Esporte, natureza e olimpismo:
questões Deporte, naturaleza y olimpismo: cuestiones epistemológicas para la educación ambiental |
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Doutor em Filosofia Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia |
Dirceu Ribeiro Nogueira da Gama (Brasil) |
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Resumo O presente estudo objetiva encaminhar uma reflexão sobre as interfaces existentes entre as práticas esportivas modernas, sob a perspectiva do Olimpismo, e a natureza, no sentido de alinhavar que sorte de questões elas trazem para o cenário contemporâneo das pedagogias focadas na preservação ambiental. Para isso, trata de fazer uma análise do mito grego de Gaia e suas relações com os Jogos Olímpicos da Antiguidade, adotando como ponto de partida algumas atitudes do Barão Pierre de Coubertin tomadas nos anos de 1890 e 1907. Unitermos: Esporte. Natureza. Olimpismo. Educação Ambiental. Gaia.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 179, Abril de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Pode-se dizer que o biênio 1992-1994 correspondeu a um período “divisor de águas” na história do Movimento Olímpico Internacional no que concerne às relações entre esporte e meio ambiente. A título de recapitulação, no ano de 1992 após o término dos Jogos Olímpicos de Inverno em Albertville, no Canadá, ambientalistas e governantes de várias nações denunciaram os intensos danos que a realização do evento trouxe aos entornos natural e social adjacentes aos locais de competição (Da Costa, 1997). No esteio desse alerta, nesse mesmo ano o Comitê Olímpico Organizador dos Jogos de Inverno de Lillehammer, previstos para acontecerem dois anos mais tarde, em 1994, dá início a um inovador processo de gestão compartilhada com grupos ambientais locais, no sentido de evitar que com conseqüências semelhantes às de Albertville se repetissem.
This became the first time in history that the Olympics assumed a positive pseudonym, “the Green Games”. (...) The Lillehammer Olympic Organizing Committee proceded to develop a “green profile” by means of coordinated project for the management of the environment and sports under the auspices of unified concept. (...) The improvement was evident at virtually all athletic venues in Lillehammer. As a result, the expressions “the greening of sports”, “the third dimension of the, with the Lillehammer experience. (Da Costa, 1997, p. 47).
Em que pese essa constatação, os vínculos entre Olimpismo, esporte e natureza na era moderna já haviam sido primariamente anunciados por Pierre de Coubertin em 1907, quando, em artigo publicado no periódico Revue Olympique de nome “A propos des Rallyes”, o autor enfatiza a necessidade dos adeptos de esportes manterem limpos os locais de práticas. Implicitamente, tem-se aqui a apresentação da tese de que a melhor fruição dos supostos benefícios proporcionados pelas atividades esportivas esbarra na adoção de comportamentos ambientais responsáveis. Ou seja, experiência estética e atitudes éticas devem caminhar lado a lado no que tange à constituição dos espaços e tempos esportivos.
No entanto, urge frisar que os motivos a nortearem essa posição de Coubertin remontam a 1890, ano em que o Barão visitou a Much Wenlock Olympian Society, na Inglaterra. Durante a visita, Coubertin recebeu um convite para plantar uma árvore, pois tal sociedade possuía raízes na anciã Wenlock Agricultural Reading Society, que, por sua vez, ligava-se a Royal Society of Arts, entidade essa criadora da tradição do plantio de árvores nos parques sob seus auspícios desde 1754 (Da Costa, 1997). Dessa feita, deduz-se que a constituição interna do moderno Olimpismo deu-se numa atmosfera ambiental onde, amigavelmente, indivíduos punham o esporte na condição de epicentro de experiências culturais e educativas.
Parafraseando Japiassú (s.d.), caso a história seja tratada como o locus clássico da produção de conhecimentos, deduz-se do exposto que as associações entre esporte, cultura e educação, no bojo de conjunturas pró conservacionismo ambiental, remetem a valores que, longe de se oporem, são, no fundo, complementares. O seguinte diagnóstico de Telama (1991) autoriza esse juízo, porquanto:
For physical activity, the symbolic value of nature means, for instance, the possibility to feel that one is part of nature, nature is part of life. This possibility is also related to the observation of changes in physical activity in nature is appealing because it is possible to observe changes in nature: growth and decay. (Telama, 1991, p. 609).
Interpretações dessa estirpe mostram-se tanto originais como significantes, pois sugerem que natureza e esporte gozam de uma identidade em comum. Ora, as descrições de Pausânias efetuadas no século II d. C. em Descriptio Graeciae sobre a cidade grega de Olímpia, já remetiam a esse fato. Vale salientar a singular posição estratégica do altar da deusa Gaia na geografia urbana, situado na subida da colina de Cronos, ao norte do templo de Hera (Dindorfius, 1845).
Caso assumamos o relato mítico como uma peculiar forma de elucubração racional de cunho imanente, leitura essa que encontra eco tanto em Cassirer (2001) como em Lévi-Strauss (1978), é lícito projetar no mito de Gaia um campo de problematização epistêmica no que tange aos eixos diretores das pedagogias ambientais contemporâneas. Portanto, o objetivo do presente texto consiste em endereçar uma exegese do referido mito, tomando por base o escrutínio dos seus simbolismos.
Do mito de Gaia aos Jogos Olímpicos: ensaiando possíveis leituras
O nome “Gaia” provém do grego Γαϊα (Gaîa), cuja pronúncia em língua portuguesa muitas vezes acontece como “Géia”. Apesar de sua etimologia ainda ser pouco conhecida, Brandão (1997) afirma que se trata da Terra enquanto elemento primordial. Segundo o autor, Gaia tem a conotação de densidade, condensação e fixação, em oposição aquilo que insurge como volátil, difuso e sutil.
Na sua qualidade de elemento primordial, Géia personifica a origem das raças divinas, desempenhando um papel crucial na Teogonia, de Hesíodo (Grimal, 2000). De acordo com este, Géia foi a segunda potência a aparecer, depois de Caos e antes de Tártaro e Eros (o Amor). Sem a participação de qualquer presença masculina, concebeu o Céu (Urano), as Montanhas e Ponto, o mar. Assim que Céu nasceu, uniu-se a Géia, de cujo relacionamento nasceram filhos que não eram mais potências elementares, mas sim entidades divinas propriamente ditas: os seis Titãs (Oceano, Céu, Crio, Hipérion, Jápeto e Cronos) e as seis Titânides (Tia, Réia, Témis, Mnemósine, Febe e Tétis).
Em seguida, surgiram os Ciclopes (Arges, Estéropes e Brontes), que são as divindades relacionadas com o raio, os relâmpagos e o trovão. Por fim, ainda dos amores com Urano, vieram os Hecatonquiros, seres violentos e com cem braços (Coto, Briareu e Gires).
Toda essa prole era odiada por Urano, seu progenitor, que não lhes permitia ver a luz e as obrigava a viverem sepultadas nas profundezas de Terra. Um dia, esta resolve libertá-los e pedir vingança contra Urano pelos males causados. Nenhum filho concordou, a não ser Cronos. Géia então confiou-lhe uma foice, de modo que quando, uma noite, Urano se aproximou daquela para copulá-la, Cronos, com um furtivo golpe, castra seu pai e lança seus testículos para longe. Do sangue respingado em cima da Terra, um novo processo de fecundação tem início, de onde apareceram as Erínias, os Gigantes, as Ninfas e as divindades arbóreas.
Após a mutilação de Urano, Géia decide unir-se a um de seus primeiros filhos, Ponto. Desse encontro, nasceram cinco divindades marítimas: Nereu, Taumas, Fórcis, Ceto e Euríbia.
Cronos mostrou-se tão tirânico como o pai. Depois de encarcerar seus irmãos, no Tártaro, decidiu fertilizar Réia e sucessivamente comer os filhos resultantes dessa união. Quando fica grávida de Zeus, Réia toma coragem e vai a Urano e Géia pedir pela salvação do futuro menino. Para tal, ambos lhe ensinam como pôr em prática os segredos da dissimulação. Assim que o momento do nascimento de Zeus chega, Réia habilmente esconde-o numa caverna profunda e, em seu lugar, dá a Cronos uma pedra envolta em panos, a qual foi imediatamente devorada.
Mais tarde, o salvo Zeus reaparece e declara guerra contra Cronos. A fim de ajuda-lo, Géia revela que os cativos do Tártaro poderiam ser os únicos aliados a lhes auxiliarem na conquista da vitória. Libertando-os, Zeus recebe em troca o raio, o trovão e o relâmpago, cujos empregos causaram a destruição de Cronos.
Todavia, Géia não ficou do lado de Zeus: infeliz pelo falecimento dos Hecatonquiros no combate, copula com Tártaro e gera dois filhos monstruosos: Equidna e Tífon, este um inimigo dos deuses por muito tempo. “Em termos gerais, não há um monstro que não seja considerado por um qualquer mitógrafo como filho da Terra: Caríbdis, as Harpias, Píton, o dragão que guardava o velo de ouro no país de Eetes e mesmo a Fama, o monstro com que Virgílio descreve a Voz Pública.” (Grimal, 2000, p. 183).
Consoante Brandão (1997), Géia reúne a maternidade e a feminilidade. Suas virtudes básicas são submissão e firmeza, não se podendo omitir a humildade, que, etimologicamente, prende-se a húmus, “terra”, de que o homo, “homem”, que igualmente provém de húmus, foi modelado.
Ela é a fêmea (...) fecundada pela chuva ou pelo sangue, que são o spérma, a semente do Céu. Como matriz, concebe todos os seres, as fontes, os minerais e os vegetais. Géia simboliza (...) a Tellus Mater, a Mãe Terra. Concede e retoma a vida. (Brandão, 1997, p. 185).
Do exposto, percebe-se que de Géia emanam vida e morte. Se, de seu interior, vieram as gerações iniciais de seres divinos, não obstante essa mesma propriedade engendrou destruições e novos nascimentos. Por exemplo, retomemos brevemente os acontecimentos que se desdobraram desde a aparição dos Ciclopes até a derrocada de Cronos: detentores do raio, do relâmpago e do trovão (que são atributos celestes!), aqueles concederão estas ferramentas a Zeus em troca da saída do Tártaro, cujo uso alavancará o já citado parricídio (nunca é demais lembrar que Zeus foi destinado a amadureceu no interior de uma caverna, que é ...uma invaginação terrestre!). Mas o que o parricídio ocasionou, senão o alvorecer de novidades? Afinal, daí tanto dois novos monstros surgiram (Equidna e Tífon) do ventre telúrico, como o futuro rei dos deuses firma sua existência, cuja conseqüência maior será o reinado eterno (Gheerbrant & Chevalier, 2002).
Ainda no que concerne as relações entre Zeus e Géia, há um aspecto adicional a ser considerado, a saber, o da questão do culto humano à memória do rei dos deuses. Viu-se que as sucessivas intervenções diretas da Mãe Terra junto a este último: 1) impediram Cronos de comê-lo; 2) garantiram o seu pleno desenvolvimento; 3) municiaram-no com informações que, quando postas em prática, levaram Cronos a derrocada final. Logo, a tutoria de Géia consistiu em um fator crucial para garantir a ascensão do divino Zeus. Ora, a principal homenagem devotada ao único filho de Réia que conseguiu escapar ao ímpeto devorador do pai foram justamente os Jogos Olímpicos da Antiguidade. Celebrados em Olímpia, na Élida, aconteceram 293 vezes, entre 776 a. C e 393 d. C., o que equivale a doze séculos de vigência (Ramos, 1982).
Cumpre asseverar que a suposta data de seu início (776 a. C.) não passa de uma estimativa, pois Homero já se referia a ele como sendo anterior ao tempo em que viveu. Algumas literaturas atribuem a Hércules, o filho de Zeus com a mortal Alcmena, a honra de sua mítica criação; porém, a realização regular das disputas é fixada em torno de 776 a. C., quando Coerebus de Élida ganhou a prova de corrida a pé. Quanto ao motivo da fixação desta data específica pela historiografia, Ramos (1982) ventila duas hipóteses. A primeira, considera que se tratou de uma revelação dada pelo Oráculo de Delfos, pertinente ao início de um novo ciclo da natureza. A segunda, tende a atribuí-la a assinatura de um tratado político entre o rei Ifitos de Élida e Licurgo de Esparta, de um lado, com Cleóstenes, rei de Pisa, do outro.
Antes mesmo de ocorrerem, os Jogos eram anunciados por arautos que se espraiavam pelo território grego, comunicando ao povo a próxima abertura. Enquanto essa divulgação acontecia, o Altis – bosque sagrado em Olímpia dedicado a Zeus – era ornamentado. Chegado o verão e em tempo de plenilúnio, alternativamente em agosto e setembro, tinha vez o estabelecimento da “Trégua Sagrada” entre os estados em guerra para fins de confraternização. Como bem lembra Huizinga (1996), dos Jogos participavam não apenas os atletas de escol, como também a fina flor da cultura literária, teatral e artística de então.
No que tange a regulamentação, o controle normativo dos Jogos cabia aos helanoices, magistrados de conduta ilibada e reconhecida envergadura moral. Além disso, eram eles os responsáveis pelo treinamento dos competidores, organização das provas, julgamento dos vitoriosos, policiamento e administração de Olímpia durante a realização do evento. Os helanoices inspiravam completa confiança quanto à imparcialidade.
A obtenção da vitória consistia adicionalmente em fato notável. Ao fim das provas, o atleta vitorioso apresentava-se ao árbitro, que colocava em sua cabeça um fio de lã púrpura e lhe entregava, costume introduzido na época de Alexandre Magno, uma palma enquanto símbolo da eterna juventude. Além disso, o atleta vencedor, na circunstância de um escolhido dos deuses, uma coroa de ramo de oliveira silvestre halistephanos. Segundo a tradição mitológica, essa espécie havia sido trazida por Hércules do país dos Hiperbóreos e plantada no sagrado bosque do Altis.
Através dos tempos, os vencedores nos Jogos recebiam recompensas diferenciadas. Dentre as observadas na literatura, vale mencionar as honras políticas, estátuas no Altis, isenções de impostos, pensões vitalícias, ocupações de lugares especiais em reuniões públicas e poesias em sua honra.
Em se tratando das disputas paralelas de poetas, músicos, prosadores, etc. prêmios eram dados ao melhor texto dramático, ao melhor discurso em tom oratório, à oração fúnebre mais comovedora e ao epigrama mais agudo. Sobre as artes plásticas, as competições se davam em função de termas livres ou fixos. “Certa vez, a disputa recaiu sobre a mais bela estátua de Amazona. Outros concursos, em alguns Jogos, foram imaginados: o maior corredor, o soldado mais valente, o que demonstrou maior zelo na realização de tarefa administrativa etc.” (Ramos, 1982, p. 135).
Ainda com relação ao bosque sagrado do Altis, há algumas informações adicionais sobre a sua constituição arquitetônica ratificam a importância de Zeus no imaginário olímpico. Ao longo dos sucessivos séculos de vigência dos Jogos, o Altis recebeu em seu interior e adjacências inúmeras construções para hospedagens, cultos e festas, todas elas unidas por caminhos destinados à passagem de procissões.
Particularmente, o templo de Zeus, edificado em estilo dórico por Libão, obteve a alcunha de “sétima maravilha do mundo antigo”. Na sala principal, estava a sua estátua esculpida em ouro e marfim, com treze metros de altura.
Nas bordas laterais do templo, havia duas esculturas distintas. Do lado oriental, encontrava-se a disputa entre Pélops e o rei Oemanos, enquanto que do ocidental, a luta entre lapitas e centauros. Conta o mito que os centauros, meio homens e meio cavalos, após as bodas do príncipe dos lapitas, tentaram, embriagados, seviciar a noiva, mulheres e jovens que serviam vinho. Todavia, com a ajuda divina de Apolo, terminaram dominados.
No interior do templo, os doze trabalhos de Hércules figuravam em relevos nos dois lados. Fora dele, templos menores, como os de Hera, Felipe da Macedônia, etc. igualmente se destacavam pela riqueza de detalhes arquitetônicos.
Considerações finais
A exposição anterior, mesmo breve, possibilita o encaminhamento de algumas conclusões parciais.
De um modo geral, percebe-se que o culto a Zeus, neto de Gaia, constitui um elemento fulcral da identidade cultural grega, pois, se assim não o fosse, a tradição dos Jogos Olímpicos não duraria por doze séculos. Viu-se em igual que o templo de Zeus estava situado no bosque do Altis, considerado de cunho sagrado. Caso tal bosque seja visto como simulacro de uma floresta, haja vista ter sido urbanisticamente moldado e mantido por mãos humanas durante centenas de anos, não é nenhum desatino afirmar, ao menos como hipótese de trabalho, que nas honras explícitas à memória do rei dos deuses, a presença diluída de Gaia segue latente.
No rastro do argumento em voga, pode-se então dizer que o par Gaia/Zeus localiza-se num ponto de convergência entre natureza e cultura, em cujo sítio ambos coexistem visceralmente amalgamados. Com efeito, o mito enquanto epicentro da natureza e cultura remete ao conceito de totemismo, tal qual concebido por Bateson (1988) e Radcliffe-Brown (apud Abbagnano, 1971). Em linhas gerais, os dois autores entendem que, em sua elaboração mais precisa, o totemismo corresponde a um processo em que preceitos de razão prática humana incorporam ao seu modus operandi uma série de alteridades não humanas. Conseqüentemente, ele representa uma forma de reiterada gestão dos saberes legados pelo passado na esfera do presente, especialmente no que concerne ao plano das interdições, permissões e argúcias metafísicas enquanto faces de um conhecimento tácito.
As repercussões desse singular acontecimento desenhado na história grega são inegáveis para as propostas contemporâneas de educação ambiental, apesar de ainda pouco ou quase nada percebido. Se o totemismo, dentre outras compreensões possíveis, supõe uma densa atividade social de elaboração lingüística das origens no plano da práxis, cuja execução implica o paulatino aprendizado de preceitos e normas de ação, então ele funciona como exercício pedagógico unificador do vivido e do refletido. Por outro lado, dialeticamente, pelo fato de pressupor formas definidas de organização de informações, ele é, de modo não menos significativo, um código de conhecimento. Logo, enquanto manifestação antropológica, ele apresenta valor pedagógico e epistemológico.
Todavia, situar o totemismo enquanto liame a atar estas duas dimensões pressupõem reabilitar o sagrado como virtual eixo norteador do ser no mundo. Afinal, revisitando Eliade (1999), a vinculação totêmica institui a possibilidade de ruptura com a homogeneidade do tempo histórico e a reiteração do que seria a realidade primeira absoluta, de onde emanaria a verdade última de todos os entes. O veículo por excelência responsável pela conexão dessas duas esferas da existência, continua Eliade (1999), é o símbolo, concebido como estrutura significante remissiva ao indizível e ao misterioso. Por conseguinte, a reelaboração simbólica da realidade consumada nos Jogos Olímpicos Gregos acabou igualmente projetando-os como ícones de uma ontologia preservacionista não desprezadora do mistério como derradeiro componente da vida.
Ora, o reconhecimento de que o mistério integra o mundo de maneira inextirpável predomina nas obras de autores de primeira grandeza do cenário filosófico contemporâneo. A título de ilustração, nomes como Walter Benjamin, Hans-Georg Gadamer e Martin Heidegger, cada qual na especificidade teórica e metodológica de suas obras, mostraram com muita propriedade as insuficiências das filosofias que teimam em discorrer sobre a verdade sem levar em conta as incoerências e contradições do cotidiano que, por exemplo, aparecem todos os dias nas ruas de uma cidade, na leitura de um texto ou na apreciação estética de uma poesia. A proposição de soluções éticas ou políticas para as inúmeras questões que assolam o dia a dia do homem contemporâneo, se não levar em conta esse aspecto ímpar, tão apenas permanece verborragia vazia de autenticidade.
Em resumo, que sorte de lições extrair desse panorama para as muitas proposições de educação ambiental existentes na atualidade? Em linhas gerais, que o acolhimento do mistério, em termos simbólicos, desponta como horizonte epistêmico alternativo para a estruturação de programas de intervenção e novos arcabouços conceituais. Não obstante as filosofias de Walter Benjamin, Hans-Georg Gadamer e Martin Heidegger autorizarem esse juízo, vale realçar que não se trata de desqualificar o papel da ciência na fundamentação de quaisquer pedagogias; antes, o que está em jogo é a reabilitação de saberes de outra natureza também significativos, porém esquecidos. O culto totêmico rendido a Zeus e a Gaia em Olímpia ratificam tal conclusão. Portanto, dadas as virtuais contribuições que a educação física possa trazer para o conservacionismo ambiental, nada soa mais oportuno do que reviver os ricos e relevantes conhecimentos que sua história abriga, pois, nos seus meandros, sacralidade, natureza e cultura eram valores superpostos. Por mais que pareça estranho, a vivência dessa superposição, muitas vezes incompreensível para a racionalidade do sujeito moderno, engendrou atitudes de respeito e aceitação dos ditames da natureza sequer ainda esboçadas pelo homem civilizado de agora.
Referências bibliográficas
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BRANDÃO, J. (1997) Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes.
CASSIRER, E. (2001) Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes.
DA COSTA, L. P. (1997) Toward a theory of environment and sport. In: DA COSTA, L. P. (Ed.) Environment and Sport. An international overview. Porto: University of Porto Faculty of Sport Sciences and Physical Education.
DINDORFIUS, L. (1845) Pausanias Descriptio Graeciae. Paris: Ambrosio Firmin Didot.
ELIADE, M. (1999) O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes.
GHEERBRANT, A. CHEVALIER, J. (2002) Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio.
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HUIZINGA, J. (1996) Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva.
JAPIASSÚ, H. (s.d.) Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
LÉVI-STRAUSS, C. (1978) Myth and Meaning. Toronto: Toronto University Press.
RAMOS, J. J. (1982) Os exercícios físicos na história e na arte: do homem primitivo aos nossos dias. São Paulo: IBRASA.
TELAMA, R. (1991) Nature as Motivation for Physical Activity. In: OJA, P. TELAMA, R. (Ed.) Sport for All. Amsterdam: Elsevier Science Publishers.
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Digital · Año 18 · N° 179 | Buenos Aires,
Abril de 2013 |