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Jogos cooperativos e resolução de conflitos 

interpessoais. Possibilidades de intervenção

Los juegos cooperativos y la resolución de conflictos interpersonales. Posibilidades de intervención

Cooperative games and interpersonal conflict resolution. Possibilities of intervention

 

*Especialização – Faculdade de Educação Física de Santo André – FEFISA

**Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento

(Brasil)

João Paulo de Almeida Freitas*

Thaís Zuppo Gomes*

Marcos Fernando Larizzatti**

jp_almeida11@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do presente trabalho foi investigar quais são as relações de afinidade entra os Jogos Cooperativos e as Estratégias de Resolução de Conflitos, bem como quais são as possibilidades de atuação desses jogos diante dos conflitos interpessoais. Para isso escolhemos como método de pesquisa um levantando das respectivas literaturas e dos trabalhos científicos já realizados nessa direção, assim caracterizando um estudo de revisão. Os resultados revelaram que os achados literários e científicos acerca dos Jogos Cooperativos mostram evidências de que esses jogos possuem qualidades e potencialidades que parecem otimizar a maneira como as pessoas lidam e solucionam conflitos interpessoais. Conclui-se que esse trabalho aclarou possibilidades de intervenções com os Jogos Cooperativos no campo das Resoluções de conflitos interpessoais, mas que são necessários estudos empíricos para corroborarem com os resultados supracitados no presente estudo.

          Unitermos: Jogos Cooperativos. Conflitos. Cooperação. Resolução de conflitos.

 

Abstract

          The objective of this study was investigate what are the relations of affinity between Cooperative Games and Conflict Resolution Strategies, as well as what are the possibilities of performance of these games against interpersonal conflicts. For this research the method chosen was a resurgence of the respective literatures and scientific works already done in this direction, thus characterizing a review study. The results revealed that the literary and scientific findings about the Cooperative Games show evidence that these games have qualities and capabilities that seems optimize the way how people handle and solve interpersonal conflicts. Concluded that this work clarifies the possibilities of interventions with Cooperative Games in the field of interpersonal conflict Resolutions, but empirical studies are needed to corroborate with the above results in the present study.

          Keywords: Cooperative games. Conflict. Cooperation. Conflict resolutions.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Um alarmante índice de violência rodeia as escolas de todo o Brasil, entretanto poucos são os trabalhos científicos, instituições e organizações que ousam mensurar esse fenômeno.

    O Sistema Nacional de Avaliações da Educação Básica (SAEB) 1 evidencia que em 2003 o indicador de agressões físicas em escolas públicas era de 0,3010 e em escolas particulares esse indicador é de 0,1440 I.

    Outro dado importante é o que dispõe o Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do estado de São Paulo explicitando que 86% das escolas do Brasil e 97% das escolas do estado de São Paulo já sofreram algum tipo de violência em 2007 2.

    Já se sabe que na maioria das vezes o conflito só se torna destrutivo, agressivo e violento - como os que constituem os indicadores citados acima - quando mal administrado. Como MALDONADO (2008) advoga o que define o conflito como destrutivo ou construtivo é a nossa maneira de lidar com ele 3.

    Além disso, o conflito é uma manifestação natural e possuí algumas vantagens, como a regulação das relações sociais, desenvolvimento da empatia e reconhecimento das diferenças, o que possibilita a oportunidade de crescimento e de amadurecimento social (CHRISPINO, 2007) 4.

    Sobretudo, no que concerne à educação, a escola por integrar pessoas e interesses distintos, tem se tornado um lócus de ocorrência de conflitos interpessoais, mas se constitui, por outro lado, em uma instância legítima de educação para a cidadania e para atitudes e práticas de não violência (CHRISPINO, 2007; HELGA LOOS, 2007) 4, 5.

    Diante dessa prerrogativa, temos o auxilio dos jogos e para isso BROTTO (1997) concebeu o Jogo Cooperativo dizendo que esses jogos vêm com a intenção de compartilhar, unir pessoas, despertar a coragem para correr riscos com pouca preocupação com o fracasso e sucesso em si mesmo 6.

    Sendo assim, no presente trabalho o objetivo é fundamentar o Jogo Cooperativo como um recurso, sobretudo, como um meio para auxiliar o tratamento de conflitos interpessoais, buscando estabelecer uma consonância entre as qualidades dos Jogos Cooperativos e as aptidões exigidas pelos conflitos interpessoais. E, para isso, realizou-se uma revisão bibliográfica de ambos os assuntos relacionando-os, de modo a sublinhar pontos em comum evidenciando a afinidade existente entre as literaturas de resolução de conflitos e de jogos cooperativos.

Revisão bibliográfica

    A escola é um espaço público, hoje obrigatório, onde as pessoas têm de conviver durante boa parte do seu dia com valores, crenças, desejos, histórias e culturas diferentes (ARAÚJO, 2004) 7.

    Nesse sentido, a escola por integrar pessoas e interesses distintos, tem se tornado um lócus para ocorrência de conflitos interpessoais, mas se constitui, por outro lado, em uma instância legítima de educação para a cidadania e para atitudes e práticas de não violência (CHRISPINO, 2007) (HELGA LOOS, 2007) 4, 5.

    Contudo, MUSZKAT (2003) adverte que a violência não é a conseqüência necessária de um conflito, mas o testemunho da dificuldade de conviver com a diversidade e encontrar soluções satisfatórias para administrá-las 8.

    De acordo com LEME (2004) conflitos são situações de interação social de confronto, desacordo, frustração, etc., e que são, portanto, desencadeadoras de afeto negativo, podem ser resolvidos de maneira violenta ou pacífica, dependendo, justamente, dos recursos cognitivos e afetivos dos envolvidos, e dos contextos sociais em que ocorrem 9.

    O conflito é uma manifestação natural e possuí algumas vantagens, como a regulação das relações sociais, desenvolvimento da empatia e reconhecimento das diferenças, o que possibilita a oportunidade de crescimento e de amadurecimento social (CHRISPINO, 2004) 4. Com isso, o mito de que o conflito é ruim e/ou que ele deve ser evitado ou extinto está ruindo, pois os conflitos são a matéria-prima para a nossa constituição psíquica, cognitiva, afetiva, ideológica e social (ARAÚJO, 2004) 7.

    Corroborando com essa idéia MALDONADO (2008) evidenciou a perspectiva do “bom conflito” que considera o conflito como necessário para o desenvolvimento saudável de grupos sociais, porque oferece oportunidades de encontrar caminhos construtivos para equilibrar a satisfação das necessidades das várias partes envolvidas 3.

    Entretanto, há dois tipos de conflitos, o conflito latente e o conflito manifesto, sendo que o primeiro é caracterizado por “correntes subterrâneas”, por ser intangível, por tensões, insatisfações; e o segundo se caracteriza por ser visível e palpável (MALDONADO, 2008) 3. Também já se sabe que os conflitos podem ser divididos em intrapessoais (ocorrem no interior do sujeito) e interpessoais (ocorre em situações de interações entre um ou mais protagonistas) (VICENTIN, 2009) 10.

    Nessa perspectiva, um estudo validado nos Estados Unidos revela que há três tendências ou estratégias de solução de conflitos interpessoais, tais quais: agressiva, submissa e assertiva. O comportamento agressivo é pautado pelo enfrentamento da situação de conflito interpessoal, apelando pelas formas de coerção, violência ou desrespeito ao direito e à opinião alheia. O comportamento assertivo também envolve enfrentamento da situação de conflito, mas sem qualquer tipo de coerção, pelo contrário, envolve comportamentos explícitos de defesa dos próprios direitos, mas levando em conta os sentimentos e direitos dos outros. Já o comportamento submisso caracteriza-se pelo enfrentamento de uma situação, por meio de fuga ou esquiva, e considera os direitos e sentimentos dos outros em detrimento dos próprios (DELUTY, 1979) 11.

    HELGA LOOS (2007) dispõe que a “opção” pela resolução de conflito de maneira pacifica ou violenta dependerá do potencial individual para a agressão de cada uma das pessoas envolvidas, além de variáveis situacionais presentes no momento, como as normas do contexto, a presença de elementos ambientais estressantes, fatores afetivo-emocionais e cognitivos, os quais se desenvolvem modulados pelas relações socioculturais que são vivenciadas ao longo da vida e entre outras5. MLINVERNI (2005), complementa afirmando que o potencial para agressão parece ser determinado por uma conjunção de fatores biológicos (como a regulação dos neurotransmissores serotonina, dopamina, adrenalina e noradrenalina)12.

    Nos planos afetivo, cognitivo e cultural para que as pessoas tenham êxito em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos interpessoais, devem buscar desenvolver quatro competências ou habilidades necessárias ao lidar com diferenças, que são: a percepção, a comunicação, a cooperação e a autoestima (HELGA LOOS, 2007; SCHIERMEYER, 2002) 5, 13.

    Na perspectiva do Bom Conflito algumas habilidades são necessárias para o enfrentamento efetivo dos conflitos, como: a escuta sensível, a visão sistêmica, o ataque ao problema e não a pessoa e a percepção do conflito por vários ângulos, o diálogo e entre outros. Sobretudo, no que concerne ao diálogo, na perspectiva do bom conflito, indica-se o diálogo como um meio transformador onde o objetivo é satisfazer ambas as partes envolvidas (ganha-ganha), ruindo com o paradigma de uma solução satisfatória para apenas uma das partes (ganha-perde). (MALDONADO, 2008) 3.

    Ressalta-se um estudo feito por RODRIGUES et al (2010) com crianças de 6 e 7 anos do 1º ano do ensino fundamental, buscou implementar e avaliar o impacto de um programa adaptado já existente na literatura, em Habilidades de Resolução de Problemas Interpessoais. Os resultados evidenciaram o incremento de algumas habilidades, como empatia, assertividade, expressão de sentimentos positivos, civilidade e responsabilidade14.

    Outro trabalho científico foi realizado por BORGES & MARTURANO (2009) com crianças da1ª série (2º ano) do ensino fundamental, com idade média de 6 anos e 7 meses, cujo objetivo foi verificar a efetividade de um programa para melhorar a convivência dos respectivos alunos, tal programa se constituiu de: currículo “Eu Posso Resolver Problemas”; um módulo de autocontrole, que visa a autorregulação das emoções negativas, através de técnicas de relaxamento; e um módulo de iniciação aos valores humanos, por meio de lendas, fábulas, narrativas e etc.. Foram computados 2.315 conflitos durante o ano letivo, o que constitui um número estarrecedor. Os resultados indicaram que o programa contribuiu efetivamente para melhorar os relacionamentos entre as crianças15.

    Outra evidência científica relevante é o trabalho de HELGA LOOS (2007) conduzido com 120 alunos de 2ª e 3ª séries (3º e 4º anos) do ensino fundamental, com idade entre 7 e 12 anos, com o objetivo de realizar o treinamento de habilidades sociais e de interação interpessoal, buscando contribuir para minimizar os episódios agressivos freqüentes na escola, principalmente entre alunos. Um diferencial foi apresentado no método de intervenção que se pautou fundamentalmente sobre ferramentas lúdicas, como: fantoches, dramatizações, jogos, exercícios e etc., essa característica lúdica da pesquisa entusiasmou a participação das crianças envolvidas que em algumas ocasiões reivindicaram a repetição dos jogos. Os resultados foram considerados positivos pelos pesquisadores e a equipe pedagógica da escola5.

    No contexto da pesquisa citada anteriormente, pode-se constatar a satisfação das crianças envolvidas durante a prática dos jogos e das atividades lúdicas no programa de treinamento de habilidades sociais, fato que corrobora com a importância do jogo no campo do desenvolvimento humano.

    Sendo assim, para melhor compreender o jogo temos a concepção de HUIZINGA (2010) como uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida cotidiana”16.

    A relevância e viabilidade do jogo no âmbito escolar podem ser indicadas através do seu potencial para o desenvolvimento humano constatado através de estudos nesse campo. BROTTO (2001) reintegra essa afirmação quando elucida que a importância do Jogo como elemento educacional é um fato reconhecido e que não necessita ser mais discutido, embora deva ser sempre lembrado17. Assim sendo, FRIEDMAN (1996) indica que o jogo pode auxiliar no desenvolvimento da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, no desenvolvimento afetivo, no desenvolvimento físico-motor e no desenvolvimento moral18.

    Nessa direção, apresenta-se o Jogo Cooperativo, que na visão de BROTTO (1997) vêm com a intenção de compartilhar, unir pessoas, despertar a coragem para correr riscos com pouca preocupação com o fracasso e sucesso em si mesmo. Eles reforçam a confiança em si mesmo e nos outros, e todos podem participar autenticamente, onde ganhar e perder são apenas referências para o continuo aperfeiçoamento pessoal e coletivo6.

    Embora a definição supracitada possa gerar uma conotação de que o Jogo Cooperativo é uma criação contemporânea, isso não é veraz, pois ORLICK (1989) identificou que o Jogo Cooperativo começou a milhares de anos atrás, quando membros de comunidades tribais se uniam para celebrar a vida19.

    Portanto, no Jogo Cooperativo os jogadores são inseridos em uma condição de que para alcançar o objetivo comum proposto por esse jogo será necessária à ação conjunta de todos os envolvidos, ou seja, nesse contexto todos os jogadores contribuem com aquilo que pode e a soma das contribuições é o que levará ao resultado final.

    Tendo em vista todas essas características do Jogo Cooperativo e, a partir disso, constatam-se algumas habilidades que esse jogo desenvolve no campo do desenvolvimento humano, SOLER (2008) identificou habilidades que germinam do trabalho em grupo, tais quais: participação igual; ouvir atentamente os outros integrantes do grupo; olhar para quem fala; negociar; integrar no jogo as idéias propostas; ser responsável; contribuir com as idéias e ideais; agir como líder e liderado dependendo da situação; discordar com amorosidade e ampliar propostas de outros participantes20.

    Além disso, o Jogo Cooperativo é fundamentado sob alguns princípios que norteiam a pratica pelos jogadores. SOLER (2008) evidenciou esses princípios: Nesses jogos os participantes ou ganham ou perdem juntos; Aprende-se a renunciar a desejos individuais em benefícios de desejos grupais; Os Jogos Cooperativos combatem a agressividade, utilizando essa energia para resolução de problemas; São jogos para imaginar e criar soluções cooperativas20.

    Um estudo realizado por POCERA (2008) com 48 alunos de idade média entre 15 e 28 anos do Colégio Agrícola Senador Carlos Gomes de Oliveira, teve o objetivo de identificar de que forma podem-se trabalhar os jogos para exercitar a cidadania, a ética e os demais valores indispensáveis na formação do caráter. O resultado do check-list respondido por 37 alunos foi muito positivo e aqui serão sublinhados alguns aspectos importantes desse resultado: 83,8% acham que conseguiram resolver os problemas (os jogos) com calma, 91,9% acham que conseguiram pensar e buscar as soluções para os problemas21.

    Prosseguindo com o levantamento cientifico acerca do Jogo Cooperativo, BARROS, COLUCCI & LOUREIRO (2011) realizaram um estudo na Escola de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEI – UFRJ) com crianças de 05 a 06 anos, abordando a questão da afetividade através do viés da Cooperação. Os resultados apontaram que os alunos expressaram alguns sentimentos positivos, não viam seus amigos como adversários, pois buscavam contribuir com as realizações dos amigos, opinando e solicitando ajuda22.

    De acordo com AMARAL (2007) os Jogos Cooperativos também fomentam alguns valores educativos, a empatia é um desses valores, ela proporciona o colocar-se no lugar do outro compreendendo o seu ponto de vista, suas preocupações, suas expectativas, suas necessidades e sua realidade23.

    Desenvolver uma opinião positiva de si mesmo, reconhecer e apreciar a importância do outro, também são aspectos das atividades cooperativas. A autoestima, a confiança e a segurança em si mesmo, são elementos de identidade vitais que fazem um importante papel na determinação de nossa conduta comunicativa. O jogo cooperativo oferece ao jogador a ocasião de apreciar-se, de valorizar-se, sentir-se respeitado em sua totalidade24.

    Para resolução de tarefas e problemas juntos, é necessária a cooperação, que deve ser baseada na reciprocidade e não no poder e controle. As experiências cooperativas são as melhores formas de aprender a compartilhar, a socializar-se, a preocupar-se pelos demais, e através da participação, vivenciamos um clima de confiança (NETO & WALDOW, 2010)24.

    NETO & WALDOW (2010) colaboram com um trabalho científico feito com 25 crianças de uma 5ª série (6º ano) utilizando os Jogos Cooperativos no fomento a inclusão, bem como a contribuição desses jogos para a transformação comportamental individual dos educandos. Algumas das transformações observadas foram: o respeito mútuo, olhando o outro como alguém importante na atividade, havendo mais paciência e menos reclamação e empenho em resolver os imprevistos, aumento da autoestima, diminuição das brigas, conflitos e discussões e entre outros24.

    Nessa perspectiva cientifica, outro trabalho foi realizado por LUCON & SCHWARTZ (2004) com 67 alunos da 5ª série (6º ano) da Escola Estadual Heloisa L. Marasca, em Rio Claro, SP. O objetivo do estudo foi verificar o papel da inserção dos Jogos Cooperativos dentro das aulas de Educação Física Escolar, na diminuição de condutas violentas entre os alunos. Entre os resultados, ressaltamos aqui que 100% dos participantes afirmaram ter gostado das atividades propostas; 100% das meninas e 81,8% dos meninos acreditam que houve diminuição de brigas durante as aulas de Educação Física; entre outros resultados25.

    Por fim, PRODÓCIMO & COSTA (2011) em uma escola estadual em Itaboraí – RJ realizaram um estudo com 36 crianças com idade entre 12 e 15 anos de uma turma de 7º ano. O objetivo foi analisar uma proposta de trabalho baseada nos Jogos Cooperativos como forma de intervenção em relação às relações afetivas e a agressividade e violência na escola. Os resultados mostram que, no início do estudo, o individualismo e a não aceitação do próximo era comum, mostrando relações conflituosas entre os estudantes, com manifestações de exclusão e bullying. Essas situações foram sendo atenuadas ao longo da pesquisa. Houve influência destes jogos nas relações do grupo, tornando as relações um pouco mais respeitosas e amigáveis26.

Discussão

    Foi realizado um amplo levantamento literário e científico sobre Resolução de Conflitos e Jogos Cooperativos, sem nenhum dos temas se esgotarem. Então agora é o momento de relacionar o material coletado, “ligar os pontinhos”, portanto o objetivo dessa sessão será aclarar a consonância existente entre os Jogos Cooperativos e as Estratégias de resolução de conflitos.

    Inicia-se a discussão com as palavras de LEME (2004) conflitos são situações de interação social de confronto, desacordo, frustração, etc., e que são, portanto, desencadeadoras de afeto negativo, podem ser resolvidos de maneira violenta ou pacífica, dependendo, justamente, dos recursos cognitivos e afetivos dos envolvidos, e dos contextos sociais em que ocorrem9.

    Outra autora salienta para os recursos cognitivos e afetivos, citando que as soluções ou regulações de conflitos envolvem as faculdades cognitivas, visto que o sujeito necessita ser capaz de colocar-se no lugar do outro e coordenar com sua própria perspectiva. Envolve também o domínio afetivo já que a capacidade de colocar-se no lugar do outro parece ser insuficiente para que uma pessoa possa escolher resolver um conflito de forma pacífica, o que enfatiza o papel do gerenciamento das emoções (VIVENTIN, 2009)10

    Assim sendo, as autoras acima indicam que a escolha por uma solução violenta diante de uma situação conflituosa é decorrente dos recursos cognitivos e afetivos dos envolvidos, portanto o desenvolvimento cognitivo e afetivo é substancial na resolução de conflitos.

    Frente a essa assertiva o Jogo, por si só, pode auxiliar no desenvolvimento da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, no desenvolvimento afetivo, no desenvolvimento físico-motor e no desenvolvimento moral, como FRIEDMAN (1996) constatou em seus estudos18.

    No que concerne ao Jogo Cooperativo, como citado anteriormente, o estudo realizado por BARROS, COLUCCI & LOUREIRO (2011) na Escola de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro com crianças de 05 a 06 anos, abordou a questão da afetividade através do viés da Cooperação e obtiveram resultados positivos, os alunos expressaram sentimentos positivos, não viam seus amigos como adversários, pois buscavam contribuir com as realizações dos amigos, opinando e solicitando ajuda. Também não foram identificados sentimentos de perda de fracasso e entre outros22. Assim sendo, no que tange aos aspectos cognitivos e afetivos demandados pelos conflitos interpessoais, o jogo cooperativo indicou que é uma boa ferramenta para o encremento dessas capacidades.

    Não reconhecer os amigos como adversários parece ser uma condição interessante na busca por uma solução assertiva do conflito como elucidou MALDONADO (2008), haja vista que a mesma autora indica o diálogo como um meio transformador onde o objetivo é satisfazer ambas as partes envolvidas (ganha-ganha), ruindo com o paradigma de uma solução satisfatória para apenas uma das partes (ganha-perde) 3. Essa citação apresenta-se condizente com a característica essencial dos Jogos Cooperativos citada por MARTINI (2005) que é o envolvimento do grupo em um objetivo comum27.

    Para que as pessoas tenham êxito em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos interpessoais, devem buscar desenvolver quatro competências ou habilidades citadas por HELGA LOOS (2007) e SCHIERMEYER (2002) como necessárias ao lidar com diferenças, sendo elas: a percepção, a comunicação, a cooperação e a autoestima. 5, 13

    Acima os autores indicam a Cooperação como uma competência necessária para soluções satisfatórias para os conflitos interpessoais, corroborando com a idéia encontrada na literatura dos Jogos Cooperativos alegando que para a resolução de tarefas e problemas juntos, é necessária a cooperação, que deve ser baseada na reciprocidade e não no poder e controle (NETO & WALDOW, 2010)24.

    Outro fator apontado como uma das competências necessárias para solucionar um problema da melhor maneira é a autoestima (HELGA LOOS, 2007; SCHIERMEYER, 2002)5, 13. Sendo assim, NETO & WALDOW (2010) também se preocuparam em estudar sobre isso, portanto, de acordo com esses autores, desenvolver uma opinião positiva de si mesmo, reconhecer e apreciar a importância do outro, também são aspectos das atividades cooperativas. A autoestima, a confiança e a segurança em si mesmo, são elementos de identidade vitais que fazem um importante papel na determinação de nossa conduta comunicativa. O jogo cooperativo oferece ao jogador a ocasião de apreciar-se, de valorizar-se, sentir-se respeitado em sua totalidade. 24

    Ainda sobre a autoestima citada como uma habilidade necessária para lidar com as diferenças e os conflitos, o Jogo Cooperativo possuí uma estrutura alternativa em que os jogadores esforçam-se para atingir um objetivo comum como já citou MARTINI (2005)27, ou seja, nele todos ganham ou todos perdem JUNTOS, assim sendo, constitui-se um lócus para o melhoramento da autoestima, pois nos jogos cooperativos não há a tensão sobre o resultado final, e sim, existe uma valorização do processo que, portanto, deixa o ambiente mais propicio para que todos possam VenSerII, consequentemente, melhora-se a autoestima.

    A comunicação também foi indicada como uma competência necessária para resolução de conflitos interpessoais apontados pela respectiva literatura (HELGA LOOS, 2007; SCHIERMEYER, 2002)5, 13. Diante disso, tendo em vista todas essas características do Jogo Cooperativo e, a partir disso, constatam-se algumas habilidades que esse jogo desenvolve no campo do desenvolvimento humano através do trabalho em grupo, como as que SOLER (2008) mencionou: ouvir atentamente os outros integrantes do grupo; olhar para quem fala; negociar; integrar no jogo as idéias propostas; contribuir com as idéias e ideais; agir como líder e liderado dependendo da situação; discordar com amorosidade20.

    Na pesquisa de BORGES & MARTURANO (2009) citada em outra sessão desse trabalho observou-se a utilização de jogos, fabulas, narrativas e etc. para a inserção de valores humanos como: aceitação as diferenças, amizade, cooperação, honestidade, reciprocidade nos relacionamentos, respeito, sinceridade e solidariedade15. Coincidentemente, ALMEIDA (2003) advoga que o Jogo Cooperativo tem também como proposta tentar diminuir as manifestações de agressividade nos jogos, estimulando atitudes de sensibilização, cooperação, comunicação e solidariedade28.

    Para finalizar e ainda no campo dos estudos científicos sobre Jogos Cooperativos o trabalho de POCERA (2008) investigou como os jogos cooperativos podem exercitar a cidadania, a ética e etc.. Os resultados mostraram que: 83,8% acham que conseguiram resolver os problemas (os jogos) com calma, 91,9% acham que conseguiram pensar e buscar as soluções para os problemas e entre outros21.

Considerações finais

    Frente a todos os resultados e evidências retiradas da literatura dos Jogos Cooperativos e da literatura de Resolução de Conflitos, pode-se considerar, sem escorregar em uma ilusão salvacionista, que os Jogos Cooperativos apresentaram grande potencial para atuar como um meio otimizar de estratégias de conflitos interpessoais.

    Algumas possibilidades emanam dos resultados desse trabalho de revisão. uma delas é o possível aproveitamento por parte dos profissionais que trabalham com Educação Básica, sendo útil como um referencial para analise das práticas educativas do Professorado; Diante do fenômeno do “Bullying” os Jogos Cooperativos podem constituir programas de prevenção; No campo da psicologia os resultados do presente trabalho geram uma possibilidade de atuação junto a programas de resolução de conflitos, treinamentos de habilidades sociais e projetos de mediação escolar como já foi indicado em um artigo produzido por MORGADO & OLIVEIRA (2009) na Escola de Educação Superior – Instituto Politécnico de Coimbra – Portugal29.

    Entretanto, são necessárias pesquisas empíricas que tenham como objeto de estudo os Jogos Cooperativos e as Estratégias de Resolução de Conflitos para assim atribuir maior fidedignidade aos resultados do presente trabalho.

Notas

  1. A amostra original da pesquisa realizada pelo Sistema Nacional de Avaliações da Educação Básica em 2003 consiste em aproximadamente 220 mil alunos, 17 mil professores e 6 mil escolas.

  2. VenSer é um termo utilizado por Fábio Otuzi Brotto para se referir à possibilidade das pessoas co-existir de uma maneira mais plena e autentica, por isso, o autor descreve esse termo como VenSer = Vir à ser quem você realmente é.

Referências bibliográficas

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  5. HELGA LOOS; ZELLER T. J. V. Aprendendo a "brigar melhor": administração de conflitos em violência na escola. Interação em psicologia, Curitiba, vol. 11, n° 2, jul/dez, p. 281-289, 2007.

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  10. VICENTIN, V. F. Condições de vida e estilos de resolução de conflitos entre adolescentes. 2009. 224 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2009.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires, Mayo de 2013  
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