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Lazer e política pública: o caso (in)existente em um município baiano

Recreación y política pública: el caso (in)existente en un municipio de Bahía

 

*UEFS e FSBA

**UNEB

(Brasil)

Prof. Esp. Paulo Gislan*
Prof. Dr. João Danilo Batista de Oliveira*
Prof. Dr. Luiz Carlos Rocha**

jdanilobo@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo mapeia os espaços e atividades de lazer disponíveis no município de Varzedo, no estado da Bahia, analisando como representantes do poder público e da sociedade civil organizada avaliam a relação entre essas atividades e a existência de políticas públicas nesse município. Trata-se de um estudo qualitativo tipo estudo de caso. As técnicas de produção dos dados são de natureza direta e indireta, compostas pelo levantamento bibliográfico, análise documental, assim como por entrevistas com dez pessoas, sendo essas cinco pessoas representando o poder público e cinco pessoas integrantes da sociedade civil residentes no município. Reconheceu-se a não implementação de políticas sociais, sistematizadas, hierarquizadas e discutidas com a sociedade representativa, além de serem consideradas poucas melhorias nas possibilidades de lazer, em relação ao período que Varzedo ainda era distrito pertencente às cidades de Santo Antonio de Jesus e Castro Alves, sendo verificado que a sociedade civil reclama em busca de melhorias.

          Unitermos: Políticas Públicas. Lazer. Sociedade civil.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 179, Abril de 2013. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    Atualmente, o lazer tem alcançado espaço e valorização social, estando relacionado com a educação e com a melhoria da qualidade de vida de quem dele se beneficia. Na constituição brasileira, ele aparece como Direito social, no entanto, inúmeras são as dificuldades do Estado em garanti-lo como tal, dentre as quais a incipiência de políticas públicas, sobretudo no âmbito municipal.

    Nos últimos anos, essa discussão vem ganhando maior notoriedade na área, existindo várias explicações para que o lazer se torne um dos mais estudados, discutidos e reivindicados direitos sociais. Entre os motivos, pode-se enumerar a redução da carga horária de trabalho, o crescimento acelerado do número de pessoas doentes devido ao estilo de vida inadequado, a melhoria dos níveis educacionais, o crescimento de casos de violência. Entretanto, apesar do conhecimento por parte dos governantes sobre a importância do lazer para a população, estes geralmente não implementam políticas públicas de lazer acessíveis a todos os cidadãos.

    Os governos priorizam ações que dêem mais visibilidade, em especial, os esportes que, muitas vezes, são confundidos pura e simplesmente como lazer, tornando-se a área que recebe mais atenção e investimentos, uma vez que, dentro do esporte, é destacado o futebol, prestigiado pela maioria dos brasileiros. Além de o esporte ser compreendido por muitos como englobando toda a amplitude do lazer, muitos gestores não aplicam políticas públicas sistematizadas, planejadas, discutidas com a sociedade, apenas difundem ações pontuais com grande impacto midiático, mostradas como políticas públicas de lazer.

    Fruto de uma ideologia preconceituosa poucos são os investimentos em praças ou conservação das mesmas, parques, projetos musicais, boa acessibilidade de transportes nesses locais (sem limites de horários à noite), aos quais todos tenham acesso inclusive às populações periféricas, oportunizando lazer a toda população; para tanto, são necessários investimentos também nos bairros e não somente no centro. Além disso, a maioria das opções de lazer são privadas, fazendo parte de uma ideologia da maioria dos governantes brasileiros que é o neoliberalismo. Tal ideologia diminui a responsabilidade do Estado, deixando a iniciativa privada avançar no lucrativo mercado do lazer, aumentando, assim, ainda mais a marginalização das populações periféricas, pois estas possuem baixo poder aquisitivo.

    Hoje, as indústrias do lazer respondem por 13% dos gastos dos consumidores em todo o mundo permitindo uma arrecadação de 350 bilhões de dólares em impostos, além de ser responsável por 6 milhões de em pregos, movimentando 16 bilhões de dólares em salários (SESI, 2004, p. 09).

    Segundo Azevedo (1997), os estudos sobre as políticas públicas passaram a ganhar uma centralidade no Brasil, no início da década de 80, impulsionados pela abertura política que ora se apresentava no país. No entanto, percebe-se que a grande maioria dos estudos sobre políticas públicas (educação, saúde, saneamento básico e também lazer) são direcionadas aos grandes centros, deixando as cidades pequenas como Varzedo sem maiores pesquisas que possam analisar a realidade.

    Atualmente, o lazer, por conta de muitos o entenderem como forma de combate às mazelas sociais (violência, prostituição, tráfico de drogas, entre outras), vem sendo muito discutido nos programas de governo, aparecendo como um dos destaques, não podendo mais ser relegado a segundo plano ou omitido (ZINGONI, 2003 apud MARCELLlNO, 2007 ). No Brasil, esse tema ganhou densidade com sua inserção na constituição de 1988, na qual o lazer e o esporte aparecem como um direito de todos e um dever do Estado (ROCHA, 2004). Não poderíamos deixar de perceber que, em uma sociedade capitalista, muitos compreendem o lazer como uma forma de recarregar as energias gastas no trabalho, daí as empresas investirem cada vez mais em suas instalações e até mesmo fora delas. Porém, não se pode pensar o lazer do ponto de vista econômico, mas em relação ao seu valor humano, no fortalecimento das relações sociais, afetivas, familiares, bem como da cidadania, fazendo-se necessário a participação da Escola nesse redimensionamento do lazer para a sociedade.

    Historicamente a escola não discute o lazer, relegando esse assunto a um segundo plano, sem assunto a um segundo plano, sem aprofundá-lo, ficando preso a uma grade curricular, com muitos conteúdos distantes da realidade e dos anseios dos alunos. Com isso a escola pode deve rever seu planejamento, pensando-se em constituir em um dos espaços para o lazer.

    Mesmo com toda a sua organização própria, a escola pode incorporar e realizar os chamados conteúdos culturais do lazer. Como dito, esses conteúdos são, antes, bens culturais da humanidade, em tese, nada impede à escola que trate deles em seu tempo escolar. (VAGO, 1995, p.29)

    Dessa maneira, não se pode deixar de lado a grande relação do lazer com a qualidade de vida que, atualmente, é objeto de várias áreas de estudo, tais como sociológicas, psicológicas, biológicas e também a Educação Física. Esta tem, como um de seus objetivos, proporcionar uma melhor qualidade de vida através de suas atividades. Para Bramante (1995, p. 14), “o aprimoramento da qualidade de vida é princípio fundamental e regerá as ações ligadas ao lazer, buscando-se o equilíbrio dinâmico das dimensões físico, emocional, social, ambiental, profissional, e espiritual do ser humano”.

    Para que a população tenha suas necessidades atendidas em relação aos bens sociais, entre eles o lazer, faz-se imprescindível a implementação de políticas públicas através dos poderes governamentais nas esferas federal, estadual e municipal, com participação da sociedade desde a elaboração até a realização das mesmas, pensando-se, sobretudo nas pessoas de classe social mais baixa, impossibilitadas de pagar por opções privadas de acesso a esses bens. Essas ações devem abranger todos os âmbitos da cidade e não apenas o centro conforme comumente vem ocorrendo.

    As políticas públicas mantêm interligações com o universo cultural e simbólico, com um sistema de significações que é próprio de uma realidade social. Os valores, normas e símbolos fornecidos pelas representações sociais estruturam as relações sociais participantes do sistema de dominação, fornecendo significados à definição social da realidade que vai orientar os processos de decisão, formulação e implementação das políticas. (FARIA, 2007, p. 07).

    Sobre políticas públicas, Azevedo (1997, p. 02) entende como aquelas que “representam a materialidade da intervenção do Estado ou Estado Ação”, abrangendo, dessa forma, todas as decisões colocadas em prática pelo governo, mesmo que essas não estejam de acordo aos anseios da sociedade, desconsiderando que políticas públicas podem ser providas, também, por ONGs, associações, sindicatos, igrejas, dentre outras instituições que não são governamentais. Tais instituições compreendem, assim, a estrutura que os governos têm para a aplicação dessas políticas e com as quais dificilmente uma instituição da sociedade poderá equiparar-se.

    Pereira (2000 apud LIAO JÚNIOR, 2003, p.44) entende política pública em uma linha de ação coletiva que confirma direitos sociais declarados e garantidos em lei. Mediante essas políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços para a sociedade, não delimitando, portanto, essas atribuições aos governos, ressaltando que esse é um direito coletivo e não pode ser individualizado. Silva (2001 apud LIAO JÚNIOR, 2003) compreende que as políticas públicas são voltadas para a população como um todo não podendo se restringir a uma porção desta. Saldanha Filho (2003) as considera como construções participativas de uma coletividade, entendendo que políticas públicas devem ser discutidas com a população:

    [...] é dever de cidadania exigir prioridades de apoio a ações de esporte e lazer nos espaços públicos e comunitários, dentro e fora das práticas escolares, que visem resgatar a dignidade das populações periféricas urbanas e rurais, valorizando a auto-organização e a participação ativa das comunidades e resgatando a auto-estima de crianças e adolescentes, mulheres, idosos elou portadores de deficiência, em especial aqueles em situação de risco social ou biológico. (SALDANHA FILHO, 2003, p. 02).

    Saldanha Filho (2003), dessa forma, além de relatar a necessidade de se reivindicar políticas públicas de esporte e lazer, comenta os benefícios para as diferentes faixas etárias, ressaltando a importância de tais políticas para portadores de necessidades especiais. Estes, devido às suas limitações, tornam-se os mais prejudicados na falta de políticas públicas sistematizadas, hierarquizadas e universalizadas.

    Entendem-se políticas públicas, considerando características das definições anteriormente citadas, como conjunto de disposições, medidas e procedimentos tradutores da orientação política de um governo ou instituição social regulando suas atividades e se relacionando às tarefas de interesse público. Cita-se instituição social, pois se concorda com Liao Júnior (2003, p. 43) ao dizer que

    o termo público, associado à política, não é uma referência exclusiva ao estado, como muitos pensam, mas sim à coisa pública, ou seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei e o apoio de uma comunidade de interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas e freqüentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas (e devendo) ser controladas pelos cidadãos.

    Não se pode pensar a zona urbana enquanto cidade apenas do ponto de vista arquitetônico para agrupar pessoas, casas, prédios, empresas, mas de uma forma em que exista um planejamento dos espaços, conjuntamente com políticas públicas de educação, saúde, segurança pública, lazer, entre outros, que possam assegurar o bem-estar dos indivíduos residentes daquele lugar. No entanto, atualmente, boa parte dos centros urbanos cresce sem nenhum tipo de planejamento; tampouco se observa a organização espacial e as políticas sociais. Isso resulta na intensificação de mazelas sociais, como: prostituição, violência, desemprego, etc. Partindo do princípio de que se deve pensar a cidade no seu conjunto para uma maior satisfação da população, Vitte (2002 apud ROCHA, 2005, p. 01) argumenta que

    analisar os diferentes processos que ocorrem na cidade, como o planejamento e a sustentabilidade urbana significa, antes de tudo, possibilitar a retomada da política como espaço central na discussão sobre o presente e o futuro das cidades no contexto contemporâneo, oportunizando a implementação de políticas de intervenção no espaço urbano e a busca de alternativas para melhorar efetivamente a qualidade de vida das pessoas e a difícil construção da cidadania no Brasil.

    Enfocam-se aqui os fatores referentes à dinâmica das políticas públicas de lazer em Varzedo nos últimos 18 anos, considerando-as indispensáveis ao incentivo da qualidade de vida da população local, pois “está diretamente relacionada com o lazer” (PARKER, 1978 apud MARTINS, 2004 p. 110). Dessa maneira, o lazer é entendido como um dos fatores importantes na busca pela qualidade de vida no sentido de que o lazer oferece uma “oportunidade privilegiada de desenvolvimento pessoal e social, dadas as suas características de livre adesão e de prazer, promovendo a dimensão lúdica inerente a todo ser humano”, (BRAMANTE, 1995, p. 14). O recorte temporal é referente ao período pós-emancipação política, ou seja, desde 13 de junho de 1989, quando o referido local é denominado cidade, ao desmembrar-se dos municípios de Santo Antônio de Jesus e de Castro Alves.

    Dessa forma, a opção pelo tema e pela área de estudo deve-se a vivência do pesquisador na cidade de Varzedo e, portanto, das observações e conseqüentes indagações: Existem projetos de lazer em ação? Em que perspectivas de lazer? As políticas públicas de lazer são sistematizadas ou aleatórias e sem objetivos? Essas políticas melhoraram após a emancipação política territorial do município?

2.     Materiais e métodos

    A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa, pois os trabalhos nesta perspectiva permitem compreender a realidade que está em constante processo de mudança (MINAYO; ALVES, 1994). Esta pesquisa se configura como estudo do caso, buscando conhecer o máximo possível da problemática do tema e do contexto em que se insere (GIL, 1991).

    A presente pesquisa buscou fazer uma investigação das possibilidades de lazer na cidade de Varzedo, relatando os espaços e equipamentos existentes para o lazer, bem como os movimentos que são promovidos nessa área, em um processo de análise, sobretudo confrontando as informações dadas por representantes do setor público e cidadãos da sociedade civil organizada, discutindo a realidade através de estudos em outras cidades baianas.

    Participaram da pesquisa dez pessoas, sendo cinco representantes do poder público municipal e cinco representantes da sociedade civil. Ambos os grupos foram constituídos por pessoas envolvidas com atividades culturais, artísticas, esportivas e de lazer do município.

    A pesquisa teve início com um levantamento bibliográfico, que se caracteriza por pesquisa em livros, teses, monografias, etc. (GIL, 1991), relacionado às políticas públicas de lazer que foram utilizadas em todo desenvolvimento de pesquisa, principalmente discussões sobre políticas públicas de lazer em municípios baianos.

    Na seqüência, foram coletados e analisados documentos da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer de Varzedo, no intuito de compreender as políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas no município na área do lazer.

    Realizou-se, também, o levantamento de dados em campo através de observações, entrevista e questionários, buscando ouvir pessoas importantes em Varzedo sobre a questão do lazer no município.

    Analisaram-se os dados levantados através da técnica de análise categorial de conteúdo segundo orientações de Minayo e Alves (1994). Realizou-se um levantamento dos espaços e equipamentos utilizados para o lazer, as ações desenvolvidas e relatadas como pertencentes a esta área, a partir dos entrevistados de acordo com a realidade. Por fim, confrontaram-se tais dados com estudos realizados sobre esse tema no estado da Bahia.

    A pesquisa seguiu as orientações éticas para o trabalho com seres humanos de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996.

3.     Apresentação e análise dos dados

    A noção de políticas públicas tomadas de referência no estudo a compreende como conjunto de disposições medidas e procedimentos promovidos pelo Estado ou instituição ligados a sociedade representativa, sistematizadas, pensadas para toda a população local independentes do gênero, idade cor ou religião (FARIAS, 2007; AZEVEDO, 1997).

    Dessa forma discutiremos as possibilidades de lazer em Varzedo que é um município localizado no Recôncavo Sul da Bahia, ocupando um espaço territorial de 168 Km, entre as coordenadas geográficas de 12 58 de latitude Sul e 39 23 de longitude Oeste, na microrregião de Santo Antonio de Jesus, tendo uma população de aproximadamente 9000 habitantes, limita-se com os municípios de santo Antonio de Jesus, Castro Alves, Elisio Medrado, São Miguel das Matas e Conceição do Almeida. (PDLIS, 2001).

    O levantamento feito na análise dos documentos sobre a política pública da cidade, bem como nas entrevistas com representantes do poder público aponta para o fato de que as atividades de lazer no município são isoladas e sazonais, não estando integradas a uma política pública de lazer. Isso pode ser visto nas falas dos entrevistados.

    O Sr. João disse: “Olhe, na verdade, eu não vejo nenhum tipo de políticas públicas voltada para o lazer”. O Sr. José, por sua vez, relatou o seguinte: “Bem, na verdade, não há um projeto específico para políticas públicas de lazer, existe um apoio aleatório”. E dona Ana: “São atividades isoladas e, na maioria das vezes, com o intuito de adquirir prestígio político”.

    O lazer vem ganhando importância no sentido dos debates a respeito dos problemas da sociedade e motivo de reivindicações da população para uma melhor qualidade de vida nas cidades. Essas reivindicações não estão sendo atendidas pelos poderes públicos no estabelecimento de políticas públicas que contemplem a participação da população e as parcerias junto à iniciativa privada (MARCELLINO, 1996).

    Em relação aos espaços e equipamentos para o lazer, percebe-se que estes ficam muito aquém das necessidades da população (JESUS, 2007). Existem duas praças na cidade, a saber, uma em frente à igreja matriz e outra na chamada Rua da Estação. No entanto, ambas encontram-se praticamente abandonadas por não existir uma conscientização e fiscalização: as lâmpadas com seus respectivos globos foram, em parte, destruídas por ação de vândalos, flores e plantas rasteiras foram destruídas quase na totalidade e as fontes luminosas não funcionam mais. Ana Pelegrin (1993 apud MARCELLINO, 1996) discute que os poderes públicos não cuidam como deveriam desses espaços, deixando-os em uma grave situação pela falta de ressonância social.

    O local que deveria servir de depósito do mercado municipal transformou-se em um centro cultural e esportivo improvisado, que vem sendo utilizado para a prática da capoeira, do caratê, das atividades de dança, etc., pelo fato de a feira ter um movimento bem fraco, Para outras atividades, a Igreja é que cede ou aluga dois salões mantidos pela comunidade. Existe apenas uma quadra de esportes sem intervenções de agentes sócio-culturais que pudessem explorar melhor tal espaço. Há, também, um campo de Futebol em péssimas condições, pois nele se joga lixo, esgoto, encontrando-se, inclusive, animais nesse local.

    A sociedade civil reclama muito desses espaços exigindo melhorias: “O campo está terrível: tem de tudo de ruim” afirma o Sr. João. E o Sr. Roque destaca que “em Varzedo, a coisa [está] difícil, as praças estão abandonadas, o campo ta jogado, só fizeram arrumar um lugar para a Capoeira e o Caratê”.

    Obviamente, pessoas ligadas aos poderes públicos vão falar desses espaços de outra forma, sempre em tentativas de minimizar a gravidade do problema. Eles podem, também, tentar se eximir da situação, acusando a população de não manter o patrimônio, conforme se percebe na fala do Sr. Pedro: “A quadra estamos cobrindo. Tem local hoje para treinar Capoeira, Caratê, só que tem gente que não colabora, acaba destruindo”.

    No tocante às atividades desenvolvidas na cidade, pode-se apontar o evento da “Semana Cultural”, em que os estudantes montam apresentações, stands, além da existência dos momentos nos quais ocorrem disputas esportivas; porém, são atividades desenvolvidas num horário de aula, fazendo parte das obrigações escolares sendo um projeto apenas com uma finalidade cultural, não havendo a gratuidade, o caráter desinteressado, voluntário por livre escolha inerentes aos momentos de lazer (CAMARGO, 1989; MARCELLINO, 1996; DUMAZEDIER, 2001). Entretanto, se, para os estudantes, esta não é uma possibilidade de lazer, pode o ser para alguém da comunidade que, com tempo disponível, vai observar esse evento.

    Relatou-se, também, o Projeto Por do Sol promovido pela Secretaria de Saúde como relacionado a uma política pública de lazer; todavia, este programa, iniciado em 2002, foi pensado como possibilidade para que as pessoas da terceira idade, geralmente aposentadas, expostas a enfermidade ou ao agravamento destas, pudessem ter atividades de ginástica, dança, caminhadas orientadas, viagens, priorizando, assim, a melhoria da saúde desta população. Dessa forma, o projeto não foi elaborado como política de lazer.

    Outra atividade desenvolvida é o “Arraiá Cidade Nova”. Recebe esse nome em alusão à emancipação política do município de Varzedo, ocorrida em 1989. Ela é realizada há muito anos por pessoas da comunidade em função dos festejos juninos e de uma quadrilha da cidade. No entanto, a quadrilha está voltada à questão cultural, pois, historicamente, esta é uma tradição em relação aos projetos juninos. Estas atividades podem se configurar em lazer para quem vai assistir aos ensaios, suas apresentações na semana em torno da comemoração de São João.

    Atualmente vem sendo desenvolvido um movimento chamado “Campanha de Dança” que ainda não se encontra sistematizado, mas já se percebe que pessoas marginalizadas por conta de suas condições sócio-econômicas estão participando deste projeto. Tal fato mostra que projetos organizados em uma política pública de lazer interligados a outras políticas sociais contribuem para que toda comunidade se faça presente (MARCELINO, 2001; ROCHA, 2004; SALDANHA FILHO, 2003).

    Percebeu-se, durante o desenvolvimento da pesquisa, que pessoas ligadas ao poder público municipal tentam minimizar a não existência de uma política pública de lazer sistematizada e planejada junto à sociedade apontando a “Semana Cultural” e o “Por do Sol”, eventos esses que, conforme já discutido, não estão diretamente ligados ao lazer como uma forma de se tentar enganar ou justificar a falta de programas consolidados de lazer.

    Conforme destaca o Sr. Pedro, “ao falar, especificamente, em políticas de lazer no sentido estreito, elas inexistem. Existem momentos em que elas ocorrem, sobretudo no momento da ‘Semana Cultural’”. O Sr. José destaca que “o Projeto Por do Sol veio como uma necessidade”. O Sr. Manoel, por sua vez, pontua o seguinte: “O que temos relacionado a lazer é direcionado para um pequeno grupo, que é o grupo dos idosos, que é feito ginástica corporal, aeróbica”. E o Sr. Antonio pondera: “do município, a população continua envelhecendo; por isso, tivemos de oferecer o lazer”.

    Entretanto, pessoas ligadas à sociedade organizada apontam, de forma mais contundente, a inexistência de políticas públicas de lazer e ainda não aceitam a tentativa do poder público de utilizar projeto que tem outros objetivos para serem justificados como eventos que proporcionam lazer. Esses depoimentos confirmam que muito pouco se faz no sentido da promoção do lazer para toda a população.

    Dona Maria destaca que “na verdade, o poder público nunca chamou a sociedade representativa para discutir projeto nenhum e, na área do lazer, não se vê projeto algum”. Dona Ana relata o seguinte: “Hoje a gente pode dizer que não temos quase nada. Não só esse governo mas todos os governos não investiram em lazer”. Sr. João, por sua vez, reclama: “a gente precisa da promoção do lazer, dizem [que] tem a “Semana Cultural’, tem o “Por do Sol”, mas precisamos, realmente, do esporte, do lazer”.

    Apesar de não existir uma preocupação maior do poder público, nem deste tentar justificar outros movimentos como pertencentes ao lazer, os cidadãos pertencentes à sociedade civil organizada já percebem a importância de políticas públicas de lazer como uma forma de a sociedade conviver em maior harmonia, ficando, portanto, longe de problemas sociais que tanto acometem a nação brasileira, não sendo diferente na cidade de Varzedo.

    Dona Maria destaca que “o lazer é muito importante para os jovens para que não se entreguem ao consumo de drogas, prostituição, tráfico”. O Sr. João também opina favoravelmente em relação ao lazer: “Quando se tem um bom lazer, se tem, também, uma melhor qualidade de vida”. E Dona Ana: “Com o lazer, todos se sentem bem, se sentem melhor para realizar suas obrigações, não há espaço para pensar em coisas ruins”.

    Desta forma, percebe-se que a população varzedense não tem uma política pública de lazer, nem uma ampla possibilidade de acesso a este direito constitucional. Todavia, ao se deparar com estudos nesta área, pode-se perceber que a realidade investigada na presente pesquisa não se diferencia da realidade nacional e estadual, verificando-se que essas políticas foram planejadas e estruturadas numa concepção elitista de sociedade, voltadas para o mercado, dentro de uma lógica neoliberal ampliando desigualdades sociais através da exclusão em massa. Além disso, tais políticas estão baseadas em práticas assistencialistas, em um apoio aleatório a algumas ações, principalmente em relação ao Futebol (SILVA, 2004; ROCHA, 2005).

    As discussões vêm crescendo bastante com a criação do grupo de trabalho temático em políticas públicas de Educação Física, Esporte e Lazer no Colégio Brasileiro de Ciências dos Esportes (CBCE), além das conferências municipais, estaduais e federal. Todos esses fatores propiciam a produção de idéias e sugestões, bem como a apresentação de alternativas favoráveis aos interesses da população (SILVA, 2010).

    Uma ótima forma de política pública baseada na participação popular é o Programa de Esporte e Lazer da Cidade implementado pelo governo federal que, de acordo com o interesse e parceria de governos populares, já foi implantado em 151 municípios brasileiros e com previsão de ser ampliado (EWERTON ET AL, 2004 apud BRASIL, 2007).

    Nesse projeto, o Ministério dos Esportes entra com uma equipe de coordenadores e animadores enquanto a administração municipal, com os espaços. Além disso, a administração municipal se responsabiliza por mobilizar a população, primeiramente, com a conscientização e, posteriormente, subsidiando meios pelos quais as pessoas possam participar das atividades. O governo municipal deve, também, buscar parcerias com empresas públicas e privadas no sentido de captar recursos para a manutenção de projetos voltados realmente para o lazer. Deve-se considerar, ainda, que existe o problema de o poder público alegar falta de recursos, mas, para que haja mudança são necessários os órgãos públicos e a sociedade civil organizada mostrarem interesse político para uma realização de uma política pública de lazer.

4.     Considerações finais

    Esta pesquisa buscou fazer um levantamento dos espaços e atividades de lazer desenvolvidos na cidade de Varzedo, no estado da Bahia, assim como, a relação desses movimentos com a existência de políticas públicas de lazer por meio de uma análise dos representantes da administração municipal e sociedade civil organizada. Para tanto, fez-se uma discussão de lazer e políticas públicas.

    Na cidade de Varzedo, os espaços disponíveis ao lazer geralmente não estão em boas condições, pois as duas praças encontram-se em processo de degradação; um centro cultural e esportivo improvisado; dois salões cedidos ou alugados pela Igreja Católica; uma quadra poliesportiva que não tem uma melhor utilização devido à ausência de agentes sócio-culturais; e um campo de futebol que se encontra bastante deteriorado.

    Dentre as atividades desenvolvidas em Varzedo, existe a “Semana Cultural”, voltada apenas para a questão cultural; há o Projeto Por do Sol desenvolvido pensando-se na melhoria da saúde das pessoas da terceira idade participantes do movimento; há quadrilhas juninas e, em especial, o “Arraiá Cidade Nova”, tratando-se de uma tradição ligada aos festejos juninos. Existe, também, a “Campanha de Dança” e é o que melhor representa a sistematização e investimentos do poder público na área de lazer. Pôde-se perceber que representantes do poder público tentam minimizar a não existência de políticas de lazer, destacando os movimentos da Semana Cultural e o Projeto Por do sol, mantidos por eles. No entanto, tais atividades estão voltadas para outras áreas e não para o lazer.

    Como possibilidade política pública de lazer, aponta-se o programa de esporte e Lazer da Cidade do Governo Federal, bem como a necessidade de se buscar parcerias com empresas públicas e privadas para a realização de políticas de lazer. Precisa-se, contudo, de interesse principalmente dos representantes do poder público municipal, os quais, conforme os dados analisado, estão mais preocupados com obras eleitorais do que políticas públicas voltadas para lazer.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 179 | Buenos Aires, Abril de 2013
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