O conhecimento sobre o corpo nas aulas da Educação Física El conocimiento sobre el cuerpo en las clases de Educación Física |
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*Professora de Educação Física formada pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões- URI- Campus de Frederico Westphalen **Doutora pela Universidade de Barcelona/ ES em Filosofia e Ciências da Educação Professora da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, URI campus de Frederico Westphalen nos cursos de Educação Física e Pedagogia. Professora do Pós Graduação em Educação-Mestrado em Educação. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação URI, Membro do Grupo de Estudos Qualitativos de Formação de Professores e Prática Pedagógica em Educação Física e Ciências do Esporte CNPq/UFRGS Membro da Comissão de Especialista do INEP/MEC |
Vanusa Kerscner* Maria Teresa Cauduro** (Brasil) |
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Resumo O presente artigo trata de apresentar alguns saberes sobre o conhecimento sobre o corpo e da importância desse conhecimento para os professores que atuam na educação básica, em especifico na educação infantil e anos iniciais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais dividem a Educação Física em três blocos de conteúdos e nesse artigo trataremos do Conhecimento sobre o Corpo e de sub conteúdos necessários à desenvolver no aprendizado dos alunos. Unitermos: Conhecimento sobre o corpo. Educação Física. Formação de professores.
Resumem El artículo presenta saberes sobre el conocimiento acerca del conocimiento sobre el cuerpo y la importancia de este conocimiento para maestros que trabajan en la educación básica en la educación de la primera infancia y específico primeros años. Las Directrices de Educación Nacional presenta tres bloques de contenidos y este artículo tratará sobre el conjunto de conocimientos del cuerpo y contenidos necesarios para desarrollar el aprendizaje de los niños. Palabras clave: Conocimiento sobre el cuerpo. Educación Física. Formación de profesores.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Considerações iniciais
A realização de aulas de Educação Física nas primeiras séries escolares é uma maneira de constatar a importância de elaborar atividades que vão ao encontro das necessidades motoras das crianças, a fim de estimulá-las, com conteúdos específicos à faixa etária, uma vez que é uma fase determinante para processos futuros, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001) atuais apontam.
No entanto, para um melhor aprendizado, as aulas devem ser lúdicas, prazerosas, com caráter exploratório e social, possibilitando o exercício corporal, o ritmo, lateralidade, noções de direção, espaço-temporal, o esquema corporal entre outros. Assim, a criança se descobre dentro de suas possibilidades e limitações, e cabe ao professor motivá-la nesse contexto, intervindo quando necessário.
Para tanto, a visão do professor deve considerar sempre o contexto da vida das crianças, à complexidade dos fenômenos biológicos e sócio-culturais inerentes ao seu desenvolvimento, visto que esse cuidado do professor com o aluno torna-se crucial no desenvolvimento da criança, permitindo que ela tenha prazer pelas atividades e, ao mesmo tempo, esteja estimulando suas capacidades motoras, cognitivas, afetivas e sociais.
Nessa fase em que a criança começa a ser inserida na escola, as aulas de Educação Física precisam estar focadas no processo de conhecimento sobre o corpo, em que se trabalha diversos conteúdos que servem de alicerce para atividades do cotidiano ou combinadas e desportivas, como afirmam os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001, p. 15), em relação à Educação Física:
[...] possibilita aos alunos terem desde cedo, a oportunidade de desenvolver habilidades corporais e de participar de atividades culturais, como jogos, esportes, lutas, ginásticas e danças, com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoções.
A Educação Física além de contemplar atividades corporais, precisa estar associada à ludicidade, de modo que esteja assimilada ao ambiente infantil, próxima da realidade da criança, criando um vínculo entre o aprendizado e o brincar.
A criança obtendo um aprendizado corporal adquire uma autonomia social e cidadã, tão importantes num mundo globalizado, para isso a educação não deve ser isolada. É preciso que a aprendizagem corporal esteja relacionada às vivências da criança.
Desse modo, as aulas de Educação Física são a possibilidade da criança se perceber, programar e realizar ações que se tornam um estoque de aprendizagem básico para seu desenvolvimento corporal e adaptação social, considerando-se o ambiente e as condições vivenciadas pela criança.
2. Conhecimento sobre o corpo
A criança se encontra numa fase em que integra progressivamente seu corpo, adquirindo consciência de seu ‘próprio corpo’, com possibilidades posteriores de representação mental e de transformação de si em relação a outra pessoa, isto é, a criança restringe seu ‘corpo próprio’ do mundo dos objetos por meio da atividade práxica realizada na pesquisa do ambiente. Assim, os déficits importantes desta função acarretam em transtornos e instabilidade psicomotora. (LE BOULCH, 1982).
Para isso recorre-se aos Parâmetros Curriculares Nacionais, com o intuito de conceituar e verificar a abrangência deste bloco de conteúdos que diz respeito ao conhecimento sobre o corpo:
[...] O corpo é compreendido como um organismo integrado e não como um amontoado de “partes” e “aparelhos”, como um corpo vivo, que interage com o meio físico e cultural, que sente dor, prazer, alegria, medo, etc. para se conhecer o corpo abordam-se os conhecimentos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e bioquímicos que capacitam a análise crítica dos programas de atividade física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realização que regulem as próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer. [...]. (BRASIL, 2001, p. 46).
Com base nisso, é que se recomendam as atividades que estimulem os diferentes aspectos do conhecimento sobre o corpo como o esquema corporal, a lateralidade, a direção, a noção espaço-temporal, o equilíbrio, a coordenação, a tonicidade e o ritmo, como forma de contribuir psicomotoramente em desenvolvimentos posteriores.
Segundo Cauduro (2002) o conhecimento sobre o corpo passa pela aquisição de habilidades que o corpo deve adquirir. São elas: esquema corporal, lateralidade, direção, equilíbrio, tonicidade, coordenação, ritmo e espaço-tempo que passam a ser descrito.
2.1. Esquema corporal
Rosa Neto (2002) conceitua esquema corporal como organização das sensações relativas a seu próprio corpo em associação com os dados do mundo exterior, sendo que essa organização é o ponto de partida para as diversas possibilidades de ação. É a maneira como a criança se percebe, manipula objetos, joga, se desloca, além de sensações visuais, auditivas, de satisfação e dor, choro e alegria.
“Para uma boa elaboração do esquema corporal, é necessário que a criança receba o máximo possível de estimulações que a levem a perceber e sentir o corpo”. (CAUDURO, 2002, p. 83). Isso quer dizer que quanto mais oportunidades a criança vivenciar, mais habilidade terá de distinguir seu corpo e sentir diferenças, como também observar e manipular.
Para tanto, Cauduro (2002) exemplificava atividades que estimulam a elaboração do esquema corporal como aquelas que identificam as partes do corpo: nomear as diversas partes do corpo, identificar cavidades, distinguir partes duras de partes moles, leves de pesadas, grandes de pequenas, ásperas de lisas, sensíveis de menos sensíveis, músculos contraídos de relaxados, assim como fazer associações dessas partes com figuras geométricas.
A importância do esquema corporal está na criança interiorizar estes segmentos, permitindo uma automatização motora, caso isso não aconteça a criança apresentará problemas em diversas áreas.
[...] Na área motora, apresenta dificuldades como: coordenação deficiente, lentidão e má postura. Na área perceptiva, dificuldades de estruturação espaço-temporal e na área social, problemas nas relações com outras pessoas, originados por perturbações afetivas. (CAUDURO, 2002, p. 83).
Entretanto, um esquema corporal organizado fará com que a criança conheça e domine seu corpo, sentindo-se muito bem exatamente pelo fato de sua obediência frente às suas ações. “Uma criança que se sinta bem disposta em seu corpo é capaz de situar seus membros uns em relação aos outros, fará uma transposição de suas descobertas: progressivamente localizará os objetos, as pessoas, os acontecimentos em relação a si, depois entre eles”. (CAUDURO, 2002, p. 84).
É necessária que esta habilidade seja bem desenvolvida por ter uma relação direta com as demais habilidades motoras, como a lateralidade.
2.2. Lateralidade
A lateralidade não é algo que possa ser aprendido, uma vez que é definida através do sistema nervoso central e sua predominância se estrutura na evolução da criança.
A lateralização, como resultado da integração bilateral postural do corpo, é peculiar no ser humano e está implicitamente relacionada com a evolução e utilização dos instrumentos (motricidade instrumental – psicomotricidade), isto é, com integrações sensoriais complexas e com aquisições motoras unilaterais muito especializadas, dinâmicas e de origem social. (CAUDURO, 2002, p. 62).
O processo de lateralização compreende a identificação das partes do corpo em si próprio e no outro, inclusive noções de espaço-tempo, e pode ser percebido em atividades que se faz uso frequente de uma das mãos ou um dos pés/pernas, tendo o cuidado de considerar lateralizadas as crianças que não fazem mais a troca de mãos ou pés na execução das atividades, pois como afirma Eckert:
Durante a lactância e ainda na infância, há uma considerável permuta do uso de uma das mãos e de ambas as mãos até a dominância unilateral ser eventualmente alcançada ou, como em alguns casos, a criança desenvolve um alto grau de ambidestreza que é usualmente conseguida por crianças que estão classificadas como dominantes unilateralmente. [...]. (1993, p. 124).
Mattos e Neira (2008) enfatizavam que a questão genética e as experiências culturais exercem influência sobre a lateralização e que ao impor certa escolha à criança ter-se-á conseqüências terríveis para a mesma, como eles mesmos destacam:
Presenciamos, em nossa vivência como alfabetizadores, crianças que iniciavam suas produções escritas pelo lado direito da folha e seguiam escrevendo no sentido direita-esquerda até o final, espelhando todas as letras. Estas crianças eram aquelas que faziam uso da mão direita somente por ocasião da escrita, nas outras atividades, escolares ou não, utilizavam-se dos segmentos do lado esquerdo. Pensamos nas dificuldades enfrentadas por estas crianças, no sofrimento cotidiano de estarem obrigadas a trabalhar assim. (MATTOS ; NEIRA, 2008, p. 30).
Já dizia Oliveira (1997), a predominância por uma determinada lateralidade decorre do aprendizado, seja por imposição, imitação ou questão afetiva, porém, deve-se relevar que pequenas ações como segurar o garfo ou o lápis com determinada mão não significam uma atitude à toa, é preciso respeitar tal escolha, evitando que a criança seja forçada a realizar ações com o lado que não domina.
Para uma maior compreensão do quanto contrariar a escolha da criança ou lhe provocar a ambidestria acarreta-lhe em danos, Cauduro (2002) explica esse fato ao funcionamento do cérebro, exatamente porque é nele que se encontram diferentes funções correspondentes às suas partes. Assim, nele, situam-se unilateralmente os comandos verbais, relacionados com a palavra falada, ouvida e escrita, no hemisfério esquerdo de indivíduos destros e no direito de canhotos, respondendo aos estímulos específicos de sua área.
Desse modo, realizar um movimento com o lado não dominante, quando não lateralizada, faz com que este hemisfério assuma uma atribuição correspondente à outra parte do cérebro, acarretando em desordem no sistema nervoso, gastos de neurônios e queima de energia.
O problema dessa desorganização talvez seja pouco visível num primeiro momento, mas poderá ser flagrante no futuro. Para intelectualizar o movimento que poderia ser espontâneo, gastamos um extra de energia. Este ato de ambidestria oportuniza a hipermetropia em grau bem elevado porque, ao se contrariar o caráter dominante, foram utilizados os neurônios da área cerebral responsável pela visão e a sobrecarga de atividades submeteu-os a um stress.
Da mesma forma, o estrabismo e a gagueira, muitas vezes, explicam-se pela contrariedade de dominância. E no caso de um acidente cerebral (AVC) ou “ataque cardíaco”, o ambidestro corre o risco de não ter energia de reserva para passar pela emergência ou suportar bem uma recuperação. (CAUDURO, 2002, p.67).
Cabe ao professor, entender esse processo de evolução da criança e respeitar seu amadurecimento neurológico.
2.3. Direção
A relação direita e esquerda é uma aquisição possível quando a função de interiorização é trabalhada suficientemente e quando a criança apresenta condições de apoiar-se nas suas próprias sensações sinestésicas, pois se cogitada precocemente acarretará em insegurança na criança que freará seu desenvolvimento, repercutindo inclusive nos aprendizados escolares. (LE BOULCH, 1982).
Essa interiorização como mencionada anteriormente é a lateralidade, exercendo grande importância quanto às noções de direção: esquerda e direita, isso porque como colocava Cauduro (2002), se a criança trabalha naturalmente com tal mão, memorizará facilmente se esta é esquerda ou direita, porém se não há uma definição de predominância, ela confundirá esses termos.
Gallahue e Ozmun (2005, p. 316) aprofunda bem essa relação lateralidade e direção, através da seguinte definição para orientação direcional: “Direcionalidade é a projeção da lateralidade. Ela dá dimensão a objetos no espaço. A direcionalidade exata depende da lateralidade adequadamente estabelecida. [...]”.
Desse modo, faz-se necessário entender que direção é muito além de direita e esquerda, é para onde o corpo se desloca: para um lado, para outro, para frente, para trás, para cima, para baixo, em diagonal. (CAUDURO, 2002). Le Boulch (1982), entretanto, já definia, aprofundando mais as relações:
[...] Logo que a criança é capaz de nomear as partes do corpo, será necessário que estabeleça as relações espaciais entre elas. O trabalho de percepção do espaço lhe permitirá estabelecer relações do tipo: ao lado, de cada lado, em cima, embaixo, mais em cima, mais embaixo, no meio, dentro, fora, servindo de suporte para situar as diferentes partes do corpo.
No que concerne à orientação do corpo, as noções de acima-abaixo e para frente-para trás são adquiridas precocemente, porque elas correspondem a características referenciadas visualmente. (LE BOULCH, 1982, p. 177).
Um mau desenvolvimento do conceito de direção na criança provoca-lhe um fracasso no que diz respeito à leitura e à escrita, visto que ela terá dificuldades em discriminar letras do alfabeto e números, prejudicando seu processo de aprendizagem.
É normal a criança de 4-5 anos de idade confundir estes conceitos de direção, mas torna-se preocupante quando aos 6-7 anos ainda permanecer essa confusão. Confundem letras como b, d, p e q em que se diferenciam pela direção do ‘círculo’ e da ‘haste’; podem inverter palavras inteiras como ‘gato’ lendo ‘toga’ e até mesmo escrever e ver palavras de cabeça para baixo. (GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Estimular a direção é preciso para que as crianças possam se desenvolver motoramente e intelectualmente, assim como se faz essenciais as outras habilidades.
2.4. Equilíbrio
Para Gallahue e Ozmun: “Equilíbrio é a habilidade de um indivíduo manter a postura de seu corpo inalterada, quando este é colocado em várias posições. [...] é básico para todo movimento e é influenciado por estímulos visuais, táteis, cinestésicos e vestibulares. [...]”. (2005, p. 299).
Segundo Cauduro (2002) e Gallahue e Ozmun (2005) há duas maneiras de classificar o equilíbrio, conforme a posição do corpo: o equilíbrio estático e o equilíbrio dinâmico.
Assim Eckert (1993, p. 265) também definia como:
A manutenção de uma posição particular do corpo com um mínimo de oscilação é referida como equilíbrio estático, enquanto equilíbrio dinâmico é considerado ser a manutenção de postura durante o desempenho de uma habilidade motora que tenda a perturbar a orientação do corpo.
Exemplos comuns de avaliação de equilíbrio, segundo Gallahue e Ozmun (2005), para equilíbrio estático é o equilíbrio em um só pé, ficar em pé na trave de equilíbrio e desempenhar o equilíbrio com vara, já para o equilíbrio dinâmico verifica-se o caminhar sobre linhas.
A capacidade de o homem manter-se em equilíbrio está ligada à sua postura ereta, à marcha bípede, à ação da gravidade e, inclusive, ao tono de manutenção, que fornece suporte para a realização das ações motoras. É preciso que esses fatores apresentem-se em harmonia para que o corpo não entre em desequilíbrio.
Sob está mesma análise, Negrine (1987) explicava que o centro de gravidade refere-se ao ponto resultante das forças que a gravidade exerce sobre as diferentes partes do corpo, estando pouco acima da metade da altura, em adultos, a partir do solo. Para o autor, esse ponto encontra-se mais alto nas crianças, reduzindo em muito sua estabilidade quanto menor é a criança.
Em relação aos estímulos, o professor precisa contemplar essa habilidade a fim de que a criança se estruture bem e com harmonia corporal.
2.5. Tonicidade
Conforme Le Boulch (1982), a contração tônica constituía a base das atividades motoras e posturais, de modo que prepara o movimento, sustenta o gesto e mantém a estática e o equilíbrio. Assim, para a criança de idade pré-escolar, há a necessidade da precisão da tonicidade por estar associada às diferentes coordenações.
Além disso, a função tônica está relacionada com os aspectos emocionais e afetivos, devido ao tono muscular servir como base de sustentação e linguagem corporal. Aprofundando essa relação para um melhor entendimento, Rosa Neto afirmava:
A atividade tônica refere-se às atitudes e às posturas, e a atividade cinética está orientada para o mundo exterior. Essas duas orientações da atividade motriz (tônica e cinética), com a incessante reciprocidade das atitudes, da sensibilidade e da acomodação perceptiva e mental, correspondem aos aspectos fundamentais da função muscular, a qual deve assegurar a relação com o mundo exterior graças aos deslocamentos e aos movimentos do corpo (mobilidade) e assegurar a conservação do equilíbrio corporal, a infra-estrutura de toda ação diferenciada (tono). (ROSA NETO, 2002, p.20).
E ainda:
A função tônica se apresenta em um plano fisiológico sob dois aspectos: o tono de repouso, que é o estado de tensão permanente do músculo que se conserva inclusive durante o sono; o tono de atitude, que é ordenado e harmonizado pelo jogo complexo dos reflexos da atitude, sendo eles resultado das sensações proprioceptivas e da soma dos estímulos provenientes do mundo exterior. (ROSA NETO, 2002, p.20).
Cauduro (2002) classificava a tonicidade em hipotônicos e hipertônicos. Hipotônicos são as crianças que apresentam excesso de flacidez, (elas desmoronam sobre as mesas ou cadeiras) e as hipertônicas são de rigidez extrema, caracterizam-se por rigidez no maxilar e nas articulações do corpo. A postura é excessivamente empertigada (duros).
Um exemplo muito observado em crianças, é este descrito por Mattos e Neira:
[...] Algumas crianças que contraem exaustivamente os músculos dos seus segmentos, quando a atividade, na verdade, solicita apenas uma leve contração (correr, escrever, pegar, empurrar), mostram pouco controle sobre suas ações, e o oposto também ocorre, quando executam movimentos que implicariam grandes contrações (atividades que requerem força ou paralisação), fazem uso de contrações insuficientes. Em tais casos, estas crianças demonstram pouco conhecimento (experiência) sobre como relaxar. (2008, p. 26).
Esta situação denota as paratonias, dificuldades em relaxar voluntariamente os músculos, que diminuem conforme a criança avança na idade. Outro problema relacionado à tonicidade e ao ato motor são as sincinesias, contrações parasitas próprias do membro que deveria permanecer passivo quando o membro ativo realiza uma tarefa. As sincinesias de reprodução, que produzem um movimento de imitação, tendem a desaparecer conforme a criança cresce, já as sincinesias tônicas, que permitem o desenvolvimento do tônus em outros músculos que não intervém na atividade, tendem a não evoluir, mas continuam existindo em crianças maiores. (ARRIBAS, 2002).
A criança precisa fazer uso adequado de suas tensões musculares, evitando contrações desnecessárias e uso indevido de alguns músculos, porém o professor deve estar atento e ter conhecimento sobre as hipotonias e hipertonias.
2.6. Coordenação
Ao se falar de coordenação, muitas pessoas já rotulam as crianças como coordenadas ou sem coordenação. Mas vale compreender que, conforme afirmava Cauduro (2001), todas as crianças normais apresentam coordenação, porém podem apresentar sequelas motoras ou falta de vivências quando queimam etapas ou não vivenciaram determinadas atividades, pois a coordenação é o equilíbrio entre o ritmo interno e o ritmo externo proposto nas atividades.
A coordenação é determinada pelas contrações musculares e controlada pelo sistema nervoso, fazendo-se importante no movimento do corpo com desenvoltura, habilidade e equilíbrio e no domínio do gesto e do instrumento. (OLIVEIRA, 1997).
A coordenação exige que seus movimentos sejam organizados e de forma ordenada e está relacionada às outras habilidades motoras.
Além disso, a coordenação apresenta-se como global e fina conforme se faz uso dos músculos nos movimentos e que toda ação motora requer o uso da visão, isto é, para um movimento ter precisão é necessário que ele seja visualizado ao passo que se projeta um objeto ou se faz contato com ele. Muitas vezes, por isso, a coordenação é apresentada sob os termos olho-mão e olho-pé como forma de expressar essa dependência.
Primeiramente, será abordada a coordenação global:
A coordenação global diz respeito à atividade dos grandes músculos. Depende da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo. Este equilíbrio esta subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas. Através da movimentação e da experimentação, o individuo procura seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando um equilíbrio cada vez melhor. Consequentemente, vai coordenando seus movimentos, vai se conscientizando de seu corpo e das posturas. Quanto maior o equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito e mais coordenada serão suas ações. (OLIVEIRA, 1997, p. 41).
Na verdade, a criança por sua própria natureza vivencia essa coordenação, pois nela compreende-se o andar, o correr, o saltar, o rolar, o pular, o arrastar-se, o sentar entre outros.
Mas, mesmo assim, quando chega à escola, ainda encontram-se crianças com dificuldades e cabe ao professor corrigir posturas inadequadas, sempre levando em conta as aquisições anteriores, bem como vale o cuidado que o professor deve ter para com o aluno, como forma de auxiliá-lo e não prejudicá-lo ou deixá-lo retraído, tímido.
Quanto à coordenação fina, novamente, utiliza-se as palavras de Oliveira:
A coordenação fina diz respeito à habilidade e destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global. Temos que ter condições de desenvolver formas diversas de pegar os diferentes objetos. Uma coordenação elaborada dos dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos. É através do ato de preensão que uma criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de seu meio ambiente. [...]. (1997, p. 42).
Assim, movimentos manuais requerem muito o controle ocular (coordenação óculo-manual ou viso motora), como é o caso da escrita.
Para um bom entendimento, a coordenação viso motora diz respeito à habilidade de acompanhar um objeto em movimento, distinguindo formas e detalhes.
Toda coordenação é necessária para que o movimento tenha sentido e seja organizado. É importante que o professor trabalhe adequadamente atividades e correções nesse sentido, evitando que as crianças apresentem sequelas motoras e as chamadas dispraxias (distúrbios do desenvolvimento da coordenação motora).
2.7. Ritmo
Gallahue e Ozmun (2005) definiam ritmo como a repetição sincronizada de eventos de tal modo vinculados, que formam padrões reconhecíveis, sendo importante no desempenho coordenado de qualquer ato e no desenvolvimento de um mundo temporal estável. Assim, um movimento rítmico necessita da sucessão sincronizada de eventos no tempo.
Cada ser humano apresenta um ritmo próprio, a partir do domínio do seu corpo e a educação através do ritmo visa possibilitar a expressão motriz da criança, de modo que ela se liberte corporalmente. Muitas vezes, o ritmo é entendido como dança, obviamente faz parte deste contexto, mas pode ser observado também em outros aspectos, como bater palmas, quicar a bola ou bater o brinquedo contra o chão, pois como afirma Arribas (2002), o ritmo faz parte do ser humano como algo natural, estando na base de sua vida fisiológica, a respiração e o batimento do coração, e psíquica. Cauduro (2002) divide em ritmo próprio, biológico e ritmo externo social.
O ritmo deve ser valorizado, segundo Arribas (2002) por facilitar a relação entre as ordens do cérebro e sua execução pelos membros. Crianças que não puderam exercitar livremente esta motricidade espontânea apresentam gestos estreitos, angulosos e arrítmicos. (LE BOULCH, 1982).
O que se deve evidenciar é que a educação rítmica depende da educação do ouvido e da capacidade de assimilação da criança, para que ela interiorize adequadamente e possa executar com precisão aos estímulos diversos.
Mediante o exercício rítmico, os jogos, as canções, será possível conseguir a regularidade da pulsação, caminhando, batendo palmas, etc. Existirá também uma coordenação de movimentos (voz-mãos, voz-pés, mãos-pés, etc.) com ou sem deslocamento. Os refrões populares, as canções e os exercícios com movimento contribuirão para fazer sentir a unidade e a proporção das frases. (ARRIBAS, 2002, p. 169).
Em relação às atividades folclóricas e tradicionais que passam de geração em geração, são importantes por possibilitarem um vasto número de exercícios corporais que despertam a imaginação e a sensibilidade da criança. Porém, depende do professor aproveitar todos os aspectos corporais oferecidos por estes jogos populares, devendo partir de movimentos naturais e estimulando-os com sons.
Além de ter grande valor, o folclore infantil, transmitido de geração em geração, mantém a tradição pitoresca, a simplicidade, a carga afetiva e contribui para a educação rítmica e a formação musical das crianças pequenas. Em particular, as crianças que tem dificuldades em coordenação global encontrarão um suporte privilegiado para alcançar, com o movimento, uma certa harmonia e um certo bem-estar, fontes de prazer. Com efeito, o caráter coletivo destas danças, a participação da professora, o canto que acompanha, fazem com que cada criança possa participar ativamente, com alegria geral, e encontre, nesta atividade, uma segurança e uma situação favorável à expressão motora liberada. [...]. (LE BOULCH, 1982, p. 181).
Assim, a dança folclórica, principalmente de roda, permite à criança desencadear muito mais que laços afetivos faz com que estreite sua relação corporal com os demais, como ao se dar as mãos, estimulando as crianças mais tímidas e possibilitando uma organização temporal.
2.8. Espaço-tempo
Muitos autores definem essa habilidade como organizações isoladas, ora é espacial e ora é temporal, mesmo que haja uma interdependência entre si, como explicavam Gallahue e Ozmun (2005). Para eles, a estrutura espacial é a base do desenvolvimento perceptivo motor e compreende o conhecimento de quanto espaço o corpo ocupa e a habilidade de projetar o corpo efetivamente no espaço externo. E a orientação temporal é a aquisição de uma estrutura temporal adequada em crianças, sendo despertada e refinada ao mesmo tempo em que se desenvolve seu mundo espacial.
Como há a necessidade de uma sobre a outra, Cauduro (2001), referia-se a esta habilidade como espaço-tempo, definindo-a a partir das noções de espaço relativas à dinâmica, à orientação e à estrutura espacial com referência ao situar o presente em relação a um antes e um depois, lento e rápido.
Para fins de melhor entendimento, será abordada esta habilidade a partir de definições isoladas que, de alguma forma, interagirão entre si e trarão melhores esclarecimentos em termos de conceitos e necessidades de estimulá-la nas crianças, pois como Oliveira (1997, p. 85) colocava. “[...] Uma pessoa só se movimenta em um espaço e tempo determinado. Não se pode conceber um sem falar no outro”.
Uma organização espacial adequada parte da necessidade que apresenta sobre o desenvolvimento. Mattos e Neira (2008) destacavam que ela possibilita à criança organizar-se diante do mundo que a cerca, organizar os objetos entre si, movimentá-los e colocá-los em determinado lugar. Contudo, Oliveira (1997, p. 74), ia mais além:
A estruturação espacial é essencial para que vivamos em sociedade. É através do espaço e das relações espaciais que nos situamos no meio em que vivemos, em que estabelecemos relações entre as coisas, em que fazemos observações, comparando-as, combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas. Nesta comparação entre os objetos constatamos as características comuns a eles (e as não comuns também). Através de um verdadeiro trabalho mental, selecionamos, comparamos os diferentes objetos, extraímos, agrupamos, classificamos seus fatores comuns e chegamos aos conceitos destes objetos e às categorizações. [...].
Quanto aos objetos, Le Boulch (1982, p. 199), afirmava que “[..] todo o objeto, desde o momento em que é nomeado, faz papel de organizador do espaço próximo circundante, permitindo construir o espaço que rodeia. [...]”. É assim que a criança explora seu espaço a partir dos objetos: elas fixam o olhar para depois agarrá-lo.
O que se observa é que a estruturação espacial não tem relação somente com os objetos e os indivíduos que rodeiam cada ser.
Uma boa organização espacial atua no controle emocional da criança e na sua vida relacional, favorecendo a segurança da criança e a perda do medo pelo desconhecido. Tem influência nas aprendizagens escolares, como a leitura, a escrita, grafismos, noções matemáticas básicas entre outros. (ARRIBAS, 2002).
Outros problemas relacionados à falta de organização espacial correspondem à confusão de noção de lugar e orientação, confusão dos significados dos símbolos representados pelas letras gráficas, não percebem posições, inclusive, não discriminam direção das letras, são desajeitadas, ‘bagunceiras’, não prevêem dimensão no papel e confundem o que é dezena, centena e milhar. (OLIVEIRA, 1997).
Em relação à organização temporal, Arribas (2002) e mais recentemente Mattos e Neira (2008) destacavam que o movimento ocorre ao longo do tempo, tem um inicio, meio e fim, um antes, um durante e um depois. A ação motora deve prever sua duração, o ritmo de execução e a distribuição dos componentes ao longo de um período de tempo.
Ações cotidianas como atravessar uma rua ou pular corda destaca a organização temporal, que tem grande vínculo com o ritmo.
Os componentes do tempo apresentam-se em aspectos qualitativos (ordem) e quantitativos (duração) e o ritmo é a base da experiência temporal. Na percepção de duração, compreende a capacidade de estabelecer limites, início e fim e ao uso da memória, comparando experiências anteriores ou avaliação à referências externas. A percepção de ordem refere-se à sucessão de acontecimentos, seqüências, antes e depois. (ARRIBAS, 2002).
Desse modo, para Gallahue e Ozmun (2005), a orientação temporal está intimamente vinculada à interação de vários sistemas musculares a muitas modalidades sensoriais. Quem não estabelece essa dimensão torna-se desajeitado ou estranho.
Quando a criança não atinge um ponto máximo de sua estruturação ela apresenta dificuldades na leitura e escrita, bem como na realização das suas ações.
Segundo Oliveira (1997), a palavra falada exige que seja emitida de forma ordenada, obedecendo a um domínio do ritmo, uma sucessão de sons no tempo, uma memorização auditiva, uma diferenciação de sons, um reconhecimento das freqüências e das durações dos sons das palavras. Quanto às ações, Mattos e Neira (2008) destacavam que terão insucessos, como não perceber o afastamento dos colegas e modificar a trajetória da corrida, não identificar o momento adequado de saltar a corda em movimento ou acompanhar a estrutura rítmica.
Esta habilidade faz-se importante porque todas as ações se dão em determinado tempo e influi diretamente no resultado desta ação.
Faz-se necessário que as crianças explorem seu espaço, compreendam as diferentes distâncias, direções e posicionamentos de objetos e demais indivíduos no espaço. O recreio escolar é ótimo nesse sentido, mas cabe ao professor estimular essa habilidade em referência a outros ambientes como a sala de aula, a quadra, a casa de cada um e outras vivências também.
3. Considerações finais
A partir do exposto, verifica-se que há uma relação de interação entre as habilidades motoras para o conhecimento da criança. “A aquisição destas habilidades não acontecem isoladamente, mas sim, em um continuum, variando de criança para criança e de acordo com seu processo maturacional, ou seja, de acordo com o desenvolvimento neurológico”. (CAUDURO, 2001, p. 41).
É visto que para um melhor conhecimento sobre o corpo a criança deverá receber estímulos e vivências diversas, conforme sua faixa etária, que lhe permita desenvolver-se sem que lhe ocorra déficits ou transtornos, ocasionados por uma má estruturação.
É competência do professor, contemplar em aulas de Educação Física atividades que estimulem o conhecimento sobre o corpo e ao mesmo tempo proporcione um ambiente favorável à aprendizagem, uma vez que a fase de inserção da criança na escola influenciará em seu desenvolvimento posterior, daí a necessidade de vincular as aulas ao brincar, que é o meio pelo qual a criança sente-se à vontade.
É importante, nesse sentido, que professores estejam preocupados com a necessidade de utilizar todos os meios possíveis de atividades que contemplem o conhecimento sobre o corpo, para que a criança tenha um desenvolvimento posterior a essa fase sem nenhum comprometimento motor, cognitivo, afetivo e social.
Referências
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ECKERT, Helen M. Desenvolvimento motor. 3. ed. São Paulo: Manole, 1993.
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MATTOS, Mauro Roberto Gomes de; NEIRA, Marcos Garcia. Educação física infantil: construindo o movimento na escola. São Paulo: Phorte, 2008.
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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires,
Mayo de 2013 |