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Clube dos 13: ícone inacabado da 

modernização do futebol brasileiro (1980-2012)

El Club de los 13: una representación incompleta de la modernización del fútbol brasileño (1980-2012)

 

Doutorando em História (UFPR) e professor

da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão

(Brasil)

Edson Hirata

chinahirata@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste texto foi verificar a atuação da União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro (Clube dos 13) como agente político no campo esportivo, em especial no desenvolvimento mercantil do futebol brasileiro no período de 1980 a 2012. Foram utilizadas as reportagens do periódico Folha de São Paulo, entre 1987 e 2012 como fontes. Nesse interim percebeu-se que o Clube dos 13 teve uma ação inicial revolucionária, a organização da Copa União, mas que ao longo do tempo as suas principais ações ficaram restritas às negociações dos direitos de transmissão e prejudicadas em função da desunião e desorganização dos seus clubes-membros.

          Unitermos: Clube dos 13. Mercantilização no futebol. Política e futebol.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 181 - Junio de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    “Pátria de chuteiras”, “país do futebol”, terra do “futebol-arte”, “celeiro de craques” e “futebol: paixão nacional” são algumas das expressões adotadas para identificar o futebol como um baluarte cultural do Brasil. Os resultados expressivos em competições internacionais amplamente explorados pela mídia e a constante revelação de talentos fizeram com que essa mística se consolidasse no imaginário popular.

    Contudo, a imprensa recorrentemente relata períodos de crise na modalidade e paralelamente apresenta opiniões que prometem ser a solução para salvar o futebol. Foi numa dessas crises que nasceu o Clube dos 13, como uma entidade representativa dos interesses dos grandes times de futebol do país.

    Tendo esse panorama como pano de fundo, o objetivo desse estudo foi verificar a atuação da União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro (Clube dos 13) como agente político no campo esportivo, em especial no aspecto mercantil do futebol brasileiro, no período de 1980 a 2012. As reportagens do jornal Folha de São Paulo, nesse ínterim, foram as fontes consultadas para a realização desse estudo.

    O texto, de cunho exploratório, para atingir o intento proposto, tentou inicialmente mapear a conjuntura do período perscrutado; e em um segundo momento, buscou relatar as principais ações desenvolvidas pelo Clube dos 13 e analisar o significado dessas ações no campo esportivo futebolístico.

A conjuntura: o futebol brasileiro no fundo do poço

    A imprensa, em inúmeras oportunidades, rotulou certos momentos críticos do futebol brasileiro como período de crise. Mas, a década de 1980, possivelmente tenha sido a fase em que esta palavra, crise, melhor tenha o definido. A afirmativa deriva do panorama criado por inúmeras situações, tais como: a ausência de títulos mundiais da seleção brasileira de futebol pós-1970, o exponencial aumento da exportação dos craques do futebol, o estado financeiro decadente dos clubes de futebol, a recorrente desorganização dos campeonatos nacionais, movidos por interesses políticos e deficitários e a diminuição da média de público nos estádios. (HELAL, 1997, p.41).

    Um estudo posterior de Helal e Gordon (2002) avaliza esse pensamento e o associa a conjuntura brasileira da época. Segundo os autores, a crise do futebol era causada por um conjunto de fatores:

    De ordem econômica: fracasso financeiro dos clubes, campeonatos deficitários, empobrecimento da população: tudo isso relacionado, de modo geral, ao fim do período do “milagre” econômico, ao adensamento da recessão no final dos anos 70, à inflação, enfim, ao que os economistas passaram a denominar de “a década perdida da economia brasileira”. De ordem social: aumento da violência e da insegurança nos estádios. De ordem político-administrativa: a interferência do Estado, através de uma legislação esportiva que não dava autonomia aos clubes e federações; os interesses pessoais e políticos dos diretores das federações, da CBF e de alguns clubes; o paradoxo de haver dirigentes amadores administrando uma atividade cada vez mais profissional e comercial. De ordem técnica: a falta de grandes craques das décadas passadas (como Pelé, Garrincha, etc.), associada ao êxodo dos melhores jogadores em atividade para o exterior, tendo em vista o empobrecimento dos clubes. Tudo isso se refletia no progressivo afastamento dos torcedores dos estádios. (HELAL & GORDON, 2002, p. 46)

    Portanto, o campo esportivo, nesse caso mais especificamente o sub-campo do futebol, demonstra que apesar de sua relativa autonomia e de ser regido por algumas normas próprias, apresenta também uma interdependência com outros campos, não sendo coerente a ausência de uma análise conjuntural. Dito isto, vejamos mais pormenorizadamente qual era a conjuntura do país naquele período.

    A década de 80, no Brasil, foi marcada politicamente, em especial, pelo processo de redemocratização do país. A transição dos governos militares-autoritários para o presente regime democrático foi longa e gradual. Para Kinzo (2001), essa reabertura democrática no Brasil teve início em 1974, com o governo Ernesto Geisel, que introduziu uma série de medidas liberalizantes, tais como: a revogação parcial da censura à imprensa e a valorização das eleições legislativas.

    Contudo, foi na década de 1980, que a bandeira da democracia foi mais fortemente consolidada. Alguns acontecimentos podem ser considerados marcos desse momento, tais como: o movimento das “Diretas Já”, em 1984; a eleição e posse de um presidente não militar, em 1985; e especialmente, a promulgação da Constituição de 1988, a denominada Constituição Cidadã.

    Essa necessidade de democratização no Brasil também permeava o campo esportivo, uma vez que o esporte, nessa época, era regulamentado pela lei 6251/75, que foi promulgada durante a ditadura militar.

    Além desse aspecto, a implantação de uma mentalidade comercial na gestão dos clubes futebolísticos era uma necessidade imanente e também esbarrava na legislação esportiva arcaica, que não permitia que os clubes auferissem lucros ou que os seus dirigentes fossem remunerados. Para Marcelo Weishaupt Proni (1998), existia a carência de um novo conjunto de medidas legais que desse maior autonomia às entidades esportivas, que facilitasse a obtenção de maior independência econômica e possibilitasse modernizar e democratizar as instituições esportivas. O autor apontou essa carência da seguinte maneira:

    “[...] a crise fiscal do Estado (governos federal, estadual e municipal) e o advento da Nova República (1985) apontavam para o declínio da tutela estatal sobre o futebol e para a necessidade de uma organização mais autônoma do esporte profissional. A solução para os problemas vividos pelo futebol brasileiro - afirmava-se desde o início da década - passava por uma completa reestruturação das bases legais e institucionais nas quais ele se erguera. Era o momento de limpar o ‘entulho autoritário’ e criar um novo ambiente jurídico, uma configuração institucional mais moderna, que permitissem aos clubes o salto para a ‘modernidade’”. (PRONI, 1998, p.215).

    Assim percebe-se que existiam oposições à legislação esportiva, que era considerada anacrônica. Representantes de clubes e do governo concordavam com a necessidade de reformulações, contudo havia também um grupo ligado às federações estaduais que não tinham interesse em mudanças que democratizassem as entidades administrativas e pusessem em risco o poder que lhes era perpetuado. Esse embate se prolongou no campo esportivo e ainda se prolonga em alguns pontos. Como diria Bourdieu, de um lado os agentes dominantes tentando se cristalizar no poder e do outro, os portadores de menor capital específico do campo buscando revolucionar.

    Na verdade a queda da ditadura militar e a subida ao poder dos civis provocam uma reconfiguração, também, do campo futebolístico. Nesse momento, ainda que lentamente, o capital do campo começa a se ressignificar, diminuindo o poder político e aumentando o poder do capital econômico, mas isso ainda será discutido posteriormente com mais profundidade.

    Se no plano político, a redemocratização do país era um dos fenômenos mais marcantes, na esfera econômica predominava no Brasil um clima de crise profunda, de tal monta que o período ficou conhecido como a “década perdida”. Proni (1998) apresenta um panorama econômico detalhado deste período:

    Quando a crise econômica atingiu mais agudamente o país, entre 1981 e 1983, o quadro recessivo era o seguinte: os juros internos subiam, a inflação disparava, o poder de compra dos salários diminuía, o desemprego atingia índices alarmantes nos grandes centros urbanos, o cruzeiro (moeda nacional) se desvalorizava em relação ao dólar. Além disso, o crescente endividamento público e a crise fiscal do Estado forçavam os governos estaduais, municipais e o federal a reduzirem drasticamente seus gastos e suspenderem investimentos em infra-estrutura, principalmente em obras públicas.(PRONI, 1998, p.206)

    Apesar da conjuntura econômica Brasil, na década de 1980, ser um fator importante a ser considerado, há de se lembrar que durante as décadas anteriores em que predominava o pleno desenvolvimento do país, o chamado “milagre econômico”, os clubes de futebol também tinham seus profundos problemas financeiros, dessa maneira, não parece correto imputar a falência dos clubes somente ao contexto econômico da “década perdida”. O amadorismo, a desorganização e a corrupção, que envolviam, e ainda envolvem, recorrentemente o gerenciamento de clubes de futebol, certamente estavam entre os focos principais dos problemas dos clubes de futebol.

    A partir desses estudos pode-se ter clareza do momento difícil que o futebol atravessava na década de 1980, que pode ser revelada com propriedade pela expressão “crise do futebol”, especialmente, quando relaciona-se crises à transformações, ou seja, a estrutura do futebol estava sendo criticada por seu arcaísmo e necessitava de reformas para sobreviver. Era uma clara indicação de que mudanças precisavam acontecer.

    Esse é o panorama macro, no qual a idéia de formação de uma liga independente pelos grandes clubes de futebol está sendo discutida. A CBF conseguiu motivá-los ainda mais, pois, em 1987, através de seu presidente Otávio Pinto Guimarães, reconheceu publicamente que a entidade não teria possibilidades financeiras de arcar com os custos da realização do campeonato brasileiro de futebol daquele ano. (AREIAS, 2009, p.32; HELAL, 1987, p.85; KFOURI, 1996, p.41; PRONI, 1998, p.213)

    Inconformados com a situação decadente do campeonato nacional da época, Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos (SP); Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo (RJ), Atlético e Cruzeiro (MG); Internacional e Grêmio (RS); e Bahia (BA) fundaram em 11 de julho de 1987 uma liga de futebol, que foi denominado União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro e que ficou mais conhecido como Clube dos 13. (AREIAS, 2009; HELAL, 1997). O presidente do São Paulo Futebol Clube, Carlos Miguel Aidar, foi o líder do movimento de contestação à CBF, sendo eleito o primeiro presidente da entidade e principal responsável pela elaboração do estatuto do Clube dos 13 (AIDAR)

    A atuação política dos dirigentes dos clubes de futebol, até então, era restrita à defesa dos interesses de seus próprios clubes e a fundação do Clube dos 13 criou um agente político que já nasceu com grande poder, pois a entidade representava aproximadamente 90% dos torcedores do país e a quase totalidade dos títulos de campeonatos nacionais. Apesar da rivalidade entre clubes e das diversas oportunidades em que eles estão em lados opostos no campo esportivo, neste momento esses agentes por terem interesses fundamentais em comum, se demonstram cúmplices e parceiros para tentar subverter a situação. Bourdieu (1983) expõe esse posicionamento de união entre agentes antagonistas como uma norma invariante a todos os campos.

    O Clube dos 13 foi fundado sobre demandas legítimas e suas principais reivindicações eram: a criação de divisões no futebol brasileiro; realização do campeonato brasileiro de 1987 com a participação de 13 equipes, jogando em turno e returno; implantação, em 1988, da divisão A e B com 16 clubes cada e jogos só nos finais de semana; participação de um número menor de clubes nos campeonatos regionais; participação dos grandes clubes no Conselho Arbitral da CBF; adoção de sistema proporcional de voto; convocação dos jogadores pela CBF de forma facultativa e não compulsória; e a elaboração do calendário de 1988. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1987a, p.15; 1987b, p.19)

    Essas reivindicações foram alvo de muita polêmica, uma vez que muitas vezes colocavam os interesses da CBF e dos clubes em conflito. E a CBF, apesar de ter demonstrado fraqueza no primeiro momento, não ficou paralisada. Utilizou-se de ameaças para pressionar os clubes a não se rebelarem. Ou seja, mesmo declarando ser incapaz de arcar com os custos financeiros da organização do campeonato nacional, se amparou em chantagens para não perder o controle da competição.

    Proni (1998, p.214) relata que a CBF, com os poderes que a FIFA lhe garantia, ameaçou desfiliar os clubes que participassem desse campeonato e Helal (1997, p.88) complementa que os clubes que integrassem esse movimento estariam impedidos de participar de campeonatos em que houvessem filiados à FIFA, assim não poderiam excursionar, e o pior, seus jogadores ganhariam passe livre automaticamente.

    Outro interesse dos mandatários do futebol estava ligado aos interesses das federações estaduais dos clubes excluídos do Clube dos 13, uma vez que elas têm peso significativo no processo eleitoral da CBF. Esse é um dos motivos pelo qual se inchavam os campeonatos nacionais na década de 1970, as Federações Estaduais trocavam seus votos na eleição da CBF por vagas para os clubes afiliados, que por sua vez, se comprometiam a apoiar o dirigente na eleição da sua Federação.

    A tensão entre clubes, federações e confederação que estava instalada no campo futebolístico tinha o poder como objeto principal de disputa. De um lado clubes lutando por maior participação nas decisões e assim implantar mecanismos que lhes fossem favoráveis financeiramente. Do outro, CBF e federações aliadas preocupadas em manter o status quo, que lhes permitia dominar a estrutura do futebol brasileiro da maneira que melhor lhes conviesse.

    As armas de cada lado também estavam postas à mesa. Os “Grandes Clubes”, pelos quais 90% da população simpatizavam, tinham apoio da imprensa e da população, pois estava clara a necessidade de mudanças estruturais para salvar o futebol brasileiro. Já a CBF, apesar de mostrar-se incapaz de organizar o campeonato brasileiro de 1987, se valia da sua “mãe-protetora”, a FIFA, para garantir a sua autoridade de gestora-mor do futebol nacional1. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1987c, p.40)

    Vejamos como esse imbróglio se desenrolou.

    Apesar do Clube dos 13 já estar devidamente oficializado, os grandes clubes não conseguiam se desvencilhar de dois grandes obstáculos. Primeiro, a “ilegalidade” de seu movimento pois a legislação esportiva da época não dava autonomia aos clubes para organizar competições e segundo, a falta de dinheiro para pagar as despesas do campeonato que eles queriam organizar estimada em um milhão de dólares.

    O primeiro entrave foi negociado com a CBF. Os clubes sabiam que não tinham respaldo legal, mas possuíam a força moral de estarem lutando pela melhoria da estrutura do futebol (FOLHA DE SÃO PAULO, 1987f, p.20). Os líderes do movimento dos clubes declararam que estar cientes da ilegalidade, mas entendiam que as revoluções na História sempre começam na ilegalidade e só são reconhecidas pela lei quando triunfam.

    O segundo e maior problema, era financeiro, e foi resolvido através da atuação de dois diretores de marketing: João Henrique Areias e Celso Grellet. João Henrique Areias, que naquele ano, era diretor de Marketing do Flamengo, foi um dos mentores da Copa União. Em seu livro “Uma bela jogada: 20 anos de marketing esportivo”, ele relata pormenorizadamente como se deu o processo que acabou garantindo a realização da Copa União.

    A Copa União, como popularmente ficou conhecido o Módulo Verde do Campeonato Brasileiro de 1987, demonstrou inúmeros avanços, dentre os quais Areias (2009) destaca: a tabela confeccionada de modo a otimizar a distribuição dos clássicos sem sobrecarregar ou deixar as grandes cidades sem jogos , o aumento do público presente nos estádios, o alto índice de audiência dos jogos televisionados, a pontualidade e o cumprimento da tabela , a menor ocorrência de lesões nos atletas devido ao maior espaçamento entre jogos, que proporcionava também condições melhores para preparação tática e física das equipes.

    Foi unânime o reconhecimento do sucesso alcançado pela Copa União. O saldo financeiro foi muito positivo, a média de público foi uma das maiores de todos os tempos, o calendário e os horários dos jogos foram respeitados como nunca havia acontecido antes, ou seja, era um caminho viável para a modernização do futebol.

    Mas, não houve continuidade. Talvez o que Helal chama de dilema brasileiro no futebol explique. Helal (1997), inspirado na tese de Florestan Fernandes, entende que no futebol brasileiro predominava o convívio e a tensão entre signos do moderno (profissional e impessoal) e do tradicional (amador e pessoal). Por isso, o modelo profissional de organização e marketing desenvolvido em 1987 sucumbiu diante da disputa de poder entre os agentes do campo esportivo, no qual predominava as relações de favores, de patrimonialismo e amadorismo.

    Após a Copa União, o C13 só voltou a ter papel de protagonista como promotor de campeonatos nacionais em 2000, graças ao embate entre Gama-DF e CBF. O clube do Distrito Federal entrou na justiça comum para se assegurar na primeira divisão, colocando em xeque a realização do campeonato brasileiro daquele ano, que só foi realizado porque a CBF abriu mão da promoção em prol do C13.

    O Campeonato Brasileiro de 2000 foi batizado de João Havelange e reuniu 116 clubes em quatro módulos. A divisão principal foi chamada de Azul e reuniu 25 clubes; a segunda divisão, denominada Amarela tinha 36 clubes; e os módulos Verde e Branco, juntos, reuniram 55 clubes. Depois da primeira fase, clubes dos diferentes módulos, proporcionalmente, se juntariam na segunda fase. A ideia era que todos os 116 clubes tivessem a possibilidade de ser campeão e toda competição se caracterizasse uma única divisão. A princípio a estratégia visava evitar que outros clubes entrassem na justiça para garantir vaga na divisão principal e atrasasse ou impedisse a realização da competição. Essa estratégia tinha também o interesse de aumentar o número de clubes votantes na eleição da CBF, direito que era restrito aos clubes da primeira divisão. Assim, pretendiam propiciar que os clubes tivessem maior peso na votação. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2000, p. D1). Além disso não ter ocorrido, o campeonato teve um regulamento extremamente complexo e em sua final, entre Vasco e São Caetano, o superlotamento do Estádio de São Januário causou o desabamento de um alambrado e muitos feridos, enfim, até hoje a competição é lembrada como o mais desorganizado dos últimos tempos.

    Em que se pese o Clube dos 13 ter aceitado a responsabilidade de organizar a competição para garantir a realização do campeonato nacional, essa competição marcou-se negativamente em sua história, um contraste com a Copa União, símbolo da moderna organização e profissionalismo.

    Se inicialmente o intento do C13 era ser o agente revolucionário da arcaica estrutura do futebol afim de que ele pudesse ser mais organizado, rentável e democrático, após 25 anos, podemos dizer que o futebol se transformou realmente. Contudo, a função do C13 praticamente se restringiu a negociação dos contratos de direitos de transmissão do campeonato nacional e a divisão das cotas desses contratos entre as agremiações filiadas.

    Durante essa sua trajetória percebeu-se um aumento gradual nos valores dos contratos. De acordo com o site da entidade, em 1987, o contrato previa 3,4 milhões de dólares para ser rateado entre os clubes. Esse valor passou para 6 milhões de dólares em 1994, 10,4 milhões de dólares em 1995, 50 milhões de reais em 1997, 130 milhões de reais em 2002, 300 milhões de reais por ano no triênio 2005 a 2008 e 460 milhões de reais por ano no triênio 2009 a 2011.

    Esse crescimento exponencial não pode ser creditado apenas à boas negociações do Clube dos 13. Há de se pesar a conjuntura econômica favorável e os novos paradigmas de entretenimento da sociedade do consumo que elevaram ao topo o espetáculo esportivo e contribuíram sobremaneira com a mercantilização desse produto. Todavia, também não se pode desprezar a preocupação da entidade em profissionalizar essas negociações.

    Mas se de um lado a união dos clubes provocou o aumento dos recursos financeiros advindos dos contratos de direitos de transmissão, de outro, foi a forma de divisão dessas cotas que em inúmeras oportunidades provocou discórdia entre os clubes. Sempre que havia descontentamento do valor recebido, os dirigentes de clubes ameaçavam abandonar o C13. Como o C13 era o representante dos clubes, as negociações eram sempre tratadas em grupo e o acordo era coletivo, ou seja, era definido um valor global para todo o campeonato e os clubes rateavam esse valor segundo critérios estabelecidos pelo próprio C13. Esses critérios é que geravam descontentamento e ameaças de abandono.

    Segundo o site do Clube dos 13, em 2001, definiu-se os critérios para a divisão das receitas advindas dos contratos com a televisão. As equipes foram divididas em quatro categorias. No grupo 1, que receberiam a maior fatia, ficaram Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Flamengo e Vasco. O Santos ficou no grupo 2, enquanto Botafogo, Fluminense, Atlético - MG, Cruzeiros, Grêmio e Internacional ficaram no grupo 3. Bahia, Goiás, Sport, Coritiba, Atlético – PR, Portuguesa, Vitória e Bahia ficaram no grupo 4, faturariam a menor percentagem do total.

    Esses sete clubes não mandaram representantes para a eleição do C13 que ocorreu naquela época e que reconduziu Koff para mais um mandato (FOLHA DE SÃO PAULO, 2004a). Todavia o movimento foi em vão. Os rebeldes tiveram que recuar na decisão, uma vez que a Rede Globo de Televisão anunciou que não negociaria os contratos individualmente com os clubes (FOLHA DE SÃO PAULO, 2004b).

    Contudo, a mais polêmica, e também, a mais recente, e talvez derradeira debandada de clubes do C13 aconteceu na temporada 2011.Vejamos mais detidamente como os fatos se desenrolaram.

    O estopim da implosão do C13 foi causado por uma orientação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) que sugeria a retirada de cláusulas que beneficiavam a Rede Globo, tais como o direito de ter acesso a proposta das concorrentes para depois fazer a sua ou ainda, em função da abrangência do seu alcance a possibilidade de ofertar um lance com 10% de ágio. A orientação teve que ser obedecida pelo C13 e a Rede Globo, descontente com as condições impostas, anuncia que não participaria da licitação. (FERNANDES, 2011)

    Intentando driblar a normativa, a Rede Globo e os grandes clubes do Rio de Janeiro, Corinthians, Grêmio, Cruzeiro e Coritiba decidiram negociar isoladamente os direitos de transmissão, e aos poucos, foram sendo seguidos por todos os outros. Assim, a Rede TV, que foi a única emissora a participar da licitação e apresentar uma proposta ao C13, não chegou a formalizar o contrato.

    Esse momento simboliza o último ato do Clube dos 13. Se a sua principal função era negociar os direitos de transmissão e os clubes optaram por fazerem isso isoladamente com a Rede Globo, seu esvaziamento foi inevitável.

Considerações finais

    A idéia do texto era verificar a atuação do Clube dos 13 enquanto agente político na mercantilização do futebol.

    Assim parece justo afirmar que a criação do Clube dos 13 foi um passo importante para o desenvolvimento do futebol brasileiro, uma vez que possibilitou, com a realização da Copa União, que os dirigentes enxergassem o futebol como uma atividade mercantil passível de lucratividade, desde que gerenciado profissionalmente e com a parceria com a televisão. Até então os campeonatos eram deficitários e a lamúria dos grandes clubes sobre sua situação financeira não tinha fim.

    Alguns pontos apresentados no decorrer do texto revelam indícios de que o C13 poderia ser o ícone da modernização do futebol brasileiro.

    Primeiro, a aproximação com a televisão. O meio de comunicação de massa que era considerado um entrave para a venda de ingressos se transforma na ferramenta de massificação da modalidade. Além disso, as vendas dos direitos de transmissão se tornaram um dos segmentos mais significativos de arrecadação para os clubes de futebol.

    Segundo, a possibilidade de mercantilização do futebol cresceu exponencialmente. Vários fatores atuaram conjuntamente para isso ocorrer: a estabilidade e posterior crescimento da economia brasileira, o uso crescente do espetáculo esportivo pela indústria do entretenimento, o reconhecimento do marketing esportivo como ferramenta de divulgação de marcas e produtos, dentre outros, mas há que se pesar que o C13 durante a Copa União fez uso de boa parte desses mecanismos.

    Terceiro, a organização dos campeonatos nacionais. A Copa União foi um marco para o futebol especialmente por ter sido avaliada como extremamente organizada. Sem mudanças na tabela, cumprimento dos horários e regulamento, alto nível técnico e uma das maiores médias de público de todos os tempos.

    Entretanto, apesar de sua importância nesse processo inicial, o C13 restringiu sua ação apenas às negociações dos contratos de direitos de transmissão. Apesar do relativo sucesso nessa tarefa, que certamente é um dos nichos mais rentáveis do campo esportivo, outros segmentos poderiam ser explorados de maneira profissional como os grandes clubes das ligas europeias o fazem, mas o amadorismo dos dirigentes brasileiros não o permitiram. Em função desse seu apagamento gradual é que consideramos que a entidade não conseguiu ser um ícone da modernização da administração no futebol.

    Outro aspecto a se considerar ao analisar a atuação política do C13 é a força da sua representatividade, afinal os grandes clubes reunidos possuem um capital simbólico elevado e juntos, seu poder de negociação se elevaria exponencialmente, tornando-o um agente político de destaque no campo esportivo.

    Mas, como o capital que comanda atualmente o campo esportivo é o capital econômico, a ação conjunta de agentes antagonistas a fim de manter seus interesses esbarra na ação de outros agentes. Alguns deles detentores do capital econômico que balizarão o campo esportivo.

    Assim, a Rede Globo que foi uma das principais responsáveis pelo sucesso inicial do C13, ao negociar isoladamente com os clubes, parece ter sido responsável também pelo seu perecimento.

    O modelo individualista que prevaleceu em 2011 parece promover um aumento no abismo que separa grandes e médios times, uma vez que os grandes clubes têm mais facilidade para negociar melhores contratos que os clubes menores. Assim, recebendo maiores cifras, conseguem contratar jogadores melhores, que por sua vez aumentam as chances de alcançar bons resultados, que expõem mais o time na mídia, tornando-o mais requisitado pelos patrocinadores. É, para os grandes clubes, a formação de um círculo virtuoso. Todavia, há de se pensar que a imprevisibilidade dos resultados é um dos baluartes do esporte-espetáculo, e caso os grandes clubes não incentivem medidas que fortaleçam os times de médio e pequeno porte, eles tendem a se tornar meros coadjuvantes.

Nota

  1. Não é raro a FIFA ao ver aliados acuados, impor ditatorialmente a sua “regra de ouro”, excluir os descontentes de seu quadro de filiados e das benesses que podem receber. Andrew Jennings (2011) cita como exemplo a ameaça da FIFA suspender o Brasil das atividades internacionais como participação em Copas Do Mundo, torneios internacionais, etc. A ameaça era uma retaliação à investigação que a Câmara de Deputados e o Senado Federal realizavam para verificar denúncias de corrupção, suborno, desvios, fraudes, e outros desmandos dentro da CBF, pois para a FIFA essa inquirição dos políticos brasileiros era uma interferência na entidade administrativa da modalidade no Brasil e isso era inaceitável.

Referências

  • AREIAS, J.H. Uma bela jogada: 20 anos de marketing esportivo. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2007.

  • BOURDIEU, P. Algumas propriedades dos campos. In: _______ . Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983b.

  • GUTERMAN, M. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

  • HELAL, R. Passes e Impasses: Futebol e cultura de massa no Brasil. Petropólis: Vozes, 1997.

  • HELAL,R.; GORDON JÚNIOR, C. A crise do futebol brasileiro. Revista Eco-Pós, v.5, n.1, 2002, p.37-55.

  • KINZO, M.D. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo em Perspectiva. Vol.15, no 4, São Paulo, out./dez. 2001

  • PRONI, M.W. Esporte-espetáculo e Futebol-empresa. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 1998.

  • NABI ameaça expulsar da CBF os 13 grandes clubes. Folha de São Paulo, p. 15, 15 jul. 1987a.

  • JURISTA não acredita em ameaça da CBF. Folha de São Paulo, p.40, 09 ago. 1987c.

  • UM BOLO só. Folha de São Paulo, p. D2, 13 dez. 2004b.

  • OCTÁVIO diz que CBF está quebrada: Brasileiro 87 pode ser regionalizado. Folha de São Paulo, p.18, 08 jul. 1987e.

  • C13 RECONDUZ Koff e deve alijar Atlético Paranaense de sua cúpula. Folha de São Paulo, p.D3, 14 dez. 2004a.

  • DIRIGENTE se diz homenageado. Folha de São Paulo, p.A16, 7 ago. 1987e.

  • LEI veta Liga Nacional. Folha de São Paulo, p. A20, 16 jul. 1987f.

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