O ritmo na Capoeira | |||
Academia da Usina, Rio de Janeiro, RJ (Brasil) |
Ricardo Martins Porto Lussac (Mestre Teco) |
|
|
Resumo O Homem se manifesta pelos movimentos em um determinado tempo e espaço, caracterizando o ritmo que é uma qualidade física e coordenativa para o funcionamento e performance do ser humano. O ritmo está presente nas diferentes manifestações e funções orgânicas. O ritmo do ser humano é natural e individual, desenvolvido com o tempo e com a capacidade de captação rítmica, podendo ser aprimorado com os estímulos e as intensidades corretas, e no momento apropriado. Os jogos e os toques da Capoeira são recursos extremamente valiosos e fecundos para o desenvolvimento do ritmo nos praticantes do jogo-luta, mas estes podem variar, inclusive em sua nominação, de acordo com as escolas, linhagens ou estilos de Capoeira. Unitermos: Capoeira. Qualidade física. Ritmo.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
O Homem, por meio de seu corpo, se manifesta também pelos movimentos em um determinado tempo e espaço, caracterizando o ritmo que é uma qualidade física e coordenativa para o funcionamento e performance do ser humano. O ritmo está presente nas diferentes manifestações e funções orgânicas. O ritmo do ser humano é natural, cada ser possui o seu. É desenvolvido com o tempo e também com a capacidade de captação rítmica para o desenvolvimento individual, podendo ser aprimorado com os estímulos e as intensidades corretas, e no momento apropriado.
Segundo Le Boulch (1983), o ritmo deve ser considerado como uma estruturação de fenômenos que se desenrolam no tempo, ou seja, é a organização de fenômenos temporais. Já para Manoel Gomes Tubino, o ritmo “É a qualidade física explicada por um encadeamento de tempo, um encadeamento dinâmico-energético, uma mudança de tensão e de repouso, enfim, uma variação regular com repetições periódicas.” (TUBINO, 1984, p. 180). Este autor afirma que: “O ritmo é outra valência física, intimamente ligada ao sistema nervoso, e que está presente em todas as modalidades esportivas” (ibidem, 1984, p. 193).
Hélio Campos, o Mestre Xaréu, se apoia na definição de ritmo de López e Kant, mais generalizada, diferente da interpretação do ritmo como qualidade física:
“Para Mário A. Lopez,
É a força criadora e a energia vital. Preside todas as manifestações do universo e inclui as humanas. É a forma funcional de todo o vivente. Parece ser a expressão de uma lei fundamental do universo, que condiciona a eficácia, equilíbrio e harmonia de todo processo e forma.
Ainda segundo Mário A. López, para Kant:
O ritmo é um elemento constitutivo permanente, tanto da natureza considerada como totalidade, como objetos e fenômenos que a determinam. Simultaneamente é um elemento apriorístico da mesma forma que o espaço.” (CAMPOS, 1998, p. 123).
No Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O Globo, Fernandes define o ritmo, também de forma generalizada, focada na definição do vocábulo e seus respectivos significados:
“Sucessão regular de sílabas acentuadas, de que resulta impressão agradável ao ouvido; (mús.) combinação simétrica de sons, sob o ponto de vista da intensidade e do tempo; cadência; movimento regular e medido; (méd.) proporção de intensidade entre as pulsações arteriais; correlação harmoniosa entre as partes de uma composição literária ou artística. (Do gr. Rhythmos.)” (FERNANDES, 1993, p. 610).
Fernandes, no mesmo dicionário, também faz as seguintes definições: “Rítmica, s. f. Ciência do ritmo; (mús.) estudo da expressão musical em suas relações com o tempo.” (ibidem, 1993, p. 610) e, “Ritmopéia, s. f. Arte do ritmo. (Do gr. rhythmopoia.)” (ibidem, 1993, p. 610).
Sobre a busca de uma definição de ritmo, mesmo não sendo especificamente a definição de uma qualidade física, no âmbito do treinamento esportivo, Marcelo Gomes da Costa aproveita a definição do Dicionário Aurélio:
“1 – movimento ou ruído que se repete, no tempo, a intervalos regulares, com acentos fortes e fracos;
2 – No curso de qualquer processo, variação que ocorre periodicamente de forma regular” (COSTA, 1996, p. 140).
Para este autor, “Alguns profissionais defendem o Ritmo como qualidade física, já outros não o consideram como tal devido à dificuldade de definição da mesma, em nomenclatura, bases e estratégias de trabalho.” (ibidem, 1996, p. 140). Continuando, Costa se apoia em Rasch & Burke e, posteriormente, em Marinho para uma maior definição sobre o ritmo como qualidade física:
“Rasch/Burke (1977, 537) descrevem: “O ritmo pode ser um importante fator de influência no rendimento dos movimentos que são realizados... A facilidade e a eficiência do movimento pode aumentar, se este for realizado num ritmo definido”.” (ibidem, 1996, p. 140).
“Marinho (1980, 343/344), em suas considerações acerca da Ginástica Feminina Moderna, por Margareth Froelich, caracteriza o ritmo como fator que dá característica própria a ginástica: “O movimento rítmico caracteriza a nossa ginástica. Compreendemos com isto o fluir de um movimento em suas variedades dinâmicas. Nesse sentido o ritmo é uma característica do movimento total, expressivo, natural, que não pode ser interrompido em seu desenvolvimento... A ginástica tem sido acompanhada, com grande êxito, de processos acústicos. É importante, porém, que este acompanhamento acústico, juntamente com o movimento, estabeleça uma relação íntima. Por isso, a batida de palmas, os comandos, os instrumentos de percussão ou a música têm de corresponder ao desenvolvimento rítmico”.” (ibidem, 1996, p. 140).
De acordo com Marcelo Gomes da Costa, a Ginástica Localizada – e podemos sugerir que isto também ocorra em outras expressões de atividades físicas – se manifesta através dos denominados BPM(s) musicais, ou seja, dos batimentos por minuto da música, ritmo musical, utilizada (ibidem, 1996), da seguinte forma:
“- NO Aquecimento:
- Orgânico-Geral = Aeróbica e suas variações => 145 a 160 BPM;
- Músculo-Articular = Exercícios Localizados => 130 a 140 BPM;
- Na Parte Específica:
- R.M.L. => 120 a 130 BPM;
- Força = Força Dinâmica, predominantemente => +- 120 BPM;
- No Relaxamento => +- 110 BPM.” (ibidem, 1996, p. 141).
Esta codificação ou interpretação da manifestação do ritmo se aproveitada para a Capoeira e, respectivamente, analisada e adequada de forma apropriada para o jogo-luta, pode ser muito útil para a sua prática pedagógica e de treinamento esportivo. Mas até hoje não há estudos aprofundados sobre esta temática. Uma análise dos BPM musicais de ritmos da Capoeira e suas variações e, conseqüentemente, suas implicações no jogo e no treinamento com certeza teria um impacto positivo no jogo-luta. Se isto acontecer no futuro, poderemos evoluir no campo do treinamento desta qualidade física aplicada a Capoeira.
Deste modo é possível interpretar, pensar e definir que esta qualidade física permite realizar o movimento com um padrão cíclico regular, padrão de tempo e cadência. Aperfeiçoando este raciocínio é possível afirmar que o ritmo pode ter duas variáveis, interno e externo, como também já afirmado por Schinca (1991):
a. Ritmo interno: faz parte do extrato da individualidade humana, característico das capacidades psicossomáticas que irão depender de fatores como hereditariedade, constituição física, idade, entre outros. O ritmo interno está presente em cada um dos atos motores, em especial na dinâmica muscular, como nas mudanças entre contração e relaxamento, que também acontecem dentro da relação espaço-tempo. O tempo se relaciona ao andamento e o espaço à amplitude do movimento.
É o ritmo “interno” dos jogadores, este ritmo pode ser “estável” ou “instável” dependendo das características e momento do jogo ou treino e do jogador, praticante. O ritmo do capoeirista pode ser “estável” se apresentar um padrão cíclico regular e “instável” se apresentar um padrão irregular de tempo e cadência, podendo, ainda, ele utilizar um ritmo de padrão “alternado”, com momentos de instabilidade e estabilidade de rítmica.
b. Ritmo externo: seria o estímulo externo. Este ritmo resulta da percepção através dos órgãos dos sentidos, sendo elaborado através do sistema nervoso central. A percepção de sons tem a possibilidade de ordenar o corpo no espaço e no tempo. O ritmo da orquestra, bateria e instrumental, canto e palmas de uma roda de Capoeira, por mais simples que seja ou em diferentes situações, podendo ser também, estes estímulos externos, o som oriundo de um aparelho de som por exemplo, como até outro tipo de música como o samba, ou outro estímulo qualquer, mesmo que seja uma marcação rítmica rudimentar e simples. O ritmo externo, musical ou não, deve ter de preferência a característica de um ritmo estável, e se possível, o mais próximo da realidade e da prática da Capoeira. Neste sentido, é interessante compreender que o outro jogador, seu oponente ou companheiro no jogo, também pode imprimir um ritmo externo ao jogador.
Figura 1. Foto de um jogo de Capoeira sem acompanhamento musical. Dados da foto: Grupo: Malta da Floresta (Mestre Teco, Rio de Janeiro, R.J.).
À esquerda, executando um pulo mortal com coice duplo, está Mestre Teco. Do lado esquerdo, esquivando ligeiramente, está o
Contra-Mestre Cabeção (in memorian). Local: Terreiro de São Rafael, Tijuca, Rio de Janeiro. Arquivo Pessoal do Mestre Teco (1998)
Segundo Cunha, um fator primordial para se jogar Capoeira é o de jogar de acordo com o ritmo determinado pelo berimbau, pois sem o ritmo adequado o jogo da Capoeira torna-se “desarmonioso” e o capoeirista não corresponde ao ritmo determinado que o berimbau está pedindo (CUNHA, 2003).
Figura 2. Foto de uma Roda de Capoeira com crianças jogando ao som da bateria de instrumentos. Dados da foto: Grupo: Malta da Floresta (Mestre Teco, Rio de Janeiro, R.J.).
No atabaque: Bugiu. No berimbau, ao centro: Mestre Teco. No berimbau, à direita: Farinha. Local: Creche A Casinha Torta, Usina, Tijuca, Rio de Janeiro. Arquivo Pessoal do Mestre Teco (1997).
Quando não há um ritmo externo, o ritmo de um jogo de Capoeira é definido pelos dois jogadores, pela combinação do ritmo interno dos dois, do mesmo modo que definem o tipo de jogo.
Deste modo, o ritmo da Capoeira, tanto interno, quanto externo, poderia ser assim definido conforme a intensidade:
Ritmo Lento: caracteristicamente bem vagaroso, muito lento, geralmente jogado e tocado no ritmo e cadência do toque ou jogo denominado “angolinha”.
Ritmo Devagar: como o próprio nome diz, devagar, mas não tanto quanto o lento. Geralmente jogado e tocado no toque de Angola, mas outros podem ser utilizados.
Ritmo Moderado: característica média. Possibilita a movimentação com graça e maior perfeição. Inúmeros toques de Capoeira podem ser jogados e utilizados nesta intensidade de padrão rítmico, mas o que mais corresponde a esta característica é o toque São Bento Pequeno ou São Bento Pequeno de Angola e na Luta Regional Baiana ou Capoeira Regional, o toque Benguela é o mais utilizado.
Ritmo Rápido: característica ligeira. Também vários toques de Capoeira podem ser jogados e utilizados nesta intensidade de padrão rítmico. Geralmente jogado e tocado no toque São Bento Grande ou São Bento Grande de Angola e no toque da Luta Regional Baiana ou Capoeira Regional, São Bento Grande de Bimba ou São Bento Grande da Regional.
Ritmo Acelerado: característica muito veloz podendo atingir o máximo de velocidade dos movimentos. Além dos toques acima mencionados no ritmo rápido, existe um mais específico para este padrão rítmico, o “Barravento”, tipo de jogo e toque de berimbau criados pelo Mestre Mintirinha do Rio de Janeiro, R.J.
Entretanto é necessário compreender que os jogos e os toques utilizados nestes padrões de ritmos podem variar, inclusive em sua nominação, de acordo com as escolas, linhagens ou estilos de Capoeira.
Destarte, independente do ritmo ou toque utilizado, é imprescindível certo teor de estabilidade e harmonia dos ritmos interno e externo, sendo estes fatores extremamente importantes para a plena realização e concretização do ritual da roda de Capoeira e dos capoeiras.
Os jogos e os toques da Capoeira são recursos extremamente valiosos e fecundos para o desenvolvimento do ritmo nos praticantes do jogo-luta, e poderiam comportam maiores estudos para um melhor desenvolvimento da Capoeira.
Nota: este trabalho, só agora publicado, é resultante de alguns apontamentos do autor quando este escreveu sua monografia de pós-graduação lato sensu (LUSSAC, 2004). Nos dias atuais o autor se dedica a outras áreas de pesquisa, entretanto, o mesmo acredita que ao publicar estes apontamentos, estes podem contribuir de algum modo somando ao desenvolvimento acadêmico no campo da Capoeira, ainda muito aquém do que poderia ser explorado.
Referências bibliográficas
CAMPOS, Hélio. Capoeira na Escola. 1ª edição, Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 1998.
COSTA, Marcelo Gomes da. Ginástica Localizada. Rio de Janeiro: Editora Sprint, 1996.
CUNHA, Andréa Cristiane Alves da. Capoeira Positiva - Os benefícios da prática da Capoeira para crianças portadoras do vírus HIV. Rio de Janeiro: Edições Abada-Capoeira, 2003.
FERNANDES, Francisco. Dicionário Brasileiro Globo. 30ª edição. São Paulo: Globo, 1993.
LE BOULCH, Jean. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Trad. Por Ana Guardiola Brizolara. 7ª edição. Porto alegre: Artes Médicas, 1992.
LUSSAC, Ricardo Martins Porto. Desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência e vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação “Lato Sensu”, Projeto A vez do Mestre. Rio de Janeiro: 2004.
SCHINCA, Marta. Psicomotricidade, Ritmo e Expressão Corporal: Exercícios práticos. São Paulo: Manole, 1991.
TUBINO, Manoel José Gomes. Metodologia científica do treinamento desportivo. 3ª edição. São Paulo: Ibrasa, 1984.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires,
Mayo de 2013 |