Raízes do Brasil: um passado presente na cor da pele Raíces de Brasil: un pasado presente en el color de la piel |
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*Acadêmica do Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros, UNIMONTES. Bolsista de iniciação cientifica pela FAPEMIG, no projeto Beira Vida, Beira Rio coordenado pela professora Andréa Maria Narciso Rocha de Paula e integrante do grupo de estudos e pesquisas sobre comunidades tradicionais do rio São Francisco – OPARÁ **Acadêmica do Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros – UNMONTES |
Ana Flávia Rocha de Araújo* aninha_rochaaraujo@hotmail.com Sabrina Rodrigues Souza** (Brasil) |
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Resumo O presente artigo tem por finalidade apresentar as dinâmicas sociais que perpassam a inserção do negro na sociedade brasileira, considerando o processo histórico do país e o modo de vida brasileiro dentro de sua gama de culturas. A partir desse enfoque, têm-se uma visão de toda a trajetória social do negro no Brasil. Unitermos: Negros. “Raça”. Segregação racial e cultura.
Abstract This article aims to present the social dynamics that underlie the inclusion of blacks in Brazilian society, considering the historical process of the country and the Brazilian way of life within its range of cultures. From that perspective, have a vision of the whole social history of blacks in Brazil. Keywords: Blacks. “Race”. Racial segregation and culture.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 181 - Junio de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A história do povo brasileiro, assim como a raça brasileira é um “moinho” de grandes lutas e revoluções, de sofrimentos e esperanças. O Brasil por ser um país aonde a miscigenação é aflorada, carrega consigo o peso da herança cultural deixada por uma população que sentiu na pele o castigo do racismo e preconceito que ainda assolam este país de cultura mil.
Desde o descobrimento do Brasil até os dias atuais como dito anteriormente, o país foi cenário de grandes explorações, lutas e conquistas. Com a chegada dos negros no território brasileiro, viu-se a possibilidade de um desenvolvimento pautado na força braçal e corporal advindas desta etnia, considerada forte e resistente.
Em uma visão etnográfica da sociedade brasileira em épocas remotas, o antropólogo Darcy Ribeiro (1995), se destacou ao escrever sobre a sociedade brasileira, ressaltando as influências que recebemos das matrizes pelas quais o Brasil é formado, e sobre os estragos causados pelos europeus, como a peste, a disputa por território e a escravização dos índios. Dessa forma, o referido autor afirma que nesse momento surgia uma nova etnia, segundo ele, “era o brasileiro que surgia construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas.” (RIBEIRO, 1995: 30).
A escravidão teve fim oficial no dia 13 de maio de 1888 quando foi assinada a lei da abolição da escravatura. Mas isso não significou o fim do trabalho escravo e os maus tratos aos negros.
(1)“Após a escravidão o liberto geralmente não encontrava opções nas cidades, então, uma opção mais segura de convívio com a ‘nova’ sociedade colocava-se no afastamento da antiga fazenda”.
A partir disso, os negros começaram a migrar para as cidades e a falta de qualificação e de instrução fez com que caminhassem para a marginalidade.
Várias cidades do Brasil foram povoadas por ex-escravos, Theodoro (2008) ressalta que:
pode-se observar, já no final do século XIX, o início de um processo de aglomeração da pobreza e da exclusão nas cidades, resultante da chegada em profusão de contingentes de ex-escravos. Em resumo, nessa época, já proliferavam, nas maiores cidades, as favelas, verdadeiros guetos onde se encontravam os pobres. No que concerne aos primeiros anos de trabalho livre, pode-se constatar que, em 1900, a população total do Brasil era de 16,5 milhões de habitantes, dos quais 1,1 milhão eram imigrantes, os quais se concentravam nos setores de atividade mais dinâmicos da economia. (THEODORO, 2008: 28).
Neste sentido, é possível percebermos como os ex-escravos tiveram participação no processo de crescimento populacional e das cidades que surgiam naquele contexto, como é o caso de São Paulo aonde o autor destaca, que a mesma não sendo uma cidade planejada recebia um grande número de ex-escravos que se instalavam nas periferias. Segundo Theodoro (2008), a falta de políticas públicas para os ex-escravos os direcionavam para a classe subalterna, aptos à marginalidade urbana uma vez que sem qualificação e sem instruções profissionais, essas pessoas não eram absorvidas pelo mercado de trabalho.
Neste contexto, Theodoro (2008) afirma que na primeira metade do século XIX, período que antecedeu a abolição, os negros ocupavam funções de baixo status social no mercado de trabalho. E enumera-as sendo:
Artesãos, cozinheiras, carregadores, vendedores, prostitutas e até mesmo pedintes (...).havia também , os negros que atuavam mais diretamente no serviço doméstico. Estes, em geral, não participavam das atividades de ganho nas ruas. Eram responsáveis pela manutenção da casa: cozinheiras, aias, damas-de-leite, lavadeiras, cocheiros, entre outros. (THEODORO, 2008: 18).
Por esses fatores foi construída no imaginário da sociedade, a figura do negro associada a valores negativos o que levou essas pessoas a serem estigmatizadas. De acordo com Ferreira (2010) foi nesse contexto que o negro adquiriu um estereótipo, pautado nas ideologias européias.
A sociedade brasileira que construída também a partir de relações de exploração trabalhistas, com uma superioridade de cor, criou-se sob o alicerce racista, o que gerou o preconceito e a desigualdade presentes nas relações sociais até os dias de hoje. A posição que os brancos assumiam desde a época escravista, os levava a entender a “lógica” da superioridade e aversão aos negros.
Contudo, quando paramos para refletir sobre raça e cor, numa perspectiva analítica de pontos negativos e positivos, devem-se levar em consideração as suas peculiaridades em cada espaço-tempo que compõe suas distinções. Neste caso, enfatiza-se a distinção dos casos brasileiros, quando comparados ao modelo definido nos EUA. “Nas interações sociais, os norte-americanos e brasileiros continuam a usar a cor da pele como forma de avaliar o comportamento e o valor das pessoas” (TELLES, 2003). Semelhança entre os dois países que não vão muito além, por uma classificação muito simples realizada nos EUA.
Em primeiro lugar, porque a grande maioria das pessoas com ascendência africana nos Estados Unidos é classificada como negra. No Brasil, muitas pessoas que são classificadas ou se identificam como brancas possuem ascendência africana. Isso sem mencionar aqueles classificados como pardos, morenos, mestiços, mulatos, pretos ou negros. Portanto, a raça no Brasil se baseia principalmente na cor da pele de uma pessoa e sua aparência física e não na descendência africana. Esta diferença entre os dois países e muitas outras derivam de duas ideologias e de sistemas modernos de relações raciais distintos. (TELLES, 2003, p. 15 e 16).
Enquanto nos EUA a raça é comprovada “por apenas uma gota de sangue”, no Brasil a cor da pele e a identificação realizada pelo próprio brasileiro atuam como gerenciadores na definição da raça. Em relação aos dois países, as diferenças mais importantes no que diz respeito ao sistema racial, são definidas através de dois conceitos opostos: “segregação nos Estados Unidos e mistura racial (miscigenação ou mestiçagem) no Brasil” (TELLES, 2003).
A mistura racial representa um conjunto de crenças sobre raça que os brasileiros defendem, incluindo a ideia de que vêm há tempos se misturando racialmente mais do que qualquer outra sociedade. A miscigenação, embora inicialmente tenha provocado inquietação e medo entre a elite, há muito tempo tem servido como metáfora definidora da nação brasileira. (TELLES, 2003, p. 16).
O Brasil embora seja um país inteiramente miscigenado, sua mistura racial não reflete necessariamente a realidade dos comportamentos dos brasileiros. Há muito tempo, os negros são vistos como inferiores e incapazes de se autopromoverem e de se ascenderem financeiramente, como qualquer cidadão que seja denominado “branco”. A este fato, consideramos racismo. Em seu sentido denotativo, racismo (2) é a crença que as pessoas possuem características inatas, biologicamente herdadas, que determinam seu comportamento. A doutrina do racismo afirma que o “sangue” é o marcador da identidade étnica-nacional, ou seja, dentro de um sistema racista o valor do ser humano não é determinado por suas qualidades e defeitos individuais, mas sim pela sua pertinência a uma “nação racial coletiva”. Neste modo de ver o mundo, as “raças” são hierarquizadas como “melhores” ou “piores”, “acima” ou “abaixo”.
É neste contexto de inferioridade e superioridade, de ações e não ações que o presente artigo se desenvolve. Fruto de uma disciplina de Raça e Cor, ofertada ao curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros, pela professora Maria Railma (3), este tem como finalidade proporcionar a reflexão da atual situação do negro na sociedade brasileira.
O racismo tal qual ouvimos falar, ou o qual nos foi contado por algumas histórias dos livros, não é o racismo que vivenciamos na realidade. O que chamamos de racismo hoje, é um “fantasma” do passado, que herdado da época em que os negros eram inferiores, ganha força e intensidade junto aos grupos que se mobilizam por uma sociedade igualitária.
Para reparar a desigualdade racial além da constituição de 1988 que determinou o repúdio ao racismo, há a existência de movimentos sociais que lutam por igualdade entre os homens; como é o caso do movimento negro e do estatuto da igualdade racial , os quais dizem respeito as questões discutidas em âmbito mundial.
O termo exclusão sempre foi bastante conhecido por toda a América Latina. Segundo Edward Telles (2003) Exclusão, ou exclusão social, refere-se “à falta de integração social que se manifesta através de regras que limitam o acesso de grupos particulares ou pessoas aos recursos ou aos direitos de cidadania”. No entanto, ainda segundo o autor “a exclusão é a antítese da miscigenação. A miscigenação no Brasil tem conotação de inclusão racial e não de exclusão”.
Freyre e seus seguidores acreditavam que a desigualdade racial existente era um produto tanto da escravidão dos negros quanto de sua adesão a valores culturais tradicionais, prevendo o seu desaparecimento em pouco tempo. Para eles, as diferenças raciais eram fluidas e condicionadas pela classe social. Por outro lado, a discriminação era moderada e praticamente irrelevante. (TELLES, 2003, p. 19 e 20).
Já para Florestan Fernandes
O racismo era generalizado na sociedade brasileira, embora atribuísse à escravidão e a seus efeitos sociais e psicológicos a dificuldade que os negros teriam em competir com os brancos nos mercados de trabalho de sociedades de industrialização recente. Além disso, ele acreditava que o preconceito e a discriminação racial, embora fossem funcionais para a sociedade escravocrata, eram incompatíveis com a ordem competitiva estabelecida por uma sociedade capitalista. Como resultado previu que o racismo desapareceria com o desenvolvimento do capitalismo, ainda que os brancos tentassem manter seus privilégios e posições o máximo possível. (TELLES, 2003, p. 20).
A sociedade brasileira se desenvolveu, e ao invés do que previa os autores, o racismo não desapareceu e persistiu até os dias de hoje. Fazer uma reflexão sobre a trajetória do negro na sociedade brasileira é relembrar fatos históricos marcantes, como as revoltas e reivindicações e aos açoites (chibata) sofridos por eles.
A luta pela Igualdade Racial
Para Theodoro (2008) a partir do momento da abolição, passamos a viver o mito de democracia racial. Uma vez que com o fim da escravidão, a desigualdade era bastante presente e mais visível do que atualmente, pois hoje contamos com o “politicamente correto” uma “maquiagem” nas relações sociais, na qual as pessoas se dizem ser livres de preconceitos e do racismo. Sobre a consolidação desse sentimento de aversão à diferença racial, o autor referido acima, ressalta que:
De fato, o mito da democracia racial, de algum modo vem legitimar e mesmo resgatar a igualdade como valor. Mas, ao mesmo tempo, desproblematiza, mitiga, e termina por rejeitar o reconhecimento da desigualdade racial como problema nacional, assim como o debate sobre suas causas e seus desdobramentos. É assim que a defesa da democracia racial, como ideário estruturante de nossa sociedade, ganha força e relevo no discurso contrário à adoção de políticas públicas ditas específicas para a população negra. Contudo, principalmente devido à motivação e o esforço do Movimento Negro e de estudiosos do tema, promoveu-se a progressiva desconstrução do mito da democracia racial, proporcionando avanços significativos em termos da retomada da temática racial, nos últimos vinte anos. (THEODORO, 2008: 168).
Algumas medidas como leis, políticas públicas e os movimentos sociais, citadas pelo autor, objetivam a diminuição da desigualdade racial. Algumas delas serão comentadas a seguir.
A constituição de 1988 determina no artº5 que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Dessa forma todos os cidadãos, sem distinção são iguais perante a lei.
No que diz respeito ao combate à discriminação dos grupos raciais, foi criado o projeto de estatuto da Igualdade Racial, pelo Sr. Paulo Paim, e sancionado pelo Presidente Lula em 20 de junho de 2010. O mesmo tem como objetivo diminuir o preconceito e auxiliar na inclusão do negro na sociedade.
São alguns dos direitos assegurados pelo estatuto: direito a saúde, educação, esporte, cultura, lazer, propriedade, entre outros.
De acordo com o Estatuto, pesquisas realizadas “mostraram que os negros são os mais pobres, os menos escolarizados, são os que recebem os menores salários quando empregados e constituem a maioria esmagadora dos trabalhadores lançados na informalidade e no desemprego”. (ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, p. 5).
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)[4] a discriminação racial é um fato presente em quase todas as situações da vida cotidiana. Conforme dados de pesquisas qualitativas e quantitativas realizadas pelo instituto, tendo como recorte entre os anos de 1995 e 2005, houve uma diminuição modesta entre os indicadores de diferença, aos quais continuam sendo desafios para a sociedade e para o governo Federal.
Assim como essas leis e projetos do Governo Federal, as políticas públicas e de assistência são criadas a partir das demandas e da necessidade da população. No que diz respeito a estas demandas Jaccound (2008) afirma que:
a demanda e as iniciativas no campo da atuação governamental têm crescido e se alterado significativamente. Entre os anos 1980 e 2000, ao menos três gerações de iniciativas podem ser identificadas, abrindo diferentes perspectivas de intervenção nesse campo. Entretanto, poucas dessas experiências tiveram continuidade, ou foram objeto de reflexão ou avaliação. Paralelamente, as ações implementadas estiveram (e estão) desarticuladas entre si ou mesmo de uma estratégia ou plano de redução das desigualdades raciais. (JACCOUND, 2008: 138).
Nesse contexto, é importante ressaltar que os grupos de pressão numa democracia são essenciais quando em se tratando de políticas públicas, uma vez que não há uma demanda por determinada necessidade, não haverá a atenção do governo para a mesma.
Estes grupos de pressão surgem com a necessidade de atenção governamental para uma determinada causa, e através de reivindicações e mobilizações populares, buscam a implementação estatal que satisfaça tal necessidade, aonde o governo cria ações e políticas públicas que visam minimizar ou eliminar a questão a qual faz referência.
Na luta pela igualdade racial, o movimento mais ativo é o Movimento Negro Unificado (MNU); sobre esse movimento Jaccound (2008) enfatiza que:
A reorganização do Movimento Negro trouxe para o debate político o tema da discriminação racial, dando origem às primeiras respostas do poder público. Dessa forma, durante a década de 1980, acompanhando a vitória da oposição em eleições locais, surgem, em vários estados e municípios do país, conselhos e órgãos de assessoria visando promover a participação da população negra. Esse período foi marcadamente orientado para o tema da promoção da cultura negra e de valorização de sua contribuição para o mosaico cultural do país. (JACCOUND, 2008: 139)
A participação do MNU na conquista por igualdade é de grande importância, uma vez que a partir da sua criação até os dias atuais muitos debates e ações foram realizados em benefício da população negra. Sem a atuação do mesmo, as leis que fortalecem as medidas de políticas públicas e ações afirmativas não seriam possíveis de forma democrática.
Atualmente, os negros ganharam certo espaço na sociedade, mediante grandes batalhas travadas pelo Movimento Negro, gerando consequentemente algumas conquistas. Muitas dessas batalhas estão voltadas para a participação dos negros nas telenovelas brasileiras, aonde o mesmo, carregava consigo papeis indiferentes (motorista, empregados, escravos, etc.), em relação aos demais atores. Outro destaque, são as ações afirmativas que desenhadas para os negros e mulatos, se distancia da realidade brasileira ou do contexto vivenciado no país.
Apesar de ter ocorrido lentamente e de maneira desigual, a “democratização” “abriria espaço político para que ativistas dos movimentos sociais de vários tipos expressassem suas preocupações” (TELLES, 2003). É a partir deste contexto, que surgiu as conquistas de grandes direitos civis e políticos, e em certa medida, mesmo que com força menor, alguns dos direitos sociais.
No final dos anos 80, como resposta aos grandes incentivos postos pelo Movimento Negro, surgem às primeiras implantações ou “reflexões” sobre a condição do negro na sociedade, o que incluía em seu arcabouço medidas complementares para educação e saúde do negro. Contudo, com o inicio da democratização e a suposta confiança instaurada pelo Conselho “o momento histórico oferecia oportunidade para reunir grupos de líderes negros, antes divididos para juntos criarem uma ‘emancipação real’ para os negros” (TELLES, 2003).
Durante esse período, o movimento negro também estava envolvido em amplas campanhas de base para se organizar com base na raça. Apesar do enfoque cultural de muitas organizações do movimento negro no passado, cada vez mais ativistas começaram a enfocar o racismo e a desigualdade racial. Líderes do movimento negro passaram a receber atenção nacional e internacional através de campanhas que destacavam como, no Brasil, os negros eram vítimas preferenciais da pobreza e das violações dos direitos humanos, inclusive crianças de rua, o tráfico de mulheres e a violência proveniente do crescente tráfico de drogas. (TELLES, 2003, p. 73).
Histórico que contribui para a visibilidade dos acontecimentos que norteavam o país na mesma época. Até certo período da história do Brasil, acreditava-se existir uma suposta “democracia racial” que “por volta dos anos 90, começou a cair em desuso no vocabulário brasileiro; e uma grande maioria da população passou a acreditar que o Brasil era um país racista” (TELLES, 2003).
Hasenbalg acreditava que a dominação racial e o status inferior dos negros persistiria, porque o racismo adquirira um novo sentido desde a Abolição e continuaria a servir aos interesses materiais e simbólicos dos grupos dominantes brancos que desqualificariam os concorrentes não-brancos. Logo, a desigualdade racial permaneceria e não desapareceria com o desenvolvimento do capitalismo como acreditava Fernandes. (TELLES, 2003, p. 76).
Contexto que pode ser comprovado com as evidenciais da atualidade. Vivenciamos uma era aonde a tecnologia e o lucro exarcebado regem os padrões capitalistas e a nova onda do mercado. Uma era aonde os valores coletivos, deram lugar aos interesses competitivos de cada individuo, e uma era consequentemente em se tratando dos negros, em que estes não passam de um “fantasma do passado” como exemplificado anteriormente, em que sua reprodução acarreta no enraizamento instaurado do racismo dentro da sociedade.
Neste sentido, apesar de inúmeras conferências, seminários e problematizações a cerca do tema, a conquista das ações afirmativas em grandes universidades do país ainda é uma discussão polêmica que gera desconforto em grande parte da população. “De qualquer forma, é inegável a profunda mudança desde a democracia racial” (TELLES, 2003).
Quando se trata das discussões que envolvem raça e cor no Brasil, é importante ressaltar:
(...) o termo “cor” no Brasil equivale ao termo em inglês race e é usado para expressar uma combinação de características físicas, inclusive a cor da pele, o tipo de cabelo, a forma do nariz e dos lábios, sendo que os traços físicos das categorias não-brancas normalmente possuem conotações negativas (...). No entanto, tal como raça, a cor de uma pessoa no Brasil normalmente carrega conotações sobre o valor e o status comuns às ideologias raciais em outras partes do mundo. (TELLES, 2003, p. 104).
De acordo com (TELLES, 2003):
A raça é importante, principalmente porque frequentemente determina como as pessoas tratam umas as outras. Ou seja, a discriminação e a desigualdade racial dependem da classificação racial feita por parceiros. Apesar disso, alguns analistas frequentemente se baseiam em dados sobre raça supondo que esses partem de autodeterminação.
Por este motivo, existem variadas denominações como: moreno, cor de burro fugido, cor de mel, cor do pecado, cor de jambo, chocolate, etc. aonde as pessoas se consideram. Pensando numa maneira mais correta, o censo adotou 5 distinções de cor: Preta, Branca, Parda, Indígena e Amarela; caracterizações que ainda geram polêmicas.
Devido à grande miscigenação presente no país, e o desejo de uma caracterização mais precisa, o movimento negro adotou um sistema de classificação racial bem diferente do adotado pelo governo.
O movimento negro há muito tempo utiliza um terceiro sistema de classificação que agora se tornou amplamente aceito pela mídia, pelos formuladores de políticas públicas e acadêmicos. Esse sistema de classificação usa apenas dois termos: negro e branco. Esse sistema é definido como sendo um sistema político, uma vez que é amplamente utilizado pelo governo, pela mídia, em artigos acadêmicos e pelo movimento negro, mas raramente é usado no discurso popular. (TELLES, 2003, p. 110).
Segundo (TELLES, 2003):
Embora o termo negro no sistema popular geralmente se refira apenas àqueles de pele mais escura no extremo do espectro de cores, seu uso no sistema de elite tende a incluir os pretos e pardos identificados pelos censos ou todos aqueles com alguma ascendência africana. O movimento negro conseguiu fazer do termo negro o preferido entre os setores importantes da elite brasileira, e seu uso tem aumentado significativamente, porém seu uso popular ainda é bastante limitado. (TELLES, 2003, p. 111).
Dessa forma, é neste cenário de classificação e de autodeterminação, que o negro se torna personagem, com seus papeis positivos e negativos.
As telenovelas
Quando enfatizamos a carreira dos negros nas telenovelas, leva-se em consideração a estrutura histórica e político-social vivenciada em cada época. A telenovela, na televisão brasileira, assim como outros tantos movimentos e mídias existentes no país, surgiu de maneira gradativa e em meio a grandes conflitos. Se tratando do negro dentro da nossa sociedade, esses conflitos são vistos de maneira mais clara.
No longa metragem “A Negação do Brasil” que se trata da trajetória do negro nas telenovelas brasileiras, deixa evidente como a carreira se torna cada vez mais difícil, em se tratando dos negros. Neste longa, há depoimentos de grandes atores da televisão brasileira, como Milton Cardoso, Ruth Cardoso, Zezé Mota, dentre outros, que relatam a trajetória de suas carreiras até os dias atuais, bem como, os papeis dos negros dentro das telenovelas.
Desta forma, é possível perceber que desde as primeiras novelas, os negros eram os responsáveis por compor os cenários da cozinha, senzala ou motorista dentro da televisão; e mesmo nas novelas atuais, quando um negro tem uma papel mais elevado, no decorrer da trama ele vai perdendo força e ficando em segundo plano, como foi o caso da novela “Viver a Vida” de Manoel Carlos, aonde a Helena era representada pela atriz Thaís Araújo, e com o passar do tempo, ela além de não ser aceita pela população, cedeu espaço para as atrizes Lilian Cabral e Aline Moraes, vivenciando um drama de superação.
Outra novela da televisão brasileira com destaque, em um sentido positivo diferentemente da novela “Viver a Vida”, foi “Cheias de Charme” (2012) de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, aonde a trama enfatizou a ascensão de três empregadas domésticas no mundo da música, tendo como uma das vocalistas a atriz Thaís Araújo que é negra. De grande repercussão na mídia e no senso comum, a novela despertou o olhar para as domésticas de todo o país, valorizando o papel de todas as donas de casa.
Neste sentido, podemos caracterizar essa etapa como uma forma de segregação racial, que segundo (TELLES, 2003):
A segregação racial tem consequências importantes no desenvolvimento da comunidade afro-brasileira. A segregação geralmente se traduz em desigualdades no acesso ao mercado de trabalho e de consumo, mercados que tendem a se localizar dentro ou perto dos bairros de brancos e de classe média (ou da classe trabalhadora), assim como também no acesso a escolas, hospitais e à proteção policial e do corpo de bombeiros. Psicologicamente, a segregação restringe o contato com pessoas de classe média que sirvam de modelo, inibindo ainda mais a mobilidade social, na medida em que as oportunidades de interações inter-raciais e inter-classes são reduzidas. (TELLES, 2003, p. 179).
Nos dias atuais,
O grau de desigualdade racial depende, em grande parte, da distribuição de renda em termos gerais, ainda que uma larga diferença de ganhos não signifique, automaticamente, uma elevada desigualdade racial. Dependerá também de como esta distribuição de renda é estruturada para brancos, pardos e pretos. Ainda assim, as diferenças na renda entre os grupos raciais se intensificam em países como o Brasil, simplesmente em razão da elevada desigualdade estrutural. (TELLES, 2003, p.186)
É notório que o Brasil, possui uma má distribuição de renda, aonde os que possuem os tem demais, e os que não possuem, não tem nada; este talvez é um dos pontos chave da segregação racial. É importante destacar: “que a desigualdade refere-se à distribuição geral da renda, enquanto a pobreza se refere à base da pirâmide de renda – especificamente no que concerne a necessidades humanas básicas negligenciadas” (TELLES, 2003).
No entanto, no caso brasileiro a crescente desigualdade racial esta pautada no acesso ao ensino superior, aonde as cotas ou ações afirmativas foi vista como uma saída para uma igualdade na educação brasileira, como dito anteriormente.
Cotas são formas extremas de ação afirmativa, ao fixar o número determinado de vagas para uma parcela específica da população para empregos ou admissão na universidade. São o meio mais eficiente de garantir maior representação de preto e pardos. Por outro lado, são o método a oposição é mais ferrenha, pois parecem violar os preceitos da meritocracia e imparcialidade. (TELLES, 2003, p. 286).
Considerações finais
Dessa forma, o presente artigo teve por finalidade de maneira simples e objetiva demonstrar e causar certa reflexão a cerca da trajetória do negro na sociedade brasileira, uma vez que este, é a raiz da nossa essência cultural e de uma forma ou de outra, carregamos no sangue essa brasilidade.
Dos assuntos aqui discutidos, o debate sobre a ação afirmativa no Brasil é algo que de fato esta apenas começando. “Finalmente, parece haver algum desejo político de implementar tais iniciativas, ainda que haja oposição considerável, por diversas razões” (TELLES, 2003).
Acreditamos que em se tratando do Brasil, os problemas além de medidas urgentes, requer certo grau de criatividade para abordar principalmente os problemas de classificação racial, no intuito de atingir uma igualdade racial.
Atualmente, o racismo é algo amplamente reconhecido, e o movimento negro tornou-se o legítimo defensor dos direitos humanos e pesquisas sobre as relações raciais, que acabaram por se tornar importantes nas universidades brasileiras, o que comprova o começo de um amadurecimento da sociedade; ao passo que a mistura racial se concretiza cada vez mais como uma forma exclusiva e positiva da cultura brasileira. Contudo, a discriminação racial ainda é “o fantasma do passado” que ronda a nossa sociedade.
Notas
José Luís Simões disponível em: http://www.uel.br/grupoestudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/artigos/mesa_debates/art16.pdf
Disponível em: http: www.ushmm.org; Acessado em: 22/11/2012.
Professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros, é formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, mestre em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais e coordenadora do Projeto OIA (Olhar, Imaginar e Agir).
Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/
Referências
TELLES, Edward Eric. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2003.
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