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Estudos sobre o brincar na Educação Infantil:

uma leitura das pesquisas publicadas na ANPEd

Estudios sobre el jugar en la Educación Inicial: una lectura de las investigaciones publicadas en la ANPEd

 

*Pedagoga, Especialista em Educação Infantil e Professora de Educação Infantil

da rede municipal de ensino de São Carlos, SP

**Doutora em Educação Escolar e Pedagoga. Docente do Departamento

de Teorias e Práticas Pedagógicas – Universidade Federal de São Carlos, UFSCar

Tatiana Aparecida de Mattos*

Aline Sommerhalder**

alinesommer@ufscar.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Esse artigo é decorrente de uma pesquisa de Pós Graduação Lato Sensu em Educação Infantil, de uma universidade pública brasileira que investigou como o brincar se apresenta nas pesquisas produzidas no campo da Educação Infantil, publicadas no Brasil nas Reuniões Anuais da ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, em específico no Grupo de Trabalho 07: Educação das Crianças de 0 a 6 anos. Foram analisados artigos publicados no GT 07 das Reuniões Anuais de 2005 a 2011 dessa Associação, que abordaram o Brincar no cotidiano da Educação Infantil. Os resultados evidenciaram, dentre outros aspectos, que nas recentes publicações o brincar deve se apresentar como eixo central das práticas pedagógicas na Educação Infantil. Destaca ainda na análise destas produções as relações estabelecidas do brincar com outros fenômenos diretamente relacionados aos processos educativos das crianças na Educação Infantil, como: formação de grupo de crianças, consumo e cultura midiática.

          Unitermos: Brincar. Práticas pedagógicas. Educação Infantil.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 179, Abril de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Das experiências com a docência na educação infantil, em diversos projetos de formação de professores e na produção de pesquisas nesse campo (SOMMERHALDER e ALVES, 2011a; SOMMERHALDER e ALVES, 2011b, SOMMERHALDER, OLIVEIRA e ALVES, 2011) indica-se que na atualidade, de forma geral, as práticas pedagógicas assumem o brincar como uma atividade que, muitas vezes, se faz presente de forma cindida das ações de cuidar e educar da criança na Educação Infantil. Nesse contexto, percebe-se que muitas práticas cotidianas ainda revelam o controle e a restrição, por parte dos adultos, dos tempos e espaços para brincar e preocupação exacerbada pelo ensino e a aprendizagem que intenciona a preparação da criança para a escolarização do ensino fundamental (1º aos 5 anos). Brincar assim, se distancia da compreensão de eixo integrador das linguagens curriculares e princípio norteador das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil.

    O presente artigo tem por objetivo investigar, por meio de recentes pesquisas científicas publicadas, como o brincar se apresenta no cotidiano da Educação Infantil. Busca-se descrever de forma sucinta o contexto da temática em que o brincar foi tomado como objeto de investigação e apresentar as principais contribuições dessas produções científicas;

    Brincar é compreendido como elemento da cultura da infância, uma prática social e linguagem que favorece a integração das linguagens curriculares na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, colaborando com as conquistas de desenvolvimento e os processos de aprendizagem das crianças.

    Wajskop (2009) aponta que brincar é uma atividade social privilegiada da criança, compreendendo essa criança como histórica e socialmente situada, ou seja, como resultado da educação e da cultura a qual ela pertence. Percebemos autores que, na mesma direção, destacam o brincar como um elemento da cultura (HUIZINGA, 1999) e como cultura lúdica (BROUGÈRE, 2002).

    Para Brougère (2002), a criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando. O autor revela que a cultura lúdica, como toda cultura, é produto das relações sociais entre as pessoas, como por exemplo, das experiências lúdicas que ocorrem nas relações entre mãe e bebê.

    Considera-se ainda que ao brincar, a criança vivencia uma diversidade de experiências indispensáveis para a garantia de efetivas aprendizagens favoráveis ao seu desenvolvimento. Reconhecemos então o lúdico (brincadeiras, brinquedos e jogos) como uma linguagem; uma atividade intensiva da criança, peculiar à sua cultura, às suas necessidades e seus interesses (SOMMERHALDER e ALVES, 2011).

    Barbosa (2009) destaca que mesmo em espaços e momentos não intencionados para as brincadeiras, as crianças conseguem transgredir o estabelecido e constroem oportunidades para brincar. Desse modo, as brincadeiras são produzidas pelas crianças nos mais diversos espaços e momentos, quando estão almoçando, na rodinha, esperando a professora, nas filas ou na movimentação diária nos diferentes ambientes da educação infantil. Isso é demonstrado quando, segundo essa autora, as crianças usam o chão das salas e do espaço de circulação para brincar, saltando pelos diferentes pisos cerâmicos coloridos de uma determinada instituição de educação infantil. Ou seja, elas criam espaços e tempos para brincar apesar da ausência desses, disponibilizada pelos adultos (Barbosa, 2009).

    Brincar é uma aprendizagem que ocorre na relação das crianças com outras pessoas e com os objetos, ou seja, com a cultura que a rodeia. É por meio do brincar que a criança se relaciona com o mundo ao seu redor; é por meio dessa linguagem que ela compreende a realidade e se faz compreender nessa realidade (BROUGÈRE, 2002).

    Wajskop (2009) trabalha com a hipótese de que se organizada em torno da brincadeira infantil, as práticas pedagógicas na Educação Infantil podem cumprir sua função educativa, ampliando o repertório vivencial e de conhecimentos das crianças, rumo à autonomia e à cooperação. Para a autora, “[...] a garantia do espaço da brincadeira [...] é a garantia de uma possibilidade de educação da criança em uma perspectiva criadora, voluntária e consciente” (WAJSKOP, 2009, p. 31).

    Os profissionais da Educação Infantil, como adultos afetivamente importantes para a criança, quando acolhem suas experiências e produções lúdicas abrem um espaço potencial de criação. Com isso, são fundamentais para mediar as relações das crianças com as pessoas e os objetos da realidade, promovendo ainda momentos de descoberta, de imaginação e criatividade (SOMMERHALDER E ALVES, 2011).

    Em nossa compreensão, brincar é a forma para a superação de práticas pedagógicas escolarizantes e cindidas em relação ao educar e cuidar na Educação Infantil. O brincar da criança não é apenas um ato espontâneo de um determinado momento, pois cada criança frente ao jogo apresenta sua própria história. As instituições escolares, dentre elas a educação infantil precisam possibilitar espaços físicos e simbólicos para a vivência do jogo pelas crianças. Por espaço físico, entende-se a disponibilidade qualitativa de ambientes e estrutura, como brinquedos, parquinho, espaços gramados e pátio. Por espaço simbólico, a disponibilidade do adulto em permitir que a criança brinque e brincar com ela (Sommerhalder e Alves, 2011).

    As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (2010) afirmam que a responsabilidade social e a função política das creches e pré-escolas se efetivam com a garantia do direito a uma educação de qualidade - comprometida com o cuidado; o desenvolvimento; a cidadania e o bem-estar das crianças e de suas famílias. Apresentam o brincar como princípio integrador das propostas pedagógicas e curriculares da Educação Infantil e mostram a importância da Educação Infantil para o pleno desenvolvimento das crianças, assim como a excelência do brincar e do interagir na sua formação.

Percurso metodológico

    Realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa com etapa bibliográfica (MIOTO & LIMA, 2007) e documental (LÜDKE & ANDRÉ, 1986), esta última contemplando as produções científicas publicadas nas Reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Brasil), conhecida como ANPEd e pelo seu Grupo de Trabalho (GT) 07: Educação de Crianças de 0 a 6 anos.

    A ANPEd é uma sociedade brasileira civil fundada em 1976 pelos Programas de Pós-Graduação do Brasil, da Área de Educação. Objetiva o desenvolvimento e a consolidação da pós-graduação e da pesquisa em Educação no Brasil. Na atualidade apresenta-se como um espaço de referência no debate das questões científicas e políticas do campo educacional, como também na produção e divulgação do conhecimento em Educação no Brasil. Os 23 GTs (Grupos de Trabalho) temáticos da ANPEd constituem atualmente núcleos disseminadores de conhecimentos sobre temáticas específicas da área da Educação, atuando durante todo o ano e nas Reuniões Anuais desta Associação.

    Justifica-se a escolha do estudo das produções das Reuniões Anuais da ANPEd - GT 07 em razão do reconhecimento científico que essa Associação tem no campo da educação. Com isso, as pesquisas publicadas nessas Reuniões são representativas em relação à qualidade e a disseminação do conhecimento científico atualmente produzido na área.

    A pesquisa teve duas etapas metodológicas, sendo a primeira o levantamento bibliográfico sobre a Infância, a Educação Infantil e o Brincar na educação das crianças, recorrendo para isso a literatura científica atual. A segunda etapa consistiu no levantamento e análise das produções atuais da ANPEd, em que foram investigados artigos publicados em forma de Trabalhos e Pôsteres no GT 07 das Reuniões Anuais de 2005 a 2011, que tinham como foco de pesquisa o Brincar no cotidiano da Educação Infantil. Para isso, foi visitado o site da ANPEd (www.anped.org.br), nos meses de janeiro a março de 2012, para acesso aos trabalhos científicos e pôsteres publicados na íntegra nas Reuniões realizadas no período selecionado. Vale destacar que não foram encontradas publicações de trabalhos relacionados diretamente à temática do brincar, nos anos de 2008 e 2009.

    Diante da grande quantidade de publicações encontradas delimitou-se a análise de 05 produções na íntegra, sendo 04 trabalhos e 01 pôster, publicados no período de 2005 a 2011 tomando como critério para essa seleção as publicações que diretamente abordaram a temática do brincar na educação das crianças de 0 a 6 anos.

    A análise foi realizada qualitativamente considerando a literatura escolhida e os objetivos da pesquisa. As pesquisas escolhidas foram analisadas a partir dos seguintes aspectos categóricos: 1) Objetivos e intencionalidades das pesquisas produzidas, 2) Contexto em que a pesquisa foi realizada; 3) Principais resultados e contribuições que estas pesquisas trazem para o campo da temática do brincar no cotidiano da Educação Infantil.

Resultados e discussão

    Em relação ao primeiro aspecto categórico: Objetivos e intencionalidades das pesquisas produzidas, no ano de 2005, a ANPEd publicou o trabalho “Educação Infantil, gênero e brincadeiras: das naturalidades às transgressões”, de autoria de Finco. Este trabalho traz os resultados finais da pesquisa de mestrado da autora. O objetivo principal da pesquisa foi observar as brincadeiras de meninos e meninas da Educação Infantil, analisando o modo como se relacionavam e se manifestavam culturalmente frente às questões/relações de gênero (FINCO, 2005).

    A pesquisa “As culturas da infância nos espaços-tempos do brincar: estratégias de participação e construção da ordem social em um grupo de crianças de 4 a 6 anos”, publicado na ANPEd de 2006, produzido por Borba resulta da tese de doutorado da autora. Borba (2006) focalizou tanto o brincar quanto as relações sociais entre as crianças nos momentos de brincadeiras, buscando compreendê-los ao mesmo tempo nas relações que estabelecem entre si e na constituição das culturas da infância. O objetivo central da pesquisa foi compreender como as crianças, nas relações que estabelecem entre si e nas formas de ação social que constroem nos espaços-tempos do brincar, constituem suas culturas da infância e são também por elas constituídas.

    O pôster intitulado “O brincar no cotidiano escolar da Educação Infantil: criar e recriar de cultura e de aprendizado”, publicado na ANPEd de 2007, de autoria de Trevisan é parte da dissertação de mestrado da autora. Segundo Trevisan (2007) sua intenção foi compreender como o brincar acontece na Educação Infantil, ou seja, como ele se apresenta no cotidiano dos sujeitos escolares e como foi se colocando e sendo problematizado no decorrer das mudanças na sociedade.

    A pesquisa de Salgado “Pares ou Ímpares?’: Consumo e relações de amizade entre as crianças na formação de grupos para brincar”, publicado na ANPEd 2010, é produto da tese de doutorado da autora. O principal objetivo da pesquisa foi compreender os modos como as crianças, em meio às referências simbólicas da cultura midiática, se organizam socialmente e produzem culturas lúdicas específicas, trazendo à tona valores, saberes e aprendizagens que traduzem os significados que conferem à vida fora do espaço escolar (SALGADO, 2010).

    A publicação da pesquisa na ANPEd de 2011 intitulada “A construção da cultura de pares no contexto da Educação Infantil: brincar, ler e escrever”, de autoria de Neves analisa o contexto de brincadeiras de um grupo de crianças de 4 a 5 anos da Educação Infantil, a partir do olhar para as interações estabelecidas entre elas e a construção de grupos para brincar e aprender, em especial a aquisição da leitura e escrita.

    No segundo aspecto categórico: Contexto em que a pesquisa foi realizada, a autora Finco (2005) utilizou de uma variedade de procedimentos e instrumentos metodológicos: registro fotográfico, registro em caderno de campo, utilização da produção cinematográfica, utilização de imagens de obras de arte, literatura infantil, que, segundo ela, relacionadas entre si possibilitaram uma análise diferenciada sobre seu objeto da pesquisa: as questões de gênero manifestadas nas brincadeiras das crianças da Educação Infantil.

    Borba (2006) realizou sua pesquisa em uma escola municipal de Educação Infantil situada em Niterói, Rio de Janeiro com um grupo de crianças de 4 a 6 anos, nos espaços do brincar. A autora focalizou a questão da participação e da ordem social no grupo de pares, através do olhar sobre o acesso das crianças às brincadeiras, discutindo as estratégias de entrada e resistência das crianças nos grupos e os aspectos que estas revelam sobre as relações sociais. A pesquisa teve um caráter etnográfico e acompanhou um grupo de crianças durante suas atividades de brincadeiras livres. A partir da observação participante, a autora acompanhou as atividades buscando adentrar nos mundos sociais e culturais das crianças. As crianças foram observadas em situações naturais e rotineiras do cotidiano escolar da Educação Infantil, em suas ações desenvolvidas nos espaços destinados ao brincar, especialmente dois parques e uma casa de alvenaria mobiliada com materiais proporcionais ao tamanho das crianças. Foram utilizadas videogravações, audiogravações e comentários escritos em notas de campo, além de entrevistas e conversas informais com as crianças.

    Trevisan (2007) focalizou o brincar da criança no cotidiano de uma escola de Educação Infantil da rede municipal de Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa de mestrado que estava em andamento no ano de 2007. Como o texto publicado resulta da pesquisa em andamento, a autora não apresenta informações sobre procedimentos de coleta de dados e os sujeitos participantes do estudo.

    Salgado (2010) investigou o cotidiano das crianças em duas instituições de Educação Infantil, sendo uma turma de crianças entre 4 e 5 anos, de uma unidade de Educação Infantil da rede pública do município de Rondonópolis, Mato Grosso e uma turma de Educação Infantil, com crianças de 5 a 6 anos, em uma das unidades do Serviço Social e do Comércio – SESC, na cidade do Rio de Janeiro. A autora não traz detalhamentos na publicação sobre os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da investigação.

    Neves (2011) realizou uma pesquisa de abordagem etnográfica interacional em uma escola municipal de Educação Infantil em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais. A autora analisou as atividades diárias desenvolvidas numa turma de 21 crianças (10 meninas e 11 meninos) de 4 a 5 anos, com o objetivo de entender o que significa a brincadeira para o grupo pesquisado e, mais especificamente, quanto tempo é destinado ao brincar na rotina diária da turma pesquisada. A autora relata em seu trabalho que a construção dos dados para a pesquisa deu-se por meio de observação participante, conversas e entrevistas com as crianças e anotações em diário de campo.

    Como terceiro elemento categórico de análise: Principais resultados e contribuições que estas pesquisas trazem para o campo da temática do brincar no cotidiano da Educação Infantil, a pesquisa de Finco (2005) mostra como as hierarquias de gênero são contestadas e mantidas por meninos e meninas que vivem em um ambiente coletivo e público de educação. Mostra como meninos e meninas de 4 a 6 anos de uma pré-escola, vêm participando das transformações em nossa sociedade, como portadores de história, como atores dos processos sociais, reproduzindo a cultura.

    Segundo Finco (2005), a pesquisa se defrontou com as dificuldades em trabalhar com as questões de gênero na infância, que se traduz na carência de pesquisas sobre o tema. Segundo a autora, “[...] na área da educação de crianças de 0 a 6 anos, ainda se verifica a escassez de pesquisas que articulam gênero, relações entre crianças e práticas educacionais” (Finco, 2005, p. 4).

    Finco (2005) relata que no contexto observado foi possível verificar que os meninos gostam de brincar de casinha, com boneca, de salão de beleza e as meninas gostam de subir em árvores, jogar futebol e brincar com espada e carrinho. Para esta autora, a variedade dos brinquedos e as diversas opções de brincadeiras favorecem para que todos os espaços sejam ocupados por meninas e meninas indiscriminadamente. As crianças brincam espontaneamente com os brinquedos que escolhem, sem constrangimentos:

    Meninos participavam de brincadeiras como cuidar da casa, cozinhar, passar roupa, cuidar dos filhos, que são vistas como funções de mulheres, assim as crianças trocavam e experimentavam os papéis de gênero durante os momentos de brincadeira. Foi possível considerar que as crianças observadas na escola pesquisada ainda não possuem práticas sexistas em suas brincadeiras e, portanto, não reproduzem o sexismo presente no mundo adulto (Finco, 2005, p. 9).

    Finco (2005) afirma que meninos e meninas movimentam, circulam e se agrupam de diferentes formas para brincar. Relata que foi possível considerar que os estereótipos dos papéis sexuais, os comportamentos pré-determinados, os preconceitos e discriminações são construções culturais, que existem nas relações dos adultos, mas ainda não conseguiram influenciar totalmente a cultura da criança. São os adultos que demandam que meninas sejam de um jeito e que os meninos tenham outros comportamentos. Nesse contexto, as relações ocorridas na escola pesquisada podem ser consideradas momentos importantes para se construir uma relação não hierárquica, uma relação de respeito entre os gêneros. Para a autora, a professora de educação infantil tem um papel fundamental para que essas relações possam acontecer de forma livre, sem cobranças quanto a um papel sexual pré-determinando.

    A pesquisa revela ainda que em relação ao uso dos brinquedos foi possível compreender a positividade das transgressões, nos momentos de brincadeiras, percebendo como meninos e meninas resistem aos padrões pré-estabelecidos, transgridem os padrões considerados “certos” e “errados”, recriando e inventando novas formas de brincar, novas formas de ser. Assim, as categorizações dos brinquedos em masculino e feminino são construções criadas por adultos e não tem significado para as crianças nos momentos das brincadeiras.

    Dentre as contribuições deixadas pela pesquisa destaca-se a necessidade de desconstrução da lógica binária na apresentação do mundo para as crianças, uma vez que enquanto os brinquedos e brincadeiras estiverem sendo associados a significados masculinos e femininos, que hierarquizam coisas e pessoas, realiza-se uma apresentação de mundo excludente.

    Borba (2006), ao trazer as contribuições de seu trabalho sobre as estratégias de participação e construção da ordem social em grupos de crianças brincando, afirma que na maioria das vezes, as crianças usam mais de uma estratégia (simples aproximação no espaço da brincadeira em curso; contribuir com algum brinquedo ou objeto – dando ou trocando; solicitar ou declarar diretamente a participação) para conseguirem participar de uma brincadeira, ajustando as formas de entrada aos tipos de brincadeira, aos grupos, às interações em curso e às respostas de aceitação ou de resistência às suas tentativas.

    A análise das estratégias de acesso das crianças às brincadeiras revelou, nessa pesquisa um complexo processo regido por normas e valores partilhados. As experiências vividas pelas crianças nos espaços familiares e escolares, com suas normas e valores próprios de organização e de funcionamento, certamente estão na base desse processo.

    De acordo com Borba (2006) ainda que durante as brincadeiras tenha sobressaído o investimento das crianças na negociação de conflitos para garantir o processo interativo do brincar, também se revelaram hierarquias e relações de poder entre elas, as quais lhes conferem autoridade para definir quem pode ou não participar de determinadas brincadeiras. Nesse caso, para a autora, ocorreu a reprodução pelas crianças de princípios de classificação dos membros do grupo, que influenciam os diferentes, e muitas vezes desiguais, níveis de participação das crianças nas brincadeiras, tais como: bonito, feio, mais ou menos competente, maior, menor, mais velho, mais novo, menino, menina, legal, chato, entre outros. A pesquisa revelou as crianças como participantes ativos nos processos de estabelecimento de regras sociais e valores que regulam suas relações sociais entre pares e contribuem para a constituição de uma cultura infantil (Borba, 2006).

    A pesquisa de Trevisan (2007) afirma que na atualidade, passamos por um processo de interesse a serviço do consumo e que o mercado de brinquedos foi sendo ampliado na medida em que os espaços físicos para brincar foram sendo diminuídos. Além disso, toda a bagagem de informações e acessos que as crianças possuem, algumas mais, outras menos, tem influenciado significativamente suas brincadeiras.

    Para a autora, as crianças têm trazido para os seus “mundos de faz-de-conta” elementos da cultura da mídia, o que não quer dizer que elas tenham deixado de lado brincadeiras passadas como: cantigas de roda, brincar de casinha, de caçador etc. dentre as contribuições da investigação destaca-se que os/as educadores/as infantis precisam aproximar da realidade infantil, da cultura infantil. Aproximação esta com vistas a um melhor entendimento e consideração das necessidades infantis como conhecimento, com possibilidades pedagógicas correspondentes aos objetivos da educação das crianças pequenas.

    A pesquisa de Salgado (2010) possibilita afirmar que o consumo e as relações de amizade constituíram-se, em ambos os contextos, como estratégias significativas para a formação de grupos e para neles se inserir como meio de participar das brincadeiras que acontecem nas instituições educativas. Especificamente no tocante ao consumo, aponta que determinados objetos e informações que circulam na mídia, transformam-se em verdadeiros passaportes de entrada das crianças nas brincadeiras e nos grupos de pares, demarcando territórios e definindo quem pode ou não brincar.

    A pesquisam demonstra ainda que as relações de amizade entre as crianças se definem por aquilo que consomem e pelos bens que possuem, marcas de suas identidades e da realização, ainda que provisória e incompleta, de seus desejos e fantasias. Assim, o consumo, no mundo infantil, aparece claramente como uma prática social de grande valia para a entrada da criança em uma cultura lúdica. Consumir bonecos, cartas, jogos, videogames (de preferência os de última geração) representa valiosos vistos de entrada no passaporte para atravessar as fronteiras de diversas culturas lúdicas. O consumo, então, “aparece como prática fornecedora de processos simbólicos de poder” (SALGADO, 2010, p. 9).

    Aponta, ainda, que, nos grupos de crianças por ela pesquisados, os objetos revelaram relações de poder. Conferindo status àqueles que os consomem, passam a ser lances importantes, no jogo e na vida, para assumir liderança e superar o outro. Assim, determinados objetos pessoais não apenas definem o território individual, mas sobretudo, o alcance de sua influência sobre os demais membros do grupo. Com isso, os objetos de consumo assumiram destaque, uma vez que, na condição de alvos dos apelos à amizade, se apresentaram como barganhas para se obter privilégios ao deles se apoderar. Tornaram-se elementos necessários para se estabelecer uma relação entre os grupos de crianças e edificar uma ponte entre aquele que queria participar e aquele que assumia o poder no grupo da brincadeira. E destaca que a brincadeira da criança não se caracteriza exclusivamente pela emergência do prazer, mas se define, principalmente, como território de conflitos, de barganhas e negociações.

    A pesquisa de Neves (2011) mostrou que a professora observada tinha como principal objetivo do trabalho pedagógico centrar-se no desenvolvimento das habilidades de socialização das crianças, tais como autonomia, negociação de conflitos, ajuda mútua e construção da história do grupo. Uma desses momentos pedagógicos foi a construção da roda que se apresentou como uma rotina cultural da turma, reafirmando o pertencimento dos membros ao grupo ao dar visibilidade às suas ações, falas, relações de amizade e suas atividades ao longo dos dias, ficando evidente a liberdade de movimento e de participação das crianças em diversos momentos do cotidiano institucional.Além disso, essa pesquisa revela a presença e importância da interação da professora em momentos de brincadeiras com as crianças.

    Outra contribuição importante, apresentada nessa pesquisa é que ao mesmo tempo em que houve uma estruturação das atividades pela professora ao longo do ano, foi possível às crianças participarem de maneiras diferenciadas dentro de um conjunto de opções oferecido ao grupo. A socialização das crianças no ambiente da escola de Educação Infantil lhes permitiu coordenar as próprias vontades e desejos com as necessidades do grupo. Concluiu-se que é possível a construção de uma prática pedagógica que respeite as culturas de pares e o desenvolvimento infantil, integrando o brincar e a construção do conhecimento, em direção a um “brincar letrando” ou a um “letrar brincando” na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

    Após a apresentação dos resultados faremos a seguir uma reflexão sobre estes trabalhos apresentados na ANPEd de 2005 a 2011. Primeiramente, voltaremos à análise dos contextos em que as investigações foram realizadas. Percebemos que todas as pesquisas tiveram o mesmo espaço de produção: instituições de Educação Infantil, portanto, todas abordaram o brincar no cotidiano de instituições destinadas à educação de crianças pequenas.

    Percebe-se que todas essas pesquisas tiveram como participantes crianças brincando e não adultos falando sobre esta linguagem privilegiada da infância. Nenhuma produção mostrou o olhar adultocêntrico para o brincar da criança na Educação Infantil.

    Vale destacar que somente uma pesquisadora (Neves, 2011) teve como foco também às relações e interações estabelecidas entre a professora com as crianças nos momentos da rotina, destinados às brincadeiras (tanto as dirigidas, quanto as livres).

    Um fato que se fez notável nas produções de Borba, Salgado e Neves, refere-se ao grupo idade das crianças que participaram da investigação, ou seja, todas entre 4 e 6 anos. O nosso estudo permite assim revelar a ausência de pesquisas publicadas, nessa fonte de dados, sobre o brincar das crianças de 0 a 3 anos na Educação Infantil, neste período investigado.

    O brincar de crianças no cotidiano da Educação Infantil foi o foco de olhar em todas essas investigações, embora cada uma tenha apresentado intencionalidades diferentes para este olhar, enfatizando, assim, aspectos específicos como: gênero, formação de grupo de pares no contexto das brincadeiras, relações de amizade, relações entre o lúdico e a construção de conhecimento e influência do consumo e da cultura midiática nas brincadeiras das crianças.

    O discurso referente ao valor do brincar na infância e, em específico, na Educação Infantil, permeou todos os trabalhos. Nestes, o brincar vem sendo apontado como a principal linguagem que as crianças usam tanto para se apropriarem do mundo quanto para se expressarem.

    Além de deixarem explícito o discurso da relevância do brincar para a criança, as pesquisas de Finco (2005), Trevisan (2007) e Neves (2011) destacaram a necessidade de abordar essa temática em cursos de formação inicial e continuada de professores, objetivando a efetivação de práticas pedagógicas que integrem o brincar e a construção do conhecimento na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

    Ao se pensar a criança em todas as suas dimensões, os estudos em questão demonstraram encontrar na brincadeira a principal forma de expressão das crianças: a forma como a criança se manifesta culturalmente. Brincar ofereceu a estes pesquisadores múltiplas possibilidades de investigação a partir da própria produção cultural infantil e das condições em que isso ocorre.

    Conceitualmente, esses estudos revelam que o brincar é uma atividade social significativa que pertence à dimensão humana e constitui para as crianças como uma forma de ação social para a construção das suas relações sociais e das formas coletivas e individuais de interpretarem o mundo. Nessas pesquisas, o brincar foi apontado como a forma privilegiada de participação das crianças na cultura. Somado a esse aspecto, todos esses estudos consideraram que as crianças produzem algo novo ao brincar (são produtoras de cultura) e que devem ser vistas e compreendidas como seres ativos, situados no tempo e no espaço, participantes e atores na relação com si próprios, como os outros e com o mundo.

    Essas pesquisas mostraram-se valiosas em relação às significativas contribuições que trouxeram para o campo da Educação Infantil, em especial para o tema ludicidade. Foi possível ainda verificar que a imersão na principal linguagem da infância - que é o brincar - permitiu a todos os pesquisadores a investigação de outros fenômenos diretamente voltados às crianças no cotidiano da Educação Infantil,, como: questões de gênero, formação de grupo de pares, relações de amizade, consumo e cultura midiática. Nesta direção, percebemos que o brincar é o eixo central que atravessou todos estes trabalhos analisados e que permitiu investigar, por meio dele, também outros fenômenos.

Considerações finais

    Sabemos que brincar é pouco vivenciado pelas crianças na Educação Infantil, em razão da ênfase na quantidade e tempo destinados às tarefas/atividades a serem realizadas dentro das salas. Em nossa compreensão, o lúdico/brincar é a forma para a superação de práticas pedagógicas escolarizantes e cindidas em relação ao educar e cuidar na Educação Infantil.

    Em todos estes trabalhos brincar foi compreendido como uma linguagem privilegiada da criança, entendido enquanto elemento lúdico e pertencente à cultura da infância. Todos os pesquisadores partiram da idéia de que, ao brincar a criança vivencia uma diversidade de experiências indispensáveis para a garantia de efetivas aprendizagens favoráveis ao desenvolvimento infantil. Reconheceram no lúdico (brincadeiras e jogos) um comportamento próprio da criança e destacaram seu inquestionável valor formativo e educativo.

    Ao se proporem, portanto, a investigar fenômenos relativos à infância, todos os pesquisadores optaram por ouvir as vozes das crianças brincando na Educação Infantil, ao invés de buscar as vozes dos adultos falando sobre a criança e o brincar na infância. Somado a isso, nas pesquisas em questão foi possível verificar que não se fez presente uma perspectiva teórica única, mas sim uma multiplicidade de autores e literaturas.

    Brincar é um dos principais modos de expressão da infância e uma das experiências mais importantes para que a criança se constitua como sujeito da cultura. Sabemos que quando a criança brinca, ela utiliza recursos para explorar o mundo, amplia sua percepção sobre o ambiente e sobre si, organiza o pensamento e, adicionalmente, trabalha seus afetos e sensibilidades.

    É preciso fortalecer práticas pedagógicas que integrem o brincar e a construção dos conhecimentos tanto na Educação Infantil, quanto nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Um caminho é a construção coletiva de projetos pedagógicos que articulem as experiências e saberes das crianças às práticas docentes, realizando no cotidiano das escolas um ‘fazer pedagógico brincante, marcado pela sensibilidade e amorosidade pela criança.

Referências

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