efdeportes.com

O corpo no currículo em acontecimento na escola

El cuerpo en el currículo en cuestión en la escuela

 

*Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Doutoranda da Faculdade de Educação da UNICAMP. Docente dos Cursos

de Educação Física e Pedagogia da ESAMC – Sorocaba, SP

**Doutorando e Mestre em Educação (Psicologia Educacional) pela Universidade

Estadual de Campinas (2009). Professor efetivo do Ensino Fundamental na rede

municipal de ensino de Hortolândia. É professor dos cursos de pós-graduação

da rede de faculdades Anhanguera

***Especialista em Educação Física Escolar e mestrando da Faculdade

de Educação da UNICAMP. Professor efetivo da rede pública estadual, da rede

particular do município de Americana e do Curso de Licenciatura

em Educação Física da ESAMC, Sorocaba, SP

Rita de Cassia Fernandes*

Ronaldo Alexandrino**

Silvio César Cristovão***

rita.fernandes@esamc.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente ensaio tem como objetivo discutir a partir da análise de fragmentos dos discursos de professoras de Ensino Fundamental nossas construções de sentido que perpassam as concepções de corpo para, a partir daí, estabelecermos relações com a questão do currículo na escola. Para tal entrevistamos quatro professoras de Ensino Fundamental de escolas públicas das cidades de Americana e Hortolândia/SP que ministram as seguintes disciplinas: Educação Física, Arte e Língua Portuguesa. Além disso, entrevistamos também uma Pedagoga, respectivamente indicadas pelas letras R., N., S., E. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas com o consentimento dos sujeitos da pesquisa. Como resultados, a pesquisa mostrou que as representações sociais sobre corpo estão pautadas no viés biológico, restrito e instrumental da saúde, associando o corpo a um conjunto de partes, demonstrando a iminência de repensarmos como os currículos têm trabalhado com as significações referentes a este tema na escola.

          Unitermos: Corpo. Currículo. Representações sociais. Saúde. Escola.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    A chamada vida moderna nos coloca diante de inúmeras questões que precisamos lidar diariamente. Um dos temas em questão passa a ser aquilo que socialmente é entendido por corpo e quais os diferentes modos que essa conceituação se manifesta na vida cotidiana. Um dos espaços em que as representações sociais sobre o corpo se fazem presentes é a escola.

    Isso pode nos levar a alguns questionamentos: como compreender o cotidiano escolar? Como a noção de corpo é veiculada no discurso pedagógico, e por sua vez no currículo? De que maneira as representações sociais sobre corpo influenciam a vida dos praticantes do cotidiano?

    Pensar tal temática nos lança na ordem do acontecimento. Podemos tomar o cotidiano da escola como o conjunto das coisas e situações que acontecem na sala de aula e para além da sala, na instituição escolar como um todo (...). Se o cotidiano da escola pode ser tomado como um conjunto de acontecimentos, ele nos coloca em prontidão, na medida em que não podemos, nunca, exercer absoluto controle sobre os acontecimentos (GALLO, 2007, p.21).

    Considerando o cotidiano como o lugar do acontecimento, daquilo que não é previsível, não esperado, não calculável, a convivência com as diferentes representações sociais sobre o corpo se fazem presentes, influenciando as ações de seus praticantes uns com os outros.

    Nesse sentido, entendemos que o discurso pedagógico possui importante papel neste contexto, uma vez que influencia na construção de significados que os sujeitos da escola fazem das noções de corpo que ali circulam. “O brilho, o esplendor do acontecimento é o sentido. O acontecimento não é o que acontece (acidente), ele é no que acontece o puro expresso que nos dá sinal e nos espera” (DELEUZE, 2003 apud OLIVEIRA, 2006, p. 99).

    Assim, neste texto, temos como objetivo problematizar nossas construções de sentido que perpassam as concepções de corpo para, a partir daí, estabelecermos relações com a questão do currículo na escola e de que maneira perspectivamos a sua inserção, considerando a relevância do fenômeno corporeidade no contemporâneo.

Mas, afinal, o que é corpo?

    Ao nos depararmos com a necessidade de analisar a complexidade da temática em questão ressaltamos que é preciso lembrar que o advento da ciência moderna transforma o corpo em objeto de conhecimento, sendo que cada momento histórico elabora uma retórica corporal construída por imagens que muitas vezes são mais fortes do que o próprio discurso da palavra, do texto escrito. Assim, o corpo pode ser considerado um microcosmo que se relaciona no interior de um contexto macro, de maneira algumas vezes harmoniosa, outras nem tanto.

    Diante desse processo histórico de (re) criação conceitual de corpo, principalmente pela ciência, podemos observar que ele já foi (ou talvez ainda seja para alguns) considerado uma máquina, ou ainda um conjunto de peças integrantes de um quebra-cabeça cósmico (SOARES, 1998). Da mesma forma, para Marx (1867, apud COSTA, 2011), o corpo seria um objeto com atributos negociáveis no mercado de trabalho, enquanto para Foucault, o corpo é um objeto controlado socialmente, subjugado por normas e códigos. Mesmo assim, a maior contribuição deste pensador esteja em sua concepção de corpo social orgânico, com a capacidade de rebelar-se frente ao controle social, justamente por estar organizado (FOUCAULT, 1994, apud COSTA, 2011).

    Ainda podemos lembrar que alguns autores se apoiam na noção de uma plenitude conceitual de corpo. O uso do termo plenitude na referência de corpo se deve à necessidade de caracterizá-lo de forma a dar a ideia da completude percebida em suas várias dimensões: a física (materialidade do corpo em si e por si mesmo); a fisiológica (a inter-relação de sistemas e funcionamento); a social (lócus das interações interpessoais); a histórica (a relação de espaço-tempo da existência do corpo); a energética (a sua força motriz) e a cultural (orientações quanto ao modo como o corpo vive, como atua e reage). Portanto, o desafio está em unificar tais conceitos em uma única concepção de corpo (COSTA, 2011).

    Nesse sentido, questionamos: Quais os “regimes de verdade” que estão presentes em nossos discursos na contemporaneidade? Quais as representações sociais que nós, professores e professoras, e também nossos alunos, temos sobre corpo, que se evidenciam nas práticas pedagógicas e, portanto, no currículo? Temos um corpo ou somos um corpo? Indagações que nos remetem a uma discussão bastante instigante sobre nós mesmos e que entendemos ser fundamental nos determos neste momento.

    Talvez, muitos de nós tenhamos respostas pautadas por um viés biologicista, como aprendemos ao longo de nossa escolarização: “corpo é cabeça, tronco e membros”. Para além do enfoque biológico que nos aproxima como espécie, tencionamos destacar a dimensão sociocultural e histórica do corpo, ou seja, o corpo como território, onde a cultura imprime suas marcas, mas também como espaço de resistência ao poder (SANT’ANNA, 2001).

    Trazendo esta discussão para o cenário contemporâneo, concordamos com os estudos de Silva (2001), Soares e Fraga (2003), Sant’Anna (2001) quando os autores discutem a configuração de uma “ditadura da beleza”, dos detalhes e das formas corporais retilíneas que devem ser conquistadas a qualquer preço. “Seja magro, belo, jovem e seja feliz”, é um dos discursos que insistentemente a mídia divulga em consonância com os ditames de uma indústria da beleza e do fitness que cresce a cada dia. São dietas, cosméticos, cirurgias plásticas, ginástica que se materializam também como estratégias revestidas do viés da saúde para minimizar o “totalitarismo fotogênico”.

    Na mesma direção, Silva (2001) analisa a construção de uma expectativa de corpo que requer inúmeros cuidados com a beleza e a “boa forma”, transformadas em exigência nos dias atuais. Segundo a mesma autora, com o desenvolvimento das tecnologias e da expansão do mercado de produtos e serviços, o corpo encontra-se na condição de território a ser trabalhado, constantemente modificado, apartando-se dos seus resquícios de naturalidade. Portanto, caberia tão somente ao indivíduo demonstrar sua dedicação e força de vontade para atingir determinado padrão de beleza.

    Ao problematizar a ideia do corpo belo, Daolio (1997) traz a afirmação de que em outras épocas, o corpo robusto era considerado bonito e elegante, ou seja, a gordura significava prosperidade e formosura como traço de distinção social para o corpo feminino. Já a magreza era associada à doença, sugerindo condições de vida miseráveis. Tais colocações elucidam o quanto os padrões de beleza são fundados nas características e valores de uma sociedade em um determinado tempo histórico, pois nos dias de hoje, na nossa sociedade, a gordura é sinal de lentidão, desleixo e, portanto, algo que deve ser eliminado.

Representações sociais do corpo

    Quando pensamos em corpo, um arcabouço de representações socialmente construídas faz com que lidemos com o outro a partir de como tais representações são significadas para cada sujeito. Por isso, ao falarmos em representações sociais, neste texto, estamos retomando as proposições teóricas fundadas por Serge Moscovici e sua Teoria das Representações Sociais. Não nos cabe aqui, uma discussão aprofundada de todos os conceitos por ele discutidos ao longo de sua obra, mas por sua vez, alguns pontos nos interessam para uma discussão referente ao corpo, e como tais representações circulam no cotidiano escolar.

    Inicialmente, retomemos a definição clássica de representação social proposta por Jodelet, como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET apud SÁ, 2004, p. 32).

    Se compreendermos as representações sociais como um conhecimento que é construído e partilhado por um grupo social, é possível afirmar que as representações sociais existentes sobre o corpo são, por sua vez, um constructo social e que, da mesma maneira que foi construído, pode ser desconstruído e ressignificado.

    Nesse sentido, entendemos que a escola pode ter um papel fundamental nesse processo, a partir de uma perspectiva crítica, que fundamente o entendimento histórico e social do corpo, desnaturalizando aquilo que, comumente, é veiculado por meio do currículo e das disciplinas escolares. Portanto, é essencial que a regulação e o controle de nossos corpos (pensantes e envidrecidos) pelo poder hegemônico e doutrinador sejam, constantemente, problematizados, e por sua vez, discutidos.

    Tal análise pode nos levar a vários questionamentos, dentre eles: como uma representação social é construída?

    As representações sociais cumprem um papel que é o de transformar aquilo que é não-familiar em familiar, ou seja, de trazer algo distante para mais perto, ou seja,

    As representações sociais também são ações e criações de sentido que se impõe a um grupo ou uma comunidade; todas as vezes que esses grupos se deparam com algo não-familiar precisam encaixá-lo em algo familiar (ALEXANDRINO, 2009, p. 32).

    Desta maneira, podemos dizer que todas as noções de corpo que não se enquadram em um padrão hegemônico de beleza aparecem como algo não-familiar, e que precisam ser enquadrados em uma categoria pré-estabelecida, tornando-se assim consensual para um determinado grupo social. Tal enquadramento ocorre a partir de dois processos, denominados ancoragem e objetivação.

    Em relação ao conceito de ancoragem, Moscovici nos diz que:

    Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo a nós mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essa resistência, em direção à conciliação de um objeto ou pessoa em uma determinada categoria, é rotulá-lo com um nome conhecido (2003, p. 61-62).

    Para o mesmo autor, a objetivação:

    une a idéia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade (...). Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem (MOSCOVICI, 2003, p. 71-72).

    Em suma, podemos dizer que a ancoragem possui uma relação direta com a nomeação dos sujeitos, e por sua vez, o seu enquadramento em um grupo social; já a objetivação está relacionada com as maneiras que um sujeito social é tratado a partir de uma representação social estabelecida. Enfim, entendemos que lidamos com o outro a partir da representação social que se tem dele, e não com quem ele realmente é. Portanto, o mesmo processo ocorre com o corpo.

Aspectos metodológicos

    A presente pesquisa de natureza qualitativa descritiva teve como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada com quatro professoras de Ensino Fundamental de escolas públicas das cidades de Americana e Hortolândia/SP que ministram as seguintes disciplinas: Educação Física, Arte e Língua Portuguesa. Além disso, entrevistamos também uma Pedagoga, respectivamente indicadas pelas letras R., N., S., E. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas com o consentimento dos sujeitos da pesquisa.

Representações sociais do corpo no currículo: fragmentos de narrativas de professoras na escola

    Costurando os fios da temática corporal que perpassa a escola, o currículo e a pesquisa, recorremos aos fragmentos de algumas narrativas que demonstram a complexidade da trama que envolve as representações sociais e o trabalho com o corpo neste contexto multifacetado, deixando claro que nossas análises são uma possibilidade de olhar para o fenômeno em questão, mas não a única.

    Desse modo, no intuito de problematizar as representações sociais que algumas professoras de Ensino Fundamental têm a respeito do corpo e também como tais representações se manifestam no trabalho docente, elaboramos as seguintes questões “O que é corpo para você?” e “Como você aborda o tema corpo em suas aulas?”.

    Para a professora N., que leciona Arte numa escola pública estadual da cidade de Americana, São Paulo:

    Corpo é um organismo, uma combinação de membros e aparelhos que funcionam em harmonia, quando o indivíduo está saudável. Faz parte do corpo parte psíquica, que também influencia o comando das funções para uma vida saudável.

    A professora R., de Educação Física de uma escola pública municipal de Hortolândia/São Paulo, nos diz:

    Corpo? Dentro da Educação Física o corpo pra mim é tudo. É braço, perna, mão, cabeça, cérebro, coração. Dentro da Educação Física o corpo pra mim é tudo. Todos os... Não diferencia uma parte da outra. Ele é um todo: cérebro, coração, pulmão, perna e braço.

    Já a professora E., pedagoga, de uma escola pública municipal de Hortolândia/São Paulo, comenta:

    O que é corpo? Corpo é o que a gente tem, que tem as nossas funções, então a gente precisa do corpo, né! Pra ter as nossas funções, pra gente poder falar, então, corpo é isso... é um conjunto, é um conjunto do ser humano.

    Nas narrativas anteriores percebemos a predominância do viés biológico e funcional nas concepções de corpo, nas quais este se apresenta fragmentado e apoiado nas representações sociais da saúde, entendendo-a de forma restrita como ausência de doença, desconsiderando, portanto, um olhar mais amplo sobre a saúde. A questão do corpo-máquina conforme discutido por Soares (1998) fica bastante evidente quando se faz alusão à idéia do corpo como sistema, mas contraditoriamente fragmentado em partes.

    Outro aspecto que nos chamou atenção foi a repetição na fala da professora R., sobre a sua área de conhecimento, no caso, a Educação Física, a qual pressupõe que a marca de um campo científico legitima o discurso do sujeito, justificando a configuração de um currículo biologicista e da apropriação instrumental do corpo e de suas funções.

    Tomando a escola como organização complexa e com múltiplas faces, Ferraço (2005) ressalta que é imprescindível pensar e discursar sobre o currículo e a formação continuada não a partir da perspectiva da prescrição, mas do que é de fato realizado nas salas de aula. Assim, podemos perceber que as falas das professoras parecem carregadas de características reprodutivistas, pois consideram aspectos que limitam/restringem a atribuição de significados mais contextualizados, valorizando, de certa forma, aquilo que está prescrito no currículo e nos planos das disciplinas escolares.

    Vinculado ao contexto educacional e considerando as representações sociais do corpo e dos conhecimentos sobre ele, percebemos a necessidade de desnaturalizar alguns conceitos que perpassam tanto a formação inicial quanto a prática pedagógica de professores, independentemente de sua área de atuação, como puderam observar.

    Ainda sobre a noção de corpo, a professora S., que leciona Língua Portuguesa numa escola pública estadual em Americana/São Paulo, afirma que

    O que penso, da minha prática educativa é que o cerne da LP é a comunicação, normalmente abordada de forma oral ou escrita apenas, no entanto, há muito o que comunicar através do gesto, da expressão facial, do corpo, enfim, é disso que me aproprio na Mostra Cultural - "leitura em ação", pois o aluno tem que, a partir da (s) leituras (s) externar, de maneira artística, não só usando a voz, mas toda a expressão do corpo, do rosto, mãos...

    Nessa narrativa observamos que, distintamente das falas anteriores, a professora associa o corpo como meio de expressão e por isso, uma forma de linguagem, pontuando a necessidade de se pensar no corpo como um todo e nas suas possibilidades de comunicar algo. Assim, entendemos ser relevante pontuar que o gesto difere de um simples se movimentar, pois carrega em si sentidos e significados a serem lidos, interpretados, ressignificados.

    Neira acrescenta ainda que “os gestos, esses recursos da comunicação corporal, são os textos do corpo, portanto, são uma forma específica de linguagem, a linguagem corporal” (NEIRA, 2007, p.16).

    Contudo, outro aspecto que nos chamou atenção está relacionado a uma possível ruptura do currículo, no âmbito da formação inicial da professora S., de uma visão biológica de corpo para um entendimento mais amplo do conceito. Poderíamos, assim, pensar numa formação que não elimine a necessidade de se compreender como um futuro profissional irá se posicionar e interagir diante das várias concepções de corpo inseridas em contextos midiáticos e, por que não, hegemônicos.

    É válido lembrar que Giroux (apud LOPES; MACEDO, 2011) acredita no professor como intelectual orgânico, influenciado por Freire e Gramsci, o que motivaria um processo de resistência, ao qual poderíamos associar à fala dessa professora. Contudo, tal resistência não deve estar associada apenas ao professor, mas também, ao aluno, o qual, muitas vezes, se desloca da lógica estrutural da escola, rompendo com algumas imposições e práticas curriculares reprodutivistas e hegemônicas.

    Essa contracultura, defendida por Willis (apud LOPES; MACEDO, 2011) seria mais uma estratégia de alunos para resistir e produzir, não uma cultura dos derrotados, mas outra cultura, que deve ser levada em conta frente a todas as demais que permeiam as representações sociais de corpo e as relações interpessoais.

    Assim, para Giroux, tanto professores quanto alunos não devem ser considerados meros sujeitos passivos, mas mediadores dos processos sociais e da dominação que procura regular todo o sistema. Nem tudo é submissão, há processos de resistência dos quais os sujeitos são artífices.

    Na segunda questão, a professora R., afirma que trabalha o corpo em suas aulas “através do movimento... movimento e toda a orientação espaço-temporal, eh! visão, tudo, trabalho o corpo como um todo.”

    Já a professora N., indica que

    Como arte educadora, o corpo humano é sempre trabalhado através de observações, desenhos ou atividades de expressão corporal. Porém as propostas dependem da faixa etária e objetivo que se queira alcançar com a atividade.

    Por sua vez, a professora E., pedagoga, nos diz:

    Bom, primeiro eu trabalho, eh! Eu peço pras crianças desenharem, se desenharem pra elas terem uma ideia de que como elas se vêem, né... o corpo delas. Pra ter noção do que elas são. Depois eu trabalho as diferentes partes do corpo, sentidos, como a gente pode usar o corpo do dia a dia, quais as funções de cada parte do corpo... é assim que eu trabalho.

    Nas duas narrativas anteriores, observamos que a representação do corpo não é o próprio corpo, embora seja feita essa associação. Além disso, está presente a representação social do corpo como soma das partes, de um corpo a ser instrumentalizado para as funções do cotidiano. Paralelamente a isso, entendemos e visualizamos pela fala das professoras que o trabalho corporal na escola quase sempre tem sido construído por meio de “atividades” que não tomam o próprio corpo como cerne da experiência sensorial. Fica-nos, claro, a materialização de processo de apropriação instrumental onde o corpo e sua natureza sociocultural como nos alerta Sant Anna (2001) muitas vezes são relativizados, deixando de lado sua riqueza a pluralidade.

Considerações finais

    Após esse breve ensaio sobre a relação entre o conceito de corpo e o desenvolvimento de propostas com essa temática, frente a um currículo muitas vezes engessado ou prescritivo, consideramos a necessidade de refletir sobre algumas mudanças de postura que viabilizariam uma recontextualização do currículo, principalmente a partir do momento em que percebemos que esse mesmo poder que estratifica o conhecimento e os saberes não precisa, necessariamente, ser entendido como repressão, mas que é potente e se faz presente nas relações sociais (FOUCAULT, 1981).

    Portanto, se observarmos que nossos modos de fazer, geralmente entendidos como táticas captadas no vôo (CERTEAU, 2003), são/estão prenhes de possibilidades para desnaturalizar as disciplinas escolares (GOODSON, 1983, apud LOPES; MACEDO, 2011), é possível que se conquiste tal recontextualização. Porém, isso não ocorre isoladamente. É essencial mobilizar universidades e escolas conjuntamente, incentivando-as a pesquisar e compartilhar experiências que caminhem rumo a uma pedagogia radical, na contramão de propostas curriculares hegemônicas, favoráveis à manutenção das representações sociais vigentes.

    Afinal, não podemos deixar de acreditar em projetos que valorizem a multiculturalidade da sociedade contemporânea e seus hibridismos e que fundamentalmente enfatizem a relevância do papel político dos professores e professoras como mediadores para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, onde os preconceitos e estereótipos sobre as questões do corpo possam ser problematizados e colocados em permanente tensão.

Referências

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires, Mayo de 2013  
© 1997-2013 Derechos reservados