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Ajuste da curva monoexponencial da 

cinética do VO2: um estudo com Excel®

Ajuste de la curva monoexponencial de la cinética de VO2: un estudio con Excel®
Monoexponential curve fit of the VO
2 kinetics: a study with Excel®

 

*Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB, RJ

**Professora do Departamento de Matemática da Universidade Regional

do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ)

Mestre em Matemática pela UNIJUÍ, RS

(Brasil)

Nelson Kautzner Marques Junior*

nk-junior@uol.com.br

Tânia Michel Pereira**

tmichel@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do artigo de revisão foi ensinar o ajuste da curva monoexponencial da cinética do VO2 através do Excel®.

          Unitermos: Cinética do VO2. Ajuste de curva. Matemática. Exercício. Exponencial. Excel ®.

 

Abstract

          The objective of the review article was to teach the monoexponential curve fit of the VO2 kinetics with Excel®.

          Keywords: VO2 kinetics. Curve fit. Mathematics. Exercise. Exponential. Excel®.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Em 1913, através de Krogh e Lindhard, aconteceu um dos primeiros estudos que observou o aumento da cinética do VO2 (consumo de oxigênio) em resposta ao exercício moderado de 12 minutos1. Após a pesquisa de Hill e Lupton2 publicado em 1923, sobre a cinética do VO2 durante e no fim do exercício, vários cientistas passaram investigar esse fenômeno com frequência3,4. Em 1954, Astrand e Ryhming evidenciaram que a cinética do VO2 durante o esforço físico tinha um comportamento linear5. Muitas discussões aconteceram sobre a linearidade e não linearidade do comportamento da cinética do VO26,7. Mas a partir de 1990, Whipp e Ward concluíram através de uma revisão de literatura que a cinética do VO2 se apresentava não linear durante e após o exercício8. Essa informação foi corroborada em pesquisa de campo9.

    A resposta da cinética do VO2 durante o exercício aumenta de maneira exponencial conforme prossegue a atividade física, podendo atingir um platô quando o indivíduo atinge o estado estável no trabalho predominantemente aeróbio10. A literatura da fisiologia do exercício divide a curva da cinética do VO2 em três fases11. A fase I ou fase cardiodinâmica acontece nos primeiros segundos (geralmente entre 10 e 25 segundo) do aumento da resposta do VO2 ao exercício, esta resposta está relacionada principalmente com o aumento da frequência cardíaca, com um maior fluxo sanguíneo nos músculos e da maior resposta respiratória12,13. A fase I da cinética do VO2 costuma ser ajustada através de uma equação monoexponencial14. A fase II ou componente rápido inicia logo após o término da fase I, ela pode durar a partir de alguns segundos até uns poucos minutos (geralmente entre 25 a 80 segundo)15. Nessa fase o VO2 continua com um aumento exponencial, não permitindo ao indivíduo um estado estável (steady state). A fase II a cinética do VO2 costuma ser ajustada por uma equação biexponencial16. Caso o exercício continue, acontece a fase III ou componente lento do VO2 (geralmente possui 80 segundos ou mais), que pode acontecer o estado estável se o esforço físico for moderado17. A fase III a cinética do VO2 costuma ser ajustada por uma equação biexponencial ou triexponencial, estando relacionada com a intensidade do exercício18.

    A cinética do VO2 após o exercício atualmente é denominada de consumo excessivo de oxigênio pós-exercício, sendo também chamada através da abreviação do inglês de EPOC (excesso postexercise oxygen consumption). Krogh e Lindhard foram um dos primeiros a estudar a cinética do VO2 após o esforço físico, isso ocorreu em 192019. Enquanto que Hill, Long e Lupton explicaram em 1924 sobre o metabolismo energético durante e após o exercício, eles informaram que no término da atividade física acontece um débito de oxigênio20, hoje denominado EPOC. Esse trabalho pioneiro de Hill et alii20, serviu de base para Margaria, Edwards e Dill estabelecerem em 1933 que durante o débito de oxigênio ocorre duas fases, o débito aláctico e o débito láctico21.

    Atualmente o EPOC é dividido em rápido (geralmente entre 10 a 180 segundos) e lento (180 segundos até muitas horas), também sendo identificado o EPOC ultralento (mais de 24 horas)22. Após a interrupção da atividade física o VO2 diminui de maneira exponencial tendo valores superiores ao antes do esforço físico, geralmente o EPOC rápido é ajustado por uma curva monoexponencial e o EPOC lento por uma curva biexponencial23. O objetivo do EPOC é restaurar os processos metabólicos pós-exercício, por exemplo, no EPOC rápido ocorre uma restauração dos fosfagênios e um reabastecimento dos estoques de oxihemoglobina (hemoglobina combinada ao O2)24, no EPOC lento acontece significativa remoção do lactato e diminuição da ventilação pulmonar25 e no EPOC ultralento, parece que ele se manifesta em exercícios intensos com alto demanda de ação muscular excêntrica, merecendo mais investigação sobre a sua atuação26.

    A figura 1 ilustra as explicações anteriores sobre a cinética do VO2 durante e após o exercício12.

Figura 1. Crescimento exponencial do VO2 durante o exercício

e decaimento exponencial do VO2 após o esforço físico12.

    Após a escolha do melhor modelo exponencial para a cinética do VO2 durante o exercício e após a atividade – detalhes em Marques Junior27, o pesquisador precisa realizar um ajuste exponencial da curva do VO2. Segundo Guimarães28, “ajustar uma curva a um conjunto de pontos obtidos num experimento é encontrar a função matemática que mais se aproxima do comportamento daquele conjunto de dados obtidos no laboratório” (p. 49). Um dos cálculos mais utilizados para o ajuste de curva foi elaborado por Carl Gauss em 1809, artigo publicado no Werke, a equação foi denominada de condições que minimizam a soma dos quadrados dos resíduos, posteriormente essa equação foi chamada por Adrien-Marie Legendre de método dos mínimos quadrados29. O objetivo do método dos mínimos quadrados é estabelecer matematicamente uma diferença mínima entre os dados de um experimento30,31. O ajuste da curva através dos mínimos quadrados não necessita de equipamentos sofisticados, pode ser facilmente resolvido com o uso de uma calculadora32, mas para agilizar os pesquisadores, esse artigo vai ensinar como utilizar o Excel® nessa equação.

    O objetivo do artigo de revisão foi ensinar o ajuste da curva monoexponencial da cinética do VO2 através do Excel®.

Ajuste da curva da cinética do VO2 com Excel®

    O artigo elaborado por Marques Junior ensinou como determinar o melhor modelo exponencial para a curva do VO2 durante e após o exercício27. Esse artigo é a continuação desse trabalho porque vai orientar o pesquisador como ajustar a curva da cinética do VO2.

    Utilizando o mesmo exemplo de Marques Junior27, dois sujeitos foram selecionados para um experimento, ficaram em pé por 5 minutos com o analisador de gases portátil Cosmed K4 b2 para coletar o VO2. Após esse procedimento, os dois sujeitos correram numa velocidade máxima por um período de 1 minuto e 20 segundos (80 segundos) e o Cosmed K4 b2 coletou o VO2 do esforço físico em cada 5 segundos. A figura 2 mostra como os dados se comportaram durante a coleta através de uma curva do VO2 não ajustada (Obs.: Esses dados não são reais).

Figura 2. VO2 do teste de corrida

    Após esse procedimento foram realizados vários cálculos e foi estabelecido que o melhor ajuste da curva do VO2 do teste de corrida foi através de um modelo monoexponencial – veja os cálculos em Marques Junior27. Para o pesquisador realizar o ajuste da curva monoexponencial da cinética do VO2 basta praticar os seguintes procedimentos:

1.     Organize no Excel® o VO2 de cada sujeito em uma tabela e coloque o identificador das linhas, o i (O i varia de 1 a 16 nessa coleta de dados) que consequentemente, você vai determinar o n (n é a quantidade de dados colhidos em cada segundo, sendo 16) da amostra.

2.     Organize no Excel® outra tabela com a média do VO2 em cada segundo. Segundo você vai se referir como xi e VO2 como yi.

3.     Baseado em Pereira33, vamos realizar todos os procedimentos para efetuar o método dos mínimos quadrados:

a)  Para fazer o ajuste da exponencial da forma

y=a.ebx (1)

    basta fazer as transformação necessárias para linearização na equação desta.

b)     Considerando que y é um valor positivo isto implica que o valor de a, da equação (1) é positivo. Desta forma é possível aplicar o logaritmo natural (In) em ambos os membros e obtém-se

ln (y) = ln (aebx) (2)

c)     Aplique a propriedade do produto e é encontrado ln (y) = ln a + ln ebx .

d)     Aplique a propriedade da potência e tem-se ln (y) = ln a + bx, visto que ln e=1. e) Faça Y= ln (y), A= b e B= ln (a) e fazendo as substituições em ln (y) = ln a + ln bx tem-se Y= Ax + B. Note que os parâmetros a e Y= Ax + B da função monoexponencial y = a . ebx após linearizada, podem ser obtidos a partir dos valores de A e B utilizando o método dos mínimos quadrados para a equação da reta.

f)     Calcule os valores de A e B a partir das seguintes equações abaixo utilizando a planilha eletrônica Excel l®. ou outra similar.

4.     Multiplique os segundos (xi) pelo VO2 (yi) e depois some os resultados.

5.     Os segundos que matematicamente é xi, devem ser elevados ao quadrado, sendo representados por xi2.

Exemplo do cálculo realizado: 5 segundos 52 = 5 x 5 = 25

6.     Determine o logaritmo natural do VO2, sendo representado matematicamente por Y = In y. Depois some toda a coluna, sendo ∑Yi.

7.     Continuando a seguir os ensinamentos de Pereira33, multiplique os segundos (xi) pelo logaritmo natural do VO2 (Yi). Depois some toda a coluna, sendo ∑xi . Yi.

8.     Eleve o resultado do logaritmo natural do VO2 ao quadrado (Yi2), depois some os valores da coluna (∑Yi2).

9.     Depois de calcular todas as variáveis da equação A e B, resolva de acordo como Pereira33 determina.

Lembre que n=16 (número de dados).

a)     Obtenha o valor de A da fórmula a seguir por calculadora.

b)     Fazendo o cálculo na célula B28 do Excel®, basta ver onde estão os resultados e digitar as letras e os números que correspondem aquela célula com o símbolo da conta (* é multiplicação, / é divisão, ^ é potência, - é menos). O cálculo de A fica o seguinte:

c)     Obtenha o valor de B por calculadora com a fórmula a seguir.

d)     Obtendo o valor de B no Excel® , na célula B29.

Lembrando que Y= ln (y), A= b e B= ln (a)

e)

f)     A equação da reta dos mínimos quadrados da função monoexponencial possui a seguinte estrutura:

g)     Então estruture a equação monoexponencial do VO2 em função do tempo s Substituindo y por VO2 e x por t:

10)     Calcule o VO2 utilizando a função monoexponencial atribuindo valores para t utilizados durante a observação e coloque estes valores na coluna I.

a) Cálculo com calculadora.

Substitua t por 5s na função

Consulte a tabela de função exponencial crescente para substituir o número 0,04365. Esse detalhe você pode ver em Marques Junior27.

Resultado do VO2 ajustado no período de 5 segundos: 34,78 ml/kg/seg

11.     Compare os resultados do VO2 calculados com os observados colocando-os na coluna I, conforme mostrado no quadro a seguir.

 

Figura 2. Resultado do VO2 do teste e do VO2 ajustado da curva monoexponencial

12.     Calcule o coeficiente de determinação (R2) baseado em Pereira33. Segundo Guidorizzi34, quanto mais próximo de 1 estiver o R2, melhor será a ajuste da reta dos mínimos quadrados aos pontos da tabela. Use os valores calculados anteriormente.

a)     Fazendo por calculadora.

b)     No Excel® a fórmula da equação fica da seguinte maneira:

    Através desses cálculos você pode ajustar a curva monoexponencial do VO2, podendo fazer o mesmo no EPOC.

Conclusão

    O ajuste da curva monoexponencial da cinética do VO2 com o Excel® é uma tarefa demorada e minuciosa, mas quando elaborado no programa torna-se fácil e prazeroso efetuar esses cálculos e possibilitado a compreensão do processo todo.

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