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Formação pedagógica do professor de Educação 

Física: reflexões iniciais acerca das abordagens críticas

Formación pedagógica del profesor de Educación Física: reflexiones iniciales acerca de los abordajes críticos

 

*Aluna do Curso de Bacharelado em Educação Física da Universidade Nove de Julho

Aluna do curso de pós-graduação em Educação Física escolar

nas Faculdades Metropolitanas Unidas. Profa. do Colégio Dante Alighieri

**Licenciado em Educação Física Pela Universidade Nove de Julho

Prof. da Prefeitura Municipal de Santo André

***Profa. do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Nove de Julho

Dtda. Pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. UNESP/Rio Claro

Elisangela de Andrade Silva*

Oriel de Oliveira e Silva**

Camila Borges-Ribeiro***

oriel-17@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

           A profissão docente exige que o professor possua em sua formação inicial o domínio dos conhecimentos específico, pedagógico e político. No entanto, observações empíricas remetem a indagações acerca da dificuldade de alunos, futuros professores de educação física, em compreender as questões pedagógicas estreitamente ligadas às sociais, ambas refletidas no cotidiano escolar. Desse modo, o presente estudo objetivou analisar os caminhos trilhados na formação inicial do professor de educação física no que se refere à formação pedagógica com vistas à proposta das abordagens críticas. Realizou-se a pesquisa e análise bibliográfica acerca da profissão docente, das reestruturações ocorridas na formação inicial em educação física e das abordagens críticas: crítico-superadora, crítico-emancipatória e sistêmica. A literatura apontou que a escolha da profissão se deve prioritariamente a aproximação existente entre a disciplina educação física e a prática esportiva vividas durante a educação básica, podendo representar um falso entendimento de que haverá facilidade em se tornar professor devido ao desconhecimento das reais tarefas docentes. Outro aspecto levantado se refere à formação inicial que apresenta resquícios oriundos das concepções higienista, militarista, esportivista e recreacionista, fruto de sua trajetória no cenário educacional. Tais propostas se mesclam na atuação profissional escolar e são enfatizadas ao tratar-se dos conhecimentos específicos da área atendendo a um modelo cartesiano do “corpo-máquina”. As abordagens críticas parecem, portanto, se apresentarem de forma abrangente e de difícil apreensão para professores e futuros docentes, pois não determinam um caminho único de atuação chocando-se com trajetórias pré-definidas e que proporcionam segurança e argumentação embasados em conhecimentos específicos. Desse modo, concluiu-se, a priori, que ao ter definido seu objeto de estudo, o movimento humano, mas não seu objetivo como área de conhecimento, a educação física abre espaço para reflexões acerca da formação docente que enfatiza, ainda, aspectos relativos ao domínio do conhecimento específico e relega discussões interdependentes que comportam as dimensões pedagógica e política.

           Unitermos: Educação Física. Formação inicial. Profissão docente. Formação pedagógica.

 

Resumen

           La profesión docente exige que el profesor obtenga en su formación inicial los dominios del conocimiento específico, pedagógico y político. Sin embargo, observaciones empíricas remeten a indagaciones acerca de la dificultad que alumnos, futuros profesores de educación física, presentan en el intento de comprender las cuestiones pedagógicas estrechamente vinculadas a las sociales, ambas reflejadas en el cotidiano escolar. Por tal razón, este estudio se propuso a analizar los caminos trillados en la formación inicial del profesor de educación física con referencia a la formación pedagógica en función de la propuesta de los abordajes críticos. Para ello, se ha realizado pesquisa e análisis bibliográficos acerca de la profesión docente, de las restructuraciones ocurridas en la formación inicial en educación física y de los abordajes críticos del área: crítico-superador; crítico-emancipador y sistémico. Lo que se encuentra en la literatura indica que la elección de la profesión ocurre, fundamentalmente, debido a la razonable proximidad que hay entre la asignatura educación física y la práctica deportiva que los estudiantes disfrutan a lo largo de su experiencia como alumnos en la educación básica, lo que puede representar una falsa creencia de que habrá facilidad en convertirse profesor por causa del desconocimiento de las reales dificultades de las tareas docentes. Otro aspecto hallado se refiere a la formación inicial que presenta resquicios procedentes de las concepciones higienista, militarista, deportivista y recreacionista, fruto de su trayectoria en el escenario educacional. Tales propuestas se mezclan en la actuación profesional escolar y son enfatizadas al tratarse de los conocimientos específicos del área, atendiendo a un modelo cartesiano de “cuerpo-máquina”. Parece, por lo tanto, que los abordajes críticos se presentan de modo amplio y de difícil aprehensión para profesores y futuros docentes, ya que no determinan un único camino de actuación, lo que supone un choque con trayectorias definidas de antemano que proporcionan seguridad y argumentación basadas en conocimientos específicos. Así pues, a priori, se concluye que, al haber definido su objeto de estudio, el movimiento humano, pero no su objetivo como área de conocimiento, la educación física deja abiertos espacios para reflexiones acerca de la profesión docente que aún enfatiza aspectos relacionados al dominio de conocimiento específico y deprecia discusiones interdependientes que involucran las dimensiones pedagógica y política.

           Palabras clave: Educación Física. Formación inicial. Profesión docente. Formación pedagógica.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Sabe-se que entre as décadas de 70 e 80, em meio às mudanças que ocorriam no cenário da educação brasileira, começaram a surgir na Educação Física questionamentos acerca de seu papel ao mesmo tempo em que se buscava sua legitimação como área de conhecimento (SOUZA NETO, 1999; SOUZA NETO et alli, 2004; HERMIDA et alli, 2010). Dentre as abordagens que acompanharam as mudanças no cenário educacional em vistas da formação de um aluno crítico e capaz de transformar sua realidade, apresentaram-se a sistêmica, a crítico-emancipatória e a crítico-superadora (DARIDO, 2005).

    Estas novas concepções de Educação Física reconhecidamente se contrapunham àquelas historicamente vigentes nesse campo de atuação que tinham cunho predominantemente biológico (HERMIDA et alli, 2010).

    Segundo Garces (2012) nesse contexto de reformulação, incluiu-se na grade curricular dos cursos de licenciatura em educação física, o tratamento de conteúdos pertencentes a várias áreas das ciências humanas, sobretudo da filosofia e da sociologia. Também foram introduzidas no currículo as disciplinas de caráter pedagógico como a Prática de Ensino e a Didática (SOARES JÚNIOR, 2008). Tais mudanças significaram uma ruptura com aquilo que até então se preconizava na formação dos professores dessa área.

    Entretanto, ao longo da formação inicial foi possível perceber que freqüentemente os alunos do curso apresentavam um comportamento de descaso e descompromisso com relação às disciplinas pedagógicas. Muitas vezes, a falta de interesse nos estudos desses conteúdos dificultava a dinâmica das aulas, afetando o rendimento dos demais.

    Associado a isso era comum que houvesse grande dificuldade de compreensão das abordagens críticas por parte significativa dos alunos, ao mesmo tempo em que conseguiam se apropriar dos conteúdos relacionados às áreas da biologia, fisiologia e esportiva com mais facilidade. Desse modo, parecia haver melhor compreensão das disciplinas que apresentavam um olhar cartesiano.

    Tal observação empírica foi também constatada nos estudos de Guimarães e Ferreira (1995) e Melo e Finck (1995). De acordo com Guimarães e Ferreira (1995) notava-se que no curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Londrina daquela instituição, à época em que publicaram sua pesquisa, havia um descaso dos alunos com relação às disciplinas pedagógicas do currículo. Segundo as autoras, era comum que houvesse pouco interesse e envolvimento dos graduandos nas aulas desses componentes curriculares.

    Igualmente preocupante, em pesquisa publicada por Melo e Finck (2012), evidenciou-se que os professores de Educação Física não possuíam formação pedagógica adequada. De acordo com os autores, os docentes entrevistados no estudo - profissionais formados há muito tempo e outros recentemente - disseram ter em sua formação inicial aprendido a ser atletas, mas não, como se desejaria, professores de educação física devido ao enfoque esportivista.

    Corroboram com estes os estudos sobre história de vida docente, cujos depoimentos de professores de educação física em fim de carreira retrataram suas trajetórias considerando que a escolha da profissão foi influenciada por suas vivências com esportes ou danças. Ao mesmo tempo em que essas experiências esportivas foram reforçadas no curso de formação inicial na perspectiva do professor treinador e do aluno atleta (RANGEL-BETTI; MIZUKAMI, 1997; SANTOS et alli, 2009; AMORIM FILHO;RAMOS, 2010).

    Nesta mesma perspectiva, a pesquisa realizada por Maldonado et alli (2008), que objetivou verificar se os docentes de educação física da educação básica atuantes na cidade de São Paulo conheciam as diferentes abordagens pedagógicas da área, constatou-se que os professores que participaram do estudo não tinham conhecimento sobre tais concepções.

    Diante deste cenário é possível inferir que apesar das mudanças decorrentes na área, lacunas estão presentes no que se refere à concepção docente sobre sua prática pedagógica e sobre a proposta de formação crítica.

    O estágio e os trabalhos realizados durante o curso de graduação observados empiricamente apontaram a falta de clareza na ação docente, no papel de tutor e a não continuidade no seu processo de formação.

    O olhar apresentado sobre este cenário não têm como intenção culpabilizar o professor, inclusive porque este processo é sócio-histórico e reflete questões centrais vistas na educação desde que foi implantada no cenário brasileiro paralelamente associada à pauperização da profissão docente (PENIN, 2009; PILETTI;ROSSATO, 2010).

    A educação física brasileira ainda carrega resquícios higienistas, eugenistas, biologicistas, esportivistas e recreacionistas no que se refere à formação e atuação docente uma vez que conforme Pimenta (2002) professores tendem a seguir em sua práxis os modelos daqueles que consideraram como “bons professores” em suas experiências como alunos.

    Desse modo, comumente podem-se encontrar professores ainda com práticas pedagógicas pautadas exclusivamente nas abordagens relacionadas à aptidão física com fins de esportivização (BRACHT, 1999).

    Dessa forma, sabendo que as disciplinas pedagógicas são fundamentais para a formação do professor e levando em consideração que na educação física há lacunas com relação ao interesse e/ou entendimento dos conteúdos referentes a tais disciplinas, bem como para a compreensão das abordagens críticas, indagou-se: como alunos do curso de Licenciatura em Educação Física têm se apropriado das diferentes abordagens de ensino? Quais disciplinas da grade curricular têm contribuído para a formação inicial? E, a pergunta que se coloca como problema desta pesquisa: como as disciplinas pedagógicas contribuem na formação inicial dos alunos do curso de licenciatura em educação física na perspectiva da formação crítica?

    Com vistas a esse cenário este estudo, de cunho bibliográfico, objetivou analisar os caminhos trilhados na formação inicial do professor de educação física no que se refere à formação pedagógica com vistas à proposta das abordagens críticas.

Formação e profissão docente

    A docência como profissão surge em função da necessidade de educar crianças e jovens (NÓVOA, 1991) em vistas de um projeto civilizatório da burguesia instituído no século XVII (VEIGA, 2002).

    No Brasil, a educação foi instituída pelos jesuítas para catequização dos índios, tidos como selvagens (ARANHA, 2006). Ao mesmo tempo em que as poucas escolas que existiam sobreviveram por iniciativas isoladas nas casas de professoras e em alguns centros urbanos conforme Penin (2009) sendo fornecida a alguns privilegiados.

    Com a reforma pombalina, os jesuítas foram expulsos do projeto educacional do país com intuito de trazer a educação fundamentada em estudos científicos fomentados pela burguesia (PILETTI;ROSSATO, 2010).

    A profissionalização docente, no entanto, ocorreu tardiamente com os primeiros cursos de formação para atuar no ensino primário em 1835. E a formação de professores para o ensino secundário ocorreu a partir da década de 30 no Instituto de Educação do Distrito Federal no Rio de Janeiro e em São Paulo no Instituto de Educação que se funde a Universidade de São Paulo (KISHIMOTO, 1999; PENIN, 2009).

    Nesta perspectiva, até a década de 70 a escola voltou-se para o atendimento da elite, na qual a profissão docente era valorizada. Na década seguinte, este cenário se modificou em função da democratização da Educação Básica e a implantação de sistemas de avaliação de aprendizagem externos em todos os níveis de ensino, acarretando na pauperização deste profissional (PENIN, 2009).

    Com a democratização do ensino, houve a necessidade de aumento da demanda de professores que deveriam ser formados no ensino superior. Ao mesmo tempo em que a qualidade dessa formação foi questionada ao se avaliar e mensurar internacionalmente a aprendizagem dos alunos.

    A partir deste cenário, é possível verificar que o público que passou a optar pela docência entendia que o seu acesso e processo de formação seriam mais fáceis do que outras áreas.

    Na educação física os estudos de Silva e Souza Neto (2011) apontam como indicação para escolha da profissão “os falsos cognatos” apresentados por Lassange (1997). Dentre eles, destacam-se aqui as habilidades específicas, a continuidade no estudo das matérias escolares cujo indivíduo teve sucesso e o contato direto com a atividade relacionada, mas com caráter de lazer corroborando com Rangel-Betti e Mizukami (1997), Santos et alli (2009) e Amorim Filho e Ramos (2010) que estudaram a história de vida de professores de educação física.

    Tais motivos parecem se referir ao entendimento de que haverá facilidade em se tornar professor pela aproximação com a disciplina na educação básica aliada ao desconhecimento das reais tarefas docentes.

    As disciplinas pedagógicas do curso de licenciatura têm como função preparar o futuro professor para lidar com desafios relacionados ao exercício do magistério envolvidos pelas relações estabelecidas entre professor, aluno e conteúdo, situados social e historicamente. Ao mesmo tempo em que participa do processo educacional do aluno deve colocar-se em constante reflexão em relação a sua prática pedagógica a fim de que possa promover o estímulo de capacidades e potencialidades de indivíduos para lidar com a sociedade.

    A resolução nº 1 de 2002 do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2002), CNE/CP, que rege os cursos de formação de professores para atuação na educação básica (em nível de licenciatura), diz, em seu artigo 4º, que “na concepção, no desenvolvimento e na abrangência dos cursos de formação de professores é fundamental que se busque considerar o conjunto das competências necessárias à atuação profissional”, bem como “adotar tais competências como norteadoras, tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da escola de formação”.

    Além disso, o artigo 6º da mesma legislação determina que, na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação de professores, devem ser consideradas algumas competências, entre as quais estão aquelas que se referem: à compreensão do papel social da escola; ao domínio dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar; e ao domínio do conhecimento pedagógico.

    Recomenda-se, neste mesmo documento, portanto, que, na formação inicial dos professores, exista um trabalho no sentido de desenvolver no futuro docente algumas competências que serão necessárias para sua atuação na educação básica. E, no curso de licenciatura em educação física, é nas disciplinas de caráter pedagógico que se encontra o espaço propício para tal trabalho.

    De acordo com Gobbi (2006, p. 24) o estudo das disciplinas pedagógicas pode “[...] instrumentalizar o futuro professor, para que ele reflita, quando no exercício do magistério, sobre sua prática e sua realidade e dos seus alunos com vistas a transformá-la”.

    A seguir, apresenta-se as reestruturações que a formação inicial em educação física sofreu em sua trajetória.

Formação inicial e as abordagens críticas do ensino da Educação Física

    Ao longo de sua história, a Educação Física passou por inúmeras modificações no que se refere à formação de seus profissionais. Acredita-se que o primeiro programa civil de um curso de formação de professores de Educação Física tenha surgido na década de 30 do século passado. Nesse curso, formavam-se, em um ano, instrutores de ginástica, e, em dois, professores de Educação Física (SOUZA NETO et alli, 2004).

    Em 1939, a partir do Decreto-lei nº 1.212, fundou-se a Universidade do Brasil e a Escola Nacional de Educação Física e Desportos. Nesse contexto passou-se a oferecer cursos voltados à formação de instrutores de ginástica, de médicos especializados em educação física, técnicos em massagem, técnicos desportivos e professores de educação física. Com exceção deste último curso, cuja duração era de dois anos, os outros eram realizados no período de um ano (SOUZA NETO et alli, 2004).

    Tanto no curso da Escola de Educação Física do Estado de São Paulo quanto no da Escola Nacional de Educação Física e Desportos, tinha-se, essencialmente, um cunho higienista na formação dos alunos conforme os estudos de (SOUZA NETO et alli, 2004).

    De acordo com os mesmo autores, após alguns anos, em 1945, com o Decreto-lei nº 8.270 surgiu nova proposta para os cursos de educação física. Porém, apesar da proposição de algumas mudanças, não se viu modificações significativas na base da proposta curricular dos cursos. Até esse período, o curso de educação física se diferia dos cursos de formação de professores de outras áreas como história, geografia e matemática. Para atuar no ensino destas áreas, fazia-se necessária a realização do curso de “Didática”. Já para atuar como professor de educação física, tal ação não se fazia obrigatória.

    Em 1962, com a apresentação do parecer nº 292/62 do Conselho Federal de Educação, CFE, que determinava as disciplinas pedagógicas para os cursos de licenciatura, passou-se a exigir maior espaço, no currículo dos cursos, para a formação pedagógica. Contudo, verificava-se que tal exigência não estava sendo cumprida nos cursos de formação de professores de educação física (SOUZA NETO et alli, 2004).

    E em 1969, a partir do parecer nº 894/69 da resolução do CFE nº 69/69, ambos do CFE, os cursos começaram a se limitar à formação de professores de educação física e técnicos desportivos. Definiu-se, também, que a carga mínima desses cursos seria de 1.800 horas. Nesse contexto, os conhecimentos relacionados à área esportiva passaram a ser enfatizados no currículo. Da mesma forma, a formação pedagógica também passou a ter mais ênfase, obtendo maior espaço as seguintes disciplinas: Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Psicologia da Educação e Prática de Ensino (SOUZA NETO et alli, 2004). De acordo com Soares Júnior (2008), até então os cursos de Educação Física se baseavam em uma abordagem técnica.

    Em 1987, com o parecer nº 215/87 do CFE e a resolução nº 03/87 do CFE, criou-se o curso de bacharelado em educação física. A partir de então, passou-se a exigir que a carga horária dos cursos de educação física, fossem eles de bacharelado, fossem eles de Licenciatura, deveria ser de 2.800 horas, a serem cumpridas em, no mínimo, em quatro anos (SOUZA NETO et alli, 2004). Tal fato significou uma nova referência para os cursos de Educação Física e gerou inúmeras discussões a respeito.

    Nesse período, além das mudanças na legislação que rege a formação do profissional da área, houve também o surgimento de movimentos de renovação na Educação Física. Questionava-se, entre outros aspectos, o papel da educação física na escola, bem como a concepção de professor que se desejava formar.

    Nesse cenário de debate, acordou-se que a educação física deveria repensar sua função como componente curricular na educação básica. Não poderia mais continuar com o estilo acrítico e excludente que a tinha marcado. Surgiram assim as abordagens do ensino da educação física. No entanto, para que essas mudanças se concretizassem, o professor não poderia mais ser instrutor ou técnico, mas sim, deveria colocar-se como sujeito capaz de conduzir os alunos à consciência e à criticidade. Dessa forma, o discurso na formação dos professores se modificou.

    Todavia, apesar de tais mudanças na concepção de formação do professor, atualmente ainda é comum que a compreensão do senso comum defina a educação física como área de atuação relativa as questões fisiológicas, da aptidão física e da performance esportiva.

    Dentre as abordagens do ensino, enfatiza-se neste estudo àquelas que se enquadram na perspectiva crítica, crítico-superadora, críticio-emancipatória e sistêmica, propostas respectivamente, pelo Coletivo de Autores, Elenor Kunz e Mauro Betti (DARIDO, 2003).

    De acordo com Henklein e Moraes e Silva (2007) as abordagens crítico-emancipatória e crítico-superadora aparecem, na década de 90, como as principais pedagogias críticas da educação física brasileira.

    Essas novas tendências contrastavam com aquela tradicional, até então vigente na educação física escolar, cuja essência era, e ainda é (tendo em vista que alguns professores ainda as adotam), a preparação instrumentalista e técnica dos alunos, isto é, a formação de seres executores e não pensantes (IORA; SOUZA, 2011).

    Darido (2003), apoiando-se no discurso da justiça social, afirma que a abordagem crítico-superadora visa à análise, à reflexão e à interpretação críticas da realidade social, de forma que os alunos se conscientizem e compreendam a dinâmica estabelecida nesse contexto. Desse modo, essa tendência se baseia no marxismo e no neomarxismo.

    Corroborando tal afirmação, Henklein, Moraes e Silva (2007: 2) expõem que a proposta da concepção crítico-superadora se pauta: “[...] principalmente num referencial materialista histórico dialético e visa um ensino baseado nos interesses da classe trabalhadora [...]”.

    A abordagem crítico-emancipatória também apresenta seu discurso com base marxista. Sua proposta objetiva: “[...] a formação de sujeitos críticos e autônomos para transformação (ou não) da realidade em que estão inseridos, por meio de uma educação de caráter crítico, reflexivo [...]” (HENKLEIN, MORAES e SILVA, 2007: 2).

    Uma de suas principais características é a preocupação que tem em formar o aluno como indivíduo crítico e emancipado, capaz de perceber os acontecimentos injustos — passíveis, portanto, de contestação e submissão a um processo de transformação — que se dão na sociedade industrial (HENKLEIN, MORAES e SILVA, 2007).

    Considerada também uma concepção crítica, a abordagem sistêmica, proposta por Mauro Betti, baseia-se na idéia de que a escola (ambiente micro) e sociedade (ambiente macro) estão intimamente interligadas num sistema complexo. Assim, o que ocorre na escola, implica diretamente na sociedade e, da mesma forma, o que acontece nesta, implica igualmente naquela (DARIDO, 2003; FERREIRA, 2000).

    Cabe lembrar, no entanto, que, embora a abordagem sistêmica apareça entre as principais pedagogias críticas da Educação Física brasileira, alguns autores têm questionado esse caráter crítico que lhe é atribuído.

    Ferreira (2000) que pondera que, apesar de apresentar um discurso de pedagogia crítica, essa abordagem apresenta em sua constituição aspectos/características que remetem à linha positivista, típica das abordagens acríticas.

    Portanto, é preciso enfatizar que a classificação da abordagem sistêmica como tendência crítica da Educação Física é passível de discussão e questionamentos. Mesmo assim, neste estudo, considerando essa ainda falta de consenso, vamos considerá-la uma abordagem crítica.

Considerações finais

    A proposta inicial deste estudo foi analisar os caminhos trilhados na formação inicial do professor de educação física no que se refere à formação pedagógica com vistas à proposta das abordagens críticas.

    A literatura confirmou as evidências encontradas na literatura e também das experiências vividas no curso de educação física, as quais indicavam certo desinteresse dos alunos sobre as disciplinas do núcleo de formação pedagógica, bem como um desconhecimento acerca das diferentes abordagens de ensino da área, principalmente as denominadas críticas.

    Percebeu-se que ao longo da história a formação do professor de educação física passou por transformações significativas, tendo em suas primeiras décadas de funcionamento o enfoque higienista, não havendo tanta preocupação com as disciplinas pedagógicas, diferentemente do que ocorria em outros cursos de formação de professores. Em 1962, emergiram preocupações com a formação pedagógica que só foram enfatizadas em sete anos depois.

    Em 1980, a necessidade de se legitimar-se como área de conhecimento e o mercado de trabalho ampliado exigiu que a educação física repensasse seu papel e, conseqüentemente, sua formação.

    Tendências diferenciadas acerca do objeto de estudo da educação física, o movimento humano, apareceram com propostas inovadoras que ainda estão em processo de experienciação, em função dos resquícios das concepções higienista, militarista, esportivista e recreacionista ainda presentes.

    Entretanto, foi possível verificar que os cursos se mantiveram baseados numa lógica acrítica, continuando a formar técnicos/instrutores. Ainda hoje, apesar das mudanças no discurso, é comum os próprios profissionais da área relacionarem a educação física às ciências biológicas, não reconhecendo a educação física como área que também se liga às ciências humanas.

    O desinteresse dos alunos com relação às disciplinas pedagógicas do curso e o desconhecimento que muitos professores de educação física têm no que se refere às abordagens de ensino (sobretudo as críticas) aparecem como situações problemáticas a serem analisadas, pois tais fatos podem ser indícios de que, embora tenha havido ao longo do tempo mudanças no discurso da educação física escolar, a prática pedagógica continua sendo a mesma.

    Entende-se como pertinente investigar o discurso e a prática pedagógica de profissionais e de futuros professores como com vistas a refletir sobre as reais transformações ocorridas durante sua formação.

Referências bibliográficas

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires, Mayo de 2013  
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