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Em busca de um significado contemporâneo 

para o simbolismo das Artes Marciais

En busca de un significado contemporáneo para el simbolismo de las Artes Marciales

 

Professor de Educação Física

Especialista em Ciências do Esporte e da Saúde

Instrutor de Taekwondo 1º Dan

André Ferreira D’Avila

davila.andre@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo busca na literatura identificar o significado e a função das Artes Marciais atualmente. O contexto histórico mostra utilidades e características que atualmente foram deixadas de lado devido a sua esportivização. Aparentemente as virtudes e filosofias Marciais estão perdendo espaço para o desenvolvimento de técnicas de performance, mas, felizmente este novo método de Arte Marcial pode ser agregado ao desenvolvimento de praticantes e escolares, seja nas valências físicas, sociais ou cognitivas.

          Unitermos: Artes Marciais. Filosofia. Pedagogia. Esportivização.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    As Artes Marciais não possuem uma data definida de sua origem, mas, o que se sabe é que por ser uma construção sociocultural, estão sendo modificadas de tempos em tempos. Em um primeiro momento elas estavam ligadas ao treinamento bélico de militares para defender os reinados (MAURO BREDA et al., 2010). Conforme a necessidade da população, os governantes e militares iam se adaptando para os momentos de conflito. Em períodos de paz, os “defensores” dos reinos mantinham-se ativos e em treinamento constante para que estivessem preparados a qualquer momento ao qual fosse necessário (FETT; FETT. 2009).

    As escolas de Artes Marciais doutrinavam seus praticantes não apenas com técnicas de combate armado e desarmado, mas, segundo Martins e Kanashiro (2010) o aperfeiçoamento moral e espiritual era um dos grandes objetivos do treinamento. Lopes (2009) corrobora afirmando que na Coréia, os soldados de elite possuíam estudos de história, filosofia confucionista1, ética e moral, pois somente assim o Artista Marcial seria um ser idôneo.

    Baseados na premissa de as Artes Marciais serem uma construção sociocultural proposta por Breda et al. (2010), o atual significado das Artes Marciais pode haver mudado, pois, podemos observar que os conceitos bélicos foram deixados de lado. Iedwab e Standefer (2001) e Kano (2008) apontam as Artes Marciais como método de exercício físico e como método pacificador.

    A partir da esportivização2 das Artes Marciais, Feet e Fett (2009) propõe que inúmeras modificações foram sendo feitas variando de sociedade e sociedade em que era difundida, isto outrora foi apontado por Breda et al (2010).

    Seguindo nesta linha de pensamento, Martins e Kanashiro (2010) citam a divisão de esporte tradicional e esporte moderno, ao qual, enquadram as Artes Marciais como um esporte moderno que se encontra coberto de regras, federações e desvinculo com a liturgia.

Um prólogo da história da Coréia as suas Tradições Marciais

    A civilização coreana apresentada por Lopes (2009) possui um histórico de batalhas sangrentas desde seus primórdios. Conforme o mesmo autor, durante a dinastia de Tan’Gun, os até então nômades foram doutrinados com as ciências sociais e agrícolas ensinadas pelo seu líder. Neste período, foram construídos inúmeros monumentos e tumbas, que segundo Savoie (2010), a população já deveria possuir noções de combate armado e desarmado para defender-se de ladrões e animais selvagens devido as inscrições de combate gravadas nas obras arquitetônicas. Com a invasão chinesa, a dinastia de Tan’Gun teve sua queda em 1122 a.C. (SAVOIE, 2010; LOPES, 2009). Enquanto o poder da família real chinesa colonizava as terras coreanas, houve inúmeras influências na escrita, na literatura e na religião. Mas, em 57 a.C. foram fundados os três principais reinos da coréia, Silla, Baek Je e Koguryo. Esta influencia ofereceu suporte para esses reinos “serem independentes, organizados hierarquicamente e reagir contra o domínio chinês” (LOPES, 2009).

Figura 1. Mapa da Coréia antiga

Fonte: Taekwondo - A arte Coreana - Do domínio a glória (2009, p. 30)

    Historicamente estes três reinos, diagramados na Figura 1 (Silla, Baek Je e Koguryo), mantiveram confrontos entre si em busca por território, poder e comida ao mesmo tempo em que protegiam suas fronteiras com a Manchúria e a China. O reino de Silla era constantemente invadido e saqueado pelos demais reinos. Este cenário opressor conduziu Silla a recorrer ao auxílio militar à China. Neste período turbulento, Silla fundou a instituição Hwarang-do, que promovia o ensino das artes bélicas para jovens nobres, formando-os como guerreiros de elite (LOPES, 2009).

    Conforme Iedweb e Standefer (2001), os Hwarang-do não possuem um renome tal qual o dos Samurais do Japão, mas dispunha tradições tão honradas e patrióticas, zelo pelas artes de combate armado/desarmado e valores morais e familiares pródigos.

    Incorporado às suas táticas e técnicas de combate, foi introduzido pelos monges lutadores chineses um código de honra, trazendo, por conseqüência, uma sólida formação não somente física, mas principalmente ética e moral, que os tornou comparáveis aos samurais do Japão... O seleto grupo de jovens também praticava poesia, história, música, moral e caligrafia, com o intuído de temperar seus corpos e espíritos com o máximo amor a pátria (LOPES, 2009, p. 31-32).

    Conforme Lopes (2009) e Savoie (2010), Silla auferiu em 668 o domínio sobre o reino de Baek Je, e, em 670 conquistou o reino de Koguryo, dando origem a Dinastia Silla com a unificação dos três antigos reinos. No final do século VIII, conforme escritos de Lopes (2009), as forças armadas de Silla entraram em declínio devido a seus mentores de guerra tornarem-se aburguesados. De imediato, o rei convocou a nobreza para recompor o grupo militar de elite, onde, deveriam constar os mesmos ensinamentos militares que outrora eram pregados no Hwarang-do. Este grupo recebeu ensinamentos militares e bélicos com espadas, machados, arcos e flechas, táticas militares e lutas de mãos livres. Mas isto não era o suficiente, pois o rei “acreditava que ainda lhes faltava uma ideologia, pois, do contrário seriam nada mais do que um grupo de assassinos bem treinados” (LOPES, 2009), foi então que foram adicionados os estudos da história, da filosofia (confucionista), da ética e moral (budista), pregando o código de honra de fidelidade ao rei, de lealdade aos amigos, de respeito ao país, de nunca recuar perante o inimigo, e, de só matar quando não houver alternativa.

As Filosofias Marciais

    Após os períodos de guerras iminentes, Iedwab e Standefer (2001) propõem que as Artes Marciais adquiriram o conceito de exercício físico e pacificador, “quando você aprender um pouco mais sobre a história dessas artes, verá que os verdadeiros artistas marciais não querem machucar ninguém nem ter violência em sua vida” (IEDWAB; STANDEFER, 2001, p. 13), partilhando a idéia de que o respeito é a virtude mais pregada para os praticantes de Artes Marciais.

    No dojô, a atitude mais importante é uma atitude de respeito. É esse respeito que faz o dojô ser um lugar especial. Para que o espaço seja importante para você, é preciso, antes de mais nada, que você tenha respeito por ele. Se o dojô for dentro de casa, será importante mantê-lo limpo e arrumado. Se for ao ar livre, você tomará cuidado para não estragar a natureza nem deixar vestígios de sua passar ali. Deve além disso, respeitas as outras pessoas que treinam com você no dojô (IEDWAB; STANDEFER, 2001, p. 14).

    A cordialidade sempre estará presente nos praticantes de Artes Marciais, pois, assim como o respeito, a cordialidade é sacramentada dentro do Dojang3/Dojô4. Iedwab e Standefer (2001) pregam que o tratamento a todos deve ser de igual valor, sejam colegas de treino menos graduados, mais graduados e até mesmo a visitantes, “dentro do dojô, o que conta é o quanto se aprende e o quanto se tenta aprender”. Martins e Kanashiro (2010) corroboram afirmando que as Artes Marciais que “antes visavam às lutas, formas de resistência aos processos de dominação e guerras, passam a objetivar também, e, sobretudo o aperfeiçoamento moral e espiritual do praticante” (MARTINS; KANASHIRO, 2010, p.643).

    Conforme a permanência dentro do Dojang/Dojô, o praticante de Artes Marciais passa a atribuir os valores que lá são empregados no seu cotidiano. Iedwab e Standefer (2001) argumentam que é dentro do Dojang/Dojô é o local onde os praticantes se tornam pessoas melhores, mas isso de um modo geral, não apenas fisicamente. Tikara (1982, p. 13 apud MARTINS; KANASHIRO, 2010) expõem que no momento em que entrar no dojang/dojo as saudações e reverencias são fundamentais para repelir todo e qualquer sentimento frustrante e prejudicial ao praticante e as demais pessoas em sua volta, “... esses momentos são feitos para encontrarmos uma pausa que nos possa levar à serenidade. A saudação faz parte do espírito Zen e da própria finalidade da arte”.

    [...] procura-se acalmar a mente e elevá-la a um estado tranqüilo e límpido. Outro fator que observamos nesses rituais é o respeito, característica fundamental de um praticante de Arte Marcial e herança do bushido, código de conduta dos samurais (MARTINS; KANASHIRO, 2010, p. 640).

    Martins e Kanashiro (2010) argumentam que a herança deixada pelos samurais vai além das características físicas e técnicas, pois, o estilo de vida que é regido pelo código de honra regido pelo bushido, é seguido até os dias de hoje, como estilo de vida. O código dos samurais não era documentada a não ser por poucas anotações, porem, os conceitos morais, de conduta, de filosofia e a maestria marcial era passada e aperfeiçoada pelos mais experientes aos mais jovens.

Uma Nova Era para as Artes Marciais

    Para Martins e Kanashiro (2010) a esportivização das Artes Marciais no século XIX veio a coadjuvar com o declínio dos samurais, que outrora eram uma casta prestigiada na sociedade tradicional. Isto corroborou com centralização de poder nas mãos do Estado, onde os samurais foram rebaixados socialmente e substituídos por exércitos. Fett e Fett (2009) corroboram com Martins e Kanashiro (2010), apontando que inúmeras modificações que ocorreram nas Artes Marciais, variando até mesmo entre as sociedades em que elas eram incorporadas, mas, os aspectos tradicionalistas (vinculados a filosofia e moral) não foram deixados totalmente de lado.

    Segundo Martins e Kanashiro (2010), esta nova “versão” das Artes Marciais consistiam em um método formador, educacional e esportivo, adaptando-o e deixando de lado as características letais e bélicas, isto permitiu então que toda a população o praticasse, deixando de ser uma exclusividade dos samurais/hwarangs. Assim, o intuito desse novo método seria desenvolver o corpo, a mente e o espírito, que pro sua vez, facilitaria o controle das massas pela facilidade da população se autogovernar.

    E é importante estarmos atentos para separação entre os verdadeiros mestres e aqueles que apenas são detentores de uma graduação, mas extrapolam a sua capacidade formativa com arbitrariedades. Ainda, a doutrina e o dogma serviram ao longo da história, para que seguimentos da sociedade pudessem manter o controle sobre a maioria da população (FETT; FETT, 2009, p. 179).

    Martins e Kanashiro (2010) apontam dois significados aos esportes citados primordialmente por Norbert Elias e Eric Dunning, que, podemos adaptar ao entendimento das Artes Marciais. Seriam o de “esporte moderno” e o “esporte tradicional”. É citado que o esporte moderno possui regras para diminuição da violência, regras federadas, padronização categórica e desvinculo litúrgico. Esta mudança ocorreu para preservar as Artes Marciais, visando se adequarem ao novo mundo moderno, onde a finalidade das Artes Marciais serem utilizadas como método bélico devido aos equipamentos tecnológicos e armamentos que até então não existiam “[...] tal mudança designava uma nova finalidade que não poderia ser mais a guerra nos moldes antigos...” (MARTINS; KANASHIRO, 2010, p. 643) sendo assim por influência bélica “as superpotências ocidentais transformou radicalmente as técnicas, os equipamentos e armamentos revolucionando o paradigma da guerra nos termos modernos”.

    Conforme Martins e Kanashiro (2010) é neste momento que foi adotada a utilização de vestimentas específicas para a sua prática, os doboks (oriundo da Coréia) e os kimonos (oriundos do Japão) foram introduzidos junto as graduações (faixas coloridas e pretas) para assim poder classificar os praticantes por desenvolvimento técnico. Estas graduações começam na faixa-branca e vai em direção a faixa-preta. Com a esportivização das Artes marciais, a competição se tornou o principal objetivo de muitos professores e alunos, deixando de lado os valores e princípios filosóficos do budô.

    Bisso (2007) salienta que o instrutor de Artes Marciais deve ser um ser exemplar, conforme as premissas de Lopes (2009), pois além de exercer um papel formal na sociedade, o instrutor de Artes Marciais passa a ser uma referência para crianças e adolescentes. Seria importante retomar sempre os hábitos primordiais das Artes Marciais visando à inclusão da filosofia oriental, a disciplina e o comportamento ético que Martins e Kanashiro (2010) nos argumentam serem deixadas em segundo plano devido sua esportivização.

    En este caso es importante para los adolescentes ya que es una etapa donde necesitan descargar esa gran energía física que van adquiriendo y psicosocialmente lo ayuda a buscar identificaciones positivas, en este caso el sensei. El karate lo ayuda en su formación, en su autoestima. No es un deporte violento, puesto que justamente es lo que trata de evitar. Al incorporar técnicas de meditación lleva al adolescente a un autoconocimiento y un autocontrol, conceptos muy importantes para las tomas de decisiones que deben realizar en esta etapa (BISSO, 2007, p.1)

As Ciências Sociais das Artes Marciais

    A prática das Artes Marciais não deve ser simplesmente relacionada ao desenvolvimento psicomotor de seus praticantes, ou meramente ligada à defesa pessoal ou pratica esportiva. Esta seria uma visão meramente superficial sobre o tema, visto que as Artes Marciais vão muito além disto, segundo Lee e Rick (2005), elas proporcionam uma sólida formação moral, a qual o praticante/discípulo a interioriza e a traz para o seu cotidiano, indiferente de sua origem, crença ou classe social. Savoie (2010) corrobora atribuindo a ética das Artes Marciais categorizando-a como a disciplina, o respeito, a sinceridade, o respeito à natureza, os bons relacionamentos interpessoais, a coragem e o não incitar a violência como fundamentos para uma boa formação/construção do indivíduo, podendo gravar “em seus ensinamentos, aspectos formativos do caráter do individuo e questões filosóficas” (FETT; FETT, 2009, p.180).

    Bisso (2007) reforça os argumentos de Fett e Fett (2009) onde ele aponta que as Artes Marciais combinam o desenvolvimento físico, moral e espiritual através de sua prática. Assim sendo, pode ser orientada para auxiliar na construção da personalidade de cada praticante devido ser uma atividade educativa e social. Seguindo o princípio de que as Artes Marciais auxiliam na formação moral de seus praticantes, Kano (2008) afirma que conceitos morais serão anexados a os que o praticante/discípulo já compreende por certo e errado, por bem e por mau; “se a moral não for cultivada intelectualmente e emocionalmente, não se chegará a bons resultados” (KANO, 2008, p. 59). Mesmo sendo uma prática individual, no dojang/dojô, os praticantes necessitam do auxílio uns dos outros para desenvolver-se no treinamento instruído por um kiosanin/sansei (instrutor/professor). Esta necessidade do treino pode por conseqüência vir a gerar conflito entre os praticantes, e é papel do kiosanin/sansei conciliar os praticantes, onde “o conflito gera perda para todos, assim como a harmonia gera ganho para todos” (KANO, 2008).

    Tendo em vista que o judô se desenvolveu com base nas artes marciais do passado, os praticantes de judô deveriam transmitir às futuras gerações tudo o que os praticantes das antigas artes marciais valorizavam. O espírito samurai, por exemplo, deveria ser celebrado mesmo na sociedade atual. Os antigos samurais valorizavam a honra e a integridade. Eu sempre achei que, se esse espírito tivesse sido transmitido plenamente às pessoas de hoje, não estaríamos tão insatisfeitos com os rumos da nossa sociedade contemporânea com relação ao governo, a indústria, às forças armadas e a educação (KANO, 2008, p. 105).

    As Artes Marciais constituídas nos últimos séculos foram pedagogicamente mais elaboradas, facilitando o aprendizado sem deixar de lado todos os conceitos morais pregados anteriormente nas Artes Marciais mais antigas, onde um dos vários benefícios desta dita “pedagogização5” é o grande interesse de sua prática pelas crianças (IEDWEB; STANDEFER, 2001). Akilian (2004) nos propõe que as Artes Marciais para as crianças podem ser categorizadas como qualquer outro esporte, onde o objetivo da criança é a diversão. Por outro lado, esta diversão pode ser utilizada para explorar e refinar todo aparato locomotor, (re)conhecimento corporal, formação critica e moral (devido ao conceitos aplicados dentro do dojang/dojo). Ainda seguindo nesta linha de pensamento, Akilian (2004), complementa com o argumento de que as Artes Marciais são multifatoriais, e, que não se deve sobrepujar a pratica da modalidade além do estímulo da saúde e da educação das crianças. Bisso (2007) afirma que as Artes Marciais beneficiam seus praticantes durante seu desenvolvimento “maturacional”, passando pelos campos psicológicos, filosóficos e espirituais. A questão espiritual não é vinculada a religião em si, mas sim no crer no indivíduo, onde, esse indivíduo é o próprio praticante.

    Ferreira (2006) aponta as “lutas6” vinculadas ao conceito de desenvolvimento físico e oposição física entre adversários, já que há inúmeros jogos que fazem parte das “lutas”, mas não contêm um valor filosófico em sua prática, somente valores éticos conduzidos e delimitados pelas regras. As Artes Marciais por outro lado, além de estar vinculada a oposição, ela conta com o desenvolvimento moral, ético e cívico dos praticantes. Em suas aulas de Educação Física, Ferreira (2006) percebeu que as lutas fazem um grande sucesso entre os escolares, onde em um primeiro momento, indica que os jogos de guerra seriam mais aconselhados para o público da educação infantil, visto que ele é facilmente coordenado por regras de fácil compreensão e não necessita de um doutrinamento moral, mas, a partir do ensino médio deve-se “conceitualizar” o que são as Artes Marciais “fazendo um resgate histórico das modalidades e as relacionando com a ética e os valores” (FERREIRA, 2006).

    Com esperança de ver o karate incluído na educação física universal ensinada em nossas escolas públicas, dediquei-me a revisar os katas² de modo a simplificá-los o mais possível. Os tempos mudam, o mundo muda e obviamente as artes marciais também devem mudar. O karate que os alunos de segundo grau praticam hoje não é o mesmo que era praticado há dez anos, e é bem grande a distância que o separa do karate que aprendi quando era criança em Okinawa (FUNAKOSHI, 1975 apud MARTINS, KANASHIRO, 2010, p. 47)

    Esta “pedagogização” é também atesta por Ferreira (2006) onde salienta que a Universidade Estadual do Ceará (UECE) reformulou a disciplina de “Lutas” que estava limitada apenas ao Judô e Karatê, tornando-a mais abrangente e lúdica, para que assim possa ser utilizada como recurso de desenvolvimento corporal/moral pelos professores de Educação Física no ambiente escolar. A vivência dos professores de Educação Física não praticantes de Artes Marciais não deve ser banalizada, pois, mesmo não existindo uma técnica apurada do mesmo, é possível desenvolver valências motoras e morais utilizando as Artes Marciais como plano de fundo.

    A partir de uma visão retroativa, as Artes Marciais que outrora tinha apenas a finalidade bélica, moral e de manter os militares ativos fisicamente, hoje nos é apresentada por Ferreira (2006) uma nova visão, a de que ela desde os primórdios dos tempos estimulava muito além do que até então era objetivado, pois fatores como desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo, social, lateralidade, tônus muscular, equilíbrio, coordenação global, noções de tempo espaço, reconhecimento corporal, percepção, raciocínio lógico, estratégia, postura social, socialização, perseverança, respeito, determinação e integridade são apenas pontos chaves aos quais foram citados.

Consideraçôes finais

    Este trabalho teve como objetivo identificar na literatura quais são os significados e funções empregados atualmente as Artes Marciais. Pra tal, foi retificado nas referências disponíveis, que, em sua totalidade foram produzidas no século XXI, o que se crê em ser a origem das Artes Marciais até o período contemporâneo, iniciando em seu contexto histórico até seu conceito esportivo. Historicamente Breda et al (2010) apontam que não é possível afirmar onde teve a sua origem, independente de seu estilo, mas, que todas as Artes Marciais são construções socioculturais, ou seja, variavam de cultura em cultura e se modificam com o passar do tempo.

    Outro fator na disseminação foi o quesito bélico. Ao qual a defesa e o ataque armado/desarmado definiam a conquista de riquezas e terras, como apresentado por Fett e Fett (2009), os agentes responsáveis pela defesa mantinham-se em treinamento constante, mesmo em tempos de paz, para que se necessário fosse estivessem aptos para o confronto iminente.

    No momento em que os praticantes ingressavam nos treinamentos, os valores morais e espirituais eram muito visados, pois como Martins e Kanashiro (2010) salientam, o aperfeiçoamento doutrinário era um dos principais objetivos do treinamento. Os agentes que se destacavam e eram selecionados para ser a ingressarem nas forças especiais de Artistas Marciais recebiam estudos nas variadas ciências históricas, filosóficas, éticas e morais (LOPES, 2009).

    Até a origem da esportivização das Artes Marciais por volta do século XIX, as principais finalidades delas seria o de preparar agentes para a defesa das colônias/povoados/cidades, para os cidadãos se autogovernarem e para manter-los ativos fisicamente. Após a ruptura citada por Martins e Kanashiro (2010) entre o esporte moderno e o esporte tradicional, Iedwab e Standefer (2001), Kano (2008) e Martins e Kanashiro (2010) caracterizam as Artes Marciais apenas como método de exercício físico e variante pacificador devido o seu afastar dos conceitos litúrgicos que outrora eram pré-requisito aos praticantes.

    Segundo Kano (2008), se o espírito samurai não tivesse sido abandonado, a sociedade de hoje seria muito mais integra e honrada, porem, muito do que outrora era essencial para os praticantes de Artes Marciais, hoje é deixado de lado devido o grande valor que a competição detém na sociedade contemporânea.

    Pela perspectiva de Akilian (2004), as Artes Marciais podem e devem ser utilizadas para o desenvolvimento motor, conhecimento corporal e até a formação intelectual de cada praticante, a partir disso, Iedweb e Standefer (2001) argumentam que a “pedagogização” das Artes Marciais a modificou para um aprendizado mais rápido, simplificando os conceitos e padronizando regras de competição, seguindo o conceito ser uma construção sociocultural. Ferreira (2006) e Bisso (2007) salientam que os jogos de lutas devem ser empregados como método de exploração corporal devido a facilitação das regras, mas, que conforme o desenvolver dos praticantes o jogos passam a se tornar a Arte Marcial em si, logo, deve-se aplicar conceitos filosóficos, éticos e morais para auxiliar no desenvolvimento social e não apenas no físico e técnico.

    Com isto, é possível compreender que as Artes Marciais não possuem mais a antiga ênfase bélica, e, que através de sua “pedagogização” ela pode, e deve ser usada como meio de desenvolvimento cognitivo, moral e físico de seus praticantes. É compreensível que os conceitos filosóficos da atualidade não sejam os mesmos que eram pregados primordialmente devido aos conceitos socioculturais modernos, mas, seria de grande importância não deixar os valores de justiça, integridade e moralidade a mercê.

Notas

  1. Confucionista: 1. Fil. Hist. Pol. Sistema de idéias (políticas, religiosas e éticas) atribuído ao filósofo chinês Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.) e seus seguidores, e que se tornou doutrina oficial da China de 136 a.C. até 1912. [Como doutrina, caracteriza-se pela valorização da família e do Estado e pelo exercício, nestes, das virtudes da justiça, da reverência aos antepassados e do amor filial, da sinceridade.] [F.: do antrop. Confúcio (lat. Confucius) + - n - + -ismo.]

  2. Esportivização: transformação de uma atividade física ou corporal em modalidade desportiva, geralmente com vertente competitiva.

  3. Dojang: Local de treinamento de Artes Marciais de origem Coreana (IEDWAB; STANDEFER, 2001),

  4. Dojo: Local de treinamento de Artes Marciais de origem Japonesa (MARTINS; KANASHIRO, 2010).

  5. Pedagogização: (pedagogo+izar) vint Exercer a pedagogia.

  6. Lutas: atacas; brigas; combates; estrebuchas; guerreias; hostilizas; testilhas. Lutar: v.i. Combater corpo a corpo. Disputar uma vitória em relação a outrem. Fig. Esforçar-se por vencer um obstáculo, por atingir um fim: lutar contra a tempestade, lutar por uma posição. Combater.

Referências

  • AKILIAN, Fernando. El deporte como agente de formación escolar. Caso: taekwondo. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, n. 76, Set. 2004. http://www.efdeportes.com/efd76/tkw.htm

  • BISSO, Damián. Adolescencia y karate: Beneficios de este arte marcial en los adolescentes. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, n. 114, Nov. 2007. http://www.efdeportes.com/efd114/adolescencia-y-karate.htm

  • BREDA, Mauro et al. Pedagogia do Esporte aplicada às Lutas. São Paulo: Editora Phorte. 2010.

  • FERREIRA, Heraldo Simões. As lutas na Educação Física Escolar. Revista de Educação Física, n. 135, p 36-44, Nov. 2006.

  • FETT, Carlos Alexandre; FETT, Waléria Christiane Rezende. Filosofia, ciência e a formação do profissional de artes marciais. Motriz, Rio Claro, v.15 n.1 p 173-184, jan./mar. 2009.

  • IEDWAB, Claudio; STANDEFER, Roxanne. Um Caminho de Paz. Um guia das Tradições das Artes Marciais para os jovens. São Paulo: Editora Cultrix. 2001.

  • KANO, Jigoro. Energia Mental e Física: escritos do fundador do Judô. São Paulo: Editora Pensamento. 2008.

  • LEE, Soon Man; RICKE, Gaetane. Official Taekwondo Training Manual. New York: Sterling Publishing Co., Inc. 2005.

  • LOPES, Henrique Corrêa. Taekwondo – a arte coreana: do domínio à glória. São Paulo: Editora Canal 6. 2009.

  • LOPEZ, H. Fariña, P. Historia y reflexiones sobre el arte marcial. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, n. 52, Set. 2002. http://www.efdeportes.com/efd52/artem.htm

  • MARTINS, Carlos José; KANASHIRO, Cláudia. Bujutsu, Budô, esporte de luta. Motriz, Rio Claro, v.16 n.3 p.638-648, jul./set. 2010.

  • SAVOIE, Gilles. Taekwondo: a technical manual. California: North Atlantic Books, 2010.

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