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Estudando Anatomia Humana com práticas diferenciadas: um 

relato de experiências com alunos do curso de Educação Física

Estudiando Anatomía Humana con prácticas diferenciadas: un relato de experiencias con alumnos de un curso de Educación Física

 

*Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS

**Laboratório de Anatomia Humana

Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS

(Brasil)

Paulo Tadeu Campos Lopes*

Rossano André Dal-Farra*

Ana Maria Pujol Vieira dos Santos**

Gabriela Augusta Mateus Pereira**

pclopes@ulbra.br

 

 

 

 

Resumo

          As atividades práticas representam estratégias fundamentais nas disciplinas de anatomia humana nos cursos da área da saúde. Por esta razão, o repensar das ações nestas disciplinas deve ser uma constante na comunidade acadêmica, especialmente no momento em que busca-se tornar o aluno como o centro da aprendizagem. Com estas premissas, este estudo teve como objetivo avaliar, em uma turma de alunos do Curso de Educação Física, a utilização de uma sequência didática com ossos seccionados em diferentes segmentos, contribuindo para a aprendizagem de conceitos relativos à estrutura óssea. Com base na análise das respostas de alunos a instrumentos de coleta de dados aplicados antes e após a atividade, os resultados foram categorizados segundo a regularidade das respostas obtidas e considerados como “satisfatórios”, “regulares” ou “insatisfatórios”. Observou-se que a principal contribuição da atividade foi o reconhecimento de estruturas internas e da relação entre elas, ou seja, da complexa rede de células, tecidos e suas funções no organismo.

          Unitermos: Ensino de Anatomia Humana. Ensino Superior. Metodologia de ensino. Educação Física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 177, Febrero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O estudo da anatomia humana se faz imprescindível para o conhecimento e compreensão do corpo humano como um todo, em importância e interação de todas suas estruturas e características de cada um de seus órgãos ou partes (DANGELO e FATTINI, 2007). Os currículos vêm sofrendo constantes transformações nas últimas décadas, tendo em vista a necessidade de adequação às constantes transformações que a sociedade contemporânea tem observado. Por esta razão, o constante repensar das ações docentes e discentes tem proporcionado o desenvolvimento de estratégias importantes para a construção do processo de ensino e aprendizagem visando contribuir para que os alunos possam crescer no âmbito pessoal e laboral. Para Fornaziero et al. (2010) faz-se necessária uma releitura reflexiva do ensino com o intuito de despertar a consciência sobre o que o planejamento pedagógico abrange, já que este não se restringe à imposição de ideias embasadas em conhecimento próprio, mas abrange um posicionamento de auto-avaliação por parte do educador em relação ao exercício docente.

    Torna-se de fundamental importância a busca de métodos inovadores que facilitem o processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, o educador precisa construir práticas pedagógicas inovadoras que possam coadunar o domínio dos conteúdos específicos, mas também dos pressupostos pedagógicos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem (CAMPUS NETO et al. 2008). No ensino da anatomia humana, a visualização é de fundamental importância, e o contato manual com as estruturas anatômicas facilita a compreensão dos detalhes, das dimensões, das texturas e das propriedades físicas do material estudado, tais como o peso, rigidez e elasticidade (MELO et al., 2007). Uma estrutura, quando utilizada como referência a uma imagem impressa, permite materializar uma ideia ou um conceito, tornando, assim, o conhecimento mais acessível para o estudante. A utilização de modelos didáticos alternativos facilita o processo de ensino e aprendizagem nos diferentes níveis de ensino. Dessa forma, a utilização desses materiais é de grande importância, pois facilita a realização de aulas caracterizadas pela dinamicidade, mobilizando o interesse dos alunos (JUSTINA e FERLA, 2006) e permitindo que eles formem uma imagem mais próxima das estruturas dinâmicas reais (FREITAS et al., 2008).

    Sendo o ambiente educacional um lócus crucial na difusão de saberes na comunidade, assim como considerando a relevância de desenvolver-se estratégias de ensino e aprendizagem que possam atender às exigências da educação contemporânea, o presente estudo apresenta os resultados de uma experiência com alunos do Curso de Educação Física, buscando atender aos pressupostos da aprendizagem significativa, com base na utilização de peças anatômicas de animais – ossos – visando à implementação de práticas pedagógicas diferenciadas que possam, posteriormente, ser inseridas em processos educacionais mais amplos.

Material e métodos

    A operacionalização da atividade ocorreu junto a cinco alunos do Curso de Educação Física da Universidade Luterana do Brasil, que responderam o mesmo instrumento de coleta de dados, tanto na pré-atividade, quanto na pós-atividade. O instrumento continha seis questões fechadas, de escolha simples e uma aberta.

    Os dados foram analisados com base no método misto, com estratégia aninhada concomitante e de predominância qualitativa, conforme Creswell (2007). No primeiro momento da atividade, através de pré-teste, os participantes tiveram que responder as questões sobre os ossos e suas estruturas. Após a coleta das respostas, foi realizada uma atividade com ossos bovinos (fêmur, tíbia e patela) em diferentes cortes, sendo os alunos convidados a trabalhar o material com auxílio de pinças e bisturi e com a proteção de luvas e demais materiais de utilização rotineira em laboratórios desta natureza. Ao término da atividade foi aplicado o pós-teste.

    Para efeitos de compreensão ampla do material analisado, o processo investigativo constou da tabulação dos resultados na forma de quantificação das respostas obtidas. Este procedimento teve como objetivo contribuir para a discussão dos resultados com base na observação das regularidades encontradas. As respostas das perguntas foram avaliadas segundo método adaptado de Da Silva e Neto (2003), sendo classificadas como: sem resposta; resposta insatisfatória; resposta regular e resposta satisfatória, segundo atribuição de valor conforme critérios estabelecidos pelos docentes envolvidos diretamente na aplicação da atividade.

Resultados e discussão

    As respostas dos estudantes aos questionamentos propostos na (pré e pós atividade) estão demonstradas na Figura 1, com as legendas assinaladas nas próprias questões apresentadas a seguir:

  1. O que é diáfise? DiáfisePRE e DiáfisePOS

  2. O que é epífise? EpífisePRE e EpífisePOS

  3. O que é medula óssea? MedOssPRE e MedOssPOS

  4. Qual é a localização da medula óssea? LocMedOssPRE e LocMedOssPOS

  5. O que é periósteo? PerioPRE e PerioPOS

Figura 1. Classificação das respostas dos estudantes na pré e na pós atividade

    Observa-se que nas cinco questões houve um deslocamento favorável das respostas da pré-atividade para a pós-atividade, inclusive em relação à medula óssea, aspecto no qual houve maior dificuldade nos estudantes, já que os quatro que responderam na pré-atividade a questão 3 apresentaram respostas insatisfatórias, ao passo que na pós-atividade houve quatro respostas somando as satisfatórias e as regulares.

    Foi possível perceber que a principal aprendizagem decorrente do processo foi justamente a questão da medula óssea, tanto conceituação quanto localização, e o periósteo, este último com três alunos não respondentes no pré-teste e apenas uma resposta regular, ao passo que no pós-teste houve quatro respostas somando as regulares e as satisfatórias. Inclusive, a principal contribuição neste aspecto foi justamente a relação feita com a produção das células sanguíneas, devido à pronunciada facilidade em compreender este processo por meio da visualização da medula óssea acompanhada pelo diálogo entre docente e discente a respeito desta função da medula. Segundo um dos alunos no pós-teste, a medula óssea É a substância contida no interior de um osso longo, na consistência de uma massa gordurosa... responsável pela produção de células sanguíneas.

    Em que pese algumas imprecisões que ocorreram mesmo após a atividade, a possibilidade de realizar uma conexão entre osso e células sanguíneas é muito importante. Tradicionalmente considerados como estruturas “rígidas”, e até mesmo “mortas”, a associação dos ossos apenas com a sustentação do organismo, provavelmente oriunda do ensino médio, precisa ser problematizada com os estudantes do ensino superior, especialmente pelo fato destes cursarem a disciplina ainda no início de sua jornada acadêmica. Alguns depoimentos interessantes dos alunos foram:

    Não sabia que o osso por dentro é assim.

    Não fazia idéia que o osso é uma estrutura viva.

    Nunca tive conhecimento que dentro de um osso existe gordura e células de sangue sendo produzidas.

    Não sabia que o tutano dos ossos é a medula!

    Ressalta-se que em muitos casos as pessoas confundem a medula óssea com a medula espinal, talvez por esta última ser mais conhecida pela população, aspecto que deve ser atentado pelos professores e por todos que laboram com a alfabetização científica nos mais variados âmbitos e contextos.

    A questão da localização da medula também apresentou um incremento após a atividade, no entanto, de menor magnitude do que no caso anterior, provavelmente sendo facilitada pelo fato do próprio termo “medula” ser um indicativo de sua localização.

    Com relação à diáfise, na pré-atividade foram obtidas cinco respostas regulares, e na pós-atividade já houve três respostas satisfatórias. Destacam-se as respostas seguintes:

Aluno 1:

  • Pré-atividade: é a parte central ou corpo de um determinado osso.

  • Pós-atividade: é a parte central ou corpo de um determinado osso, porém, longo.

Aluno 4:

  • Pré-atividade: diáfise corresponde ao corpo do osso, ou porção medial entre as epífises.

  • Pós-atividade: diáfise é a região intermediária de um osso longo, entre as duas epífises.

    Com relação às epífises, inicialmente com duas respostas insatisfatórias e três regulares, na pós-atividade foram obtidas duas respostas regulares e três satisfatórias. Destacam-se as seguintes respostas:

Aluno 5

  • Pré-atividade: São as extremidades dos ossos, podem ser proximal ou distal.

  • Pós-atividade: São as extremidades dos ossos longos, podem ser proximal ou distal.

    É possível depreender que, pelo fato de serem estruturas mais “visíveis” e cuja conceituação está relacionada preponderantemente com a sua localização e não com a sua composição propriamente dita, como no caso da medula óssea, isso torna a aprendizagem de epífise e diáfise algo mais fácil para os estudantes, embora, em alguns casos particulares, possa haver confusão em considerar a epífise como sendo a diáfise e vice-versa, algo que não foi observado no presente trabalho.

    Para a compreensão do corpo humano, diferentes estruturas e sistemas precisam ser trabalhados, entre eles o sistema esquelético. Para Tortora (2007), um osso é composto de diversos tecidos diferentes trabalhando em conjunto, sendo, por esta razão, cada osso individual considerado um órgão. Através das atividades desenvolvidas nos ossos bovinos neste estudo, os alunos vivenciaram de forma mais precisa a conceituação e as implicações deste processo em relação à diáfise – a porção central de um osso longo – e as epífises – suas extremidades. Da mesma forma foi possível localizar no interior dos ossos a medula óssea, a vermelha, formada principalmente por tecido composto por células produtoras de sangue, localizada nas epífises, e a amarela, composta predominantemente por gordura e colágeno, localizada na diáfise. Foram evidenciadas ainda a substância óssea compacta, dura e resistente como um “marfim”, localizada principalmente na diáfise, e a substância óssea esponjosa, localizada nas epífises. Também foram reconhecidos o periósteo, delicada membrana que reveste o osso externamente e o endósteo, outra membrana que o reveste internamente. Ressalta-se que o fato que despertou maior interesse foi a localização da artéria nutrícia, que interioriza no osso através de uma perfuração – o forame nutrício.

    Segundo Krasilchik (2004) as aulas de laboratórios de biologia permitem que os alunos tenham contato direto com os fenômenos, manipulando os materiais e equipamentos e observando organismos. A autora salienta ainda a necessidade de organizar as atividades de modo a evitar que o aluno siga instruções detalhadas para encontrar respostas certas, mas sim devem ser conduzidas para resolver problemas, ampliando o processo para além de uma simples atividade manual.

    O pós-teste teve o acréscimo de uma questão: Como você avaliaria esta atividade realizada? Muito importante colocar-se todas as respostas:

  • Aluno 1: Muito proveitosa. No momento em que fizemos o primeiro teste ficamos com algumas dúvidas que foram respondidas e visualizadas na atividade prática, e a visualização para muitos facilita a aprendizagem.

  • Aluno 2: Bom, dissecando, abrindo os ossos para achar as estruturas dentro, uma boa experiência para descobrir e ver onde mais ou menos estão as estruturas em um esqueleto humano.

  • Aluno 3: A atividade ajudou a descobrir partes do esqueleto que só com aulas teóricas não ajudaria muito, uma aula prática foi melhor do que várias teóricas.

  • Aluno 4: A atividade desenvolvida foi muito importante por oportunizar ao aluno a vivência prática da constatação dos princípios teóricos bem como a comprovação ou não, de conhecimentos prévios e construção de novos.

  • Aluno 5: Muito interessante, pois com um estudo prático fica muito mais fácil de entender a composição do tecido ósseo.

    É possível destacar que a questão da visualização, assim como o contato com as estruturas foram os aspectos mais relevantes da atividade. De fato, considera-se que o aprendizado ocorre mais efetivamente quando o estudante experencia o conhecimento utilizando vários “canais” de interação com a informação e com o docente, ampliando a possibilidade de aprendizagem, possibilitando, inclusive, um processo de significação mais efetivo e representando um maior envolvimento por parte do estudante (VALLE, 2006; LOURENÇO e DE PAIVA, 2010).

    Pelos resultados obtidos nas análises é possível considerar que a metodologia empregada foi facilitadora para o processo de ensino e aprendizagem do corpo humano, mesmo que o material utilizado tenha sido de origem animal. Outros estudos com material oriundo de animais já foram realizados para atividades de aprendizagem, como no caso de Martinez (2007), que em turmas de séries iniciais do ensino fundamental, através de um estudo objetivando conhecer características da constituição de seu próprio corpo, reconhecer o esqueleto (caveira) enquanto parte do corpo humano, conhecer algumas características do esqueleto, observar esqueletos de diferentes animais (cachorro, gato, peixe, galinha e boi) e compará-los com o esqueleto do ser humano, observou que os alunos chegaram à conclusão coletiva que todas as pessoas são caveiras e que vários animais também, ou seja, somos constituídos por um esqueleto que é formado por ossos e que estes ajudam na locomoção, sustentação e na proteção dos órgãos, possibilitando a execução de qualquer tipo de movimento ou atividade física.

Considerações finais

    O desafio diário dos docentes no âmbito de suas atividades envolve a construção de processos de ensino e aprendizagem que atendam aos objetivos propostos para a disciplina/ curso em questão. Por esta razão, o repensar constante das ações docentes e discentes representa um processo fundamental no qual o constante diálogo entre ambos se constitui em necessidade básica do processo educacional. Visando atender a tais premissas, este estudo buscou realizar uma sequência didática na qual os ossos de bovinos foram utilizados para a aprendizagem e se constituíram em ferramenta interessante para a compreensão das estruturas ósseas, principalmente em relação à medula óssea e ao periósteo. Neste processo, mais do que simplesmente apresentar uma possibilidade de aplicação prática, entende-se que a dialogicidade das práticas pedagógicas, assim como a interação mais ampla entre docente e discente representam princípios relevantes para o processo educacional, ligado à educação superior.

Referências

  • CAMPUS NETO, F. H. C.; MAIA, N. M. F.; GUERRA, E. M. D. A experiência de ensino da anatomia humana baseada na clínica. Fortaleza: Universidade Metropolitana de Fortaleza, Anais do XXIII Congresso Brasileiro de Anatomia, 2008.

  • CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed, 2007.

  • DA SILVA, J.; NETO, A. S. A. DNA e ambiente: o uso do ensaio cometa como ferramenta para discussão interdisciplinar de lesão e reparo no DNA na pós graduação em ensino de ciências. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 4, 2003, Bauru. Anais, Bauru: ENPEC, 2003, p. 1-13.

  • DANGELO, J. G.; FATTINI, C. A. Anatomia humana sistêmica e segmentar. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2007.

  • FORNAZIERO, C. C.; GORDAN, P. A.; CARVALHO, M. A. V.; ARAUJO, J. C.; AQUINO, J. C. B. Teaching of anatomy: integration of the human body and the environment. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 34, n. 2, June 2010.

  • FREITAS, L. A. M; BARROSO, H. F. D.; RODRIGUES, H. G.; AVERSI-FERREIRA, T. A. Construção de modelos embriológicos com material reciclável para uso didático. Bioscience Journal, v. 24, n. 1, 2008.

  • JUSTINA, L. A. D.; FERLA, M. R. A utilização de modelos didáticos no ensino de genética: exemplos de representação de compactação do DNA eucarioto. Arquivos do Mudi, v. 10, n. 2, p. 35-40, 2006.

  • KRASILCHIK, M. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2004.197p.

  • LOURENÇO, A. A.; DE PAIVA, M. O. A. A motivação escolar e o processo de aprendizagem. Ciências & Cognição, v. 15, n. 2, p. 132-141, 2010.

  • MARTINEZ, A. P. Projeto caveira existe? In: ABC na Educação Científica Mão na Massa, 4, 2007, São Carlos. Anais, São Carlos: CDCC-USP, 2007. p. 109-112.

  • MELO, J. S. S., Brasil, L. M.; FERNEDA, E.; BALANIUK, R.; COSTA, E. B.; BITTENCOURT, I.; ROCHA, L. Uso da realidade virtual em sistemas tutores inteligentes destinados ao ensino de anatomia humana. XVIII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação – SBIE – Mackenzie, 2007.

  • TORTORA, G. Princípios de anatomia humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2007.

  • VALLE, L. E. L. R. Neuropsicologia e psicopedagogia: desenvolvimento integrado de competências essenciais para a aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2006.

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