das atividades, uma vez que o professor deslocando-se aos setores, indo de encontro aos trabalhadores. Outro fator que pode contribuir para a participação é a alta prevalência de DORT apresentada pelo grupo de trabalhadores, o que pode contribuir para que estes procurem a ginástica laboral como tentativa de auxilio ao tratamento ou redução das dores.

    Dentre as barreiras apresentadas pelos trabalhadores à participação nas aulas de ginástica laboral, a falta de tempo foi a mais citada (70%). Estes números corroboram com os achados de um estudo prévio (BARROS et al., 1999), o qual encontrou a justificativa da falta de tempo como principal barreira à prática de atividades físicas por trabalhadores. A elevada demanda no ambiente de trabalho, presente no atual mercado, pode ser uma eventual explicação para essa realidade.

    A prevalência de atividade física insuficiente no lazer encontrada (85,9%) é superior à apresentada por outros grupos de trabalhadores, como trabalhadores da indústria do sul do Brasil (54,6%) (SILVA et al., 2011) e profissionais da saúde das regiões Sul e Nordeste do Brasil (72,5%) (SIQUEIRA et al., 2009). A causa para essa diferença pode ser explicada pelas características demográficas. A maioria da amostra (95,3%) estudada foi do sexo feminino, enquanto que nos estudos de Silva et al. (2011) e Siqueira et al. (2009), as prevalências foram de 43,8% e 79,3%, respectivamente. De acordo com estudos de base populacional a prevalência de inatividade física no lazer é maior entre as mulheres (AZEVEDO et al., 2012), fato justificado principalmente em função de obrigações familiares (SILVA et al., 2011).

    Os participantes apresentaram níveis maiores de atividade física durante o deslocamento, no entanto 65,6% são insuficientemente ativos neste domínio. Os achados seguem resultados de estudos prévios realizados com trabalhadores (SILVA et al., 2012; ABU-OMAR et al., 2008). A elevada carga de trabalho, bem como as obrigações extraocupacionais são as principais hipóteses causais do comportamento insuficientemente ativo em atividades de deslocamento.

    Algumas limitações do estudo necessitam ser descritas, tal como o viés do trabalhador sadio. Além disso, a dificuldade do recordatório de 12 meses na avaliação da prevalência de DORT também pode ter influenciado os resultados.

    O presente estudo concluiu que a prevalência de DORT entre os trabalhadores de farmácia de manipulação é alta, sendo a região do pescoço a mais acometida. Ficou clara ainda a alta participação no programa de ginástica laboral dentre os trabalhadores expostos ao programa e que a falta de tempo é a principal razão para faltas às sessões. Assim, sugere-se a implantação de novas estratégias de prevenção, como a readequação ergonômica dos postos de trabalho, a inclusão de pausas durante a jornada de trabalho, a introdução de palestras educativas de posturas e movimentos ergonomicamente menos agressivos ao corpo, entre outros.

    Recomenda-se a realização de novos trabalhos com uma metodologia mais rígida, diferentes instituições, maiores amostras, outros delineamentos e com mais informações sobre as sessões de ginástica laboral, o que possibilitará o entendimento mais aprofundado sobre o processo de trabalho, a fim de proporcionar maiores benefícios à saúde e qualidade de vida destes trabalhadores.

Referências bibliográficas

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