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Bioética da proteção e equidade no Sistema Único de Saúde

Bioética de la protección y la equidad en el Sistema Unico de Salud

Bioethics of protection and equity on the Brazilian health system

 

*Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem e Saúde

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Campus Jequié

**Educador Físico, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Enfermagem e Saúde

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Campus Jequié

***Enfermeiro, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Enfermagem e Saúde

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Campus Jequié

****Professor do Departamento de Saúde (DS), Universidade Estadual do Sudoeste

da Bahia,Campus de Jequié – BA. Membro titular da Comissão Nacional de Ética

em Pesquisa (CONEP). Conselho Nacional de Saúde (CNS)

Bruna Paula de Jesus Siqueira*

Paulo da Fonseca Valença Neto**

Jules Ramon Brito Teixeira***

Douglas Leonardo Gomes Filho****

brunapjs@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A bioética da proteção prioriza a atenção aos sujeitos vulnerados, desprovidos dos meios para atingir seu potencial máximo de saúde. No âmbito da saúde, visa implementar políticas públicas a partir da aplicação e adaptação de ferramentas do saber bioético aos conflitos e dilemas morais que surgem nos serviços de saúde, dentro do contexto do Sistema Único de Saúde. Esse trabalho tem o objetivo de analisar a relação entre a bioética da proteção e equidade em saúde, no contexto do Sistema Único de Saúde. Trata-se de uma revisão crítico-reflexiva da produção científica acerca da bioética da proteção e equidade em saúde. A bioética da proteção e a equidade na saúde se aproximam do princípio da justiça e da valorização dos direitos humanos. Conclui-se que a equidade e a bioética da proteção são princípios intrinsecamente interligados e indissociáveis, que alvitram ofertar as pessoas condições para que saiam dessa situação de desigualdade social.

          Unitermos: Bioética. Equidade em saúde. Sistema Único de Saúde.

 

Abstract

          The bioethics of protection emphasizes attention to subject violated, devoid of means to achieve their maximum potential. In the field of health, aims to implement public policy from the implementation and adaptation of knowledge tools to bioethical moral dilemmas and conflicts that arise in health services, within the context of the Brazilian health system. This work aims to analyze the relationship between bioethics and equity in health protection, in the context of the Brazilian health system. This is a critical reflexive review of scientific literature about bioethics and equity in health protection. The Bioethics of health protection and fairness in approaching the principle of justice and the appreciation of human rights. It is concluded that fairness and bioethics of protection are intrinsically interconnected and indivisible principles which advocate giving people conditions for leaving this situation of social inequality.

          Keywords: Bioethics. Equity in health. Unified Health System.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 178, Marzo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A bioética corresponde a uma ética aplicada à vida e todos os fenômenos que a rodeiam e visa refletir sobre os conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no cotidiano das populações. Por isso, pode-se dizer que a bioética tem como funções: descrever e analisar os conflitos em pauta; avaliar os comportamentos que podem ser considerados reprováveis e aqueles considerados corretos; e amparar e proteger todos os envolvidos em disputas de interesses e valores, dando prioridade aos mais fragilizados.

    A bioética da proteção surge a partir de inquietações formuladas inicialmente por pesquisadores latino-americanos, tornando explícitos conteúdos que perpassam a ética desde sua origem na Grécia antiga até a reflexão sobre os problemas morais envolvidos pelas práticas que dizem respeito ao desamparo humano.

    Nessa perspectiva, prioriza a atenção aos sujeitos vulnerados desprovidos dos meios para atingir seu potencial máximo de saúde. No âmbito da saúde, visa implementar políticas públicas a partir da aplicação e adaptação das ferramentas do saber bioético aos conflitos e dilemas morais que surgem em saúde pública constatando os limites da bioética tradicional1.

    Estabelece relação entre o princípio bioeticista da justiça e a equidade em saúde no intuito de tratar a distribuição das ações e serviços de saúde de maneira justa, privilegiando àqueles que tenham maiores necessidades, onde os desiguais são tratados desigualmente, tendo em vista que os mais vulnerados são carentes de justiça e na maioria das vezes não têm os seus direitos humanos respeitados.

    Nesse sentido, são notórias as dificuldades vivenciadas nos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. A universalidade no acesso aos serviços, a igualdade no atendimento e a equidade na distribuição dos recursos são os pilares deste sistema e o que se observa é um desrespeito à população que procura atendimento2.

    Tomando como base essas premissas, objetivou-se analisar a relação entre a bioética da proteção e a equidade em saúde, no contexto do Sistema Único de Saúde.

Métodos

    O presente estudo consiste em uma reflexão teórica a respeito da bioética da proteção e sua relação com a equidade na saúde e o acesso aos serviços oferecidos pelo SUS.

    Na perspectiva de obter uma revisão da literatura crítico-reflexiva, foram selecionados artigos publicados e disponibilizados nas bases de dados eletrônicas: SciELO-Brasil (Scientific Eletronic Library Online), Lilacs (Literatura do Caribe em Ciências da Saúde) e Medline/Pubmed via National Library of Medicine. Durante a seleção dos artigos foram considerados os seguintes critérios de inclusão: as pesquisas deveriam focalizar no seu contexto dados sobre bioética, proteção, justiça social e equidade no acesso aos serviços de saúde.

    Como o número de artigos encontrados referentes ao objeto de estudo foi inferior ao esperado, devido à escassez de publicações referentes à temática, foi necessário a busca de outros, mesmo que não publicados em revistas indexadas pelas bases de dados citadas acima, além de livros referentes ao tema, disponibilizados para pesquisa na Biblioteca da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

    O levantamento bibliográfico foi apoiado na necessidade de construir conhecimentos acerca da relação entre a bioética da proteção e equidade na saúde, a partir do reconhecimento da produção científica sobre esse conceito e sua efetivação prática.

Bioética da proteção

    A bioética da proteção tem suas raízes filosóficas na própria origem da palavra ética, a qual advém do grego ethos, que quer dizer o modo de ser, caráter. Lexicograficamente ethos pode receber duas grafias: ηθοζ (êthos) e εθοζ (éthos)3. Essa dupla grafia não é gratuita, pois reúne uma diversidade de significados que, ao longo do tempo, distanciaram-se do seu sentido original4.

    Em grego existem duas vogais para pronunciar e grafar a vogal e da língua portuguesa brasileira: uma vogal breve, denominada épsilon (ε), e uma vogal longa, chamada eta (η). Quando grafado com eta inicial, faz referência apenas ao lugar onde se habita, morada, abrigo, no qual os animais habitavam e se criavam, sendo gradativamente utilizado à proteção e moradia do próprio homem, em outras palavras o lar, um lugar onde o homem vive. Ethos, quando escrito com épsilon inicial, significa hábitos, costumes, tradições, representando assim o nascimento do caráter moral, mediante as atitudes e escolhas do homem em sua vida cotidiana4-6.

    Nesse contexto, o conceito de bioética parece emergir dessa filosofia grega acerca da própria ética, justificando a reflexão que faz da bioética uma ética da vida, estabelecendo correlação semântica entre êthos - guarida, e oikos (ἠθικός) - casa, antecipando o que denomina-se neste estudo de bioética da proteção1,7.

    Numa retrospectiva histórica, o princípio da proteção está presente nos fundamentos do estado mínimo, no século 18, onde o estado tomou para si a responsabilidade de precatar essa integridade física e a propriedade dos seus cidadãos. Por conseguinte, constituiu-se também a base moral do estado social contemporâneo, no qual o protecionismo à condição humana exacerbou-se ainda mais. Nesse contexto do século 18 ocorreu a gênese da saúde pública, com vistas a promover a segurança e saúde do trabalhador8. Entretanto, o princípio da proteção permaneceu subjacente por pelo menos três séculos nas ações públicas, tanto a nível político e de saúde, sendo que a bioética não foi explicitamente incorporada nesse processo9.

    Por conseguinte, a bioética da proteção surgiu a partir da inquietação de pesquisadores latino-americanos, levando em consideração não apenas a vulneração humana e sim todos os aspectos que contribuem sobremaneira para a existência desta condição vulnerante. Em outras palavras, considera-se aqui não apenas a vulnerabilidade, mas sim a própria condição existencial dos humanos submetidos à pobreza, à escassez de recursos de saúde, à fome, ao desemprego, à falta de moradia, etc. 10.

    A bioética da proteção fundamentou-se e foi construída e embasada em códigos e diretrizes internacionais, tais como o Código de Nuremberg de 194711, 12 e a Declaração de Helsinki de 1964, a qual sofreu diversas reformulações até o ano 200013.

    Consiste em uma corrente de pensamento recente, decorrente das contingências latino-americanas, disseminando princípios morais aos problemas globais. Seu foco principal está centrado nos indivíduos e populações vulneráveis e excluídas do processo de globalização14.

    Considerada um subconjunto da bioética, conglomera ferramentas teórico-práticas, que têm como máxime objetivos entender, descrever e resolver conflitos de interesses entre quem é mais abastado dos meios que capacitam uma vida digna e aqueles que, ao contrário, não os têm. Nessa perspectiva, valoriza a proteção/cuidado da vulnerabilidade daqueles desprovidos de tais meios, consolidando a concretude bioeticista do princípio da justiça e estabelecendo a equidade como alicerce para alcançar a igualdade entre os seres viventes (SCHRAMM, 2008)1,7.

    Defendida por Schramm e Kottow9, a bioética da proteção prima por resguardar a integridade física, psíquica, social e patrimonial do indivíduo, com vistas a promover uma melhoria da sua saúde e qualidade de vida, especialmente daqueles que são mais necessitados. Fundamenta-se no princípio da responsabilidade social priorizando os mais carentes, respeitando os direitos e a dignidade humana, os quais devem manter-se inalienáveis.

    Essas diretrizes regulamentaram as pesquisas biomédicas e a gênese desses postulados se deu em decorrência dos diversos abusos e atrocidades cometidos por cientistas e médicos às populações pesquisadas em diversos países do mundo ao longo de século 20, desde os de regime autoritarista àqueles que se auto intitulavam democráticos. Todavia, o termo proteção passa a ser proferido apenas com elaboração do Relatório Belmont (1979), ganhando expressiva conotação e associação à bioética, sendo caracterizado inclusive como grupo institucional 1 7,14.

    Segundo Schramm1,7 houve uma transformação e adaptação do conceito da bioética tradicional, para que a mesma fosse aplicada aos conflitos em saúde pública na América Latina, região do mundo com sérios problemas sociais, que são extensivos a toda a humanidade.

    Portanto, a bioética da proteção prioriza as especificidades dos assim intitulados países em desenvolvimento, podendo ser aplicada aos conflitos e dilemas morais no âmbito da saúde pública a nível mundial. A bioética da proteção questiona a separação entre países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos, tendo em vista que tais características parecem aplicáveis, em maior ou menor grau, a qualquer país da região do globo10.

Equidade e saúde

    Na tentativa de compreender a definição do termo equidade, com freqüência observa-se a incorporação do seu significado a semelhança de igualdade, porém observa-se na literatura que o seu significado aproxima-se do termo justiça de forma mais coesa16.

    O termo justiça, de acordo com Rawls17, é o valor elementar das instituições sociais, produto da colaboração de uma sociedade, cujo intuito é pretensão na obtenção de benefícios mútuos.

    Como preconizado por Amatya Sen18 a justiça se estabelece em torno da noção fundamental de que, mesmo que as pessoas sejam iguais, de acordo com as leis democráticas, suas necessidades, expectativas e aspirações não são. Além disso, demonstra que os princípios de justiça devem evitar limitar-se aos interesses locais e abordar de forma mais ampla as questões globais de injustiça.

    O conceito de equidade em saúde foi estabelecido por Whitehead aliando o parâmetro de justiça à distribuição igualitária. Equidade em saúde remete então à idéia de que, indistintamente os indivíduos de uma sociedade necessitam ter justa oportunidade para desenvolver seu potencial de saúde, não existindo desvantagem para alcançá-lo. Supõe que todo indivíduo deve ter um momento justo para que consiga alcançar o seu potencial ideal de saúde. Portanto, envolve criar oportunidades iguais e minimizar os possíveis diferenciais de saúde16.

    Na literatura não é observada uma consensualidade a respeito do termo equidade. Cada autor que trabalha com este princípio aborda-o de acordo com o seu entendimento ou enfatiza um dos aspectos desse tema bastante abrangente. Essa mesma diversidade de interpretações do termo equidade ocorre entre bioeticistas brasileiros, pesquisadores de instituições de ensino superior, conforme evidenciado por Fortes19. Diante dessa polissemia, é difícil chegar a um consenso do que seria necessário para que um sistema de saúde fosse considerado justo e equânime, ou mesmo, o que é preciso para o setor saúde se enquadrar nesses padrões.

    Alguns autores diferenciam o princípio da equidade em saúde em duas vertentes; a equidade em saúde trabalha com as diferentes chances dos distintos grupos sociais adquirirem morbidades ou mortalidades; e a equidade no uso/consumo dos serviços de saúde, aborda a questão da acessibilidade a esses serviços, segundo as classes populacionais20,21.

    A Constituição Federal Brasileira estabelece como um dos seus princípios a equidade no acesso aos serviços de saúde, que garante à população o direito universal, acesso igualitário e assistência integral. De acordo com Duarte22 a equidade é um dos princípios fundamentais norteadores do SUS no Brasil, porém a legislação indica a igualdade de assistência como sinônimo de equidade. Observa-se nesse ponto específico a falta de consenso para o termo, até mesmo na legislação específica de um sistema de saúde23, 24.

    Na saúde, a equidade aparece como premissa da atenção básica e apresenta o sentido de que a distribuição de recursos deve ser feita em função das necessidades de saúde de uma população determinada25. Entretanto, o que se tem visto é a desigualdade social no acesso aos serviços de saúde, onde quem mais adoece e/ou precisa tem menos chance de receber cuidados de saúde. Isso reflete o caráter seletivo do sistema de saúde brasileiro, que ainda pode ser maximizado ou minimizado de acordo com as organizações locais desses serviços20.

    Contrariando essa garantia de acesso universal e o princípio da equidade, estudos vêm evidenciando problemas no acesso da população aos cuidados de saúde. No atual contexto brasileiro, o consumo estaria vinculado à oferta de serviços. Com isso a população menos favorecida economicamente, apresenta maior necessidade de saúde, adoece mais precocemente, contudo, tem o acesso a seguros de saúde limitados, assim como consome menos os serviços de cuidado21, 26, 27.

    Diante desse contexto, os serviços de saúde brasileiros evidenciam a necessidade de um maior investimento de recursos financeiros, entretanto a atual carência desses recursos impulsiona o serviço a trabalhar com o estabelecimento de prioridades. Todavia, estabelecer essas prioridades e ao mesmo tempo, garantir o acesso universal é uma tarefa complexa. Em termos éticos, só é possível trabalhar com essa perspectiva caso seja um momento de transição (temporário), até que seja assegurada a garantia do acesso universal baseado nas necessidades de saúde da população20.

    O desafio da gestão de serviços públicos de saúde consiste em colocar as questões da assistência em saúde na perspectiva das intenções de necessidade da população, de acesso e de contentamento do usuário do sistema público pautadas nos princípios doutrinários do SUS, em princípios éticos que privilegiem o bem-estar dos usuários e da comunidade e que considerem os recursos disponíveis como um bem coletivo a ser usado eficientemente e com equidade28.

Relações entre bioética da proteção e equidade em saúde

    No campo da saúde pública, mais especificamente no Sistema Único de Saúde, observa-se a equidade como princípio norteador das ações estratégicas para a disponibilização do acesso aos serviços de saúde, de acordo com a necessidade da população.

    A despeito do acesso universal e do princípio da equidade preconizados pelo SUS, o que se tem observado é a precarização dos serviços de saúde, uma desigualdade social no acesso a esses serviços, além da insuficiência de recursos financeiros para atender a demanda por necessidade de saúde. As classes sociais mais necessitadas, por sua vez, têm um menor acesso aos cuidados de saúde, principalmente quando são enfocados os serviços de prevenção e promoção da saúde.

    No atual contexto de saúde brasileiro, as necessidades de saúde superam os investimentos neste setor, com isso torna-se necessário trabalhar com a estratégia de estabelecer prioridades para racionalizar os custos. Priorizar e racionalizar envolvem inicialmente, limitar as ações e cuidados à saúde, em outras palavras escolher quem vai ter oportunidade e acesso. Priorizar necessidades sem ferir os princípios éticos será uma missão complexa24.

    Torna-se contraditório e arriscado pensar e agir dessa maneira. O Brasil possui um sistema de saúde universal, que traz a saúde como um direito de todos e que se norteia em princípios como a universalização do acesso, a integralidade na assistência e a equidade. Nessa perspectiva, estabelecer essa priorização e racionalização dos gastos como estratégia para suprir os investimentos deficitários no setor saúde, pode, possivelmente, desconstruir o que levou anos para ser construído e consolidado que é a própria existência desse sistema universal de saúde.

    Ao demonstrar que a equidade possui diferenças no sentido e no significado, de acordo com o sistema de valores, com a concepção de organização social e com o desenvolvimento social, Campos29 destaca que se torna necessário evidenciar quais aspectos da equidade o sistema estaria pretendendo atender ou não. Ainda segundo o referido autor, dentro desse contexto, alguns aspectos estariam sendo melhor contemplados e outros ignorados, em função de uma organização de interesses e forças preocupadas em impedir algum tipo de redistribuição de recursos29

    Essa afirmação avalia que nenhum sistema teria uma capacidade ideal de definir valores e regras que possam contemplar as mais diversas situações. O que se espera é, na realidade, uma maior descentralização das ações para que os gestores, profissionais e usuários desses sistemas elaborem estratégias que preservem certo grau de autonomia no julgamento e na atuação para a redistribuição dos recursos, preservando o exercício da equidade no coletivo.

    A bioética, no campo da saúde, vem trabalhar na perspectiva da coletividade, como o acesso à saúde e à redistribuição dos recursos escassos. A bioética da proteção surge da necessidade em se estabelecer mecanismos de proteção à vulnerabilidade social existente em países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, onde as disparidades socioeconômicas são evidentes. Porém, se levarmos em consideração que a disponibilidade de recursos se estabelece de forma ineficaz, o papel social da bioética da proteção não se evidencia.

    No tocante à essa bioética social, ela objetiva mobilizar o ser humano quanto aos dilemas bioéticos, tais como escassez de recursos, a pobreza, a fome, a fragilidade do indivíduo, além do desenvolvimento de novas tecnologias, as pesquisas clínicas e animais, as tecnologias reprodutivas, etc. Infere-se que essas questões cedo ou tarde dizem respeito a todos, em maior ou menor grau. Uma consciência social bioeticista, portanto, almeja alertar, engajar, questionar, investigar e ajudar a esclarecer esses desafios éticos, tanto no que se refere aos cuidados de saúde como às ciências da vida, promovendo a proteção do indivíduo e de toda a realidade que o cerca30.

    Assim, emerge a necessidade de conhecer melhor a dinâmica da determinação social das desigualdades, iniqüidades e iniqüidades em saúde para que se possa superá-las. Requer explorar o impacto das desigualdades na qualidade de vida, no estilo de vida e nas condições de saúde dos sujeitos, com vistas a proteger sua vulnerabilidade no trinômio saúde-doença-cuidado. Refletir sobre essas desigualdades em saúde implica a adoção de um referencial teórico que possa relacionar essas diferenças com os processos através dos quais o espaço social é constituído e reproduzido, evidenciando as injustiças e demais situações que possam tornar o indivíduo um ser vulnerável31-33.

    Nessa perspectiva, a bioética da proteção e a equidade na saúde se aproximam do princípio da justiça e da valorização dos direitos humanos. A equidade na saúde estabelece um conjunto de políticas que tratam indivíduos, que não são iguais, de forma diferente. Sendo assim, a equidade e a iniqüidade remetem à prática da justiça e à intencionalidade das políticas sociais e dos sistemas sociais que intentam proteger e atender aos vulnerados32.

    Traçando um paralelo entre a equidade, a bioética da proteção e o princípio da justiça17, observa-se que tratar de maneira igualitária todos os sujeitos pode muita vezes ferir o direito do outro. Segundo Schütz34, somente existe justiça entre iguais; sendo assim, a justiça deve ser entendida não apenas como igualdade, mas sim como equidade, justificando a necessidade de demandar tratamentos desiguais.

Considerações finais

    A bioética da proteção reconhece as desigualdades que ferem a justiça na estrutura social, preocupando-se com as populações vulneráveis, com aqueles que são desprovidos de recursos para uma vida digna e justa, e com a falta de empoderamento daqueles socialmente fragilizados.

    Dessa maneira, a proteção aplicada aos problemas éticos da saúde pública visa integrar a responsabilidade moral e eficácia dos serviços oferecidos à população.

    A equidade busca tratar de maneira igualitária aqueles que têm necessidades de saúde iguais, e diferente os que têm necessidades diferentes, visto que todos devem ter a oportunidade de usar o sistema de saúde.

    Estabelecendo um paralelo com a bioética da proteção constata-se que são princípios intrinsecamente interligados e indissociáveis, que alvitram ofertar aos seres humanos as condições para que saiam dessa situação de desigualdade social e atuem como agentes participantes e atuantes no Sistema Único de Saúde.

    Diante desse contexto, tornou-se possível observar que a bioética da proteção aliada à equidade demonstra ser possivelmente capaz de garantir a efetividade do SUS, no que diz respeito ao acesso universal e igualitário para os diferentes e a priorização dos mais vulneráveis no que se refere ao processo saúde-doença.

    Portanto, é de extrema importância a participação da coletividade no fortalecimento de uma consciência equitativa e que possibilite a valorização do sujeito pelas suas necessidades, facilitando a acessibilidade das populações no sistema de saúde e o reconhecimento e preservação dos direitos humanos de quem mais precisa.

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