efdeportes.com

Os Ciclistas de Maria e o Caminho da Fé

Los Ciclistas de María y el Camino de la Fe

 

Grupo de Estudos Educação, Cultura, Corpo

e Ambiente. UNESP Rio Claro

(Brasil)

Leandro Dri Manfiolete

Carmen Maria Aguiar

leandro_dri@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo teve por objetivo descrever um relato de experiência no contexto de uma viagem de bicicleta realizada por um grupo de ciclistas da cidade de Jacarezinho, PR denominado Ciclistas de Maria pelo Caminho da Fé, um dos cinco caminhos religiosos do Brasil. As peregrinações de bicicleta, misto de turismo, religião, cultura, corpo e ambiente é um fenômeno novo que carece de maiores investigações.

          Unitermos: Cicloturismo. Bicicleta. Peregrinação.

 

Abstract

          This paper aims to describe an experience report in the context of a bicycle trip undertaken by a group of cyclists in the city of Jacarezinho, PR Cyclists called Mary on the Way of Faith, one of the five religious paths of Brazil. Pilgrimages cycling, mixed tourism, religion, culture, body and environment is a new phenomenon that needs further investigation.

          Keywords: Cycling. Hiking. Pilgrimage.

 

          Nota sobre o Caminho da Fé: Inspirado no milenar Caminho de Santiago de Compostela (Espanha-Portugal) a partir da necessidade de um peregrino em percorrê-lo a pé, já que era de costume este trajeto ser percorrido, porém, não havia suporte estrutural às pessoas que sempre fizeram peregrinação ao Santuário Nacional de Aparecida, oferecendo-lhes assim, os necessários pontos de apoio para descanso e alimentação. A idéia surgiu quando um dos organizadores percorreu por duas vezes o conhecido este caminho e, com o propósito de projetar algo semelhante no Brasil, convidou alguns amigos para expor os seus planos, tendo recebido aval imediato. São 497 km, dos quais aproximadamente 300 km atravessam a Serra da Mantiqueira por estradas vicinais, trilhas, bosques e asfalto, proporcionando momentos de reflexão, saúde física e psicológica e, integração do homem com a natureza. Seguindo sempre as setas amarelas, o peregrino vai cultuando sua fé por meio da observação da paisagem dos mares de morros e, também, superação das dificuldades impostas pelo caminho, sentidas e percebidas pelo corpo, que é a síntese da própria vida.

 

          Reflexão Pessoal sobre Fé: crer em uma substância transcendente a ponto de a compreensão sobre a totalidade ser abreviada a uma idéia, ou seja, acredito, confio e aposto na fé em cima de uma bicicleta, pensando ser esta uma alternativa holística a uma vida saudável para o corpo, mente e espírito.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 181 - Junio de 2013. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    Este artigo tem como objetivo descrever um relato de experiência sobre a prática corporal do cicloturismo, realizada pelo Caminho da Fé, caminho religioso institucionalizado. O pressuposto que orienta o estudo é o de que tanto a peregrinação quanto o turismo podem ser entendidos como estruturas de significados, que apontam para as distintas possibilidades de se vivenciar estas práticas, bem como as suas possíveis transformações. Se o contexto mais geral das peregrinações estudadas indica uma situação em que há uma fusão entre a performance do ator e do espectador, o das práticas turísticas aponta para o espetáculo, o que contribui para a diferenciação e exterioridade dos turistas em relação aos eventos (STEIL, 2001).

    Portanto, entende-se que a principal diferença entre estas duas estruturas de significados, seja o turismo e a peregrinação, caracterizam-se pela externalidade do olhar e pelo grau de imersão que cada uma das experiências proporciona às pessoas que delas participam. É por isso, que aqueles que se autodenominam de peregrinos resistem ao uso do termo turismo para designar a experiência que definem como “transformadora”. Mas, embora sejam universos que se permeiam, estando intrinsecamente relacionados, são ainda poucos os estudos que buscam compreender as complexas conseqüências decorrentes desta articulação (CARNEIRO, 2004).

    No campo antropológico, os estudos de MacCannell (1976) foram pioneiros. Ao privilegiar o enfoque sobre o comportamento turístico, este autor sugere que o turismo moderno pode ser visto como uma continuação das peregrinações tradicionais, carregando sentidos e valores que em outros momentos estiveram condensados nesta experiência religiosa. Como destaca Steil (2003) nem toda peregrinação é uma forma de turismo e vice-versa. Entretanto, quando ambos convergem em um mesmo evento, encontramos um objeto fecundo de oportunidades de compreensão do fenômeno religioso.

2.     A experiência cicloturística: o Caminho da Fé

    A idéia de realizar esta viagem partiu de três integrantes de um grupo de ciclismo denominado Ciclistas de Maria que congrega indivíduos de cinco cidades (Jacarezinho, Ribeirão do Pinhal e Tomazina – PR/ Santa Cruz do Rio Pardo e Ourinhos – SP). Estas pessoas se uniram anteriormente partindo de um evento que congrega ciclistas amadores a realizarem uma viagem de bicicleta de Jacarezinho a Aparecida-SP em 4 dias, totalizando 700 km, há 11 anos, sempre na época do feriado de Corpus Christi, pedalando por rodovias asfaltadas até chegar ao santuário nacional.

    Antes de começarmos a descrição, entendo ser interessante expor uma definição do estudo do turismo para melhor compreender o fenômeno do cicloturismo neste contexto, entendido por Barretto (2000) como um movimento de pessoas, sendo um ramo das ciências sociais e não das ciências econômicas, que transcende a esfera das meras relações da balança comercial, pois a tendência da humanidade é a de se concentrar nas grandes cidades, o que torna esses núcleos humanos muitas vezes fonte de violência e neurose urbanas. Dado esse quadro, o lazer é necessário, mas não suficiente, já que o turismo permite ao indivíduo que se distancie de seu meio e de seu cotidiano, necessidade que será cada vez mais imediata para o bem-estar humano.

    Em relação a esta viagem sob a trajetória do que foi o Caminho da Fé, para este grupo de ciclistas, saiu parte do grupo de Jacarezinho às duas horas da manhã para se encontrar com a outra parte na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo-SP. A partir disso, partimos de carro durante 4 horas até Tambaú-SP. A partir disso, começa o que foi percorrer o Caminho da Fé de bicicleta. Interessante expor um pouco sobre cada integrante do grupo para melhor entender os personagens dessa história.

    O primeiro integrante a ser descrito, uma pessoa agitada, fala sobre pessoas que tem dinheiro e posses devido a ter uma empresa que se relaciona com essas pessoas e também uma pessoa que se dedica muito a sua esposa e filha, a qual já pedala tendo apenas nove anos. O integrante de idade mais avançada é um senhor calmo e sereno, seu semblante dificilmente muda; devido a sua rica e vasta experiência com a atividade, torna uma viagem de bicicleta um simples passeio no parque. Por fim, o outro companheiro da viagem defino como uma pessoa de objetivos e metas, assume a bicicleta como uma paixão, mas ao mesmo tempo, como rendimento para o seu corpo.

    E por fim, o pesquisador que relata esta viagem. Uma pessoa que se identifica com a bicicleta por ela fazer parte em vários momentos da vida e que, decidiu estudá-la por perceber que este veículo de transporte (uma das maiores invenções da humanidade) é mais importante do que as pessoas imaginam e que merece, maior e melhor atenção pela sociedade em geral, principalmente, nos aspectos voltados a noção do “corpo que pedala”.

    O grupo saiu da casa do peregrino da cidade de Tambaú com o passaporte para registrar com carimbos os locais por onde se passaria. Para testar a fé dos peregrinos, o grupo saiu pedalando junto a uma garoa fina em uma estrada de terra vermelha por seis quilômetros até sair da cidade. Com a roupa suja, perdidos e achando aquilo muito engraçado, tendo percorrido por volta de 20 km até encontrar de fato a seta amarela que indica o Caminho da Fé para sairmos da cidade. Interessante notar que nem sempre as setas amarelas indicam o “melhor” caminho!

    Para melhor ilustrar a diferença na composição do trajeto que o grupo realizou, Kundera (2004) faz uma distinção do que seja percorrer um caminho em comparação a uma estrada.

    “A estrada distingue-se do caminho não só por ser percorrida de automóvel, mas também por ser uma linha simples ligando um ponto a outro. A estrada não tem em si própria qualquer sentido; só tem sentido os dois pontos que ela liga. O caminho é uma homenagem ao espaço. Cada trecho do caminho é, em si próprio dotado de um sentido e convida-nos a pausa. A estrada é uma desvalorização triunfal do espaço, que hoje já não passa de um entrave aos movimentos do homem, de uma perda de tempo. (...) E também a sua vida, ele já não a vê como um caminho, mas como uma estrada: como uma linha conduzindo de uma etapa a seguinte, do posto de capitão ao posto de general, do estatuto de esposa ao estatuto de viúva. O tempo de viver-se reduziu a um simples obstáculo., que é preciso ultrapassar a uma velocidade crescente.”

    Assim, retomado o curso da viagem, mais 8 km em estrada de terra molhada e lisa, muito barro na bicicleta, mas com a certeza que estávamos na trajetória correta. Neste momento, já rodeados de uma paisagem típica de interior cheio de morros e vaquinhas com serra e mata com fundo de vale, entendido como o ponto mais baixo de um relevo acidentado, por onde escoam as águas das chuvas.

    Após a terra mais 20 km por asfalto, o grupo chegou a Casa Branca-SP, já avistando ao fundo a imponente serra da Mantiqueira. Após o primeiro carimbo dos passaportes, cada um lavou suas bicicletas do grosso do barro que se depositou nas engrenagens, algumas fotos da colorida e singela igreja desta cidade e retomou-se o caminho sentido Vargem Grande do Sul-SP, agora em estrada de asfalto.

    Nesta cidade, o grupo parou para almoçar em um bar e restaurante de esquina na frente da basílica da cidade para almoçar uma comida agradável. Após a refeição, nos dirigimos à igreja para carimbar os passaportes e saímos da cidade rumo a São João da Boa Vista-SP, uma cidade com relevo já do sul de minas, mas com ares de cidade paulista.

    Seguindo as setas amarelas, o grupo se dirigiu para o caminho só que com muita subida quando fomos informados que era só atravessar a cidade e pegar a rodovia para Águas da Prata, trajeto que seria mais fácil. Nesse momento, estourou a primeira garupeira de um dos integrantes, mas a sorte que estávamos ao lado de uma loja que vendia mochilas, grande sinal para os peregrinos. Por garupeira, entende-se um suporte de metal feito para acomodar as bagagens do viajante. Detalhe para este acontecimento: a bicicleta era de quadro de carbono e esta forma de quadro não é adaptado para um suporte auxiliar como este, avisado anteriormente por dois integrantes do grupo.

    Após o ocorrido, o grupo cruzou a cidade em direção a Águas da Prata, sede da organização que administra o Caminho da Fé. De lá, o grupo parou na Pousada do Peregrino, recebidos com muita hospitalidade, informações úteis e necessárias para a viagem e muitas histórias de peregrinos que por lá já passaram tanto a pé como de bicicleta. Logo após, o grupo realizou uma refeição e foi o primeiro momento houve uma relação mais próxima dos integrantes do grupo, momento que cada um pode se conhecer melhor e dividir percepções sobre a vida e o trajeto que tinha sido realizado e o que estava por vir.

    No dia seguinte, nos dirigimos para os primeiros 35 km do caminho no estado de Minas Gerais até a cidade de Andradas, sendo 25 km de subida e 10 km de descida, segundo informações da moça da pousada e, de fato, foram os primeiros 35 km do que seria o Caminho da Fé. Em uma parte deste trecho, logo após cruzarmos um rio de água cristalina, em uma descida difícil e escorregadia, o primeiro tombo, digno até de foto com chifrinho e, como resultado, alguns ralados, outras batidas e a certeza de que se distrair outra vez, o tombo poderia ser pior.

    Após estes 25 km avistamos do alto do morro a cidade de Andradas, momento que o grupo percebeu a partir de um rápido diálogo, um pouco sobre o ambiente e a paisagem na qual se estava percorrendo via pedal. Quando uma pessoa está em uma planície avista-se ao longe o olhar, porém, quando se está localizado em um mar de morro, enxerga-se a partir da altitude que é aquele morro, pois quando mais alto se está, maior a amplitude do olhar sobre a imensidão da paisagem.

    Em relação ao domínio morfoclimático dos mares de morros, foi uma denominação criada pelo geógrafo francês Pierre Deffontaines e consagrada pelo geógrafo brasileiro Aziz Ab'Saber, que se utilizou dessa expressão para designar o relevo das colinas dissecadas do Planalto Atlântico (Serra Geral). Sendo um dos domínios classificados por Aziz Ab'Saber, os morros (colinas intermontanas) são consideradas feições convexas, fato que cria a suspeita de serem produtos de uma alternância entre pedimentação e mamelonização. Esse domínio acompanha a faixa litorânea do Brasil desde o Nordeste até o Sul do País (AB'SÁBER, 2005).

    Caracteriza-se pelo relevo com topografia em "meia-laranja", mamelonares ou mares de morros, formados pela intensa ação erosiva na estrutura cristalina das Serras do Mar, da Mantiqueira e do Espinhaço. Apresenta predominantemente clima tropical quente e úmido, caracterizado pela floresta latifoliada tropical, que, na encosta da Serra do Mar, é conhecida como Mata Atlântica. Essa paisagem sofreu grande degradação em conseqüência da forte ocupação humana. Além do desmatamento, esse domínio sofre intenso processo erosivo (relevo acidentado e clima úmido), com deslizamentos freqüentes e formação de voçorocas (AB'SÁBER, 2005).

    Voltando ao contexto da viagem, os 10 km de descida até a chegada da cidade, foi um momento particular do pesquisador com a bicicleta por ser um trajeto extremamente difícil de descida, e principalmente por perceber o domínio sobre o equipamento somado a dificuldade da estrada com muitas irregularidades e pedras soltas. Nessa descida, as outras duas garupeiras que ainda restaram, quebraram devido à intensidade que as bicicletas foram exigidas e, com um peso considerável atrás seria quase impossível resistir muito tempo. Esta hora o grupo estava tão alerta que ninguém caiu devido ao risco ser da descida estava a todo o momento sendo calculado milimetricamente a fim dos que ali desciam com suas bicicletas protegidos de uma possível queda.

    Em Andradas, primeira cidade mineira onde o grupo pararia no trajeto, dita capital do vinho devido ao tanto de plantação de uva que se avistava nesse meio tempo, foram carimbados os passaportes na assistência social do município, nos alimentamos com o típico pão de queijo enorme e barato, os que estavam com a garupeiras quebradas compraram bolsas para carregar os seus pertences.

    E sobre esta região do nosso país: o povo do sul de minas é muito hospitaleiro porque percebia que em cada parada já nesta região, as pessoas procuravam nos tratar de forma bem acolhedora, sendo como turistas e também na figura de peregrinos que por ali passavam.

    Após estes momentos, o grupo se dirigiu a próxima cidade. Porém, antes nos deparamos com a Serra dos Lima, uma subida que teve de ser asfaltada de tão íngreme que ela é. Logo após, chegamos a Cruzília o intuito de almoçar e carimbar o passaporte. Devido à pressa em realizar a maior quilometragem possível ao longo do dia, almoçamos rapidamente e saímos com a comida na boca, carimbamos o passaporte na próxima cidade que foi Ouro Fino.

    Após esta cidade, fomos para Inconfidentes a carimbar o passaporte e percebi ser uma cidade universitária, pois muitos estudantes passavam pelo grupo. Lá, o dono do bar onde carimbamos o passaporte disse que passou um pessoal de moto e ele não carimbou, não acreditando ser justo uma pessoa de moto receber o carimbo no passaporte em um caminho onde a noção de peregrinação nesse caso foi violada não merecendo tal atestado de passagem.

    Saindo da cidade, mais subida e no meio outro carimbo em uma pousada aconchegante e, por fim, depois de um trecho difícil, onde na última descida do trajeto, o pesquisador escapou de levar um tombo fenomenal, chegamos a Bordas da Mata, local de repouso do segundo dia. À noite, o grupo saiu para jantar em um restaurante com comida requentada, tomamos açaí e sorvete em uma praça muito bonita com um chafariz iluminado e uma igreja exuberante que o pesquisador devido à peculariedade da arquitetura da igreja e da praça, fotografou detalhes sobre este local.

    Na manhã seguinte, após um café reforçado com melão, pão queijo e tudo mais, digno de um peregrino, o grupo partiu logo de manhãzinha para o terceiro dia de viagem. De Bordas da Mata o grupo pedalou até Estiva em um trecho onde o relevo aumenta de 700 para 1350 metros de altura, ou seja, toda essa diferença se traduz em mais subida, morro após morro.

    Logo pela manhã, caí da bicicleta duas vezes e em seguida, estourou a corrente. Senti certo desanimo, ainda mais que logo após, nos deparávamos com uma subida enorme de aproximadamente 2 km e também, certa culpa por atrasar a viagem. O interessante neste momento foi à união do grupo, que de cobrança para se chegar logo, muitas brincadeiras e água potável bem do lado onde estourou a corrente. Um dos integrantes arrumou a corrente da bicicleta e seguiu-se o curso da viagem, dando uma noção do que seja a alteridade.

    Para Montaigne (2000), alteridade parte do pressuposto básico de que todo homem social interage e interdepende do outro, ou seja, uma relação de sociabilidade e diferença entre o indivíduo em conjunto e unidade, onde os dois sentidos interdependem na lógica de que para individualizar é necessário um coletivo. De acordo com a enciclopédia Larousse, alteridade é um estado, qualidade daquilo que é outro, distinto (antônimo de identidade). Pode também ser definida como relação de oposição entre o sujeito pensante (o eu) e o objeto pensado (o não eu).

    Após essa subida, o grupo chegou a Tocos do Moji para carimbar o passaporte e percebemos que, na cidade não há asfalto, ou seja, as ruas são todas pavimentadas com paralelepípedo. Devido à cidade ser dentro de um buraco e bem antiga, não há asfalto e que, estes permeabilizam o solo com os espaços que separam os paralelepípedos e não alagaria a cidade. De tão peculiar que foi esta parada, procuramos uma bicicletaria e não encontramos. Um comentário engraçado e digno de nota foi um integrante do grupo reparou que se tivesse uma bicicletaria na cidade, o bicicleteiro morreria de fome, constatação feita durante uma subida extremamente inclinada!

    Após esta manhã de praticamente intensos 40 km de subida, chegamos a Estiva para carimbar o passaporte suados, cansados e famintos. Por estarmos sujos, o grupo ficou sem jeito de entrar no restaurante, porém, como queríamos muito nos alimentar, entramos, consultamos o preço e almoçamos uma comida maravilhosa. Detalhe, em média comíamos de 700 a 1000 gramas de comida por refeição, e ainda, lanches curtos ao longo do dia, tamanha era o dispêndio energético que o pedalar gerava.

    Depois de almoçarmos, saímos com a comida na boca destino a próxima cidade de Consolação com mais subida e riachos lindos por volta de onde passávamos. Em Consolação, “cidade de uma rua só” segundo o morador quando perguntei aonde carimbava o passaporte do peregrino. Devido à catraca da bicicleta do pesquisador estar em péssimas condições e também ao cansaço do grupo, decidimos ir por asfalto em vez da estrada de terra até Paraisópolis, final da pedalada no terceiro dia.

    Logo após o grupo entrar na cidade de Paraisópolis, a catraca da bicicleta quebrou de vez, sorte ter conseguido pedalar até a cidade. Enquanto o grupo esperava por um dos dois bicicleteiros chegar próxima ao centro, parou uma senhora hospitaleira nos oferenda para ficar na Pousada da Praça (local de passagem dos peregrinos e, diga-se de passagem, um belo local e muito aconchegante) e um amigo dela que iria consertar a bicicleta. Não pensamos duas vezes e nos dirigimos a esta pousada. Após o conserto da bicicleta, voltamos para a pousada, tomamos um banho para revigorar e o grupo saiu para jantar. Logo após, voltamos e o grupo se recolheu para o último dia de pedalada sonhando com a tão esperada chegada ao destino final.

    Na manhã seguinte, último dia de viagem, o grupo se alimentou com um estupendo café-da-manhã, nos despedimos da dona da pousada e sua cozinheira, pessoas muito amáveis que nos trataram muito bem e partimos em direção a Aparecida Logo no começo da manhã, o grupo imprimiu um ritmo alucinante de pedalada pela estrada de asfalto e, principalmente pela necessidade de se chegar começo da tarde em Aparecida, distantes 130 km. Cruzamos a divisa SP/MG antes de chegarmos à parte da Serra da Mantiqueira próximo a Campos do Jordão, parte mais alto do Caminho da Fé, com uma altimetria de aproximadamente 1800 metros.

    Devido a esta elevação, o clima estava mais ameno, um sol agradável e as boas condições do asfalto fez com que o grupo se deslocasse rapidamente até Santo Antonio do Pinhal e logo após, para a descida da serra. Dois detalhes para esta parte da trajetória: a beleza da região, envolta de muitas árvores, riachos ao lado da rodovia e muitos passarinhos para encantar a paisagem e outro foi em Santo Antônio do Pinhal e a procissão do Dia de Ramos que se desenrolava, com os romeiros de ramo na mão e o carro de som á frente ao som das orações.

    Saindo da cidade, mais árvores, uma sensação térmica típica de outono e a serra que estava por chegar à descida, uma cena fantástica: descendo a 60 km/h de média, admirando os recortes da serra parecendo uma pintura e, ao fundo, as cidades que compõem o Vale Do Paraíba, referência a região de planície onde corta o Rio Paraíba do Sul e, mais ao fundo, a Serra do Mar. Devido à velocidade da descida, acompanhávamos a velocidade de muitos carros e o pesquisador percebeu ciclistas subindo com um grupo de seis pessoas e admirem: cinco mulheres pedalando com suas bicicletas trazendo um toque feminino aquela nossa viagem.

    Neste momento, já sentindo os efeitos da descida, o clima mais quente e seco, e ao fundo a serra toda recoberta por nuvens que traziam a agradabilidade do clima por onde estávamos pedalando. O grupo passou por uma estrada muito bonita com um rio a cortando e até uma tirolesa cruzando este rio, passando pelo distrito de Piracuama, antes de Pindamonhangaba. Já dentro desta cidade, continuamos a seguir as setas amarelas e algumas informações de moradores, encontramos o caminho até Roseira, e sem parada, seguimos viagem para não atrasar na chegada do horário estipulado a Aparecida.

    Na última parada antes da chegada, já não conseguia acompanhar o ritmo do grupo, mas depois de uma paçoquinha e tubaína, busquei minhas últimas forças devido à vontade imensa de chegar ao destino final e por fim, chegamos aos pés da Basílica, avistando muita gente, alguns pasmos por nos verem chegando de bicicleta. Após fotos, parte do grupo retirou os certificados de conclusão do trajeto e alguns detalhes como um pessoal fazendo churrasquinho ao pé da basílica, um movimento de vai-e-vem de pessoas indo comprarem pertences religiosos e o alívio de termos cumprido o desafio sem maiores problemas.

3.     Considerações finais

    Após um total de 430 km (270 km por asfalto e 160 km por terra), aproximadamente 35 horas de pedalada, muitas paradas em locais interessantes e de paisagens únicas, cruzando a Serra da Mantiqueira na transversal, concluímos a viagem no sentimento do cumprimento de um desafio e como bons católicos, terminando a peregrinação de bicicleta ao santuário nacional.

    Indico este como o detalhe crucial no tempo de viagem: paisagens lindas, lugares peculiares, porém, a finalidade era a chegada e não a trajetória em si. Esta concepção fez com que os momentos de viagem fossem encarados com caráter imediatista, compreendendo uma visão limitada do que pode ser uma viagem de bicicleta.

    Isto se constatou em momentos como quando não se parava para contemplar uma paisagem fantástica. Naquele momento, o que se pensava era a próxima cidade e carimbar o passaporte... Apesar dos pesares, esta experiência foi marcante por tudo que se passou em tão pouco tempo, porém, apesar do objetivo alcançado, a forma de encarar a atividade não deve ser tão objetiva.

Referencias

  • AB'SÁBER, A. Os domínios de Natureza no Brasil. São Paulo, Ateliê Editorial, 2005.

  • BARRETO, M. Olhares Contemporâneos sobre o Turismo. Célia Serrano, Heloísa Turini Bruhns, Maria Teresa D. P. Luchiari (orgs.) – Campinas, SP: Papirus, 2000.

  • CARNEIRO, S. M. S. Novas Peregrinações Brasileiras e suas Interfaces com o Turismo. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 6, n. 6, p.71-100, outubro de 2004.

  • LARROUSE CULTURAL. Grande Enciclopédia, São Paulo: Nova Cultural, 1998.

  • MACCANNELL, D. The tourist: A new theory of leisure class. New York: Schocken Books, 1976.

  • MONTAIGNE, M. Ensaios. Volume I. Capítulo XXXI; Dos canibais. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • STEIL, C. A. Peregrinação e turismo religioso: tendências e paradigmas de interpretação. Newsletter de la Asociación de Asociación de Cientistas Sociales de la Religión en el Mercosur, Buenos Aires, no.13, p.1-5, 2002.

  • __________. Peregrinação, Romaria e Turismo religioso: raízes etimológicas e interpretações sociológicas. In: ABUMANSSUR, Edin Sued (org.) Turismo Religioso: ensaios antropológicos sobre religião e turismo. Campinas: Papirus, 2003.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 181 | Buenos Aires, Junio de 2013  
© 1997-2013 Derechos reservados