Jogos indígenas de Manaus. Disputa de provas tradicionais no meio urbano Los juegos indígenas de Manaus. La disputa de pruebas tradicionales en el ámbito urbano |
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*Graduado em Educação Física – Treinamento Esportivo pela FEFF da Universidade Federal do Amazonas/UFAM - BRASIL. É Pós-graduando (Lato Sensu) em Treinamento Esportivo pela UNIASSELVI/Manaus. É Membro do Laboratório de Estudos Socioculturais onde desenvolve atividades com as temáticas indígena e meio ambiente. ** Profª. Dra. da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia - FEFF/UFAM Professora da Pós- graduação – PPGSCA/UFAM, Coordenadora do Laboratório de Estudos Socioculturais e Tutora do PET-Indígena/UFAM |
Adenildo Vieira de Souza* Artemis de Araujo Soares** (Brasil) |
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Resumo O presente estudo é um recorte de um Trabalho de Conclusão de Curso – TCC onde descreve e discute a importância dos jogos tradicionais indígenas- zarabatana e arco e flecha para os indígenas residentes em meio urbano que foram disputados durante a realização dos Primeiros Jogos Interculturais Indígenas na comunidade Nossa Senhora do Livramento em Manaus-Am, no período de 30 de abril a primeiro de maio de 2011, oportunidade em que jogos tradicionais indígenas e modalidades ocidentais não indígenas como voleibol, atletismo, futebol fizeram parte de tal evento. Como metodologia utilizamos a pesquisa documental a qual nos deu a possibilidade de investigar fontes como livros, artigos, relatórios, regulamentos e fotos dos jogos disputados, sendo esta pesquisa de abordagem qualitativa e caracterizada como estudo transversal. Percebemos que apesar da inclusão de modalidades não indígenas e dos Jogos Interculturais terem sido realizados em meio urbano, as modalidades tradicionais não foram esquecidas. Ao contrário, foi constatado que ganharam excelente participação e foram muito incentivadas pelos indígenas, afirmando assim a finalidade dos jogos Interculturais Indígenas: o fortalecimento, incentivo e a valorização dos jogos tradicionais. Unitermos: Jogos tradicionais. Jogos interculturais. Esporte Indígena.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
O esporte é um fenômeno que fez parte da identidade dos povos da antiguidade como a Grécia antiga, onde ao ser realizado como evento, fazia-se uma grande festa, comemorava-se como ritual e homenagem aos deuses da antiguidade.
Ao longo dos séculos as modalidades esportivas ganharam o mundo, começaram a ser praticadas e muitas foram adaptadas e impostas às regras de povos com cultura, costumes, valores e hábitos próprios de seus modos de convivência.
Os esportes foram disseminados pelo mundo e são praticados por diferentes grupos de pessoas, sendo que essa expansão ocorre de acordo com o interesse mercadológico e sua relação com a indústria cultural (ALMEIDA; SUASSUNA, 2010).
O que vem chamando a atenção atualmente é a forma com que o esporte é praticado entre os povos indígenas, tanto o esporte ocidental tais como futebol e voleibol, tanto quanto os esportes tradicionais como zarabatana, arco e flecha entre outros. Ambos possuem grande aceitabilidade por parte dos indígenas.
Os indígenas vêm lutando por políticas publicas para melhoria da educação e por moradias para que possam viver com dignidade. Eles querem viver conforme sua cultura com suas crenças, seus hábitos e valores. Aqueles que moram nas suas respectivas comunidades e principalmente os que moram em meio urbano vêm enfrentando grandes problemas.
Além da luta por políticas publicas há também a luta para mostrarem sua cultura através de seus jogos e rituais, e é por meio de eventos que os mesmos têm oportunidade de demonstrar e dar visibilidade da sua cultura rica de traços e valores presentes em cada grupo étnico. Uma das formas dos indígenas participarem e interagirem entre si é justamente por meio de jogos tradicionais. Esses jogos são adaptados e recebem características de esportes ocidentais, sendo contextualizados no meio urbano como é o caso do arco e flecha, lanças e zarabatana, quando recebem regras para a disputa.
Os indigenistas conseguiram uma grande conquista que foi a realização dos Jogos dos Povos Indígenas, tendo como idealizadores os irmãos Marcos e Carlos Terena. A partir dessa conquista aumentou o interesse pela prática esportiva tanto por parte dos indígenas, quanto dos não indígenas que vem se preocupando com a cultura e também com a divulgação dos Jogos dando a conhecer seu significado para o indígena.
Atualmente o interesse por estudos das praticas corporais tradicionais tem sido materializado através da realização de pesquisas no âmbito da importância da manutenção das tradições indígenas e mais especificamente no âmbito dos jogos tradicionais indígenas.
Nesse sentido e interessados pelas questões indígenas visualizamos nos Primeiros Jogos Interculturais Indígenas de Manaus a importância da prática e realização dos jogos tradicionais para fortalecer e possibilitar a interação da cultura indígena local, pois eventos para esses grupos são poucos realizados na cidade Manaus havendo carência, portanto de eventos que contemplem grupos étnicos. Os jogos interculturais indígenas de Manaus foram realizados na comunidade Nossa Senhora do Livramento, Zona ribeirinha de Manaus, no período de 30 de abril a primeiro de maio de 2011.
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa documental, ou seja, que utiliza fontes primárias, o que nos deu a possibilidade de recorrer aos periódicos que abordam a temática dos jogos tradicionais indígenas, jornais impressos do meio local que registraram o evento por meio de fotografias e entrevistas com indígenas atletas, falas de lideranças indígenas das comunidades residentes em Manaus e próximas do local de realização dos I Jogos Interculturais. Buscamos também sites que publicaram reportagens referentes aos jogos além do Regulamento Geral dos jogos, vídeos e fotos do acervo do Programa de Educação Tutorial- Pet indígena que acompanhou a realização do evento desde as inscrições dos indígenas até o termino da competição com a premiação no ultimo dia do evento.
2. Resultados e discussões
2.1 O palco da realização dos Jogos interculturais indígenas de Manaus
Os jogos foram realizados nos dias 30 de abril e primeiro de Maio de 2011, na comunidade Nossa Senhora do Livramento, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, localizada às margens do Rio Tarumã Mirim. Estavam presentes cerca de 450 indígenas de 17 grupos étnicos, entre eles Wai Wai, Sateré Mawé, Karapãna, Baré, Kokama e Munduruku 1.
Na abertura do evento os indígenas fizeram rituais em recepção aos participantes dos jogos e de proteção a todos os envolvidos no evento. Os rituais apresentados foram a dança do Japurutu, Lenda dos Makiritare e historia do Ritual da Tucandeira 2.
A dança do Japurutu foi a primeira a ser apresentada na cerimônia de abertura dos jogos. Segundo os indígenas essa dança foi realizada como forma de agradecimento e pedidos de proteção a todos que estavam presentes no evento para que com isso se obtivesse êxito na realização das atividades.
Figura 1. Dança do Japurutu
Fonte: Acervo do Programa Pet conexões indígenas/UFAM
2.2. Provas de Arco e flecha e Zarabatana nos jogos interculturais Indígenas de Manaus
As duas práticas tradicionais indígenas objeto de estudo deste trabalho, zarabatana, pratica tradicionalíssima no meio indígena e arco e flecha, realizaram-se simultaneamente. Participaram vários indígenas, homens e mulheres pertencentes a vários grupos étnicos residentes em Manaus e nas comunidades próximas do local do evento. Ao discutir a manutenção das praticas tradicionais indígenas observamos que nas modalidades como arco e flecha e zarabatana participaram pessoas jovens, adultos e pessoas com mais idade, como é caso de um atleta aparentando 60 anos da etnia Kokama, sendo ele detentor de muito conhecimento dos costumes indígenas e que sabe a importância de tal prática para o fortalecimento de sua cultura.
A participação dos mais velhos é importante, pois como diz Terena (2007), “Os jogos indígenas seguem os princípios das tradições transmitidas oralmente e atualizadas de geração em geração”. E ainda conforme Rocha Ferreira (2002) apud Vinha (2004), os Jogos tradicionais indígenas são compreendidos como atividades com qualidades lúdicas que concebem apreciáveis elementos culturais como valores tradicionais, mitos e magia aparecida comumente em consagrações religiosas.
Pelas imagens que observamos nos participantes, vimos nos comportamentos a presença de elementos típicos na cultura indígena, por exemplo as vestimentas confeccionadas com materiais próprios da natureza, as pinturas corporais carregada de simbologias próprias de cada etnia e os adereços como os cocares, os colares, as pulseiras, as tiaras e os braceletes.
Assim como pudemos observar na dança do japurutu - ritual de abertura- a participação de idosos que são profundos conhecedores dos costumes e valores tradicionais indígenas e a presença de jovens, aqueles que receberão o conhecimento transmitido de forma oral.
Nas disputas pudemos detectar em implementos como a zarabatana e arco e flecha, pinturas características com o significado de cada etnia.
Figura 2. Indígena na disputa de Zarabatana
Fonte: Retirado de http://www.estadodotapajos.com/2011/05/peconha-zarabatana-e-arco-e-flecha-nos.html. Acesso em: 20 Maio 2012
2.3. Importância do evento para a Cultura Indígena
Em todo material por nós revisto pode-se concluir que este evento foi muito importante para os indígenas ditos citadinos porque muitos deixam de praticar os seus jogos tradicionais por não terem oportunidade, portanto:
Esse tipo de evento é fundamental para a valorização e resgate das nossas atividades. Muitos índios já não conseguem praticar o arco e flecha, por exemplo. Isso acontece porque eles moram na cidade, em espaços limitados. Temos que lembrar que esporte não são apenas as modalidades olímpicas e sim as diversas atividades inseridas na nossa vida [...]3
Na entrevista citada vimos que o local onde residem os indígenas não lhes dá oportunidade para praticar os jogos tradicionais, pois no contexto urbano não há espaços específicos para tais praticas. Apesar de algumas comunidades indígenas residirem de forma agrupada em Manaus, atraídos em busca de melhores condições por educação, saúde e dinheiro (BERNAL, 2009), isso não significa que eles perdem o direito de praticar e vivenciar as suas tradições, pois conforme o Artigo 31 da Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas (2007, p.21):
Os povos indígenas têm direito a manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimento tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações das suas ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as semente, os medicamentos, o conhecimento das propriedades da fauna e da flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e os jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas.
Os jogos serviram também para integrar indígenas e não - indígena, pois a comunidade onde os Jogos foram realizados é vice - presidida por um não - indígena, que em entrevista a um jornal, afirma “Estamos muito alegres. Tivemos um interação com a liderança indígena e abraçamos o evento com muita satisfação. Queremos que a segunda edição seja realizada aqui” 4. É possível constatar o quanto os Jogos foram importantes em nível de socialização, abrindo um elo de cooperação e integração social dentro da comunidade.
Nos jogos interculturais percebeu-se a preocupação em manter os jogos tradicionais zarabatana e arco e flecha, havendo a participação de poucos competidores, mas que representaram várias etnias tendo estas provas o caráter de integração, celebração e valorização dos costumes e valores impregnados na cultura de cada etnia participante dos Jogos Interculturais. Isso confirma o que dizem os autores Toledo Camargo, Rocha Ferreira, Von Simson (20??, p. 654) “Em sua sabedoria milenar, a cultura indígena valoriza muito o celebrar [...]” todos participaram, promovendo a integração entre as diferentes etnias estabelecendo relações interculturais por meio da cultura e seus jogos e esportes tradicionais.
3. Conclusões
Procurou-se neste trabalho descrever, analisar e discutir a importância das práticas tradicionais indígenas que foram contempladas durante a realização dos Primeiros Jogos Interculturais Indígenas de Manaus, que teve como objetivo promover a integração, convívio e reviver os valores tradicionais indígenas por meio das suas práticas tradicionais.
As modalidades estudadas foram as disputas - zarabatana e arco e flecha- não deixando de se observar as práticas não tradicionais, as quais foram bem apreciadas e praticadas pelas etnias participantes do evento, tendo como exemplo o futebol que atualmente vem sendo praticado por várias etnias no Brasil atraindo e envolvendo muitos participantes para essa modalidade.
Eventos dessa grandeza são importantes, principalmente quando contemplam os jogos tradicionais que estão impregnados da cultura ameríndia. Os indígenas ao saírem de suas comunidades, atraídos para cidade em busca de melhorias tanto financeira quanto educacional ou de saúde, acabam impossibilitados de continuar a vivência de suas tradições, pois o ambiente em que estão inseridos não propicia a vivência de sua cultura.
Esses indígenas, os chamados citadinos, por meio dos Jogos Interculturais tiveram a oportunidade de praticar seus jogos tradicionais, mesmo residindo em meio urbano, revivendo alguns costumes para a disputa, como o preparo de pinturas corporais que continuam em suas raízes e memórias.
Um ponto fundamental para o qual os Jogos Interculturais podem contribuir é o olhar político, pois a repercussão que este evento ganha pode possibilitar o momento ideal de reivindicar políticas que favoreçam o atendimento às comunidades indígenas residentes em meio urbano e em comunidades próximas a Manaus, visto que os jogos interculturais não possibilitam apenas as vivências culturais, mas também a busca por melhorias de uma qualidade de vida com acesso mínimo à saúde e educação.
Em nossas observações durante o evento vimos que nas práticas esportivas tradicionais indígenas apesar das características esportivizadas, houve a preocupação das etnias em participar das disputas, trazendo para a participação as pessoas mais velhas das comunidades indígenas, detentoras dos saberes e tradições antigas que mantém as práticas tradicionais vivas e que fazem parte dos seus costumes e valores.
Pelo que se pode observar, na farta documentação revisada e nos registros das entrevistas, os motivos que levaram os indígenas a participarem dos Jogos Interculturais foram as poucas oportunidades oferecidas em relação ao campo esportivo. Através destes jogos tiveram a oportunidade de conhecer outras comunidades, e principalmente, compartilhar momentos de prazer e alegria. Entendemos já vivenciando outras competições em nossas idas e vindas, que eventos de tamanha importância para a divulgação e preservação da cultura indígena devem ser realizados periodicamente para que possamos assimilar a importância dessas praticas e o significado das mesmas para a cultura de uma sociedade que é formada principalmente por indígenas.
Notas
Relatório final dos Jogos. Jogos Interculturais Indígenas de Manaus: a grande aldeia. SEMDEJ. Manaus, 2011.
Publicado no Jornal Amazonas 24 horas em Manaus, em maio de 2011. Disponível em: www.amazonas24horas.com. Acesso em 20 de Abril de 2012.
Entrevista concedida por Mara Kambeba ao jornal Amazonas 24 horas, em Manaus, em maio de 2011. Disponível em: www.amazonas24horas.com. Acesso em 20 de Abril de 2012.
Entrevista concedida por Itamar, vice-presidente da Comunidade Nossa Senhora do Livramento, ao jornal Amazonas 24 horas, em Manaus, em maio de 2011. Disponível em: www.amazonas24horas.com. Acesso em 20 de Abril de 2012.
Referencias bibliográficas
ALMEIDA, Arthur Jose Medeiros de; ALMEIDA, Dulce Maria Filgueira de; GRANDO, Belene Salete. As práticas corporais e a educação do corpo indígena: a contribuição do esporte nos jogos dos povos indígenas. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Florianópolis, v. 32, n. 2-4, p. 59-74, dez. 2010.
BERNAL, Roberto Jaramillo. Índios Urbanos: processo de reconformação das identidades étnicas indígenas em Manaus. 3ª serie. Manaus: Editora da universidade Federal do Amazonas/Faculdade Salesiana Dom Bosco, 2009. 336p.
CAMARGO, Vera Regina Toledo; ROCHA FERREIRA, Maria Beatriz; VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes. Jogos interculturais indígenas: “O mais importante não é ganhar, mais celebrar e participar”. 9º Simpósio Internacional de comunicação e cultura na America Latina, sessão 02 – EXTRAPRENSSA (USP), v.1, p.653-658. 2010.
DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS POVOS INDÍGENAS: perguntas e respostas. 2ª ed. – Rio de Janeiro: UNIC; Brasília: UNESCO, 2009. 80 p.
REGULAMENTO GERAL DOS JOGOS. Jogos Interculturais Indígenas de Manaus: a grande aldeia. SEMDEJ. Manaus, 2011. 23.p.
ROCHA FERREIRA, Maria Beatriz. Jogos dos Povos Indígenas: tradição e mudança. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.50-52, set. 2006. Suplemento n.5.
ROCHA FERREIRA, Maria Beatriz et ali.Cultura corporal indígena .In:COSTA, Lamartine Pereira da (Org.). Atlas do Esporte No Brasil. Rio de Janeiro: Shape Editora e Promoções, 2005, p.35-36.
SOARES, Artemis de Araujo. Brincadeiras e jogos da criança indígena da Amazônia. Algumas brincadeiras da criança Tikuna. Motricidade.com. Acesso em 31de Abril de 2012.
TERENA, Marcos. O brincar, Jogar e Viver indígena: os jogos para o comitê intertribal memória e ciência indígena. In: PINTO, Leila Mirtes Santos; GRANDO, Beleni Salete (orgs). Brincar, Jogar, Viver: IX Jogos dos Povos Indígenas. Cuiabá: Central de texto, 2010.256p.
______________. O importante não é ganhar, mas celebrar. Revista de Historia da Biblioteca Nacional, Julho de 2007. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=735. Acesso em 20 de Abril de 2012.
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