Aprendizagem baseada em problemas
e ensino El aprendizaje basado en problemas y enseñanza en bioquímica del ejercicio Problem-based learning and teaching in biochemistry of exercise |
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*Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP Instituto de Biologia, Departamento de Bioquímica **Instituto de Ensino Superior de Itapira – IESI. Curso de Fisioterapia ***Instituto de Ensino São Francisco – IESF (Mogi Guaçu) Cursos de Enfermagem e Nutrição (Brasil) |
Joaquim Maria Ferreira Antunes Neto* ** *** Bruna Bergo Nader** Ivana Maria Passini Sodré Siviero*** Renata Maria Padovani*** |
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Resumo O objetivo deste estudo foi apresentar uma estratégia baseada na indicação de situação-problema aos alunos na dinâmica transdisciplinar entre bioquímica do exercício e fisiologia do exercício. Como uma situação problema, foi apresentado um estudo de estratégia de metabolismo utilizando-se duas formas de teste na pista de atletismo: corrida de 400 metros intensa, caracterizada como uma situação anaeróbia, e teste de corrida de 12 minutos, considerada uma situação aeróbia. Realizou-se coleta de lactato sangüíneo em repouso (RP), imediatamente após o esforço (IA), 30 minutos após o esforço (T30min) e 1 hora após o esforço (T1h) para ambos os protocolos. O objetivo era obter uma cinética de acúmulo e remoção da concentração do lactato, para posteriores investigações. Os resultados mostraram que a organização de uma situação problema voltada para o entendimento do metabolismo glicolítico, baseada na experiência prática, atua como um instrumento facilitador para o aprendizado – e não como uma ferramenta para soluções rápidas dos problemas. Unitermos: Bioquímica do exercício. Aprendizagem baseada em problemas. Metabolismo. Lactato.
Abstract The aim of this study was to present a strategy based on the indication of problem situation to the students in the dynamic transdisciplinary between exercise biochemical and exercise physiology. As a problem situation was presented a strategy study of metabolism using two forms of tests: intense running 400-meters – a situation considered as anaerobic – and 12 minutes running test – considered an aerobic situation. We performed a dosage of blood lactate at rest (RP), immediately after exercise (IA), 30 minutes after exercise (T30min) and 1 hour after exercise (T1h) for both protocols. The objective was to obtain a kinetic of accumulation and removal of lactate concentration, for further investigations. The results showed that the organization of a problem situation facing the understanding of glycolytic metabolism, based on the practical experience, acts as a facilitator for learning – and not as a toll for quick solutions to problems. Keywords: Exercise biochemistry. Problem based learning. Metabolism. Lactate.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 178, Marzo de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O ensino do conteúdo “Bioenergética”, em muitas faculdades de Educação Física no Brasil, torna-se, geralmente, um módulo estrutural das disciplinas voltadas à Fisiologia do Exercício. Embora muitos centros de ensino superior já contemplam em seu currículo as disciplinas “Bioquímica do Exercício” ou “Bioquímica da Atividade Física”, a tarefa árdua do ensino do metabolismo celular ainda reside para a Fisiologia do Exercício. Falo em tarefa árdua porque em um único módulo fica uma missão praticamente impossível desenvolver todos os argumentos científicos da bioquímica voltada ao exercício físico e treinamento esportivo.
O ensino deste conhecimento vai além de apresentar a classificação para o aluno do que são os metabolismos anaeróbio e aeróbio. Há toda uma estratégia de regulação dos eventos enzimáticos e moleculares, requerentes nos processos geradores de energia (ATP), que também são interligados a ações complexas das vias de óxido-redução das células. Além disso, o aluno passa a ter uma visão diminutiva dos eventos metabólicos, com uma tendência de classificar a condição metabólica de modalidades esportivas de acordo com o tempo de duração. O movimento corporal, em si, perde relevância na avaliação deste aluno; o contexto e momento de cada situação do jogo ou da modalidade esportiva analisada passam a ficar apenas atrelados ao tempo de duração final; “anaeróbio ‘dura’ até uns dois minutos no máximo... já o aeróbio começa a partir daí...”.
Para isso, há a necessidade de mudanças nos currículos dos cursos de Educação Física, mas, em um primeiro momento, o próprio docente criar situações-problema simples, de caráter pedagógico, que facilitem o processo ensino-aprendizagem (ANTUNES NETO et al., 2006). Convencionalmente, a proposta no trabalho disciplinar é que os critérios e normas para definir os limites de trabalhos e os conteúdos sejam determinados pela disciplina. Fala-se, assim, do paradigma ou matriz disciplinar: a disciplina está estruturada e normalizada pelas pressuposições que formam a sua base, o que Kuhn (1987) denomina de “ciência normal”. A necessidade das aproximações disciplinares (tal como Bioquímica do Exercício e Fisiologia do Esforço) tem como desafio determinar atividades e conteúdos relacionados com o modelo teórico que será construído e estará ligado às situações particulares – de maneira única, uma situação-problema. Será a situação problema que determinará os limites e as atividades envolvidas que, a priori, não estão pré-determinados.
O aprendizado por situações problema tornou-se essencial neste processo de possibilitar ao aluno recorrer, diversas vezes, aos seus erros, compreender os mecanismos do que realmente é importante para a aquisição do conhecimento do assunto apresentado e, se possível, vivenciar na prática a situação de estudo que lhe foi proposta. Todo processo de inovação para o conhecimento tem repercussões que podem ser tanto positivas quanto negativas. As positivas ficam aparentes nos pressupostos e conseqüências diferenciadas, provocadas pelo discurso e pela prática daqueles que passar a apreciar as novas maneiras de ensinar e aprender, de forma que as negativas sempre surgem pelas resistências naturais às mudanças e também por aqueles que, apressados, fazem suas pequenas adaptações (no caso, o docente) em suas práticas tradicionais (BERBEL, 1998).
Pensando a aprendizagem baseada em problemas (ABP), para a área da Educação Física, as possibilidades surgem em amplas proporções. Na formação do próprio educador físico, o conceito de práxis é recorrente, onde a todo o momento somos desafiados a termos o conjunto das nossas atividades desempenhadas atreladas à produção de novas formas de conhecimento. Cajal (1979), em trabalho precursor, aponta que as principais fontes de conhecimento seriam a observação, a experimentação e o raciocínio indutivo e dedutivo. A observação é essencial, mas por si só, e desacompanhada de outros fatores, tão ou mais essenciais, seria incapaz de desencadear o processo de produção de conhecimentos. Na proposta da aprendizagem baseada em situações-problema, o aluno deve se sentir amparado. Portanto, há a necessidade que a observação do processo de resolução de problemas seja controlada, sofra intervenções – preferencialmente indiretas – e que o resultado final, que seria a compreensão da situação-problema proposta, tenha capacitado o aluno para novos desafios.
A situação problema lançada para alunos da disciplina “Bioquímica Aplicada à Atividade Física e Esporte" foi o primeiro estudo introdutório do módulo sobre “Metabolismo Anaeróbio e Aeróbio”. A situação era o desenvolvimento de dois testes de performance: corrida de 400 metros rasos em pista e a realização do teste de corrida de 12 minutos. Houve realização dos testes práticos e coleta de lactato sanguíneo durante os procedimentos. O problema era classificar os eventos quanto ao tipo metabólico requerido, porém relatando as diferenças bioquímicas distintas das situações. Como disse, era um estudo introdutório e a “facilidade” aparente trouxe um certo alívio aos alunos em um primeiro momento. Mas sabia que dificuldades surgiriam e que, nesta hora, torna-se importante o papel do professor interventor – aquele que faz parte da equipe que necessita resolver o problema – e não do tradicionalista que indica livro, capítulo e página para a resposta (que ficará sem resolução, para muitos, nos “escaninhos” da memória). O objetivo deste artigo é apresentar como pode ser conduzida uma aula de Bioquímica do Exercício concebida sobre a ABP.
Materiais e métodos
Sujeitos. Participaram do estudo 12 alunos da disciplina Bioquímica Aplicada à Atividade Física e Esporte (homens n=6; mulheres n=6), com condições de saúde relatadas como excelentes e dotados com bom estado de treinamento físico. Características do grupo masculino: 19,8 ± 3,9 anos, 72,7 ± 4,9 de massa corporal (Kg) e estatura de 1,78 ± 7,4 metro; grupo feminino: 20,5 ± 2,9 anos, 58,7 ± 4,9 de massa corporal (Kg) e estatura de 1,66 ± 4,4 metro. Todos os voluntários assinaram um termo livre e esclarecido sobre as implicações da aula, de acordo com o comitê de ética da instituição (protocolo 2008/01) e dos critérios dos termos das Resoluções 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde. Vale ressaltar que não se tratava de um ensaio clínico, mas sim de uma situação prática de aprendizagem no contexto da disciplina Bioquímica Aplicada à Atividade Física e Esporte. O conhecimento sobre coleta de lactato é um dos conteúdos clássicos da disciplina.
Corrida de 400 metros rasos.
Teste de corrida de 12 minutos.
Situação problema.
Coleta de lactato sanguíneo.
Análises estatísticas.
Resultados
Figura 1. Valores da concentração sangüínea de lactato (mmol/mL) em repouso (RP), imediatamente após (IA), 30 minutos após (T30min) e 1 hora após (T1h) obtidos por execução de
corrida de 400 metros rasos. Homens: *p<0.001 em relação aos grupos RP e T1h; **p<0.01 em relação ao grupo RP. Mulheres: *p<0.001 em relação aos grupos RP, T30min e T1h.
A Figura 1 mostra os valores obtidos para os grupos masculino e feminino quanto à concentração sangüínea de lactato. Os dados de média e desvio-padrão para o grupo dos homens foram: RP = 1,8±0,5 mmol/mL; IA = 9,8±2,1 mmol/mL (*p<0.001 em relação à RP e T1h; **p<0.05 em relação a T30min); T30min = 5±1,4 mmol/mL (**p<0.05 em relação à RP e T1h); T1h = 2,3±1 mmol/mL. Para o grupo das mulheres, os valores de média e desvio-padrão foram: RP = 2,5±1,2 mmol/mL; IA = 13,9±4 mmol/mL (*p<0.001 em relação à RP e T1h; p<0.05 em relação a T30min); T30min = 7,3±3,1 mmol/mL e T1h = 3,5±2.
Figura 2. Valores da concentração sanguínea de lactato (mmol/mL) em repouso (RP), imediatamente após (IA), 30 minutos após (T30min) e 1 hora após (T1h) obtidos por execução de teste de corrida
de 12 minutos. Homens: *<0.001 em relação aos grupos RP e T1h; *<0.05 em relação ao grupo RP. Mulheres: *p<0.001 em relação ao grupo RP e T1h; **p<0.05 em relação aos grupos RP e T1h.
A Figura 2 mostra os valores de média e desvio-padrão obtidos para os grupos masculino e feminino quanto à concentração sangüínea de lactato. Os dados para o grupo dos homens foram: RP = 1,9±0,8 mmol/mL; IA = 6,3±1,3 mmol/mL (*p<0.001 em relação à RP e T1h; **p<0.05 em relação a T30min); T30min = 3,9±1,2 mmol/mL (**p<0.05 em relação à RP e T1h); T1h = 2,4±1,8 mmol/mL. Para o grupo das mulheres, os valores foram: RP = 0,9±0,3 mmol/mL; IA = 5,5±1,4 mmol/mL (*p<0.001 em relação à RP e T1h; p<0.05 em relação a T30min); T30min = 3±1,2 mmol/mL e T1h = 1,5±0,6 mmol/mL.
Figura 3. Tempos obtidos pelos voluntários homens e mulheres, em segundos, após corrida de 400 metros rasos. Distâncias obtidas pelos
voluntários homens e mulheres, em metros, após corrida de 12 minutos. Dados para efeito de comparação, sem perspectiva de análise estatística.
A Figura 3 apresenta os tempos (segundos) obtidos e média e desvio-padrão para os grupos masculino e feminino quanto ao teste de corrida de 400 metros rasos. O grupo dos homens teve como valor médio 69±10 segundos; enquanto o grupo das mulheres obteve a média de 90±8 segundos. O grupo dos homens teve um melhor tempo de corrida com significância de p<0.05 em relação ao grupo das mulheres. Considerando a distância, para o teste de corrida de 12 minutos, os valores de média e desvio-padrão obtidos foram: homens = 2.600±600 metros (p<0.05 em relação ao grupo das mulheres); mulheres = 2.000±390 metros.
Figura 4. Valores de freqüência cardíaca obtidos nos voluntários homens e mulheres, nas corridas de 400 metros rasos e teste de corrida de 12 minutos, em situação de
repouso (RP), IA (imediatamente após o exercício). Os valores apresentaram significância de p<0.001 considerando dados para homens e mulheres nas duas condições de testes.
A Figura 4 apresenta os valores médios de freqüência cardíaca nas duas condições analisadas: corrida de 400 metros rasos (Homens: RP = 78±8 bpm, IA = 190±12 bpm, onde *p<0.001; Mulheres: RP = 69±8 bpm, IA = 190±15 bpm, onde *p<0.001); corrida de 12 minutos (Homens: RP = 69±5 bpm, IA = 159±6 bpm, onde *p<0.001; Mulheres: RP = 67±10 bpm, IA = 160±12 bpm, onde *p<0.001).
Discussão
Cyrino e Toralles-Pereira (2004) ressaltam que a aprendizagem baseada em problemas (ABP) trabalha intencionalmente com problemas para o desenvolvimento dos processos de ensinar e aprender, apoiada na aprendizagem por descoberta e significativa, valorizando o “aprender a aprender”. Considerando a proposta educativa de Dewey, a aprendizagem deve partir de problemas ou situações que intencionam gerar dúvidas, desequilíbrios ou perturbações intelectuais. O método da ABP, desta forma, valoriza experiências concretas e problematizadoras, com forte motivação prática e estímulo cognitivo para solicitar escolhas e soluções criativas (CAMBI, 1999). Assim, após a coleta dos dados, os alunos receberam as seguintes instruções para compreensão da análise dos experimentos: organizar os dados em planilhas (ficava a critério de cada grupo formado – não mais que 4 integrantes – estruturar suas próprias planilhas). Afinal de contas, o grupo necessitava chegar a um consenso sobre os resultados de forma independente, porém com o olhar “lançado” do docente; formular questões e hipóteses que explicavam os resultados obtidos; explicar, sob o conhecimento da bioquímica básica, os mecanismos empregados na geração de ATP.
Como já era esperado, as concentrações mais elevadas de lactato ocorreram durante a corrida de 400 metros rasos (Figura 1). A maioria dos grupos já havia lançado essa hipótese, pois já tinham um conhecimento prévio extra-acadêmico de que o lactato indicava fadiga muscular e também “dor muscular no dia seguinte”. Coube ao docente anotar essa primeira hipótese: a relação entre lactato x fadiga muscular x dor muscular tardia. Seria uma hipótese plausível? Como essa foi a primeira questão surgida, o recomendado foi que os grupos buscassem respaldos, seja quaisquer as fontes, sobre a hipótese (o docente disponibilizou artigos científicos sobre as temáticas da situação-problema). Vale ressaltar que eles já haviam passado por um módulo curto introdutório sobre metabolismo, mas que, a grande diferença que busquei, para esse procedimento pedagógico, foi deixá-los despidos de argumentos facilitadores. Portanto, como o provedor do processo, solicitei que retomassem o conhecimento básico e vissem a função ou formas de manifestação das seguintes estruturas: coenzimas, microlesões celulares e formação do piruvato, que é sub-produto de degradação da glicose e precursor do lactato. Neste momento, tudo poderia ser perdido, pois foi incorporado ao montante das atividades já desenvolvidas outros conceitos e temas, os quais eles acharam, nesse instante, sem relação prévia com tudo o que já vinha sendo estudado.
Mas é surpreendente quando o conhecimento teórico é vivenciado na prática. Sobre a questão da formação do piruvato e da função das coenzimas, poucos grupos, é verdade, chegaram a um consenso sobre a origem elevada de lactato no sangue (até porque eles ficaram inquietos em estudar no sangue um produto que é formado na célula muscular, principalmente!). Novamente surgem as inquietações: quem foi o transportador do lactato, do interior da célula para o sangue?
Quando os grupos levaram as primeiras hipóteses (lactato x fadiga muscular x dor muscular tardia) para discussão em seminário, todos já estavam embasados sobre fatores precursores de piruvato, lactato e origem de dor muscular (na disciplina de Biologia Geral, foi dado grande enfoque às contrações excêntricas e eventos pós-inflamatórios) (ANTUNES NETO; VILARTA, 2011a; ANTUNES NETO; VILARTA, 2011b).
Partimos, então, para as discussões: qual o papel das coenzimas para a formação do lactato? O importante aqui era que eles percebessem que só tem formação de lactato se houver produção elevada de piruvato; e para tal, as coenzimas participam ativamente como aceptoras dos elétrons desvinculados da glicose. Mas o ponto que seria o diferencial para compreensão da temática foi o questionamento da formação de lactato mesmo durante o teste de corrida de 12 minutos (Figura 2), já que era considerado um evento aeróbio. Eles tinham o pressuposto que o lactato era indicativo decorrente apenas em eventos considerados plenamente anaeróbios.
Surge então a parte que mais era esperada: os alunos conseguiram perceber que o metabolismo é um processo integrado e que a formação de lactato não tem relação tão direta com o tipo metabólico – exercício anaeróbio – mas sim com a intensidade do esforço. Os dados sobre freqüência cardíaca, tempo e distância obtidos nos testes (Figuras 3 e 4) auxiliaram na compreensão sobre intensidade de esforço. Com isso, já avançaram para a discussão de que há um componente anaeróbio também no esforço do teste de corrida de 12 minutos, pois se necessita de “energia adicional” em determinadas etapas do teste, sobretudo quando se quer obter melhoria na performance dos resultados (“sprint” final. Portanto, concluíram, para esta etapa, que o lactato é um metabólito final dos eventos ditos glicolíticos anaeróbios. O produto final pode ser tanto o lactato (se a demanda de esforço e intensidade geradora de ATP forem elevadas) ou o piruvato, que manterá um rendimento mitocondrial estável e aeróbio. A função das coenzimas (NAD+), no citosol, é colaborar com o processo de “desmontagem” da glicose, transportando ou aceptando os íons hidrogênio (H+) até a mitocôndria. Tal como uma bomba, a mitocôndria, abastecida pelos elétrons transportados até ela e retirados por ela, conseguirá, no final da etapa da cadeia de transporte de elétrons, gerar a quantidade de ATPs necessária para a nossa sobrevivência (MARZZOCO; TORRES, 2009; HOUSTON, 1995).
Mas e quando a exigência é intensa, tal como nos testes? Os alunos perceberam que há uma única saída (tal como tudo na vida, segundo um deles): “acelera aí”! Mas o outro grupo retrucou, dizendo que a quantidade de coenzimas é limitada e que, mesmo que tais coenzimas aumentassem suas velocidades de transporte de H+, tal condição ainda não seria satisfatória para evitar o acúmulo dos H+ e de uma acidose celular, o que, conseqüentemente, favoreceria o aumento na formação de lactato. Por isso a estratégia de divisão de grupos – e surgimento de idéias novas o tempo todo – é motivador. Um terceiro grupo, que se informou sobre remoção de lactato, apresentou o mecanismo desta remoção por meio das proteínas transportadoras de monocarboxilato (TMC) (ROTH; BROOKS, 1990; JACKSON et al., 1994; GARCIA et al., 1995; JACKSON; PRICE; HALESTRAP, 1995; BONEN, 2000). Mostraram que é uma classe de proteínas especializadas em restabelecer o pH celular e, para isso, necessita transportar o excesso de lactato para o sangue, o qual pode chegar a uma via chamada gliconeogênese e se metabolizar novamente em glicose (já que o piruvato é um “primo-irmão” do piruvato e glicose). Pronto: as metas começaram a ser atingidas, pois viram que há toda uma estratégia metabólica, interligada entre vias anaeróbias e aeróbias, para manutenção da homeostasia celular.
Quanto ao H+ acumulado, eles logo perceberam que, quando houvesse redução de lactato celular e atividade normalizada das coenzimas, os níveis deste íon voltariam ao normal. O tempo de remoção de todos os metabólitos foi mostrado nas dosagens feitas, ficando claro que níveis de normalidade surgiam já em T30min e T1h. Uma discussão que apareceu foi que o excesso de H+ poderia funcionar como elemento inibitório para transmissão de impulso nervoso, inibição de enzimas glicolíticas e até mesmo capturação de cálcio intracelular. O mecanismo de fadiga estaria relacionado a tais eventos (LEE et al., 2002; MILES; CLARKSON, 1994).
Sobre a dor muscular tardia (DMT), retomamos os estudos das microlesões celulares, iniciados no semestre passado do curso, junto à disciplina Biologia Geral. As microlesões acometidas pelo estresse mecânico causam liberação de enzimas sarcoplasmáticas na circulação, sendo as principais encontradas a creatina quinase, lactato desidrogenase, aspartato aminotransferase e mioglobina (DOLEZAL et al., 2000), o que sugere refletir uma significativa mudança na estrutura e permeabilidade do sarcolema. Por isso, dosagens plasmáticas dessas proteínas, em especial a creatina quinase (CK), são utilizadas como biomarcadores de alteração muscular (HAYWARD et al., 1999). As rupturas nas fibras musculares levam a formação de fragmentações protéicas que, em um período de 24 a 72 horas, atingem um pico de acúmulo no interstício celular e promovem a sensação da DMT (ROWLANDS; ESTON; TYLZEN, 2001). A sensação de dor é causada pela pressão do acúmulo das fragmentações ativando as terminações nervosas livres nos músculos (PYNE, 1994), estas que são responsáveis pelas captações de alterações dos compartimentos químicos celulares e da pressão, que produzem a sensação de dor, sensibilidade à temperatura (calor), propriocepção e tato grosseiro (ANTUNES NETO; VILARTA, 2011a). Como a remoção do lactato sangüíneo é um processo rápido pós-exercício, a dor muscular tardia seria resultado de mecanismos integrados de microlesões celulares, indução de processos inflamatórios secundários, inchaço e pressionamento de terminações nervosas. Tais mecanismos possuem pico de detecção mais tardio em relação à remoção do lactato, próximo de 48 horas.
Concluindo, para se chegar nesta fase de conclusões de hipótese, posso dizer que não é um processo tranqüilo. A inquietação pelo conhecimento, por parte do aluno, ainda mais quando se tratam de vários grupos inquietos, pode trazer dificuldades operacionais deste processo baseado em situações-problema. Seria importante o docente formar uma equipe de monitores, que pudessem ganhar a confiança do grupo e tê-los como referências. Um aluno que se torna referência de outro é algo maravilhoso dentro do magistério. O docente que se torna referência dos seus alunos pode considerar-se preparado para a sua prática. Mas nunca conhecedor de tudo. O tudo é subjetivo... o conhecimento é história.
Referências bibliográficas
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ANTUNES NETO, J. M. F.; VILARTA, R. Fadiga muscular e exercício excêntrico: revisão dos eventos moleculares. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, n. 156, 2011a. http://www.efdeportes.com/efd156/fadiga-muscular-e-exercicio-excentrico.htm
ANTUNES NETO, J. M. F.; VILARTA, R. Contração muscular excêntrica: processos indutores de microlesão celular e síntese de proteínas miofibrilares. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, n. 155, 2011b. http://www.efdeportes.com/efd155/processos-indutores-de-microlesao-celular.htm
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