Manifestações rítmicas e expressivas nas aulas de Educação Física para o ensino médio Manifestaciones rítmicas y expresivas en las clases de Educación Física para escuela media |
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*Acadêmico do 7º período do curso de Educação Física Licenciatura da Universidade do Vale do Itajaí **Doutora em Educação Física, Professora-Orientadora (Brasil) |
André Hoffmann Machado* Eduardo Da Silva* Lísia Costa Gonçalves de Araújo** |
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Resumo Este artigo surge da oportunidade oferecida pela disciplina de Estágio Supervisionado Pesquisa da Prática Pedagógica do sétimo período do Curso de Educação Física da Universidade do Vale do Itajaí – Campus Biguaçu. Teve como principal objetivo subsidiar os fundamentos das manifestações rítmicas e expressivas focando o ser humano e o mundo, na perspectiva de abrir possibilidades educativas nas aulas de educação física no ensino médio. Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa com princípios da pesquisa-ação a partir de um relato de experiência. Pautados na concepção dialógica de movimento humano e, norteados pela fenomenologia de Merleau-Ponty, buscamos, construir um dialogo do homem com o mundo a partir do movimento significativo proporcionado pela música e pelo teatro. Unitermos: Movimento. Expressão Corporal. Educação Física.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 178, Marzo de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Merleau-Ponty (1999, p. 6)“Tudo o que sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir de minha visão pessoal ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nada significariam. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se quisermos pensar na própria ciência com rigor, apreciar exatamente o seu sentido e seu alcance, convém despertarmos primeiramente esta experiência do mundo da qual ela é expressão segunda.
Considerações iniciais
Partimos para este estudo com intuito de construir novas estratégias de ensino nas aulas de educação física no ensino médio. Para isso, buscamos superar a grande influência do currículo técnico linear e a visão positivista enraizada na cultura escolar e nas aulas de educação física.
A idéia de que uma aula de Educação Física deve ser pautada com base em exercícios mecânicos, estéreis e repetitivos, não contribui para o avanço educacional a que nos propomos, pois deixa de lado uma dimensão do próprio movimento que permite aos alunos refletirem sobre suas vivências e as resignificarem, a saber: a dimensão dialógica do movimento. (ARAÚJO, 2005, p.110)
Assim como Araújo, entendemos que as aulas de educação física em sua maioria, ainda estão muito vinculadas a uma visão empírico-analítica. A repetição de movimentos e modos autoritários de se tratar o conhecimento restringem o sentido do movimento humano, assim como da própria educação física. Neste sentido, consideramos, o próprio movimento humano como objeto de estudo da educação física. “Movimento é, assim, uma “ação em que um sujeito, pelo seu se-movimentar1, se introduz no Mundo de forma dinâmica e através desta ação percebe e realiza os sentidos/significados em e para seu meio”. (TAMBOER apud KUNZ, 2004, p.163).
Pautados na concepção dialógica2 de movimento humano, norteados pela fenomenologia de Merleau-Ponty (1999), buscamos com este estudo, construir um diálogo do homem com o mundo. Para isso, apresentamos os fundamentos das manifestações rítmicas e expressivas, focando o ser humano e o mundo, na perspectiva de abrir possibilidades de ações educativas nas aulas de educação física no ensino médio, assim como, estimular a expressão humana, contribuindo para o movimento significativo, tendo a expressão corporal como linguagem. “A linguagem faz parte do universo em que vivemos, dá possibilidade à expressão humana, é capaz de criar relações abrindo um campo fértil para as transformações sociais”. (ARAÚJO, 2006).
Na educação física a tematização da linguagem, enquanto categoria de ensino ganha importância maior, pois não só a linguagem verbal ganha expressão, mas todo o "ser corporal" do sujeito se torna linguagem, a linguagem do se movimentar "enquanto diálogo com o mundo”. (KUNZ, 1991, p. 37)
Sendo assim, a partir das manifestações rítmicas e expressivas, mais especificamente da música e do teatro, construímos estratégias de ensino possibilitando a expressão corporal dos alunos, priorizando o movimento como linguagem, aprimorando e potencializando as relações e a comunicação dos alunos.
Metodologia
Este estudo foi desenvolvido junto à disciplina de Estágio Supervisionado Pesquisa da Prática Pedagógica do sétimo período do Curso de Educação Física Licenciatura, da Universidade do Vale do Itajaí, Campus Biguaçu. Utilizamos para o seu desenvolvimento a abordagem de pesquisa qualitativa. Segundo Minayo
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (1994, p. 21)
O estudo foi realizado a partir de nossas aulas de educação física no segundo ano do ensino médio no período noturno, em uma Escola Estadual do Município de Florianópolis. A pesquisa apoiou-se nos princípios da pesquisa-ação, pois nela, os atores envolvidos “[...] participam, junto com os pesquisadores, para chegarem interativamente a elucidar a realidade em que estão inseridos, identificando problemas coletivos, buscando e experimentando soluções em situação real.” (THIOLLENT, 2002, p. 14).
As intervenções foram pautadas em um plano de ensino, que foi elaborado após estudos e observações realizadas em Escolas Estaduais de Ensino Médio da Grande Florianópolis, e conseguintemente, reelaborado após o primeiro contato com a turma pesquisada. Para o desenvolvimento dos conteúdos de ensino programados foram utilizadas 10(dez) intervenções, sendo que a primeira delas uma aula diagnóstica e a ultima, uma aula intitulada devolutiva, onde foram apresentados tanto para a diretoria da escola quanto para os alunos, os resultados obtidos na pesquisa.
Os dados da pesquisa foram coletados através de relatórios de aula diários, posteriormente sistematizados e, através de registros em vídeo.
Contudo, o estudo se pautou numa perspectiva fenomenológica, dentro da visão Merleau-Pontyana.
A questão central da reflexão fenomenológica, segundo Merleau Ponty, é a superação do pensamento em alternativas que se excluem mutuamente. Tais alternativas, como sujeito e objeto, corpo e espírito, ser humano e mundo, são conceitualizadas por Tamboer (1985) como desenvolvimentos secundários. Eles dependem, por sua vez, da unidade primordial de ser humano e mundo, que ele chama de relação ontológica. A totalidade da existência humana não pode ser descrita nem pela dicotomia entre corpo e espírito, nem pela separação entre ser humano e mundo. (TREBELS, 2004, p. 38)
Sendo assim, nossa intenção com este estudo, não se funde em elencar categorias de analises, e posteriormente analisá-las. Trata-se, portanto, em descrever nossa experiência junto aos alunos do segundo ano, na tentativa de melhor compreendê-la. Além disso, buscamos criticamente novas possibilidades criativas de compreensão de um estudo fenomenológico na Educação Física.
Concepção dialógica de movimento humano
Partimos para este movimento na busca de novas perspectivas que superem a visão de que uma aula de educação física deve se pautar em exercícios repetitivos e mecanizados.
Os exercícios repetitivos quase sempre são apresentados, como possibilidade viável para a aprendizagem de movimentos. Pela insistência da repetição, modelam os sujeitos, construindo um estilo de movimento artificial, onde eles próprios não se reconhecem. (ARAÚJO, 2006)
Contrapondo-se a visão de movimento do ponto de vista da biomecânica, que resume o movimento a um deslocamento de um corpo num espaço temporal. Apoiamos-nos na concepção dialógica de movimento humano (Kunz, 2004) que compreende o “movimentar-se” como um dialogo do homem com o mundo.
A mobilidade humana não pode ser vista apenas sob o ponto de vista da coordenação motora. O movimento humano ultrapassa os limites da simples motricidade ou das atividades mecânicas. Movimento humano não pode ser reduzido a deslocamentos físicos, a articulações motoras ou gesticulações produtivas. Mas é necessário vinculá-lo a todo seu modo de ser. Não é apenas o corpo que entra em ação pelo fenômeno do movimento. É o homem todo que age, que se movimenta. (SANTIN, 2003, p.102)
Em relação à concepção dialógica de movimento humano, Araújo faz uma reflexão:
Desta forma, estaríamos contribuindo para que não só os alunos dêem um sentido ao que estão fazendo, mas também para que os próprios professores caminhem em direção a uma proposta educacional que tenha como alicerce o movimento humano significativo ligado a uma perspectiva importante, humanística e criadora de possibilidades de aprendizagens. (2005, p.111)
Pensando o movimento de forma dialógica, a educação física passa desempenhar um papel fundamental no diálogo do homem com o mundo, e, os conteúdos da educação física passam a ter valores diferenciados. Neste sentido, é fundamental que se amplie a concepção de Educação Física no ponto de vista educacional, ampliando os conteúdos a serem trabalhados nas aulas e a forma como devem ser trabalhados.
Movimentar-se é a forma de ação original do ser humano, por meio da qual ele se remete ao mundo, e na qual, neste agir, constrói a si como sujeito e o mundo com sua contraface imaginária, adquire contornos visíveis. (TREBELS, 2006, p.40)
O ser humano se movimenta ganhando uma dimensão existencial, tornando singular sua relação com o mundo, se reconhecendo e se transformando a partir de sua dinâmica relação com mundo.
Eu não sou um sujeito isolado, sem mundo, mas sim nele ancorado, por meio de meu corpo, e dele faço o horizonte no qual me comunico perceptivamente com as coisas, na base de uma Natureza, com a qual estou sensivelmente em comum (connaturalité)3, quer dizer, por meio de minha corporalidade, que com o meu ser está ligada, como a criança por meio do cordão umbilical com o corpo da mãe, sou capaz, por certos olhares ao ser, de descobrir um sentido, sem perder-lhe a força constitutiva. (PILZ, apud TREBELS, 2006.p. 39)
Inclusão das manifestações rítmicas e expressivas nas aulas de Educação Física no ensino médio
Após estudos e observações realizadas em Escolas Estaduais da Grande Florianópolis, entendemos que seria de certa forma, um desafio incluir a temática: Manifestações Rítmicas e Expressivas nas aulas de Educação Física no ensino médio. Como expressado anteriormente, devido à forte influência que a corrente empírico-analítica ainda exerce sobre a educação física escolar. Assim como Bannmüller, entendemos que:
A seleção de conteúdos, como os da educação física, orienta-se, sobretudo, pelas modalidades esportivas e não pelas próprias experiências dos alunos ou pela necessidade de se desenvolver múltiplas atividades corporais. (2006. p. 164)
Logo em nosso primeiro encontro com os alunos do segundo ano, após apresentarmos nosso planejamento semestral, construímos um breve diálogo sobre a inclusão da temática nas aulas de Educação Física. Os alunos ficaram entusiasmados com nossa proposta e com a oportunidade de vivenciar algo novo nas aulas de educação física. Todos os alunos, sem exceção, expuseram ter um envolvimento com a temática, sendo que a maioria demonstrou envolvimento com música e com teatro. Desta forma, priorizamos estes dois conteúdos e dividimos nosso planejamento em duas unidades de ensino, unidade 1 – Música e, Unidade 2 – Teatro.
Havíamos partido da inquietação se era possível incluir a temática, manifestações rítmicas e expressivas nas aulas de Educação Física no ensino médio. Com a aceitação da temática pelos alunos logo no início da pesquisa, sentimos a necessidade de revisarmos a pergunta problema que nortearia nosso estudo. Assim sendo, sem alterarmos a natureza da pesquisa, optamos por focá-la no movimento significativo e na expressão dos alunos, tendo as manifestações rítmicas e expressivas, mais especificamente a música e o teatro como linguagem.
Dimensão estética nas aulas de Educação Física
Além de buscarmos respostas para nossas inquietações de acordo com nosso projeto de pesquisa, durante todo o processo, procuramos estratégias que não somente trouxessem os alunos a participarem das aulas, mas acima de tudo, que eles tivessem prazer de participar atribuindo sentidos à prática. Constatamos que, durante todas as nossas intervenções, independente da estratégia utilizada, todos os alunos participaram com alegria e de forma efetiva. Desta maneira, sentimos a necessidade de elucidar aqui, mesmo que de forma sucinta, a dimensão estética presente em nossas aulas no ensino médio.
Contudo, não nesse sentido um tanto desvirtuado que a expressão parece ter tomado no âmbito escolar, onde vem se resumindo ao repasse de informações teóricas acerca da arte, de artistas consagrados e de objetos estéticos [...] Trata-se,antes, de um projeto radical: o de um retorno à raiz grega da palavra “estética” — aisthesis, indicativa da primordial capacidade do ser humano de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado [...] Deve-se entender estética, aqui, em seu sentido mais simples: vibrar em comum, sentir em uníssono, experimentar coletivamente.” Portanto, voltar à aisthesis — ou à estesia, em português — talvez seja uma paráfrase de Merleau-Ponty, com sua volta “às coisas mesmas”. (JUNIOR, 2000, p.15)
A Educação Física no âmbito escolar ainda se configura pela supervalorização do esporte, buscando a perfeição da execução de movimentos visando o alto rendimento, muitas vezes caracterizando a prática como um fazer por fazer. Portanto, a participação efetiva dos alunos com prazer aliado a atribuição de sentidos a prática, significa um resgate a dimensão sensível4 através das aulas de educação física.
Segundo Araújo:
Atualmente, a Educação Física está vinculada a exercícios mecanizados com repetições que buscam um padrão motor, a eficiência do movimento, o rendimento e não a sua significação. Com isto há um empobrecimento da contribuição desta área à própria Educação. O que está em falta é algo que torne o movimento mais integrado, mas singularizado, mais próprio, mais significativo: uma mudança de perspectiva. A partir do casamento das nossas experiências perceptivas e simbólicas é que promovemos um diálogo com o mundo, criando nosso próprio estilo de ser, favorecendo um olhar crítico e reflexivo, tornando os sujeitos mais atuantes na sociedade em que vivem. (ARAÚJO, 2006)
Elencamos dois fatores cruciais para o envolvimento dos alunos em nossas aulas de educação física, sendo estes, divididos em unidades e subunidades, descritos e elucidados abaixo. 1 – Temática - Música e Teatro nas aulas de Educação Física e 2 – Estratégia de ensino e a valorização do aluno no processo de ensino e aprendizagem.
Temática
Música nas aulas de Educação Física
“A música desperta em mim sentimentos, de forma bem selecionada, ela pode ter também uma grande influência sobre meu estado de humor”. (BANNMÜLLER, 2006, p. 173)
É notória a forte influência do esporte na educação física escolar. Sem desqualificar a importância do mesmo para a área, procuramos desenvolver novas possibilidades para educação física escolar. Assim como Eva Bannmüller, nos perguntamos: “Por que o fenômeno da música, que nos atinge e nos abrange na totalidade e nos provoca movimentos, recebe tão pouca atenção na escola?” (2006, p. 163).
A música atinge nosso corpo e aflora os sentidos, as emoções. Pôde-se perceber que, a inclusão da música em nossas aulas de educação física, contemplou perfeitamente as necessidades dos nossos alunos, a maioria deles se identificava com a música de alguma forma, sendo pelo fato de tocar um determinado instrumento, ou até mesmo, por gostar apenas de ouvi-la.
Em relação à inclusão da música nas aulas de Educação Física, trazemos um relato de um aluno durante uma de nossas intervenções. “Em minha opinião, as Escolas Públicas estão muito carentes de novidades, e a música, é cultura, eu particularmente amo a música”. (River, 17). A música tem um grande poder de sedução, além disso, ela desperta os sentidos aflorando os sentimentos.
Música é um desenrolar; é um movimento no transcorrer de um tempo. Tons formam uma melodia e desaparecem, do presente eu posso ouvir com antecipação. Espero algo, lembro-me novamente. A música passa, ela flui. Na percepção atual, encontramos lembranças e melodias que se encontram no futuro. Esqueço do tempo, me demoro, enfim, caio fora (OTTO SPIRIG apud BANNMÜLLER, 2006, p. 172)
Coo estudo, percebemos que, a música e a educação física constituem um casamento perfeito, não na perspectiva de desenvolvimento motor, motricidade fina, tempo de reação, mas sim, no sentido de um movimento significativo, de despertar sentidos, de potencializar as relações dos alunos entre si e com o mundo, de aflorar a expressão humana.
É notório o efeito da música não apenas no plano emocional, mas na totalidade do ser corporal. Ela estimula movimentos, traz modificações na pressão sanguínea, estimula os batimentos cardíacos, o suor, a respiração etc. A música evoca diferentes sentimentos nas pessoas, umas se deixam estimular mais para realização de movimentos, outras preferem a solidão e a paz, alguns preferem apenas acompanhar o ritmo com os pés e as mãos e assim por diante. Por isso só, já se pode perceber a importância sobre o humor, a vontade e a sociabilidade que evoca a música e, assim, fornece ao educador importantes elementos para dirigir um processo de autoconhecimento. (KUNZ, 2004, p. 38)
Utilizamos a música com estratégia de ensino, não tínhamos o objetivo de ensinar aos alunos os fundamentos da música, elementos técnicos, os acordes, as escalas musicais, mas sim, que eles vivenciassem a música e se expressassem através dela, e assim, construíssem as relações no espaço escolar, tendo a música como linguagem, enfim, que eles “curtissem” a música. Sentimos os alunos engajados nas atividades, e, mesmo os alunos que não demonstravam grandes habilidades com os instrumentos musicais, se soltavam, tocando algum instrumento, ou até mesmo cantando, contribuindo assim, para a construção coletiva do conhecimento, demonstrando a necessidade de se expressar e de estar participando das atividades coletivas. Kunz (2004) ressalta que:
A música, ainda, provoca uma sensibilização maior sobre os órgãos sensoriais, especialmente o ouvido. Ampliando a intensidade da audição – não apenas do ouvido, mas do corpo inteiro – aumenta a concentração e um processo de transformar o ritmo musical em movimento, torna-se espontâneo. Os movimentos assim produzidos não tendem a seguir uma orientação determinada, mas, ao contrário, eles fazem a pessoa se libertar de movimentos corriqueiros e padronizados. Por fim, o ouvir a música, perceber ritmos e expressar-se livre e espontaneamente, para novas vivências e experiências consigo mesma e com os outros, colaborando, assim, decisivamente para o processo de autoconhecimento. (p. 38)
Em uma de nossas aulas, espalhamos vários instrumentos musicais pela sala de aula, solicitamos que os alunos vivenciassem os instrumentos, logo em seguida, que eles criassem uma música. Não interferimos no processo de construção, sendo assim, enquanto os alunos tocavam um ritmo específico juntos, caracterizando uma melodia, uma aluna olhou para a camiseta de outra aluna e disse: “Uma pessoa que me ama muito trouxe esta lembrança do Belém do Pará”. (Camila, 16). Assim, os alunos tiveram a idéia de se expressar conforme o que sentiam necessidade a partir de uma frase. Neste processo de composição musical, um dos alunos que trazia uma vivência musical maior comparado aos demais, criou uma pequena letra contendo quatro versos, assim sendo, durante a música as frases expressas pelos alunos foram declamadas, em seguida, o aluno cantou os versos que havia escrito.
Não foi preciso direcionar a aula para o objetivo5 de acordo com o nosso planejamento, o movimento construído a partir de nossa estratégia de ensino levou os alunos a alcançarem o objetivo. Bannmüller (2004) relaciona a música com o movimento e afirma que: “Os vínculos entre a música e movimento podem dizer aquilo que é verbalmente inexplicável”. (p.166).
Teatro nas aulas de Educação Física
Utilizamos além da música, o teatro como estratégia de ensino.
A criança, enquanto não domina os símbolos da linguagem verbal, fala e se entende com o mundo e com os outros através de movimentos que realiza. E, embora esse movimento como linguagem e interpretação de mundo e dos outros, continue sendo de máxima importância para toda a vida das pessoas, somente a linguagem verbal e intelectualizada ganha atenção na educação, especialmente de crianças e jovens, resultado disso, que os próprios indivíduos não entendem mais a língua dita corporal. (KUNZ, 2004, p. 40)
Considerando a afirmação do autor, é de suma importância que a Educação Física enquanto disciplina escolar resgate a linguagem pelo movimento, visualizando o ser humano em sua totalidade. Desta maneira, ampliando o leque de possibilidades de comunicação humana. Da mesma forma que incluímos a música nas aulas de Educação Física, procuramos também fazer com o teatro, não priorizando as técnicas de execução de movimentos, mas sim, utilizando-o como expressão, aflorando a participação dos alunos, construindo um movimento significativo.
Devido à aproximação do teatro com a disciplina de Artes, antes de colocarmos em prática o que havíamos programado, procuramos a professora de Artes da escola para expormos nossas idéias e nossos objetivos para com o teatro nas aulas de Educação Física. A professora propôs que trabalhássemos juntos, de forma interdisciplinar. Assim sendo, pensamos na temática juntos, conciliando os objetivos das disciplinas de Artes e Educação Física. Contudo, como a aula de Artes era logo após a aula de Educação Física, tivemos o dobro do tempo, para trabalharmos o teatro, e isso foi fundamental para o processo.
Deste modo, optamos pela estratégia do “teatro das sombras”, onde os alunos se movimentavam por de traz de um tecido branco, e com o auxilio de um foco de luz, os movimentos refletiam no tecido. Solicitamos que os alunos criassem uma peça teatral. Com a aproximação da semana em comemoração a “consciência negra” na escola, os alunos optaram por criar a partir desta temática. Desta forma, os alunos construíram uma narrativa. A peça relatou a vinda dos negros para o Brasil em um navio negreiro, o sofrimento e a escravidão, além disso, a privação de sua própria cultura. Em seguida contextualizou os dias atuais e a permanência do preconceito racial. Conforme a história foi narrada, os alunos construíram vários movimentos caracterizando uma coreografia, contemplando a narrativa.
Ficamos surpresos e muitos satisfeitos com a criação dos alunos, pois todos ajudaram tanto na produção da narrativa quanto na construção da coreografia, além disso, todos os alunos atuaram na peça.
“[...] a sensibilidade, as percepções e a intuição humana desenvolvem-se de forma mais aberta e intensa quanto maior for o grau e as oportunidades da vida, vivência e experiência com atividades construídas por um se-movimentar espontâneo, autônomo e livre”. (KUNZ, 2004, p.20)
Durante todas as aulas onde exploramos o teatro como linguagem, percebemos que os alunos estavam sempre felizes, rindo, brincando e se divertindo, sem perder o foco da aula. Isto se refletiu no relato entusiasmado de Thays (16): “Ter aulas de música e teatro no lugar de correr atrás de uma bola, é muito bom”.
A Educação Física terá maior identidade e maior autonomia quando se aproximar mais do homem e menos das antropologias; quando deixar de ser instrumento ou função, para ser arte; quando se afastar da técnica e da mecânica e se desenvolver criativamente. A educação física deve ser gesto criador. (SANTIN, 2003, p.37).
Procuramos visualizar a educação física a partir de outra perspectiva, considerando que, ela não se legitima como prática pedagógica por simplesmente tratar dos elementos da cultura de movimento6, mas sim, por atribuir sentidos aos elementos da cultura, tendo como base o movimento humano. Todavia, acreditamos que a satisfação dos alunos em nossas aulas de Educação Física, estava diretamente ligada ao sentido que atribuímos a nossa prática, na construção de um movimento significativo.
A estratégia de ensino e a valoração do aluno no processo de ensino e aprendizagem
A valorização dos alunos como construtores de conhecimento foi constante durante o estudo. Priorizamos a expressão e a singularidade de cada aluno, contribuindo assim, para o exercício da autonomia dos alunos, para a construção coletiva do conhecimento e para melhoria das relações.
"Expressar para o sujeito falante, é tomar consciência; ele não expressa somente para os outros, expressa para saber ele mesmo o que visa" (Merleau-Ponty, 2002, p. 106). A expressão corporal se constituiu num processo de alteridade, pois, quando um aluno se expressava, naturalmente outro aluno se reconhecia sentindo a necessidade de se expressar também. Desta forma, cada aluno se expressava de acordo com sua vivência, aflorando sua singularidade e, potencializando o diálogo com o mundo.
Mesmo sem atribuirmos um caráter estratégico para a valorização do aluno em nossas aulas de Educação Física, foi através desta valorização que conquistamos a aproximação e o respeito da turma.
No inicio das intervenções sentimos que os alunos careciam de autonomia. Isto se evidenciava quando deixávamos livres para criar algo. Era notória a insegurança dos alunos. Supomos que isto esteja relacionado ao modelo de escola e de sociedade em que estamos inseridos, que nos leva apenas a reproduzir, nos tirando muitas vezes o direito de sentirmos e consequentemente expressarmos a partir de nossas necessidades.
Se na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fossemos portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. (FREIRE, 2010, p.113)
Durante todas as intervenções, procuramos participar das aulas junto aos alunos. Deixamos transparecer, que nosso objetivo estava diretamente relacionado a participação efetiva dos alunos. Sendo assim, desmistificando a idéia de que o professor é detentor do conhecimento, e o aluno, um ser totalmente sem conhecimento. “É na relação com o outro que podemos nos abrir para o mundo, perceber a presença desse outro em mim e, ao mesmo tempo, ver-me limitado por ele, abrindo assim uma possibilidade de me singularizar em meio a tantas outras” (MERLEAU-PONTY, 1999).
Considerações finais
A partir da concepção dialógica de movimento humano, procuramos atribuir um sentido a nossa prática pedagógica, vivenciando e potencializando novas possibilidades que contribuíssem para o avanço educacional que nos propomos enquanto professores de educação física do ensino médio. Durante toda a pesquisa, se evidenciou a importância de dar voz aos alunos, mas não apenas no sentido de audição. Mas sim, de compreensão. Através da singularidade de cada aluno, pôde-se construir o conhecimento coletivamente. Priorizando o movimento humano, tendo a linguagem como fio condutor da expressão ao movimento significativo.
Os elementos das manifestações rítmicas e expressivas, mais especificamente da música e do teatro, não só podem como devem estar presentes nas aulas de Educação Física escolar. Não é preciso ser um professor de Artes ou de Música para ministrar aulas com estes conteúdos. A Educação Física tendo o movimento humano como alicerce, tem totais condições de dialogar com a temática. As limitações do professor não devem refletir nos alunos.
Buscar novas estratégias de ensino para as aulas de Educação Física, não significa necessariamente, negar os conteúdos da cultura de movimento (esporte, ginástica, lutas, dança, etc.). Significa sim, buscar novas possibilidades para construção do conhecimento, atribuindo sentidos a prática pedagógica, tendo o movimento significativo como alicerce.
Notas
O “Se”, do “Se movimentar”, expressão alemã “Sich-bewegen”, refere-se a “próprio”, por isso outra tradução possível seria “movimento próprio”, que é, aliás, a opção presente em Merleau-Ponty (2000, p. 32). Kunz prefere tratar como “mundo do movimento”.
Este conceito foi desenvolvido por Kunz (1991) no “se-movimentar” humano enfocando o sujeito do movimento e não o movimento do sujeito como freqüentemente é compreendido na abordagem biomecânica do movimento humano.
Com o conceito de connaturalité, Merleau-Ponty fortalece a comunhão dos seres humanos com a Natureza, interpretada tanto como contexto quanto fim em si mesmo. (Trebels, 2006, p. 39)
O sensível é “aquilo que pode ser percebido pelos sentidos. Nesta acepção, ‘o sensível’ é o objeto próprio do conhecimento sensível, assim como o ‘inteligível’ é o objeto próprio do conhecimento intelectivo.” (ABBAGNANO apud JUNIOR, 2000, p. 15)
Nosso objetivo para esta aula de acordo com nosso plano de aula era: “Expressar e saber comunicar-se a partir de seu corpo, utilizando a música como meio para produzir suas idéias”.
A cultura de movimento significa inicialmente uma conceituação global de objetivações culturais, em que o movimento humano se torna o elemento de intermediação simbólica e de significações produzidas e mantidas tradicionalmente em determinadas comunidades ou sociedades. Em todas as culturas podem ser encontradas as mais diferentes expressões de danças, jogos ou teatros movimentados, “A estas manifestações culturais correspondem especificações culturais que se expressam pela conduta e pelo sentido do movimento humano. (DIETRICH apud KUNZ, 2004, p.38)
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Lísia Costa Gonçalves de. Linguagem, Intersubjetividade e Movimento Humano. Motrivivência, Florianópolis-sc, v. 25, n. , p.105-115, dez. 2005.
ARAÚJO, Lísia Costa Gonçalves de; KUNZ, Elenor. A educação em movimento. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Nº 102, 2006. http://www.efdeportes.com/efd102/movimen.htm
BANNMULLER, Eva. Musica e Movimento – Uma Introdução. In. Educação Física Critico-Emancipatória: com uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte / Org, Elenor Kunz, Andreas Heinrich Trebels – Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. – 208 p. – (Coleção Educação Física)
DUARTE JR. João Francisco. O Sentido dos Sentidos - Campinas-SP, 2000. 234 p.
FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário Aurélio. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 42. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. 14 p.
KUNZ, Elenor. Educação Física: Ensino & Mudanças. 3ª Ijuí-RS: Unijuí, 2004. 207 p.
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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1971.
MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. São Paulo: Cosac e Naify, 2002.
MINAYO, Maria Cecília (org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.
SANTIN, Silvino. Educação Física; uma abordagem filosófica da corporeidade. 2.ed. ver. – Ijuí: Ed. Ijuí, 2003. – 168 p. – (Coleção Educação Física).
THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação nas organizações. São Paulo: Atlas, 1997.
TREBELS, Andreas Heinrich. A Concepção Dialógica do Movimento Humano. In. Educação Física Critico-Emancipatória: com uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte / Org, Elenor Kunz, Andreas Heinrich Trebels – Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. – 208 p. – (Coleção Educação Física).
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