O caráter político e administrativo das práticas cotidianas na escola pública: apontamentos iniciais a partir do livro ‘Administração Escolar: Introdução Crítica’ de Paro (2006) El carácter político y administrativo de las prácticas cotidianas en la escuela pública: apuntes iniciales a partir del libro “Administración Escolar: Introducción Crítica” de Paro (2006) |
|||
*Acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR) e bolsista do Programa de Educação Tutorial do curso de Educação Física da UEM (PET/DEF/UEM) **Acadêmica do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR) e bolsista do Programa de Educação Tutorial do curso de Educação Física da UEM (PET/DEF/UEM) **Acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR) |
Jeferson Diogo de Andrade Garcia* Aline Fabiane Barbieri** Bruno Ferraz Viana*** (Brasil) |
|
|
Resumo Neste estudo, nosso objetivo central foi discutir, ainda que de maneira introdutória, o caráter político e administrativo das práticas cotidianas na escola pública, baseando-se no livro de Vitor Henrique Paro (2006), intitulado “Administração Escolar: Introdução Crítica”. Em síntese, este autor visa contribuir para a democratização da escola pública, de forma que esta atue segundo os interesses de seus usuários: os trabalhadores. Entende ainda, que existe a necessidade de integração entre as práticas políticas e as atividades administrativas no interior da escola pública, especialmente, quando se almeja a busca efetiva de objetivos educativos comprometidos com os interesses das camadas trabalhadoras. Unitermos: Escola pública. Administração escolar. Democratização da educação.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 177, Febrero de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
Este estudo foi desenvolvido durante a disciplina intitulada “Organização e Administração em Educação Física Escolar”, componente curricular do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM), com o objetivo de discutir, ainda que de maneira introdutória, o caráter político e administrativo das práticas cotidianas na escola pública, tomando como base o livro de Vitor Henrique Paro (2006), intitulado “Administração Escolar: Introdução Crítica”.
Neste texto, o autor analisa os pontos centrais da administração escolar, tendo como aporte estudos de caso que pormenorizam a dinâmica do cotidiano escolar, discorrendo, dentre outros pontos, acerca da direção escolar, secretaria e sala de aula.
Segundo Paro (2006, p. 72), a escola é uma instituição que tem como objetivo proporcionar a "[...] apropriação do saber historicamente produzido". Neste contexto, a administração é entendida como um dos instrumentos necessários para que este objetivo central seja atingido.
Ao adentrar à problemática da administração escolar, Paro (2006) chama a atenção para o problema da burocratização e do deslocamento dos diretores escolares para a execução destas funções.
Ainda salienta a questão dos altos índices de evasão e reprovação nas escolas brasileiras. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2007), o Brasil tem a menor taxa de aprovação e os maiores índices de reprovação e de abandono, por nível de ensino, se comparado aos demais países que compõem o Mercosul, como Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Para Paro (2006), tais aspectos indicam que a administração não vem corroborando com os objetivos da escola e, por isso, justifica-se a necessidade de mudanças, tanto no modo tradicional de se ensinar quanto nos instrumentos participativos da escola, de forma a garantir a participação efetiva dos alunos, professores, pais, servidores e comunidade na vida escolar.
Como referência teórica matricial deste estudo, adotamos o materialismo-histórico de Karl Marx (1888-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), por entendermos que os pressupostos oferecidos por estes autores são fundamentais para a real compreensão da realidade.
1. As práticas políticas e administrativas no contexto da escola pública brasileira: considerações iniciais
Segundo Paro (2006), a dimensão política tem precedência sobre a administrativa no âmbito escolar, pelo fato de as relações sociais estabelecidas neste espaço possuírem íntima relação com os determinantes sociais mais amplos:
Esta conclusão emerge, em primeiro lugar, da constatação de que a educação, enquanto apropriação do saber, constitui já objeto da prática política na medida em que potencializa os grupos sociais que a ela têm acesso para se colocarem em posição menos desvantajosa diante dos grupos que lhe são antagônicos. Dessa forma, o estabelecimento de objetivos (políticos) antecede, e certamente condicionará, o processo de atingí-los (atividade administrativa). [...] então, a prática política precisa anteceder a atividade administrativa, alimentando a luta pela conquista das condições objetivas que possibilitarão a realização do processo administrativo (PARO, 2006, p. 78-79).
Entretanto, apesar desta precedência da dimensão política, não desconsidera a importância da atividade administrativa na escola. Pelo contrário, Paro (2006, p.79) entende que esta atividade é de suma importância para o alcance do “objeto educativo” almejado.
Portanto, é necessário que as atividades políticas e administrativas estejam, sobretudo, integradas no âmbito escolar, especialmente quando tem-se como perspectiva “a busca efetiva de objetivos educativos comprometidos com os interesses das camadas trabalhadoras” (PARO, 2006, p. 79).
A primeira medida para que este objetivo seja alcançado se refere ao estabelecimento de mecanismos institucionais que viabilizem e incentivem processos eletivos para escolha dos dirigentes escolares; conselhos de escola formados pelos vários segmentos da unidade escolar (pais, alunos, professores, funcionários) e com efetiva função política de direção da escola; grêmio estudantil, associação de pais, professores e funcionários, como fóruns de constante discussão dos múltiplos interesses, bem como outros recursos institucionais que facilitem o permanente acesso de todos os interessados aos assuntos que dizem respeito à vida da escola. Além disso, é fundamental o estabelecimento de um efetivo processo de avaliação da escola pública, para que se possa corrigir rumos e redimensionar metas. Segundo Paro (2006), para a instituição de um ensino de qualidade, é preciso reformular o sistema avaliativo vigente na atualidade, pautado no rendimento do aluno, de forma que se avalie o processo escolar como um todo, com a participação não apenas de alunos e professores, mas de toda a comunidade.
2. Práticas administrativas da escola pública brasileira: situação e perspectivas
O objetivo central de Paro (2006) ao tratar das práticas administrativas da escola pública brasileira é contribuir para o esclarecimento da conjuntura e das perspectivas atuais da administração escolar no país.
De início, o autor apresenta um ponto basilar de sua análise: a necessidade de “uma política de universalização do saber produzido historicamente” que, na compreensão deste autor, deve estar prioritariamente direcionada à escola pública (PARO, 2006, p.84).
Tal apontamento realizado por Paro (2006), acerca da necessidade da universalização da educação, já haviam sido apontados pelos documentos educacionais internacionais que foram referencia para os documentos brasileiros.
Especialmente decorrer da década de 1990, foram formulados diversos documentos político-educacionais com o intuito de reformar o sistema público de ensino a nível mundial. De acordo com Oliveira (2001), essas mudanças eram justificadas pela necessidade de se universalizar a educação básica (formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e das demandas do contexto de reestruturação produtiva.
Essa mudança seguiu as recomendações da “Conferência Mundial Sobre Educação para Todos” realizada em Jomtien, em 1990, que passou a nortear as perspectivas educacionais em todo mundo, principalmente nos países pobres (OLIVEIRA, 2001). Segundo Carvalho (2012, p.224), a Carta de Jomtien atribuiu à educação Básica um lugar central:
Desta conferência, resultaram posições consensuais, sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos, as quais se tornariam as bases dos Planos Decenais de Educação nos diferentes países. Sua finalidade era a universalização da educação básica como direito de todos e condição para a cidadania e para o desenvolvimento.
No Brasil, essa questão pode ser constatada no Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003):
O Brasil participou, em março de 1990, da Conferência de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial. Desta conferência resultaram posições consensuais, sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos, que devem constituir as bases dos planos decenais de educação, especialmente dos países de maior população no mundo, signatários desse documento. Integrando este grupo, cabe ao Brasil à responsabilidade de assegurar à sua população o direito à educação — compromisso, aliás, reafirmado e ampliado em sua Constituição de 1988 — e, dessa forma colaborar para os esforços mundiais na luta pela universalização da educação básica [...] A retomada do compromisso de Jomtien, de elaborar um plano para concretizar suas metas, encontra condições amplamente favoráveis. Multiplicaram-se, pelo País, ações de caráter inovador visando a universalizar com qualidade o ensino básico. Além disso, há um renovado reconhecimento, por vários segmentos sociais, da importância da educação básica para a formação do cidadão e para a retomada do desenvolvimento nacional sob novos valores e perspectivas (BRASIL, 1993, p.11, grifos nossos).
Além da questão da universalização da educação, outra questão também apontada por Paro (2006) como imprescindível ao se analisar a conjuntura atual da escola pública fundamental, seria discutir a própria função social da referida escola, que na compreensão do autor deve ser repensada.
Historicamente, Paro (2006) analisa que o papel da Escola era preparar jovens para o mercado de trabalho ou oferecer condições para concorrer a uma vaga na universidade. Nesse momento histórico, a escola abrigava os filhos das camadas médias e altas da sociedade. Devido a estes grupos, serem próximos ao Estado, “este provia o sistema escolar de recursos necessários, oferecendo condições adequadas pra o desenvolvimento das atividades escolares e pagando salários condignos aos mestres”. Esse momento ficou conhecido como o da “escola de qualidade”, que obtém, na atualidade, manifestações “saudosistas” a respeito, equivocadas segundo Paro (2006, p.84). Equivocada pelo fato desta escola ser boa apenas para determinados setores da sociedade, como as classes mais altas, que viam naquela escola, os seus interesses materializados (a transmissão do conhecimento às novas gerações para que estas obtivessem condições de exercer seus papéis profissionais e políticos na hierarquia social). Como aponta o autor:
[...] para as camadas sociais que faziam uso do ensino público [...] e ocupando posições dominantes na sociedade, não era crucial que seus filhos exercitassem na escola a autonomia e se instrumentalizassem para conquistar esses direitos de cidadão. Eles já tinham seus direitos garantidos pela posição social que ocupavam (PARO, 2006, p.85).
Sobre a função social da escola em nossa atual sociedade, é importante resgatar as considerações de Mészáros (2008, p.45). Para o autor “uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou ‘consenso’ quanto for capaz”. Assim, o referido autor realiza a seguinte análise:
A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas (MÉSZARÓS, 2008, p.35, grifos nossos).
A constatação que chegamos é de que a função da escola é histórica, ou seja, relativa a uma determinada realidade global e, neste caso, correspondente à organização histórico-concreta da contemporaneidade, dada pela concepção de mundo burguesa. Em nosso entendimento, não há possibilidade de compreender a Escola Pública universal, gratuita, obrigatória e laica se não entender as determinações históricas principais do contexto no qual ela esta inserida. Por esta razão é necessário compreender que a referida escola é uma adaptação ao conjunto de acontecimentos políticos, sociais e econômicos daquele momento histórico. Nas palavras de Mészáros:
[...] naturalmente, as instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do tempo, de acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema do capital. Deste modo, teve de se abandonar a extrema brutalidade e a violência legalmente impostas como instrumentos de educação – não só inquestionavelmente aceitos antes [...] Elas foram abandonadas não devido a considerações humanitárias, embora tenham sido frequentemente racionalizadas em tais termos, mas porque uma gestão dura e inflexível revelou-se um desperdício econômico, ou era no mínimo supérflua [...] Aqui a questão crucial, sob o domínio do capital, é assegurar que cada indivíduo adote como suas próprias às metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema. Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos [...] enquanto a internalização conseguir fazer o seu bom trabalho, assegurando os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência podem ser relegadas a um segundo plano (embora de modo nenhum sejam permanentemente abandonadas) [...] apenas em períodos de crise aguda volta a prevalecer o arsenal de brutalidade e violência, com o objetivo de impor valores, como o demonstraram em tempos recentes as tragédias dos muitos milhares de desaparecidos no Chile e na Argentina [...] As instituições formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização. Mas apenas uma parte” (2008, p.43-44, grifos nossos).
Um problema atual da escola capitalista emerge quando se muda o “alunado” da referida escola, processo que ocorre com a democratização do acesso à escola pública:
Com a democratização do acesso à escola pública, esta passa a apresentar condições cada vez piores de funcionamento, o que lava à transferência para a rede escolar privada dos filhos dos grupos sociais de melhor situação econômica e com maior poder de pressão sobre o Estado. A rede pública passa, então, a atender uma população totalmente diversa daquela à qual estava habituada a servir, só que, agora, sob precárias condições de funcionamento, já que o Estado brasileiro, porta-voz, em muito maior medida, dos interesses das elites econômicas, tem-se mostrado inteiramente desinteressado pela apropriação do saber por parte das camadas pobres e majoritárias da população que procura a escola pública fundamental (PARO, 2006, p. 86).
Portanto, ainda segundo Paro (2006), é necessário refletir a respeito da necessidade de um novo objetivo e finalidade para a escola pública, tendo em vista sua nova população usuária. Mas isto não significa reivindicar um ensino mais pobre para populações pobres, no pressuposto de que estas podem se contentar com menos ou de que têm menos competência intelectual para se apoderar de um saber mais elaborado. Trata-se, sobretudo, de buscar o provimento de um ensino adequado aos interesses dessa população, interesses estes que são diversos, e em muitos aspectos antagônicos, aos dos grupos que antes faziam uso da escola pública fundamental.
Pois, conforme o autor, a rede pública de ensino tem utilizado o mesmo método de ensino do antigo (mesmos currículos, programas, métodos), mas de maneira mais aligeirada e por um tempo maior, devido a compreensão de que população pobre, por ser carente, é menos capaz e tem aprendizado mais lento.
Com isto, o ponto de partida para Paro (2006, p.87) a respeito dos fins da educação pública “deve ser a aceitação de qua a apropriação do saber como um valor universal coloca-se como um direito inquestionável de toda a população”.
Assim, a escola pública de qualidade, se deve segundo Paro (2006), não simplesmente para preparar os alunos para o trabalho, ou para a universidade, mas sim, para contribuir para o desenvolvimento econômico ou diminuir a delinquência social.
Ainda de acordo com o autor, na atualidade, a classe trabalhadora tem entendido a escolaridade como um instrumento para se conseguir melhores empregos e condições de vida. No entanto, o autor salienta que “embora seja importante, bastam as primeiras séries do ensino para instrumentalizar as pessoas para o mercado de trabalho” (p.88-89).
Para que a educação tenha um caráter político diretamente relacionado a estratégia e interesses da classe trabalhadora, Paro (2006), entende que deve tomar a perspectiva da cidadania enquanto princípio educativo. Nas palavras do autor:
Nos últimos anos tem-se ouvido com frequência setores progressistas defenderem o preparo para a cidadania como objetivo prioritário para a educação escolar, o que parece altamente promissor em termos de encaminhamento da questão dos interesses estratégicos das camadas trabalhadoras, na medida em que, pela apropriação do saber, especialmente pelo conhecimento da realidade social contraditória em que vivem, das injustiças em que são objeto e das alternativas de superação da situação atual, essas camadas podem se afirmar enquanto sujeitos históricos em sua luta política pela superação da atual organização econômica e social (PARO, 2006, p.89, grifos nossos).
No caso brasileiro, este ideário da “educação para a cidadania” pode ser encontrado nos principais documentos educacionais produzidos nas últimas décadas, como por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) e na Resolução CEB Nº 2, de 7 de abril de 1998 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997, em seus diversos volumes, apresenta a formação para a cidadania como um dos pilares da educação nacional. A comprovação mais cabal disto está no Volume 01 (Introdução) deste documento, referente às quatro primeiras séries da Educação Fundamental. Neste texto é apresentado que tal documento visa contribuir com os professores para a formação de crianças como futuras cidadãs:
Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade (BRASIL, 1997, p.1, grifos nossos).
Outro documento aqui citado, que estabelece a cidadania enquanto finalidade para a educação é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96) que em seu título II, “Dos Princípios e Fins da Educação Nacional”, afirma que:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996, p. 8, grifos nossos).
Mais adiante, no Capítulo II, artigo 22 e Seção I do referido documento, nas disposições gerais da educação básica, é expresso o seu objetivo com a seguinte afirmativa: “[...] a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996, p.20).
Além da LDB n°9394/96 e dos PCNs, podemos citar a Resolução CEB Nº 2, de 7 de abril de 1998, em seu art. 3º, a qual instituiu as seguintes Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental:
I - As escolas deverão estabelecer como norteadores de suas ações pedagógicas: a. os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; b. os princípios dos Direitos e Deveres da Cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; c. os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 1998, p.1, grifos nossos).
Por meio desta breve exposição dos princípios que balizam a educação nacional, de forma geral, fica claramente expresso que a formação para a cidadania é uma constante e finalidade última da escola na atualidade.
Além disso, tal princípio teve repercussão nos mais variados campos de práticas formadoras - formais e não formais. Um exemplo disto é a o Programa Segundo Tempo (PST), que tem o objetivo de oferecer medidas de alívio da pobreza e das desigualdades, por meio de práticas esportivas educacionais, bem como promover a inclusão social e superar os problemas que afligem as camadas marginalizadas da sociedade. O Programa Segundo Tempo tem como público-alvo crianças, adolescentes e jovens, entre 06 e 17 anos, prioritariamente matriculados em escolas públicas e/ou em áreas de vulnerabilidade social, tendo com um de seus principais princípios: “Contribuir para a diminuição da exposição aos riscos sociais (drogas, prostituição, gravidez precoce, criminalidade, trabalho infantil e a conscientização da prática esportiva, assegurando o exercício da cidadania)” (BRASIL, 2011, p.1, grifos nossos).
Arroyo (2010) constata que, desde a década de 1980, o pensamento sócio-político-pedagógico progressista proclamou a cidadania como um direito, que teria a sua garantia dada pela educação:
Desde a década de 1980, o pensamento sócio-político-pedagógico progressista reconheceu e proclamou a cidadania como direito e a educação como garantia da cidadania. Educação para a cidadania, pela participação consciente para a igualdade política. Essa frase exprime uma visão dos coletivos populares como ainda não cidadãos ou em estado de subcidadania, a espera de serem passados para a cidadania plena, desde que educados, civilizados, conscientizados e escolarizados (ARROYO, 2010, p. 1403, grifos meus).
No entanto, Arroyo (2010) analisa que há um problema na forma na qual a cidadania é tratada no pensamento político educacional brasileiro. Para o autor, esse problema se dá devido à “forma limitada” com que a cidadania é tratada no sistema educacional brasileiro:
Uma análise rápida dos projetos de inclusão cidadã revela que não tocam sequer nas formas brutais de produzir os desiguais nas bases materiais do viver, sobreviver, na negação da proteção da vida, do comer, do trabalho, da moradia, da terra e território, da renda, do salário, nem na instabilidade, insegurança e precarização do trabalho. A visão e o trato da cidadania são descolados dessas bases materiais da produção da vida digna e justiça e se privilegiam as manifestações artísticas, culturais, lúdicas, comportamentais, ordeiras, cooperativas, participativas no convício social, harmonioso [...] Os limites em que a cidadania é pensada nos projetos enfraquecem a própria relação entre educação, cidadania e inclusão (ARROYO, 2010, p.1404, grifos meus).
Ancorado numa fundamentação marxista, Arroyo (2010) defende que, apesar da forma limitada com que a cidadania tem sido tratada no sistema educacional brasileiro, a classe trabalhadora brasileira deve, no âmbito do capitalismo, propor e lutar pela instauração de uma escola efetivamente cidadã.
3. Sobre a qualidade da escola pública brasileira
De acordo com Paro (2006), os dados sobre a ineficiência escolar, apesar de recorrentes, especialmente no que se refere à evasão e repetência escolar, representam apenas pequena parte deste quadro, visto que, se olharmos a partir da perspectiva de aquisição de conhecimento pelos alunos, o nível de ineficiência certamente seria bem maior.
Ainda segundo o autor, a incompetência da instituição escolar deve-se, em parte, à ausência de comprometimento do Estado com padrões mínimos de qualidade. Tal situação pode ser justificada pela grande pressão social exercida ao Estado, para o oferecimento de educação para todos (perspectiva quantitativa).
Apesar da existência dessa grande pressão social pela educação para todos, no sentido de universalizar a educação, citada por Paro (2006), Maceno (2005) afirma que a universalização da educação na sociedade capitalista é uma impossibilidade. Segundo este autor, nas sociedades primitivas, havia autêntica universalização. da educação porque o acesso à produção cultural e espiritual do gênero humano não encontrava barreiras socialmente construídas, o que acontecia porque era fundamental para a reprodução da sociedade que todos tivessem conhecimento.
Com o surgimento da sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, complexificação da divisão social do trabalho e surgimento das classes sociais, o acesso à educação passa a ser desigual. Portanto, podemos entender que a educação nasce universal e se torna desigual com a sociedade de classes (MACENO, 2005).
Na sociedade de classes, há uma diferenciação no acesso aos conhecimentos historicamente acumulados. Pois, a partir do momento em que passa a existir uma classe dominante e uma classe dominada, o conhecimento passa a ser transmitido de forma diferenciada, segundo os interesses da classe dominante.
Assim, segundo as considerações de Maceno (2005), podemos entender que a divisão da sociedade em classes afetou a forma de se desenvolver do ser humano, pois, enquanto alguns passaram a ter melhores condições de desenvolvimento, ou seja, de entrar em contato com o conhecimento historicamente produzido e acumulado pelos homens, outros passaram a não possuir as mesmas condições, tornando o desenvolvimento humano de muitos, limitado.
Isto porque a transmissão de conhecimentos a todos se tornou desnecessária à reprodução da sociedade. Por isso, nas sociedades de classe anteriores à capitalista, não havia a perspectiva de universalizar a educação, uma vez que as diferenças eram vistas como naturalmente postas.
Desta forma, no capitalismo, forma mais acabada da sociedade de classes, o conhecimento historicamente acumulado pelo homem não é transmitido a todos os homens, mas somente a um grupo de “privilegiados”. Pelo mesmo motivo citado anteriormente - porque a educação para todos tornou-se desnecessária.
Paro (2006) salienta ainda que a pressão social pela expansão da educação formal em termos quantitativos, fez com que o Estado acabasse deixando de lado a questão qualitativa da educação.
Mas, será este o real motivo pelo qual a educação passou a ser uma prática desqualificada em nossa sociedade? Se a educação é a forma pela qual os homens conseguem reproduzir a sua existência, não deveria ser uma esfera privilegiada pelo Estado, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos?
Primeiramente, é fundamental compreender que o Estado nada mais é do que uma instituição capitalista, cuja principal função é garantir a manutenção e desenvolvimento da sociedade capitalista, por meio de seus aparatos políticos, jurídicos e repressivos (MARX, 2010).
Portanto, sendo o Estado uma instituição subordinada a esta ordem social, a compreensão do porque que a educação e a escola pública não vem sendo importante ao Estado, precisamos, primeiramente, entender o porquê que a educação e a escola pública não vem sendo importante ao capital.
A fim de situar tal questão, estabeleceremos um diálogo com Marx (1983), autor que se esforçou em explicar o funcionamento desta sociedade junto aos determinantes histórico-concretos.
A partir dos fundamentos apresentados por este autor, podemos compreender, a grosso modo, que não é necessário ao sistema capitalista o oferecimento de uma educação de qualidade à classe trabalhadora, tendo em vista a inutilidade destes conhecimentos durante a prática laboral. Portanto, para a classe trabalhadora, uma educação eficiente é aquela que os proporcionem a capacidade de leitura de manual de instruções. Neste contexto, a educação de qualidade, ou seja, maior quantidade de conhecimento historicamente produzido e acumulado pela humanidade é reservado a grupos específicos, daqueles que exercem função de planejamento e desenvolvimento de inovação e tecnologia no complexo de divisão social do trabalho.
Outro aspecto que contribui para que a educação e escola pública na sociedade capitalista não seja o foco dos investimentos estatais é que a educação estatal não se trata, segundo Marx (1983), de um setor produtivo de capital.
Portanto, podemos entender que, na verdade, o interessante à dinâmica capitalista é a desqualificação da escola pública, visto que isto proporciona a inserção da esfera privada neste setor, tornando a educação um setor produtivo de capital.
Além disso, quanto à cobrança da população por uma educação de qualidade, é importante salientar que existe uma suposição de que as cobranças devem ser feitas somente nos sistemas privados de educação, por esta ser uma mercadoria paga diretamente (PARO, 2006).
Tendo em vista tais aspectos, podemos justificar a precarização da escola pública em todos os sentidos, especialmente, nas últimas décadas, com o estabelecimento da política econômica neoliberal.
Pois, com a política econômica neoliberal adotada pelo Brasil a partir da década de 1990, houve grande precarização dos setores sociais, como a saúde e também a educação. Precarização esta que se deu, principalmente, por conta do expressivo corte de verbas e, consequente apelo por maior controle de gastos.
Expressão atual deste quadro pode ser visualizada por meio de dados fornecidos por Passos (2012) que indicam que o governo federal propôs investimento de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020 para financiar as metas previstas pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Entretanto, estudo realizado indica que este valor será insuficiente para garantir o mínimo de qualidade para o setor. Segundo o cálculo realizado, seria necessário, pelo menos, investimento de 10,4% do PIB.
Sendo assim, a raiz da precarização da educação e da escola pública na sociedade capitalista, à partir da leitura marxiana, não se encontra a ineficiência ou incapacidade do Estado em administrar o corpo social, mas sim, nas relações sociais nas quais se pautam nossa sociedade atual (MARX, 2010).
Portanto, mesmo que a escola evolua para um método pedagógico que tenha o educando como sujeito de seu aprendizado, alterando seus conteúdos e as formas de ensino, como propõe Paro (2006), os progressos serão superficiais e provisórios, uma vez que a escola dificilmente deixará de ser uma instituição precarizada em sua função de promover o saber. A promoção de saber é limitada a uma minoria porque a escola é uma instituição capitalista que, como tal, tem como função primeira reproduzir este modo de relação social (MACENO, 2005; TONET, 2007; 2005; MÉSZÁROS, 2008). Logo, lutas por mudanças dos conteúdos e metodologias de ensino são lutas necessárias, entretanto, superficiais.
Paro (2006) também entende que a escola deve se adequar aos usuários de hoje e não retomar métodos tradicionais para públicos antigos. É preciso adequar métodos e conteúdos a essa nova população, para que as pessoas tornem-se críticas e possam lutar contra as injustiças sociais, a partir de uma relação democrática.
Segundo Lazarini (2007), a cidadania e a democracia representaram grandes avanços às lutas da classe trabalhadora. Entretanto, a cidadania é uma condição social que visa manter a sociedade suficientemente harmônica para a contínua e plena reprodução da forma de sociabilidade posta. Desta forma, educar para a cidadania significa, em última instância, educar para formar sujeitos conformados de suas posições sociais e dispostos a contribuir para a ordem e manutenção desta sociedade. Sendo assim, este tipo de educação não tem por objetivo final a transformação da sociedade em sua raiz, mas sim, apenas gerar reformas que amenizem de certa forma as consequências nocivas dessa forma de sociabilidade.
Na discussão sobre os padrões mínimos de qualidade, Paro (2006) ainda considera importante a questão dos sistemas avaliativos da escola pública. Segundo o autor, não existe um sistema de avaliação que avalie o andamento do processo, para que se possam corrigir rumos e adequar procedimentos. A única avaliação presente é aquela que visualiza o desempenho dos alunos, o que se trata, na maioria das vezes, da negação da avaliação, uma vez que baseia-se em um processo punitivo, onde procura-se culpar o aluno pelo fracasso no ensino, em vez de reconhecer a ineficiência da escola. Nesse sentido, segundo o autor, uma medida necessária é acabar com as reprovações anuais como estratégia para um contínuo acompanhamento dos alunos.
Nessa linha de pensamento, existem, atualmente, as chamadas “políticas de correção de fluxo”, como estratégia para possibilitar a implementação de um sistema de ensino fundamental de qualidade para todos (OLIVEIRA, 2002). Entretanto, este sistema, por vezes, acaba colocando o professor em posição desconfortável. Pois, o fato de o aluno ter ciência de que, mesmo tendo maus comportamentos durante o ano letivo, será aprovado, retira, por vezes, a autoridade e respeito dos alunos pelo professor em sala de aula. Além disso, por conta destas políticas de aprovações as crianças e adolescentes podem avançar nas séries sem, contudo, terem real avanço na aquisição dos conhecimentos entendidos como necessários.
Para Paro (2006), essa questão da avaliação escolar tem grande relação com a administração escolar, visto a inexistência de mecanismos de avaliar os objetivos da coisa administrada. Assim, segundo o autor, é preciso criar mecanismos institucionais que avaliem não apenas o desempenho dos alunos, mas todo o processo escolar, tendo também os pais e estudantes como avaliadores, que altere substancialmente esta lógica de culpabilização vigente no ensino atual.
Na verdade, esta questão da culpabilização trata-se de uma característica marcante da sociedade capitalista. Como o capital não pode atinar contra as causas dos problemas sociais, gera relações sociais que transferem responsabilidades. Por exemplo, no caso da repetência do aluno, culpa-se os alunos, os professores, o Estado, a escola, mas não se questiona as relações sociais postas que não permitem uma atuação pedagógica de qualidade pelos professores e a aquisição de conhecimentos por todos de forma igualitária. Esta estratégia de culpabilização e transferência de responsabilidade é, sem dúvida, fundamental à sociabilidade do capital para que os elementos estruturantes da sociedade de classes permaneçam intocados.
Segundo Paro (2006), a luta pela escola de qualidade, que leve em conta os interesses de seus usuários, deve priorizar formas eficazes de avaliar a escola, envolvendo os próprios usuários da escola. Envolvimento este que se dá, por vezes, na forma de trabalho voluntário e assistencial.
Segundo Antunes (2009), nas últimas décadas houve grande avanço deste tipo de trabalho, especialmente, nos países como Inglaterra e Estados Unidos – capitalistas avançados – que abarcam, em empresas de perfil comunitário, as formas de trabalho voluntário, que tem em si, um amplo leque de atividades assistenciais, sem fins lucrativos e que se desenvolvem a margem do mercado.
Antunes (2009, p. 112) aponta que o surgimento do setor voluntário – terceiro setor “[...] é consequência da crise estrutural do capital, da sua lógica destrutiva vigente, bem como dos mecanismos utilizados pela reestruturação do capital visando reduzir trabalho vivo e ampliar trabalho morto”. Com o fim do Welfare State (Estado de bem estar social), nos poucos países onde ele ocorreu, essas associações ou empresas solidárias preenchem em alguma medida as lacunas deixadas pelo fim deste modelo de organização do Estado. Neste sentido, o trabalho voluntário é motivado a partir da visualização destas “lacunas” na atenção à população deixadas pelo Estado.
Ou seja, ao invés destes problemas sociais, provocados pela lógica capitalista, incentivar as pessoas a lutarem pelos seus direitos e transformarem este modo de organização social, acabou por provocar o surgimento de setores que buscam amenizar as contradições da sociedade capitalista.
4. Sobre a qualidade da força de trabalho docente
Paro (2006) alerta que estamos vivendo em um período histórico de grande precariedade das condições objetivas da escola, que acabam por atingir um dos protagonistas do espaço escolar: o professor. Ainda segundo o autor, a deteriorização da qualidade da força de trabalho docente está ligada a determinantes históricos diversos, sendo o principal deles, a despreocupação do Estado para com a qualidade da educação.
Para este autor, houve, ao longo dos anos, progressiva desqualificação da força de trabalho docente e diminuição de seu salário. “[...] porque não lhe interessava prover as massas trabalhadoras de um ensino de qualidade, o Estado passou a dar importância cada vez menor à escola pública [...]”. Como resultados, a escola pública, atualmente pode ser caracterizada por classes superlotadas, recursos didáticos precários e insuficientes, precária qualificação profissional, baixa remuneração do professor e profissionais da educação (PARO, 2006, p. 95).
Portanto, para o autor, não podemos realizar uma análise simplista e culpar o professor por todas as mazelas da escola, visto que de pouco adianta atacar a má formação do professor, se não forem atacados seus determinantes. E o principal determinante desta desqualificação do trabalho docente, para o autor, são os baixos salários oferecidos, fator que acaba por incentivar a evasão dos profissionais mais bem qualificados. Nesta perspectiva, Paro (2006) apresenta a seguinte questão: para que os professores devem se preocupar com uma boa formação profissional se vão ganhar tão pouco?
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares (2010), um professor brasileiro do Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) tem média salarial de US$ 16,3 mil. Já um professor que trabalha exclusivamente na rede pública do país, tem média salarial de US$ 15,4 mil. Se compararmos estes valores com os de professores de outros países é possível visualizar a diferença significativa de salário, uma vez que estes profissionais tem salário médio de US$ 41,7 mil. Quanto a diferença do salário médio do professor brasileiro com o de outros profissionais, também é bastante expressiva: enquanto um professor da rede pública de ensino, que tem curso superior e, aproximadamente, 15 anos de experiência, tem salário médio de US$ 15,4 mil; os demais profissionais, tem salário médio de US$ 31,7 mil.
Como resultado destes condicionantes, institui-se um círculo vicioso de baixa qualidade, no qual o professor trabalha mal porque ganha pouco e o Estado diz que paga pouco porque o professor trabalha mal, gerando a perpetuação da baixa qualidade (PARO, 2006). Tendo em vista tais aspectos, para o autor, a única forma de alteração deste panorama social é por meio de políticas de valorização da educação e de seus profissionais.
Na busca de melhor esclarecer tais questões, buscaremos, mesmo que de forma sucinta, relacionar esta problemática da qualidade do trabalho docente à política econômica e economia política, ou seja, situar esta questão a partir do quadro histórico e concreto de que surge e se desenvolve.
Tomando como ponto de partida o contexto da década de 1980, temos que, no Brasil, a disseminação das ideias neoliberais inicia-se com o processo de abertura política, ocorrido durante a década de 1980, sendo estas implantadas, principalmente, por meio de reformas a partir da década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Assim, com a reforma do Estado brasileiro, este passa a assumir políticas de liberalização, desregulamentação e privatização, realizando ajustes estruturais necessários à maior liberdade de desenvolvimento do capital.
Como consequência desta redefinição do estado brasileiro, tem-se a precarização dos setores sociais, em especial da educação, que se deu, principalmente, por conta do crescente e expressivo corte de verbas. É importante frisar que, isto não se trata da ineficiência do papel do Estado, mas sim, da própria lógica de funcionamento da sociedade capitalista, a qual consiste na busca desenfreada pelo lucro em detrimento das necessidades humanas (MARX, 2010).
Por conta desta precarização social, delineada pelas investidas neoliberais, as agências internacionais se destacaram no cenário nacional, principalmente por conta dos financiamentos realizados a partir da década de 1990, especialmente no contexto da América Latina.
Neste contexto, a educação, ao mesmo tempo em que foi precarizada pelas reformas neoliberais e adaptada aos novos padrões de exploração do trabalho, passou a ser vista como peça chave para melhorar as condições de vida da população, ideário constitutivo da Teoria do Capital Humano, que propõe a ascensão social por meio da educação (TOLEDO; RUCKSTADTER, 2011).
Com isto, a partir dos anos de 1990, especialmente após a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, desencadeou-se um amplo processo de reformas educacionais em todo o mundo incentivado por organismos multilaterais tais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) e Banco Mundial (BM) para que a educação fosse adaptada às suas novas funções.
E, como não poderia ser diferente, todo este contexto de reformas educacionais, acabou por influenciar o trabalho do professor. Pois, por conta da crise, este profissional teve suas condições de trabalho pioradas, podendo ser ilustrada, atualmente, pelo número excessivo de alunos por turma, precarização do espaço escolar, aumento da violência, baixos salários, subcontratações, alto índice de desemprego, dentre outros pontos que poderiam ser destacados. Condições estas, presentes não somente no sistema público de educação formal, mas também no sistema privado. Ao mesmo tempo, o professor passou a ser cobrado por maior qualidade e eficiência em sua prática e, por vezes, visto como definidor do sucesso/insucesso escolar. Cobrança esta que se materializa, principalmente, pelo sistema de avaliação nacional, no qual o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) merece destaque. Também é importante considerar a avaliação docente que, no Brasil, vem sendo realizada sistematicamente nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, tomando como base o desempenho dos alunos em exames nacionais. Em síntese, este sistema de avaliação, funciona de forma a oferecer incentivos financeiros aos professores de alunos que alcançam bons resultados em exames nacionais (CAMARGO, 2012).
Assim, na atualidade temos paralelamente à transmissão da ideia de que o professor deve efetuar uma prática pedagógica de qualidade e eficiência, sempre colocando-a sob o crivo da reflexão, a necessidade constante de apresentação de resultados pautados nas competências, mediante a aplicação de sistemas avaliativos rígidos que somente consideram os resultados em detrimento ao processo (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011).
Neste quadro de condições de trabalho inadequadas, aliadas a grande cobrança por resultados, o adoecimento entre professores vem se tornando situação comum. Desta forma, podemos concluir, sobretudo, que a qualidade de trabalho docente fica bastante prejudicada quando submetida aos entraves exercidos pela forma social capitalista.
5. Sobre a estrutura administrativa da escola
Teixeira (1961), em seu livro intitulado “O que é administração escolar?” problematiza a questão da administração escolar, ressaltando a ausência de administradores na escola, uma vez que qualquer pessoa pode administrar esta instituição. Ou seja, este autor problematiza a não necessidade de uma formação específica para administrar as escolas públicas no Brasil, diferentemente do que ocorre no sistema privado de educação escolar.
O autor também considera haver grandes diferenças entre a administração da fábrica e a administração escolar. Segundo o autor, a principal diferença é que na administração de fábricas, o administrador tem papel central; enquanto na administração escolar, o administrador, ou diretor, não deve ter papel central, mas sim, os professores. Desta forma, os diretores devem ter como função primeira administrar a escola de forma a promover condições ideais para que o professor exerça sua função da melhor maneira possível.
Nessa linha de pensamento, Paro (2006) afirma que é importante dar atenção a estrutura administrativa da instituição escolar. Segundo este autor, temos, atualmente, como predominantes as relações de mando e submissão no ensino escolar, sendo o mais alto posto da hierarquia ocupado pelo diretor (chefe), posição esta que lhe dá imensa autoridade.
Segundo o autor, isso acaba afastando o diretor dos demais e dos interesses dos usuários da escola. Portanto, existe a necessidade de criar mecanismos para que o diretor se aproxime da escola e de seus visitantes e que este responda não somente ao Estado, mas também à escola. Assim, Paro (2006) propõe a instauração de um sistema em que a direção fosse exercida por um conselho, formado por representantes de vários setores da escola, em que o diretor perderia o papel imperial que tem hoje, sendo apenas um de seus membros. O autor também aponta para a necessidade de o diretor ter mandato eletivo e ser o presidente de um colegiado diretivo, de forma a ser o colegiado o responsável último pela escola. Entretanto, a necessária transformação radical da estrutura hierarquizante e autoritária da escola pública brasileira não pode deter-se nesta medida. São necessárias alterações como um todo, quer em relação às suas atividades meio como às atividades fim, tendo como objetivo último uma organização escolar mais democrática (PARO, 2006).
Para que seja estabelecida uma administração realmente democrática nas escolas, o autor aponta como necessário: a) mecanismos institucionais visando a participação política de grupos e pessoas envolvidos com as atividades escolares; b) processos eletivos para a escolha de dirigentes, colegiados com participação de alunos, pais e professores; c) associação de pais e professores; d) grêmio estudantil; e) processos coletivos de avaliação continuada dos serviços escolares, etc. Todos estes pontos devem estar articulados com os princípios democráticos, de forma a contribuir para a formação de pessoas aptas a reivindicar do Estado os recursos necessários e a estar em consonância com os interesses da classe trabalhadoras usuárias da escola.
Considerações finais
Mediante as considerações postas, fica evidente que o objetivo central de Paro (2006) foi contribuir para o esclarecimento da conjuntura e das perspectivas atuais da administração escolar no país. Assim, o autor analisa os problemas presentes na administração da unidade escolar, mais especificamente na escola pública fundamental.
Existe um eixo basilar em sua análise que introduz a questão mais ampla de sua discussão, que segundo ele seria a necessidade de uma política de universalização do saber produzido historicamente que na sua compreensão deve estar prioritariamente, direcionada a Escola Pública.
Uma das principais questões trabalhadas por Paro (2006) se refere há necessidade de se integrar as práticas políticas com as atividades administrativas no interior da escola pública. Essa compreensão se deve, principalmente, quando se tem como perspectiva a procura efetiva de objetivos educativos envolvidos com os interesses das camadas trabalhadoras.
Como considerações finais, o autor destaca quatro pontos principais: a) é imperioso estabelecer os objetivos da escola que atenda aos interesses de seus usuários; b) é urgente que se estabeleçam padrões mínimos de qualidade aliados a processos coletivos de avaliação escolar para guiar a busca por estes objetivos; c) é necessário atentarmos para os determinantes sociais para a qualidade da força de trabalho empregada na escola e, por fim; d) é fundamental pensar numa transformação radical no modo como a escola organiza suas atividades, de forma a que esta instituição passe a ser mais permeada pela sociedade civil.
Referências
ALVES, G. L. A produção da escola pública contemporânea. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.
ANTUNES, R. Os sentidos do Trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.
ARROYO, M. G. Políticas educacionais e desigualdades: à procura de novos significados. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1381-1416, out./dez. 2010.
BRASIL. Diretrizes do Programa Segundo Tempo 2011. 2011. Disponível em: http://portal.esporte.gov.br/arquivos/snee/segundoTempo/DiretrizesdoProgramaSegundoTempo.pdf Acesso em: 07 de Agosto de 2012.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. 5° ed. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf. Acesso em 15 de Ago. 2012.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.126p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf. Acesso em: 20 de Ago. 2012.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Plano decenal de educação para todos: 1993-2005. Brasília: MEC, 1993. - versão atualizada 120p. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001523.pdf. Acesso em: 20 de Ago. 2012.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Resolução CEB Nº 2, DE 7 DE Abril de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb02_98.pdf. Acesso em 13 de Ago. 2012
CAMARGO, P. De olho no professor. Educação, a. 16, n. 181, p. 50-60, mar. 2012.
CARVALHO, E. J. G.. Políticas Públicas e Gestão da Educação no Brasil. Maringá: EDUEM, 2012.
GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. S.; ANDRÉ, M. E. D. A. Políticas docentes no Brasil: estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.
INEP. Indicadores educacionais do Mercosul. 2007. Disponível em: http://www.sic.inep.gov.br/. Acesso em: out. 2012.
LARA, A. M. B.; SILVA, J. A. Políticas públicas para a educação infantil no Brasil: qualidade, descentralização e focalização. In: AZEVEDO, M. L. (org.). Políticas públicas, debates contemporâneos e educação. Maringá: Eduem, 2008.
LAZARINI, A. Q. Breves considerações sobre a “formação para cidadania e trabalho” à luz do processo de produção do capital: Lições do Livro Primeiro de “O Capital”. Disciplina: Seminário Especial: Capital, trabalho e educação. Universidade Federal de Santa Catarina. 2007.
MACENO, T. E. (Im)possibilidades e limites da universalização da educação sob o capital. Dissertação apresentada ao Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2005.
MARX, K. Glosas Críticas marginais ao artigo: O rei da Prússia e a reforma social: de um prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MELLO, R. A.. A necessidade histórica da educação física na escola: a emancipação humana como finalidade. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
MÉSZÁROS, I. A Educação para Além do Capital. 2º ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
OLIVEIRA, D. A. Política Educacional nos anos 1990: Educação Básica e Empregabilidade. In: OLIVEIRA, D. A. Políticas Públicas e Educação Básica. São Paulo, 2001.
OLIVEIRA, J. B. A. Correção do Fluxo Escolar: um balanço do programa acelera Brasil (1997-2000). Cadernos de Pesquisa, n. 116, jul. 2002, p. 177-215.
PARO, V. H. O caráter político e administrativo das práticas cotidianas na escola pública. In: Administração Escolar: introdução crítica. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
PASSOS, N. 7% do PIB não são suficientes para a Educação, dizem especialistas. 2012. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19801. Acesso em: 23 de julho de 2012.
PESQUISA NACIONAL DE AMOSTRAS DE DOMICÍLIOS. PNAD. Professor brasileiro ganha menos que metade do salário dos docentes dos países da OCDE. 2010. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/10/01/professor-brasileiro-ganha-menos-que-metade-do-salario-dos-docentes-dos-paises-da-ocde.htm. Acesso em: 21 de out. de 2012.
TEIXEIRA, A. Que é administração escolar? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.36, n. 84, 1961, p. 84-89.
TOLEDO, C. A. A.; RUCKSTADTER, V. C. M. Apontamentos sobre o princípio da gestão democrática na educação brasileira. In: LARA, A. M. B.; TOLEDO, C. A. A.; MOREIRA, J. A. S.; et al. Gestão educacional. Maringá: Eduem, 2011.
TONET, I. Educação contra o capital. Maceió: EDUFAL, 2007.
TONET, I. Educação, Cidadania e Emancipação Humana. Ed. Unijuí, Rio Grande do Sul, RS, 2005.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 17 · N° 177 | Buenos Aires,
Febrero de 2013 |